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“Por onde deve começar-se a história do Brasil?”: eurocentrismo, historiografia e o Antropoceno

“Where Should the History of Brazil Start?”: Eurocentrism, Historiography, and the Anthropocene

“¿Dónde debe comenzar la historia de Brasil?”: Eurocentrismo, historiografía y el Antropoceno

RESUMO

O presente artigo parte de debate ocorrido na segunda metade do século XIX na historiografia brasileira a respeito de qual deveria ser o ponto de partida de uma narrativa da história do Brasil: a Europa (por meio do contexto da expansão europeia e das Grandes Navegações) ou a América (descrevendo-se, primeiramente, o território e as populações indígenas). Este debate envolvia a questão de definir os “antecedentes” da história do Brasil, assumindo para a história uma lógica narrativa dotada de implicações. O processo histórico assim escolhido definia um “centro” para a história do Brasil, que poderia ser “interno” (território e populações indígenas) ou “externo” (Europa, ou processo de expansão do capitalismo comercial). Aqui, buscamos analisar as implicações dessa tríade teórica antecedentes-processo-centro na historiografia de formação brasileira à luz, por fim, de reavaliações possíveis do lugar e papel das populações indígenas e da natureza na história.

Palavras-chave:
historiografia brasileira; eurocentrismo; Antropoceno; narrativa; meio ambiente

ABSTRACT

This paper follows a late nineteenth-century debate in Brazilian historiography about the proper starting point for narratives of Brazilian history: Europe (European expansion and the great voyages of early modern period) or America (with descriptions of the territory and native peoples). This debate centered on defining the “antecedents” of Brazilian history, which would fit a narrative logic with particular implications. The chosen historical process would, in its turn, would help identify a “center” for Brazilian history, which could either be “internal” (territory and its earlier occupants) or “external” (Europe and the expansion of commercial capitalism). This article analyzes the theoretical trio of “antecedents-process-center during a formative moment in Brazil’s historiography with attention to possible re-evaluations of the place and role of indigenous peoples and nature in history.

Keywords:
Brazilian historiography; eurocentrism; Anthropocene; historical narrative; environment

RESUMEN

El presente artículo parte del debate ocurrido en la segunda mitad del siglo XIX en la historiografía brasileña sobre cuál debería ser el punto de partida de una narrativa de la historia del Brasil: Europa (por medio del contexto de expansión europea y de las Grandes Navegaciones) o América (describiéndose, principalmente, el territorio y las poblaciones indígenas). Este debate envolvía la cuestión de definir los “antecedentes” de la historia de Brasil, asumiendo para la historia una lógica narrativa dotada de implicaciones. El proceso histórico así escogido definía un “centro” para la historia de Brasil, que podría ser “interno” (territorio y poblaciones indígenas) o “externo” (Europa, o proceso de expansión del capitalismo comercial). Aquí buscamos analizar las implicaciones de esa trilogía teórica antecedentes-proceso-centro en la historiografía brasileña a la luz, por fin, de las revaluaciones posibles del lugar y el papel de las poblaciones indígenas y de la naturaleza en la historia.

Palabras Clave:
historiografía brasileña; eurocentrismo; Antropoceno; narrativa; medio ambiente

Contam os brancos que um português disse ter descoberto o Brasil há muito tempo. Pensam mesmo, até hoje, que foi ele o primeiro a ver nossa terra. Mas esse é um pensamento cheio de esquecimento! Omama nos criou, com o céu e a floresta, lá onde nossos ancestrais têm vivido desde sempre. Nossas palavras estão presentes nesta terra desde o primeiro tempo, do mesmo modo que as montanhas onde moram os xapiri. Nasci na floresta e sempre vivi nela. No entanto, não digo que a descobri e que, por isso, quero possuí-la. Assim como não digo que descobri o céu, ou os animais de caça! Sempre estiveram aí, desde antes de eu nascer.

Davi Kopenawa e Bruce Albert em A queda do céu (2016, p. 252-253)

Tomaremos como escala inicial para este artigo um debate relativamente silencioso a respeito da organização do início das narrativas de história do Brasil, ocorrido no final do Império, ou seja, no começo da República, desencadeado pela primeira edição da História geral do Brasil (1854-1857), de Francisco Adolfo de Varnhagen, e repercutido por João Capistrano de Abreu. A polêmica compreendia a escolha do autor de começar o estudo da história do Brasil pelo território americano e pelas populações indígenas existentes antes da chegada da esquadra de Cabral à América, ou a partir do contexto europeu do período das Grandes Navegações. Nossa hipótese é que o capítulo inicial dessas narrativas históricas (comumente chamado de “Antecedentes”) funciona como um índice duplo: do processo no qual cada autor insere a história brasileira, de modo a dar-lhe sentido, e do centro dessa história, isto é, do espaço geográfico, humano e/ou cultural ao qual cada historiador remete a agência histórica do processo de formação do Brasil.

Aporias das relações entre os conceitos de centro, processo e história

Para Hannah Arendt o moderno conceito de processo dissocia “a época moderna do passado mais profundamente que qualquer outra ideia tomada individualmente. Para a nossa moderna maneira de pensar nada é significativo em si e por si mesmo”. Sempre haverá processos invisíveis se relacionando com “todas as coisas tangíveis e todas as entidades individuais visíveis para nós, degradando-as a funções de um processo global” (ARENDT, 1972ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972., p. 95-96). A implicação disso, prossegue a autora, é a dissociação entre “o concreto e o geral, a coisa ou evento singulares e o significado universal. O processo, que torna por si só significativo o que quer que porventura carregue consigo, adquiriu assim um monopólio de universalidade e significação” (ARENDT, 1972BASTOS, Elide Rugai. As criaturas de prometeu. Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global, 2006., p. 96). Para a escrita da história, o corolário é a necessidade de integrar os fatos isolados em um processo histórico geral, locus do significado que aqueles fatos, em si mesmos, não possuem. A representação desse processo, em uma narrativa, revelaria esse sentido. Um evento histórico tornar-se-ia compreensível, pois, a partir dessa operação de inserção em um processo.

A construção da trama que expõe o processo guarda, entretanto, uma relação particular com os fatos que vão ganhar sentido dentro dela. Uma narrativa histórica é espacialmente relacionada, e, por conseguinte, também o processo que será projetado sobre os fatos, pois há uma dupla operação de projeção: a dos fatos a um processo e a de um processo aos fatos. As narrativas históricas modernas seriam formadas a partir da noção aqui em destaque, que distingue o pensamento moderno mais que qualquer outra, no argumento de Arendt. Elas se constroem a partir da elaboração de modelos plasmados, a partir de processos históricos da modernidade espacialmente localizáveis. A modernidade, apontou Dipesh Chakrabarty, envolve conceitos como cidadania, Estado, sociedade civil, esfera pública, direitos humanos, igualdade perante a lei, indivíduo, distinção entre público e privado, entre outros, que carregam o “fardo do pensamento e da história europeus” (“the burden of European thought and history”; CHAKRABARTY, 2008CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press, 2008., p. 4). A narrativa da modernidade é construída a partir de um pensamento europeu, em particular o historicismo (CHAKRABARTY, 2008CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press, 2008., p. 7).

O pensamento histórico moderno necessita da ideia de processo, de um espaço de atribuição de sentido para os fatos estudados. O processo, porém, é construído a partir de uma experiência histórica específica, espacialmente localizável. Dipesh Chakrabarty aponta, pois, para o aspecto central da ideia de processo histórico: os centros, pois, para o autor, os processos têm centros. A narrativa histórica da modernidade é centrada na Europa, ou seja, ela é construída a partir da abstração da experiência histórica europeia, que se torna modelo e/ou ponto de partida para as demais narrativas da modernidade. As demais regiões do mundo ou receberão posteriormente aquilo que apareceu primeiro na Europa (a problemática do “first in Europe, then elsewhere” exposta por Chakrabarty), ou reproduzirão, em suas histórias particulares, os estados pelos quais passou a Europa, como em Marx (CHAKRABARTY, 2008CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press, 2008., p. 7). As narrativas locais têm lugar ao substituir “Europa” por outro centro - mas algum centro permanece. (A história da historiografia vem apontando o que significou para diferentes tradições historiográficas receber o historicismo como modelo de escrita e pensamento histórico. Cf., por exemplo, IGGERS; WANG; MUKHERJEE, 2008IGGERS, Georg G.; WANG Q. Eduard; MUKHERJEE, Supriya. A global history of modern historiography. Harlow: Pearson Longman, 2008.; e ARAUJO; MATA; MOLLO; VARELLA, 2008ARAUJO, Valdei Lopes; MATA, Sérgio R.; MOLLO, Helena M.; VARELLA, Flávia Florentino (orgs.). A dinâmica do historicismo: revisitando a historiografia moderna. 1. ed. Belo Horizonte: Argumentum, 2008.).

Uma questão que fica desse debate introdutório, para efeitos do nosso argumento, é: como pensar sobre a temporalidade a partir de uma experiência marginal do capitalismo, sem reificar os preconceitos e esquematismos das interpretações homogêneas, antropocêntricas e eurocêntricas da expansão, desenvolvimento e consolidação mundial do capitalismo? O debate também pode ajudar a pensarmos a relação entre processo histórico e centro da história como importantes categorias organizadoras da interpretação histórica moderna. Nesse caso, a pergunta já é parcialmente diferente, a saber: as narrativas da modernidade, elaborações sobre um processo histórico considerado global, unificam os distintos processos históricos locais?

Nosso argumento, a partir dessas questões, é que há como corolário desse procedimento a eleição de “centros” da história. Esse corolário desemboca, assim, em uma possível aporia que queremos discutir ao longo do texto: seria possível (e desejável) pensar uma história (humana e, talvez, até natural) sem antecedentes? A esse respeito, pretendemos, ao longo do texto, dar sequência à epígrafe de Davi Kopenawa/Bruce Albert e à seguinte afirmação de Oakeshott:

passado antecedente não é uma ‘incubadora’ na qual eventos históricos subseqüentes são ‘incubados’, nem um camarim nos bastidores onde eles esperam para ser chamados [...] [mas antes] transmitem uma diferença para discernir a diferença que eles próprios fizeram e, dessa forma, caracterizar o evento subseqüente como uma confluência circunstancial de eventos históricos antecedentes (OAKESHOTT, 2003OAKESHOTT, Michael. Sobre a História e outros ensaios. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003., p. 123; 160).

“Por onde deve começar-se a história do Brasil?”

Na edição de 22 de dezembro de 1894, no jornal A Notícia, o historiador Capistrano de Abreu publicou uma resenha da obra de Oliveira Lima intitulada Aspectos da literatura colonial brasileira. Nessa resenha, Capistrano destaca as muitas qualidades do autor e de sua obra, mas, igualmente, assinala as suas deficiências. A primeira questão que Capistrano discute é o ponto de partida da obra, que parece prover um estudo da história do Brasil, para tratar da literatura colonial:

Por onde deve começar-se a história do Brasil? Pela descrição do solo e seus produtos, dos indígenas, com os grupos em que se dividiam, e os característicos de cada um dos grupos, e finalmente os sucessos que ligaram o continente ocidental às nações que para nós representam o oriente [a Europa]? Ou partindo-se da histórica [sic] dos descobrimentos, abrindo em seguida um largo parêntese para incluir a terra e o homem que os europeus aqui defrontaram?

Ambos os métodos têm suas vantagens. O primeiro foi defendido por D’Avezac, que traçou-lhe o programa em poucas páginas, porém magistrais. E afinal Varnhagen, que seguira o outro [método], aderiu ao primeiro na segunda edição da História Geral.

Oliveira Lima começa o livro pela época dos descobrimentos (ABREU, 1976ABREU, João Capistrano de. Ensaios e estudos, crítica e história, 4ª série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1976., p. 178).

Francisco Adolfo de Varnhagen, na primeira edição de sua História geral do Brasil (1854-1857), começara a narrativa da história do Brasil pelo capítulo “Descobrimento da América e do Brasil”. Sua obra recebeu críticas do francês Marie Armand Pascal d’Avezac de Castera-Macaya (1800-1875), numa reunião da Societé de Geographie de Paris de 1857, publicadas no mesmo ano em boletim desta associação e também em separata (D’AVEZAC, 1857D’AVEZAC, Marie Armand Pascal. Considerations Geographiques sur l’histoire du Brésil. Examen critique d’une nouvelle Histoire Generale du Brésil recemment publiée en Portugais a Madrid par M. François-Adolphe de Varnhagen charged’affaires du Brésil en Espagne. Rapport fait a la Societé de geographie de Paris dans ses seances des 1er mai et 5 juin 1857. Paris, L. Marinet, 1857.). Além de críticas concernentes às asserções de Varnhagen sobre as primeiras viagens ao continente americano, D’Avezac também defendeu que se começasse a narrativa da história do Brasil pela descrição do território e das populações aqui existentes antes da chegada dos portugueses, e não pela história da Europa à época das Grandes Navegações, como fizera Varnhagen. Nas palavras do geógrafo francês, “O autor [Varnhagen] não se colocou em um ponto de vista propriamente brasileiro [...]. O novato historiador escolheu o ponto de vista exclusivo e possessivo dos conquistadores portugueses, o que lhe cobrou exigências inexoráveis. Não é de forma alguma pelo Brasil que se inicia o relato: é pela Europa”1 1 Tradução nossa. No original: L’auteur [Varnhagen] ne s’est pas placé au point de vue proprement brésilien [...]. Le nouvel historien a choisi le point de vue exclusif et jaloux des conquérants portugais, et il en a subit les inexorables exigences. Ce n’est point au Brésil que s’ouvres on récit: c’est en Europe. (D’AVEZAC, 1857D’AVEZAC, Marie Armand Pascal. Considerations Geographiques sur l’histoire du Brésil. Examen critique d’une nouvelle Histoire Generale du Brésil recemment publiée en Portugais a Madrid par M. François-Adolphe de Varnhagen charged’affaires du Brésil en Espagne. Rapport fait a la Societé de geographie de Paris dans ses seances des 1er mai et 5 juin 1857. Paris, L. Marinet, 1857., p. 9-10). Clado Ribeiro Lessa especula que, nesta crítica, d’Avezac estaria se dirigindo ao indianismo literário romântico do período (com o qual Varnhagen já tinha sérias divergências), buscando levar essa parcela do meio letrado brasileiro oitocentista a desgostar do História geral (LESSA, 1955LESSA, Clado Ribeiro. Vida e obra de Varnhagen (cont.). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 226, 1955., p. 49; PUNTONI, 2003PUNTONI, Pedro. O Sr. Varnhagen e o patriotismo caboclo: o indígena e o indianismo perante a historiografia brasileira. In: JANCSÓ, István (org.). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec, 2003.).

Todavia, o Visconde de Porto Seguro teria aceitado a colocação de d’Avezac a respeito do início de sua narrativa e, por isso, o primeiro capítulo da segunda edição da História geral (1877), começa com a “Descrição geral do Brasil”, diferente da primeira edição onde o tema aparecia no sétimo capítulo. Ou seja, inicialmente Varnhagen havia colocado a descrição do território e seus indígenas como “um largo parêntese para incluir a terra e o homem que os europeus aqui defrontaram” e, posteriormente, adotou-a como ponto de partida da história do Brasil.

Varnhagen, por sua vez, na resposta a d’Avezac, indicou que já havia pensado em adotar a ordem das matérias que parte da descrição do território e das populações nativas, na primeira edição da História geral, apontando a nota 44 dessa edição (VARNHAGEN, 1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brasil, antes de sua separação e independência de Portugal. Tomo I. Rio de Janeiro: Em Caza de E. e H. Laemmert, 1854., p. 446). Ao começar pela história europeia, Varnhagen considera ligar melhor a história do Brasil a “historia da humanidade em geral, na qual a do nosso paiz ha de um dia vir a figurar”. Com isso, revela o desejo de, com sua obra, contribuir para a inclusão do Brasil no rol das nações civilizadas. Mas, também, estabelece um procedimento epistemológico não muito diferente do que será seguido por vários outros autores depois dele: o de dar sentido à história do Brasil vinculando-a a algum processo histórico mais amplo (e centrado na Europa).

A forma como Capistrano, no artigo de 1894, e Varnhagen, na nota de 1854, se referem às duas possibilidades talvez possa ser tomada literalmente: são métodos, caminhos por onde começar a desenvolver a narrativa da história do Brasil. Quando escreveu sua história (aquela que conseguiu produzir, em meio a muitos planos e tentativas ao longo de sua vida), em Capítulos de História Colonial (1907), Capistrano partiu, em seu de seu diálogo com D’Avezac, do território e das populações indígenas, em especial, em “Antecedentes indígenas”. Em seguida, em “Fatores exóticos”, o que denota uma implicação desta opção: a perspectiva adotada, que toma o território e seus habitantes antes da chegada dos europeus e dos africanos como indígenas, no sentido de naturais da terra, sendo os últimos alienígenas, externos à terra. Vale dizer também que Capistrano colaborou com reedições da História geral de Varnhagen; na terceira edição (primeira após a morte do autor), de 1907, Capistrano aparece como revisor e anotador. Esta edição, que só contou com o primeiro tomo da obra (devido a um incêndio na tipografia que realizava os trabalhos), manteve a ordem dos capítulos da segunda edição, ou seja, começa com a descrição do território e das populações nativas, assim como a quarta edição (terceira integral), 1927-1936, realizada por Rodolfo Garcia, com colaboração de Capistrano, e com todas as seguintes.

A opção que realmente se consolidou no pensamento de Capistrano foi a de iniciar a história do Brasil pelo território e populações pré-cabralinas. Sua escolha não foi a hegemônica nas narrativas históricas do período republicano. João Ribeiro, por exemplo, em sua História do Brasil para o ensino superior (1900), abre a narrativa com a seção “O descobrimento”, cujo capítulo 1 intitula-se “Os dois ciclos dos grandes navegadores”. Nele, o autor procura as razões da expansão marítima portuguesa e os ciclos de navegação que tocaram a costa (futuramente) brasileira. Somente no sétimo capítulo desta primeira unidade da obra aparece o tema “A terra e os habitantes”, com uma descrição rápida do território e, um pouco mais extensa, dos povos indígenas ali existentes. Na introdução a sua obra, João Ribeiro explicita o procedimento que adotou:

Liguei o descobrimento do Brasil aos ciclos dos navegadores, que dilataram o ocidente europeu, através do Atlântico. Liguei a história das primeiras lutas internacionais à grande causa econômica da expansão européia, à causa do comércio livre, do internacionalismo, do mare clausum ou mare liberum que é uma das feições do século XVII (RIBEIRO, 2001RIBEIRO, João. História do Brasil. 20. ed., rev. e completada por Joaquim Ribeiro. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Itatiaia, 2001., p. 32).

Outras narrativas do período republicano, como a de Oliveira Lima (2000), também partem do contexto europeu.

O que podemos notar a partir do caso de Capistrano de Abreu é, para além das escolhas, a lógica da narrativa histórica cujo sentido é antecipado pelos “antecedentes”. Ricardo Benzaquen de Araújo notou como, na tese sobre o descobrimento do Brasil que valeu a Capistrano o ingresso no Colégio Pedro II, o “primeiro parágrafo do texto já anuncia tanto os personagens quanto o relacionamento que irá se estabelecer entre eles” (ARAÚJO, 1988ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Ronda noturna. Narrativa, crítica e verdade em Capistrano de Abreu. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 28-54, 1988., p. 43). Araújo delineia, a seguir, as sequências narrativas da tese de Capistrano, figurações das evoluções históricas perseguidas pelo autor. Maria da Glória de Oliveira notou como, nas críticas de Capistrano a Varnhagen, transparece, no questionamento à ausência de distinção clara entre os períodos históricos no segundo, a importância, para o primeiro, da periodização como elemento constitutivo de uma narratividade que confere sentido à história do Brasil (OLIVEIRA, 2006OLIVEIRA, Maria da Glória de. Crítica, método e escrita da história em João Capistrano de Abreu (1853-1927). Porto Alegre: Dissertação de Mestrado, UFRGS, 2006., p. 76-86). O problema dos “começos” da história do Brasil seria o problema do sentido que uma lógica narrativa confere a essa história.

Os “pontos zero” dos ensaios históricos brasileiros

Gilberto Freyre, em uma série de conferências dadas nos Estados Unidos em 1944, e publicadas no Brasil sob o título Interpretação do Brasil (1947), abre com um capítulo que inverte o início de Capistrano de Abreu: “Antecedentes europeus da história brasileira”. Entretanto, a sua primeira preocupação é desfazer a ideia de que o Brasil seja mera extensão da Europa, pois Espanha e Portugal seriam antes “um misto de Europa e África, de cristianismo e maometismo” (FREYRE, 2001FREYRE, Gilberto. Interpretação do Brasil: aspectos da formação social brasileira como processo de amalgamento de raças e culturas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001., p. 57-58). Para Freyre, devemos começar uma apreciação da formação brasileira pela Europa. Se o Brasil não deve ser considerado mera extensão daquele continente, é porque recebeu a colonização portuguesa; e os portugueses caracterizar-se-iam pela plasticidade e heterodoxia de suas práticas. É este aspecto dos “Antecedentes europeus” que vai destacar o autor; por estes traços de nossos colonizadores é que começará a análise da história do Brasil.

Para Gilberto Freyre, o início da história do Brasil destoa dos autores até agora analisados. O capítulo de abertura de Casa-grande & senzala (1933), “Características gerais da colonização portuguesa no Brasil: formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida”, não coloca a sua problemática nos descobrimentos (1500), ao qual pouco se refere - no sentido de uma narrativa das viagens portuguesas - mas sim na colonização (1532) propriamente dita. É nesse sentido que o capítulo de abertura tenha como elemento central não o Brasil, mas as “características gerais da colonização portuguesa no Brasil”. Assim, nem o território, nem os descobrimentos, mas a lenta obra colonizadora de um povo com uma formação histórica e genética peculiar, em grande parte responsável pelo sucesso do empreendimento comercial nas novas terras americanas. Basta atentarmos para o início de seu livro: “quando em 1532 se organizou econômica e civilmente a sociedade brasileira, já foi depois de um século inteiro de contato dos portugueses com os trópicos” (FREYRE, s.dFREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo, Círculo do Livro, s.d.., p. 43). Assim, a explicação da colonização é precedida por essa longa formação cultural dos portugueses como um “povo indefinido entre a Europa e a África” (FREYRE, s.dFREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo, Círculo do Livro, s.d.., p. 44).

O problema da “origem” é, também aqui, apagado pelos ensaios históricos sobre a “formação” do Brasil da primeira metade do século XX (cf. entre outros, NICOLAZZI, 2016NICOLAZZI, Fernando. Raízes do Brasil e o ensaio histórico brasileiro: da história filosófica à síntese sociológica, 1836-1936. Revista Brasileira de História (online), v. 36, p. 1-22, 2016.; RODRIGUES, 2015RODRIGUES, Henrique Estrada. O conceito de formação na historiografia brasileira. In: MEDEIROS, Bruno Franco; SOUZA, Francisco Gouvea de; BELCHIOR, Luna Halabi; RANGEL, Marcelo de Mello; PEREIRA, Mateus (orgs.). Teoria e historiografia: debates contemporâneos. 1. ed. Jundiaí: Paco Editorial, 2015.; OLIVEIRA; GONTIJO; FRANZINI, 2018OLIVEIRA, Maria da Glória de. Os sons do silêncio: interpelações feministas decoloniais à história da historiografia. História da Historiografia, v. 11, p. 104, 2018.), e a história genética do português passa ao primeiro plano, como componente importante da identidade nacional. Esta, por isso mesmo, perde o seu lugar no tempo. Não há um evento histórico que a delimite, como a segunda metade do século XVII para Caio Prado Júnior. O que surge, portanto, nesse livro de 1933 é a família patriarcal organizada economicamente na monocultura escravista (FREYRE, s.dFREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo, Círculo do Livro, s.d.., p. 56). Assim, o antecedente da colonização é o português e os fatores internos se constituem na interação desses com os índios e os africanos, cujo resultado socioeconômico é a família patriarcal. Nesse sentido, passam a ser importantes os fatores que garantiram o mínimo de coesão à sociedade instalada na América. Elide Rugai Bastos sintetiza, corretamente, o conjunto de elementos unificadores da colonização portuguesa como sendo o patriarcalismo: “é o patriarcalismo que confere unidade nacional ao país. A forma pela qual se conseguiu a convivência pacífica das culturas foi a existência e a permanência do patriarcado. Esse seria a garantia da interpenetração de valores sociais de caráter diversificado; a síntese conflituosa que impediu rupturas” (BASTOS, 2006BASTOS, Elide Rugai. As criaturas de prometeu. Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global, 2006., p. 106). Temos, portanto, uma análise socioeconômica da unidade da américa portuguesa na qual é indissociável o patriarcalismo da violência que o sustém: a escravidão. Daí que a questão indígena apareça em Casa-grande & senzala como elemento assimilável pela cultura portuguesa.

Mas, se os antecedentes indígenas foram deslocados das histórias do Brasil, é preciso localizar para aonde foram transferidos. Uma resposta para essa questão pode ser encontrada no desenvolvimento dos cursos de antropologia e etnologia, que os retiraram do domínio da história, com a concordância da maioria dos historiadores (MONTEIRO, 2001MONTEIRO, John Manuel. Tupis, Tapuias e historiadores. Estudos de História Indígena e do Indigenismo. Tese de Livre-Docência. Campinas: IFCH-Unicamp, 2001., p. 4; cf. também SANTOS; NICODEMO; PEREIRA, 2017SANTOS, Pedro Afonso Cristovão dos; NICODEMO, Thiago Lima; PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Historiografias periféricas em perspectiva global ou transnacional: eurocentrismo em questão. Estudos Históricos (Rio De Janeiro), v. 30, p. 161-186, 2017.; TURIN, 2012TURIN, Rodrigo. O ‘selvagem’ entre dois tempos: a escrita etnográfica de Couto de Magalhães. Varia História (UFMG. Impresso), v. 28, p. 781-803, 2012.; CARNEIRO DA CUNHA, 1992CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. História dos índios no Brasil. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.; FAUSTO, 2000FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2000.; VIVEIROS DE CASTRO, 2003VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2003.).

Leitores e tributários de Capistrano em muitos aspectos, os autores da geração modernista parecem, aliás, ter dialogado com o historiador dos Capítulos neste ponto, mesmo ao discordar de sua opção de partida da história do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda, ao organizar, a partir de 1960, a publicação da História geral da civilização brasileira, reitera o início da narrativa de nossa história pela história da Europa, deixando para o Livro Segundo, “A terra e a gente” uma descrição do território e das populações pré-cabralinas. O capítulo II deste Livro intitula-se “Antecedentes indígenas”. Diferente de Capistrano, a expressão aqui é muito mais restrita, referindo-se apenas às populações Tupis - o território fora descrito antes. O Livro Primeiro, intitulado “O Velho Mundo e o Brasil”, estuda, no capítulo I, “As instituições coloniais: antecedentes portugueses”. Trata do absolutismo e da organização político-administrativa de Portugal na época das Grandes Navegações; passa à expansão ultramarina, até o descobrimento do Brasil. O foco nas instituições, de certo modo, não se distancia muito dos antecedentes portugueses que dá Capistrano de Abreu no capítulo “Fatores exóticos”; ali, o autor descreve a transição de Portugal, do feudalismo para a era moderna, os embates entre Estado e Igreja, a organização política e social, passando aos característicos do povo português (algo semelhante ao que fizeram também João Ribeiro e Rocha Pombo).

O capítulo I do Livro Segundo da História geral da civilização brasileira, que descreve o território, intitulado “Fundamentos geográficos da história brasileira”, propõe-se a descrever o “teatro geográfico” das “atividades econômicas e sociais” dos “agrupamentos humanos que, provindo do meridião europeu, vão colonizar a terra brasileira”. A importância de se descrever as populações Tupis no momento da chegada dos europeus, ou, como diz o autor, “no ponto zero [grifo do autor] da história do Brasil”, se dá pela resistência e reação que colocaram à colonização portuguesa. O “desfecho [...] adverso” do processo para os índios, no entanto, pesa para a definição dos limites de sua importância histórica: “o seu heroísmo e a sua coragem não movimentaram a história, perdendo-se irremediavelmente com a destruição do mundo em que viviam” (HOLANDA; CAMPOS; FAUSTO, 1960HOLANDA, Sérgio Buarque; CAMPOS, Pedro Moacyr; FAUSTO, Boris (dir.) História geral da civilização brasileira. Tomo I, A Época Colonial, v. 1. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1960., p. 72).

Caio Prado Júnior, em Formação do Brasil contemporâneo (1942), entende “a ocupação e povoamento do território que constituiria o Brasil” como “senão um episódio, um pequeno detalhe daquele imenso quadro”; qual seja, “A expansão marítima dos países da Europa, depois do séc. XV, expansão de que o descobrimento e colonização da América constituem o capítulo que particularmente nos interessa aqui”, isto é, a história do Brasil (PRADO JÚNIOR, 1973PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1973., p. 20; 21; grifos nossos). Aqui o ponto de partida de Caio Prado está nos “Fatores exóticos”, pois ele se preocupa, inicialmente, com a colonização portuguesa do Brasil. Ao tentar um apanhado do contingente e distribuição populacional da colônia, logo no início da primeira parte da obra (intitulada justamente “Povoamento”), Caio Prado explica: “Excluamos os índios bárbaros - que por enquanto não nos interessam, porque êles ainda não fazem parte da ‘colonização’, e só representam alguma coisa neste sentido como reserva futura que vai sendo por ela [pela colonização] absorvida em contingentes sucessivos” (PRADO JÚNIOR, 1973PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1973., p. 30). Destarte, a posição de Capistrano de Abreu (por este remetida à crítica de D’Avezac a Varnhagen) a respeito do ponto de partida da narrativa da história do Brasil nunca parece ter sido hegemônica; desde a República, pelo menos, ou desde a segunda edição da História geral (1877), a opção predominante foi iniciar a história do Brasil pela história europeia do período das Grandes Navegações.

José Honório Rodrigues, na introdução à edição de 1953 dos Capítulos de história colonial, parece resumir bem a questão, do ponto de vista dos historiadores da primeira metade do século XX. Ao observar que Capistrano e Varnhagen concordaram com a crítica de d’Avezac à disposição dos capítulos na primeira edição da História geral do Visconde de Porto Seguro, Rodrigues pergunta:

Seria esta, realmente, uma observação valiosa? Não estaria certo o processo anterior [seguido por Varnhagen], de tratar primeiro dos europeus, que descobrem a terra e a gente e a incorporam à vida europeia? O Brasil nasceu para a história quando os portugueses aportaram às suas costas e iniciaram o processo de europeização da nossa terra. A história começa com essa gente que chega e transforma a terra e não com o indígena e seu “habitat” (ABREU, 2000ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial. 1500-1800. 7. ed. rev. anotada e prefaciada por José Honório Rodrigues. Coleção Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Publifolha, 2000., p. 21).

O que gostaríamos de destacar aqui são as implicações destas opções. A abertura da narrativa da história do Brasil pelo território e as populações nativas tem um sentido lógico, de fornecer ao leitor, logo de saída, informações preliminares que deve ter para entendê-la, e antecipa o conjunto do entendimento que o autor propõe da história do Brasil. Isto fica claro pela posição de Caio Prado Jr. Sua escolha denota a compreensão da história do Brasil como um episódio da história da expansão comercial europeia. Em todos os casos nos parece que o problema maior é dar sentido à história do Brasil ligando-a a um processo mais amplo; ligando este particular a um geral. O procedimento, pois, fora anunciado por João Ribeiro, que citamos no início do artigo: tratava-se de ligar a história do Brasil a um processo maior. Ao “ligar” a formação do Brasil a um processo não só maior, como, em certo sentido, “externo”, as histórias do Brasil não estariam também exteriorizando o centro da história do Brasil?

A questão da exterioridade do centro dinâmico da história do Brasil foi problema central para algumas interpretações sobre a história do Brasil. As visões sobre a história econômica do Brasil inspiradas pela pesquisa e docência de Maria Yedda Leite Linhares (1921-2011), por exemplo, que têm em João Fragoso importante expoente, procuraram rever uma história econômica do Brasil que atribuía ao mercado externo e à acumulação de capital na metrópole o centro da lógica econômica da colônia e império. No campo da história das ideias, este problema foi colocado por Maria Sylvia de Carvalho Franco na entrevista em que fez a crítica da noção de ideias fora do lugar, de Roberto Schwarz, já na década de 1970. Maria Sylvia apontou uma tradição de interpretação do Brasil que criava

uma relação de exterioridade entre os dois termos em oposição [Europa e Brasil]: são concebidos discretamente, postos um ao lado do outro e ligado por uma relação de causalidade. [...] Há, portanto, uma ordem nessas mudanças: vai das sociedades industrializadas para as agrícolas, das modernas para as tradicionais, das hegemônicas para as tributárias (FRANCO, 1976FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. As idéias estão no lugar. In: Cadernos de Debate 1. História do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1976., p. 61-62).

Vale dizer que o conceito de “ideias fora do lugar” é formulado por Roberto Schwarz para uma situação histórica específica: o liberalismo no Brasil no século XIX. A crítica de Maria Sylvia procura refutar a aplicação desta ideia àquela situação. A autora a identifica, porém, como se vê, a uma linha mais ampla de interpretação da história do Brasil, fundada na oposição Metrópole-Colônia, acompanhada de determinados juízos sobre ambas e sobre a direção do movimento histórico que as une (cf. BRESCIANI, 2007BRESCIANI, Maria Stella Martins. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2007., discutindo justamente a existência desta linha de interpretação em Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre). A nosso ver, essa tradição interpretativa, inscrita, segundo a autora, “em pelo menos dois séculos de nossa história intelectual”, passando “pelo romantismo nacionalista até o realismo da atual [1976] teoria da dependência”, tem no ponto de partida da narrativa da história do Brasil um aspecto central - pois este traria essencialmente as implicações de toda a interpretação subsequente dessa história.

Superando as aporias?

O que significa dizer que a história tem um centro? Para o historiador japonês Haneda Masashi, podemos falar em dois tipos de “centricidade” em história: “[1º.] Quando um historiador se posiciona em um ponto específico do planeta e retrata a história mundial centrada neste ponto em particular, há um problema de centricidade. [2º.] A concepção de que um grupo específico de pessoas ou uma região específica é considerada responsável por mover a história mundial é outra manifestação de centricidade”2 2 Tradução nossa. No original: “[1o] When one stands on a specific spot on earth and portrays world history as centered on that particular location, there is an issue of centricity. [2o] The notion that a specific group of people or a specific region is considered to have moved world history is another manifestation of centricity”. (MASASHI, 2018 MASASHI, Haneda [2011]. Toward Creation of a New World History. Tóquio: Japan Library, 2018.[2011], p. 103). Portanto, é possível centrar a história em um espaço geográfico particular, mas, simultaneamente, atribuir o centro da ação a outro espaço. É possível, pois, escrever uma história nacional, cujo centro está fora dela - se entendermos que o móvel da ação/agência histórica global (processo no qual aquela história nacional ganhará sentido) está localizado em outro espaço.

A proposta de Masashi é a eliminação da “centricidade” em história. A nova história mundial defendida pelo autor é uma história sem centro, ou melhor, centrada no planeta como um todo (“earth-centrism”; Masashi é, por sua prática, um historiador preocupado com os “centrismos”, ao ser um historiador japonês especializado no estudo de outro país, o Irã). Isso envolve a crítica da visão eurocêntrica, feita pelo autor, mas também a outros modelos no formato por ele descrito como “xxxx-centric” - isto é, modelos que substituem o “euro”, em eurocentrismo, por outros centros (o autor se dedica também ao exame da história islamocêntrica, sinocêntrica e nipocêntrica). Essa crítica envolve, a seu ver, a distinção entre o centro (Europa, Islã, China ou Japão) como conceito e como região geográfica, e a desconstrução das delimitações desses espaços aos quais se atribuirá centralidade por meio do exame das suas conexões estruturais com outras partes, que permitem ilimitadas reconfigurações desses espaços, tornando artificial qualquer tentativa de erguer barreiras a uma área que receberá a denominação de centro da história.

Vale ressaltar que, para Masashi, das duas concepções de “centricidade” na história (o centro como ponto de vista da história e o centro como espaço dos que fazem a história acontecer), o segundo é o mais problemático. Essa concepção gera a dicotomia entre centro e periferia, entre os que criaram a estrutura da história global (e a movimentam) e os que são (a posteriori) inseridos nessa estrutura: “A pressuposição de um centro automaticamente leva à pressuposição de uma periferia”3 3 Tradução nossa. No original: “Supposition of a center automatically leads to supposition of a periphery”. (MASASHI, 2018MASASHI, Haneda [2011]. Toward Creation of a New World History. Tóquio: Japan Library, 2018., p. 104). Não por acaso, a primeira teoria examinada e criticada por Masashi no âmbito da problemática centro-periferia é a hipótese dos sistemas-mundo de Immanuel Wallerstein (de grande impacto nas “periferias”, sendo inclusive central para a teoria decolonial desenvolvida nas últimas décadas; sobre a relação entre “decolonialidade”, história da historiografia e teoria da história, cf., em especial, OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, Maria da Glória de; GONTIJO, Rebeca; FRANZINI, Fábio. Ordering time, nationalising the past: temporality, historiography and Brazil’s ‘formation’. Historein, v. 17, p. 1-37, 2018.; OLIVEIRA, 2019OLIVEIRA, Maria da Glória de. A história disciplinada e os seus outros: reflexões sobre as (in)utilidades de uma categoria. In: AVILA, Arthur Lima de; NICOLAZZI, Fernando; TURIN, Rodrigo (orgs.). A História (in)disciplinada: teoria, ensino e difusão do conhecimento histórico. 1 ed. Vitória/ES: Milfontes, 2019. p. 53-71.; PEREIRA, 2018; e TRAPP, 2019PEREIRA, Ana Carolina Barbosa. Precisamos falar sobre o lugar epistêmico na Teoria da História. Tempo e Argumento, v. 10, p. 88-114, 2018., que propõe uma perspectiva de descolonização justamente para a literatura de formação da história do Brasil). O autor contesta ainda que centrar a história global na periferia ofereça alguma solução, entendendo que este procedimento é apenas uma inversão de centros.

Mas como Masashi efetivamente propõe superar as “centricidades” na historiografia? Sua proposta pensa um estudo do passado orientado a partir das necessidades do mundo atual. O ponto mais problemático talvez seja justamente a escolha dessas necessidades, decididas por Masashi a partir de cinco valores que seriam indispensáveis para o presente; valores, porém, de viés liberal e cuja universalidade pode ser questionada (tais como “Rule of law” ou “Labor and free market”; MASASHI, 2018MASASHI, Haneda [2011]. Toward Creation of a New World History. Tóquio: Japan Library, 2018., p. 152). Embora sua proposta historicize esses valores ao propor seu estudo para diferentes épocas, não fica claro porque essa perspectiva normativa seria indispensável para a superação de centricidades históricas. Com efeito, essa superação viria por meio de três métodos propostos por Musashi: a elaboração de um modelo de análise do mundo, que enfatize pontos em comum e diferenças entre grupos de pessoas; o abandono de uma história diacrônica (“paying little heed to diachronic sequence in history”; MASASHI, 2018MASASHI, Haneda [2011]. Toward Creation of a New World History. Tóquio: Japan Library, 2018., p. 161-168), ponto ao qual retornaremos a seguir; e a busca por uma história horizontalmente conectada (os três métodos encontram-se descritos em MASASHI, 2018MASASHI, Haneda [2011]. Toward Creation of a New World History. Tóquio: Japan Library, 2018., p. 151-184).

Para Masashi, a história diacrônica, ou a adoção de uma narrativa processual por parte dos historiadores, necessariamente produz um centro para essa narrativa (centro na forma de um país ou região, segundo o autor). Isto por dois motivos: 1) tais narrativas retratam a história de um grupo ou região específica ao longo do tempo - separando-os dos demais e centralizando-os como foco da narrativa; 2) esse grupo ou região específica tem sua existência concreta pressuposta pela narrativa, consubstanciada por esta (sem o que não seria possível contar sua história, pois não haveria do que falar). Masashi propõe a eliminação da história diacrônica (“Banishment of Diachronic History” é o título dessa seção do livro; 2018, p. 166), em favor de compartimentar a história em unidades temporais autossuficientes (isto é, cuja existência não se liga ao período anterior ou ao posterior). Unidades de, por exemplo, 100 anos para a modernidade (do século XV ao início do XIX). Tais unidades seriam, então, comparadas entre si e com o tempo presente, sem que cada unidade seja vista como desdobramento da anterior.

Para o presente artigo, a forma como Haneda Masashi levanta o problema das “centricidades” é mais importante que a forma como o resolve. Sua solução envolve vários pontos discutíveis (como os valores universais mencionados acima e respostas insatisfatórias à questão das assimetrias na história, seja nas relações de colonialidade, seja nas desigualdades econômicas, que aparecem em MASASHI, 2018MASASHI, Haneda [2011]. Toward Creation of a New World History. Tóquio: Japan Library, 2018., p. 181-184). Cabe-nos, no entanto, dedicar um pouco mais de atenção à sua reflexão sobre o que chamou de “histórias diacrônicas”. Esse aspecto é central para nosso debate: a questão dos antecedentes aponta para uma história narrativa, cujo sentido é dado pelas relações (de causalidade ou não) entre eventos separados no tempo. Masashi compreende que o historiador pode trabalhar com objetos dotados de extensão temporal, sem com isso trabalhar com narrativas processuais, diacrônicas.

Por razões de espaço, não poderemos aqui reproduzir detalhadamente os debates em teoria da história referentes ao papel da narrativa. Interessa-nos destacar que a questão dos antecedentes pode remeter a uma posição como a de Arthur Danto (1965), em sua defesa de que os historiadores articulam seus raciocínios (dentre outras formas) por meio de “sentenças narrativas”. Tais raciocínios envolvem relacionar dois eventos, um antecedente e um subsequente, de forma tal que o subsequente explica o antecedente. São raciocínios que apenas podem ser feitos retrospectivamente (pertencem ao historiador, mas não aos contemporâneos). Seu exemplo clássico é a frase “A Guerra dos Trinta Anos teve início em 1618”. Outra frase dessa classe é “Em 21 de junho de 1839 nascia o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas” - frase que ninguém que presenciou o nascimento de Joaquim Maria Machado de Assis poderia ter dito. Tais raciocínios são sentenças narrativas pois envolvem a concepção de que uma narrativa faz justamente isso: relaciona eventos separados no tempo, estabelecendo implicações explicativas entre eles.

Poderiam, no entanto, os historiadores pensarem em outra forma de trabalhar com fenômenos dotados de extensão temporal que não seja a narrativa? Em meio a teóricos como Danto, ou W. B. Gallie, que defendiam a centralidade da narrativa para o pensamento histórico (cf. RICOEUR, 2010RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa: A intriga e a narrativa histórica. V. 1. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010., p. 237-289), Maurice Mandelbaum (1967) propôs outra compreensão. Para Mandelbaum, o tipo de raciocínio característico da história não é o de seguir uma narrativa (como propôs Gallie), mas o de acompanhar uma investigação (“an inquiry”). Nesse sentido, o raciocínio historiográfico per se não envolve relacionar antecedentes e subsequentes, mas acompanhar o jogo de perguntas e respostas entre historiador e evidências. Por isso, para Mandelbaum, a relação básica em um pensamento histórico não é antecedente-subsequente, mas parte-todo, pois o trabalho do historiador envolveria analisar um padrão complexo de mudanças, destacando os fatores que dão a esse padrão seu caráter distintivo (MANDELBAUM, 1967MANDELBAUM, Maurice. A Note on History as Narrative. History and Theory, v. 6, n. 3, p. 413-419, 1967., p. 417-418).

Como se configura, a partir daí, o objeto do historiador, se se entende que não precisa pressupor uma linearidade ou sequencialidade temporal, mas ainda assim continua a envolver extensão temporal (pois os fatores que formam um padrão de mudança estão dispersos no tempo)? Mandelbaum sugere um caminho no final de seu artigo, ao indicar a concepção de coligação defendida por W. H. Walsh (1988)WALSH, W. H. Coligatory Concepts in History. In: GARDINER, Patrick (ed.). The Philosophy of History (Oxford Readings in Philosophy). Oxford: Oxford University Press, 1988. como a forma característica de explicação dos historiadores. Esse conceito, buscado por Walsh junto ao filósofo oitocentista William Whewell, procurou fornecer um estatuto teórico ao trabalho de contextualização que os historiadores comumente fazem ao proporem a explicação de algum fenômeno histórico. A coligação envolve relacionar eventos históricos em um conjunto não restrito a um ponto fixo no tempo, mas disperso em uma extensão temporal capaz de dar conta de um processo histórico - todavia, não necessariamente sob a forma antecedente-subsequente das narrativas, e sim sob a forma parte-todo. Uma frase coligatória possui extensão temporal e espacial (“has a temporal and also a spatial spread”), remete a fenômenos que têm uma história (“have a history”) e estão sistematicamente mudando (“are systematically changing”; WALSH, 1988WALSH, W. H. Coligatory Concepts in History. In: GARDINER, Patrick (ed.). The Philosophy of History (Oxford Readings in Philosophy). Oxford: Oxford University Press, 1988., p. 142-143 para as citações acima). Porém, o que a caracteriza é denotar um processo unitário, por oposição a agregados de eventos externamente conectados; processo unificado não por uma sequência de eventos, mas por um tema contínuo (“continuing theme”; WALSH, 1988WALSH, W. H. Coligatory Concepts in History. In: GARDINER, Patrick (ed.). The Philosophy of History (Oxford Readings in Philosophy). Oxford: Oxford University Press, 1988., p. 143).

Recentemente, Jouni-Matti Kuukkanen retomou os questionamentos à obrigatoriedade da forma narrativa como única maneira de pensar uma extensão temporal, ao discutir a obra do filósofo narrativista da história Paul A. Roth. Para Kuukkanen, os historiadores lançam de diferentes formas de explicação para além das narrativas, como a argumentação através de conclusões a partir de premissas (KUUKKANEN, 2018KUUKKANEN, Jouni-Matti. The Future of Philosophy of Historiography: Reviving or Reinventing?. In: BRZECHCZYN, Krzysztof. Towards a Revival of Analytic Philosophy of History. Leiden; Boston: Brill, 2018., p. 85). Mais do que isso, formas de conceber fenômenos históricos como a ideia de “coligação” de W. H. Walsh permitem aos historiadores constituir objetos com uma extensão temporal historiográfica sem ligar eventos narrativamente (“this kind of case is not linking narratively two events together but rather creating an event or a phenomenon with a historiographical temporal extension”, KUUKKANEN, 2018KUUKKANEN, Jouni-Matti. The Future of Philosophy of Historiography: Reviving or Reinventing?. In: BRZECHCZYN, Krzysztof. Towards a Revival of Analytic Philosophy of History. Leiden; Boston: Brill, 2018., p. 82; grifo no original; segundo o autor, a extensão temporal é historiográfica e não histórica porque os eventos não são criados no passado, mas dentro da própria escrita da história). Outra alternativa à lógica exclusivamente narrativa foi a recuperada por Carlo Ginzburg nas notas de Ludwig Wittgenstein sobre o Ramo de Ouro (primeira edição, 1890), estudo comparativo de religiões pelo antropólogo Sir James George Frazer. Ao confrontar as hipóteses evolutivas da obra, Wittgenstein apontou que uma explicação histórica, enquanto explicação sobre um desenvolvimento temporal, “é apenas um modo de reunir os dados, de formar uma sinopse. É igualmente possível ver os dados em sua relação mútua e reuni-los em uma concepção geral, sem dar a esta concepção a forma de uma hipótese sobre o desenvolvimento temporal”4 4 Tradução nossa. No original: “es sólo un modo de ensamblar los datos, de su sinopsis. Es igualmente posible ver los datos en su relación mutua y ensamblarlos en una concepción general, sin darle la forma de una hipótesis sobre el desarollo temporal”. (WITTGENSTEIN, 1997WITTGENSTEIN, Ludwig. Ocasiones Filosóficas (1912-1951). Madri: Ediciones Cátedra, 1997., p. 151). Essa forma alternativa de conceber um quadro, uma representação “perspícua”, nos termos de Wittgenstein, fundamentou teoricamente o estudo de Ginzburg sobre o Sabá em História Noturna (GINZBURG, 2019GINZBURG, Carlo. História noturna: decifrando o Sabá. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., “Introdução”). É tendo em vista esse debate sobre a narrativa que compreendemos que, embora de suma importância, a reflexão sobre os “começos” das histórias nacionais não necessariamente se restringe à função do “começo” em uma organização narrativa, como na interessante análise de Ricardo Ledesma-Alonso sobre os começos das histórias nacionais do México, de Lucas Alamán, e do Brasil, de Varnhagen (LEDESMA-ALONSO, 2021LEDESMA-ALONSO, Ricardo. A historiografia nacional como “começo’: A Historia de Méjico de Lucas Alamán e a Historia geral do Brazil de Francisco Adolfo de Varnhagen. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 14, n. 35, jan.-abr. 2021, p. 225-253.).

Pensar os “começos” da história do Brasil envolve, pois, questionar a lógica da narrativa historiográfica enquanto relação entre antecedentes e subsequentes. Envolve, por isso, pensar outras formas de conceber fenômenos históricos dotados de extensão temporal, o que será questão fundamental para o debate a respeito de uma história do Antropoceno - história essa que lida com um dos “antecedentes” históricos presentes no caso da historiografia brasileira: a natureza e sua historicização. Nas considerações finais a seguir pontuaremos alguns aspectos da narrativização dos dois antecedentes principais da história brasileira, os povos indígenas e o meio.

Narrativizar, prefaciar, historicizar

Assim é que a pergunta de Capistrano (“Por onde deve começar-se a história do Brasil?”) nos encaminha, ainda hoje, a pelo menos duas questões éticas anteriores: nós, “brancos”, temos o direito de inserir o passado indígena como parte de “nossa história”? E, ainda, se essa história devesse ser pensada apenas como uma “outra história” que “coexiste” e “resiste” a “nossa história”? Uma possibilidade de resposta foi dada pelo historiador Fernando Nicolazzi nos seguintes termos: “aventar a hipótese de que, mais do que uma disputa entre formações discursivas específicas (por exemplo, a ciência histórica de um lado, o mito de outro), trata-se de um debate sobre a relação, nem sempre amigável e por vezes contraditória, entre culturas de passado distintas” (NICOLAZZI, 2019NICOLAZZI, Fernando. Culturas de passado e eurocentrismo: o périplo de Tláloc. In: AVILA, Arthur Lima de; NICOLAZZI, Fernando; TURIN, Rodrigo (orgs.). A história (in)disciplinada. Teoria, ensino e difusão do conhecimento histórico. Vitória/ES: Milfontes, 2019., p. 224). Desse modo, um dos nossos desafios hoje é lidar com a história e o legado europeu, para além do eurocentrismo. Além disso, a relação interação entre formas supostamente “universais” e “particulares” de experimentar o tempo. Deve-se levar em consideração ainda uma advertência do filósofo Paul Ricoeur de que é necessário evitar criar uma interação entre ética e política baseada em um universalismo abstrato. Para fugir desse risco, seria preciso articular universalidade e historicidade por intermédio da noção de “universais em contexto”, isto é, assumir o paradoxo “de uma parte, manter a pretensão universal ligada a alguns valores onde o universal e o histórico se cruzam, de outra parte colocar essa pretensão em discussão, não no nível formal, mas no nível das convicções inseridas nas formas da vida concreta” (RICOUER, 1990RICOUER, Paul. Soi-même comme un autre. Paris: Seuil, 1990., p. 336).

Nesse sentido, acreditamos que se torna cada vez mais necessário que a “história indígena” seja incorporada, pensada e debatida não apenas como história indígena, a partir de um jogo de aproximação e distanciamento, de incorporação e coexistência/resistência. Afinal, essa história não se limita apenas a uma questão de antecedentes de uma outra história (sobre o protagonismo indígena na história, uma já forte tradição historiográfica constituiu-se no Brasil desde a década de 1970, resumida e analisada em Almeida, 2017. O artigo foi publicado em dossiê da Revista Brasileira de História intitulado justamente “O protagonismo indígena na História”). É nesse sentido, que não é mais aceitável, por exemplo, depois do relatório da Comissão Nacional da Verdade, que a história da Ditadura Militar (1964-1985) não aborde as graves violações de direitos humanos dos diversos povos indígenas no Brasil. Afinal, a história dessa relação assimétrica não acabou e nem acabará. A historicização e a luta contra as várias formas de etnocídio são desafios cada vez mais urgentes, principalmente se considerarmos o nosso atual contexto político. Portanto, é mais que necessário e urgente levarmos em conta, entre outras coisas, o protagonismo dos próprios indígenas, desenvolvendo o nosso lugar como curador de histórias (ARAUJO, 2017ARAUJO, Valdei Lopes. O direito à história: o(a) historiador(a) como curador(a) de uma experiência histórica socialmente distribuída. In: GUIMARÃES, Géssica, OLIVEIRA, Rodrigo Perez; SILVA, Leonardo Bruno da (orgs.). Conversas sobre o Brasil: ensaios de crítica histórica. 1. ed. Salvador: Provisória, 2017.).

Nessa direção, ao que nos parece, no interior do debate aqui reconstruído, faltou algo que ainda podemos aprender com a indigeneidade: compreender e experienciar o tempo, em especial o tempo pretérito, não apenas como passado, mas também como permanência, isto é, como parte da tensão constitutiva entre o revogável e o irrevogável (cf., entre outros, BEVERNAGE, 2012BEVERNAGE, Berber. History, memory, and state-sponsored violence: time and justice. New York: Routledge, 2012.; FAUSTO; HECKENBERGER, 2007FAUSTO, Carlos; HECKENBERGER, Michael. Time and memory in indigenous Amazonia: Anthropological perspectives. Florida/EUA: University Press of Florida, 2007.; BIANCHI, 2018BIANCHI, Guilherme. Passados que persistem na Amazônia peruana: disputas temporais e justiça entre os Ashaninka do rio Ene (1980-2017). História da Historiografia, v. 11, p. 166-194, 2018. e 2019BIANCHI, Guilherme. Arquivo histórico e diferença indígena: repensando os outros da imaginação histórica ocidental. Revista de Teoria da História, v. 22, n. 2, p. 264-296, 2019.):

Os fatos e a história recente dos últimos 500 anos têm indicado que o tempo desse encontro entre as nossas culturas é um tempo que acontece e se repete todo dia. Não houve um encontro entre as culturas dos povos do Ocidente e a cultura do continente americano numa data e num tempo demarcado que pudéssemos chamar de 1500 ou de 1800. Estamos convivendo com esse contato desde sempre (KRENAK, 1999KRENAK, Ailton. O eterno retorno do encontro. In: NOVAES, Adauto (org.). A outra margem do Ocidente. São Paulo: Funarte, Companhia das Letras, 1999.. p. 25).

Tais transformações implicam, também, em colocar em diálogo as nossas formas e as formas indígenas de experimentar o tempo, como a tese pioneira de Ana Carolina Barbosa Pereira, por exemplo, nos convida a fazer (PEREIRA, 2019PEREIRA, Ana Carolina B. Na transversal do tempo: natureza e cultura à prova da História. Salvador: EDUFBA, 2019.).

Por outro lado, esses antecedentes históricos não são apenas humanos, não englobam apenas os seres humanos existentes no território “descoberto” pelos europeus no final do século XV. Como exposto na epígrafe deste texto, não apenas os povos autóctones estavam “aqui”, mas também o céu, a floresta, as montanhas. Para o esquema explicativo das narrativas de história do Brasil, os antecedentes introduzem também a natureza, o meio ambiente, como (potencial) agente histórico.

Em um momento de revisão da história diante da natureza (marcado pelos debates em torno da pandemia da Covid-19, antropocentrismo, especismo e o Antropoceno, por exemplo) importa notar como os esquemas explicativos historiográficos incorporam a natureza: como cenário da ação humana ou como agente histórico efetivo? Importa também teorizar a respeito, e trazer ao debate as teorias sobre a natureza que se modificaram ao longo das últimas décadas, passando de uma concepção da natureza que existe em função do homem (como recurso, limite, obstáculo ou qualquer outra forma de existência para o ser humano) para concepções da natureza que a pensam em função de si mesma, como valor em si, o que alterou significativamente o debate em torno dos direitos da natureza (cf., por exemplo, LOURENÇO; OLIVEIRA, 2019ABREU, João Capistrano de. Ensaios e estudos, crítica e história, 4ª série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1976.; e LOURENÇO, 2019LOURENÇO, Daniel Braga. Qual o valor da natureza? Uma introdução à ética ambiental. 1. ed. São Paulo: Elefante, 2019.). Em uma palavra, os debates em torno do estatuto jurídico da natureza trouxeram à tona um novo “centrismo”: o ecocentrismo. A historiografia não esteve imune a essas reflexões; tornou-se, nos últimos anos, parte constante dos debates entre os historiadores a superação da dicotomia que marcou a fundação da história como disciplina no século XIX: a separação entre história humana e história natural, entre ciências humanas e ciências naturais (CHAKRABARTY, 2009CHAKRABARTY, Dipesh. The Climate of History: Four Theses. Critical Inquiry 35, winter 2009. e 2016CHAKRABARTY, Dipesh. Humanities in the Anthropocene: The Crisis of an Enduring Kantian Fable. New Literary History, n. 47, p. 377-397, 2016.; DOMANSKA, 2014DOMANSKA, Ewa. The New Age of the Anthropocene. Journal of Contemporary Archaeology, v. 1, n. 1, p. 98-103, 2014.; LATOUR, 2019LATOUR, Bruno. Políticas da natureza: como associar as ciências à democracia. São Paulo: Editora UNESP , 2019.).

Ainda mais significativamente, para alguns historiadores e teóricos da história, o Antropoceno afigura-se como desafio ao conceito moderno de história por apresentar aos historiadores o desafio de uma “mudança sem precedentes”, na interpretação de Zoltán Boldizsár Simon. Porém, além de ser uma mudança sem precedentes, a nova era geológica apresenta também, aos historiadores, a possibilidade de uma mudança em relação à questão dos antecedentes, pois configuraria uma história que não possui estágios anteriores (“Não possui estágio prévio no passado a partir do qual pode desenvolver-se e desenrolar-se, nenhum estágio prévio que possa ser um prelúdio a um estágio subsequente”5 5 Tradução nossa. No original: “It has no previous stage in the past from which it could develop and unfold, no previous stage that could be a prelude to a subsequent stage”. (SIMON, 2015SIMON, Zoltán Boldizsár. History manifested: making sense of unprecedented change. European Review of History: Revue européenne d’histoire, v. 22, n. 5, p. 819-834, 2015. , p. 827; cf., do autor, SIMON, 2019SIMON, Zoltán Boldizsár. History In Times of Unprecedented Change. A Theory for the 21st Century. Londres: Bloomsbury Academic, 2019., e, sobre o Antropoceno e história, THOMAS, 2014THOMAS, Julia Adeney. History and Biology in the Anthropocene: Problems of Scale, Problems of Value. The American Historical Review, v. 119, n. 5, p. 1.587-1.607, dez. 2014.). O Antropoceno representaria, pois, uma história também sem antecedentes (como outras mudanças contemporâneas, segundo Simon, tais como a difusão da inteligência artificial e a perspectiva de um futuro sob outro paradigma tecnológico e digital). Simon critica precisamente a concepção processual (“developmental”) de história, baseada em um objeto histórico idêntico a si mesmo (como “o Brasil”) que se desenvolve ao longo do tempo.

A presença da natureza nas narrativas históricas sobre o Brasil (incorporada fortemente a partir do século XIX; NAXARA, 2004NAXARA, Márcia Regina Capelari. Cientificismo e sensibilidade romântica. Em busca de um sentido para o Brasil no século XIX. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2004.) e seu estatuto dentro delas (enquanto “cenário”, pano de fundo ou bastidor, ou enquanto agente histórico, com efetividade dentro do processo de formação do Brasil) remonta à mesma gama de preocupações teóricas que envolve o antecedente humano (os povos indígenas): o entendimento que os historiadores fazem da ideia de “antecedente”. A ideia de antecedente pode pressupor um “prefaciamento” de certos agentes históricos (como os indígenas e a natureza), isto é, a inclusão desses agentes apenas como “prefácio”, prólogo de uma narrativa que efetivamente os excluirá da ação histórica. Nesse caso, sua presença no prefácio indica sua invisibilização nos capítulos seguintes, como Jean O’Brien observou para a presença das populações indígenas nas histórias da Nova Inglaterra (O’BRIEN, 2010O’BRIEN, Jean M. Firsting and Lasting: writing Indians out of existence in New England. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2010.). O’Brien analisa narrativas de história local no sul da Nova Inglaterra (Massachusetts, Rhode Island e Connecticut) produzidas entre 1820 e 1880. Essas histórias locais operavam a partir de narrativas de extinção das populações indígenas que os estabeleciam como os primeiros habitantes do território (“firsting”) e narravam seu desaparecimento (“lasting”) inserindo os indígenas como prefácio das histórias da modernidade nesses territórios. As narrativas, pois, trabalhavam com um outro início (outro “firsting”): o início da modernidade na Nova Inglaterra, que coube aos colonos brancos (a introdução do livro resume essa postura em seu título: “Indians Can Never Be Modern”). Há significativas diferenças de contexto, lugar de enunciação, projetos políticos e compromissos epistemológicos entre os autores analisados por O’Brien em Firsting and Lasting e a literatura de formação brasileira. Por isso, nosso intuito não é comparar as operações de escrita/exclusão dos indígenas na História nos dois casos, mas tão somente compartilhar a interessante terminologia adotada pela autora, que dá peso aos começos (“firsting”) que pressupõem encerramentos (“lasting”) e aos prefácios (“prefacing”) na escrita da história. Por outro lado, o antecedente pode ser compreendido como constituinte do (evento histórico) subsequente, como aquilo que lhe dará significado, sua marca diferencial (OAKESHOTT, 2003OAKESHOTT, Michael. Sobre a História e outros ensaios. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003., p. 123; 160).

Substituir um precedente por outro a partir de uma agenda enraizada nos dilemas e pulsões do presente parece ser um impulso cada vez mais comum na medida em que as identidades se fragmentam em grupos cada vez mais circunscritos, possibilitados pela agilidade e facilidade de acesso que as redes sociais nos promovem hoje. Sem necessariamente invalidar essas iniciativas, este texto procurou propor um outro caminho, ancorado na crítica do “centrismo” enquanto um esquema de pensamento etnocêntrico. Como procuramos demonstrar, o precedente define de quem será a agência do processo histórico, e justamente por isso, será um campo de disputas sempre tenso. A alternativa que exploramos caminhou pelo reconhecimento dos limites deste esquema e seu reenquadramento em outra escala. Preocupou-nos menos resolver a questão de “Por onde começar a história do Brasil”, saber qual o seu início “correto”, ou qual o “verdadeiro” centro dessa história; mais do que atribuir um centro único, pensar nas possibilidades de histórias policêntricas parece-nos o maior desafio. Interessante reconhecer, portanto, que narrativas historiográficas ameríndias podem se apresentar de início apenas como mais uma versão nas disputas por identidades, este baseado numa exclusão patente e histórica. Mas a proposta transcende esta dimensão pois possibilita outras lógicas para o processo histórico, que, dentro dos limites deste texto, procuramos abordar de forma crítica e propositiva. Repensar centrismos, ou re-escrever uma história sem centros, depende dessa questão essencial da nossa conjuntura, pois, como nos ensinou David Kopenawa em trecho que gerou a epígrafe deste artigo, não se “descobre” aquilo que já ali estava “desde antes de eu nascer”, como “o céu, ou os animais de caça” e, talvez e por que não, os próprios indígenas em nós mesmos (KOPENAWA; ALBERT, 2016KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2016., p. 252-253).

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  • WITTGENSTEIN, Ludwig. Ocasiones Filosóficas (1912-1951) Madri: Ediciones Cátedra, 1997.
  • 1
    Tradução nossa. No original: L’auteur [Varnhagen] ne s’est pas placé au point de vue proprement brésilien [...]. Le nouvel historien a choisi le point de vue exclusif et jaloux des conquérants portugais, et il en a subit les inexorables exigences. Ce n’est point au Brésil que s’ouvres on récit: c’est en Europe.
  • 2
    Tradução nossa. No original: “[1o] When one stands on a specific spot on earth and portrays world history as centered on that particular location, there is an issue of centricity. [2o] The notion that a specific group of people or a specific region is considered to have moved world history is another manifestation of centricity”.
  • 3
    Tradução nossa. No original: “Supposition of a center automatically leads to supposition of a periphery”.
  • 4
    Tradução nossa. No original: “es sólo un modo de ensamblar los datos, de su sinopsis. Es igualmente posible ver los datos en su relación mutua y ensamblarlos en una concepción general, sin darle la forma de una hipótesis sobre el desarollo temporal”.
  • 5
    Tradução nossa. No original: “It has no previous stage in the past from which it could develop and unfold, no previous stage that could be a prelude to a subsequent stage”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2020
  • Aceito
    14 Maio 2021
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