Lições sobre o contentamento nas narrativas históricas medievais

Lessons about the contentment in medieval historical narratives

Resumos

Este artigo focaliza certas incursões dos cronistas quatrocentistas portugueses rumo à definição de valores relativos à conduta dos nobres e governantes. Levando em conta o ganho de importância da produção historiográfica portuguesa do século XV, não só porque passa a ser produzida em língua nacional, mas sobretudo porque passa a ser vista como um instrumento de consolidação de uma certa imagem dos governantes e da governação, o texto mapeia apontamentos dos referidos cronistas acerca das formas de lazer e prazer recomendáveis para os mais elevados membros da sociedade medieval. Tais formas passavam por práticas desportivas e comemorações festivas, mas não podiam fazer esquecer dois aspectos fundamentais na consolidação de uma imagem virtuosa: a contenção e a diligência com os negócios públicos.

Crônicas; Idade Média; Portugal; Moral.

This article examines somes incursions of portuguese chroniclers of 15th century aiming to define values relating to the conduct of noblemen and governers. Considering the historical importance acquired from the portuguese production in the 15th century, not only because it starts being produced in national language but above all because it starts to be seen as a way to consolided a certain image of governers and government, this text raises notes from these chroniclers about recreation and pleasure forms that should be pursued by the most important members of the Middle Age. This forms included sports practice and entertainment, but two fundamental point in virtuous image consolidation couldn't be forgotten: the selfrestraint and the apliccation to the public business.

Chronicle; Middle Age; Portugal; Moral.

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• SARAIVA, António José. O Crepúsculo da Idade Média em Portugal. 3a ed. Lisboa: Gradiva, 1993.

• 1
  A ortografia das citações de fontes foi modernizada neste texto tendo em vista a maior fluidezda leitura.
• 2
  Sêneca, L. A. Cartas a Lucílio, pp. 25-28.
• 3
  Acerca do princípio de autoridade, é importante esclarecer que os critérios dos medievais de ocultação ou revelação de suas fontes só era estável quando as idéias apreendidas provinham de uma autoridade consagrada, ou seja, de alguém tido reconhecidamente como um modelo a ser imitado graças ao valor de verdade da sua obra (cf. Foucault, O que é um autor, 1992, pp. 48-49) - exemplo dos autores gregos e latinos ou dos Santos Padres. Nesse caso, a citação do nome próprio servia como forma de respaldo às teses apresentadas em defesa de certos pontos de vista sobre o mundo e a ordem das coisas. Também Joaquim de Carvalho ressalta que não era condenável para os medievais apropriar-se de uma formulação do que se tomava como verdade, porque esta era vista como patrimônio comum ou dádiva do Senhor (Joaquim de Carvalho, Estudos sobre a Cultura Portuguesa do século XV, I, p. 4).
• 4
  Para que o adjetivo não cause estranheza é bom lembrar que José Mattoso e Armindo deSousa, na História de Portugal. A Monarquia Feudal, deixam claro que, no século XIV, determinados elementos formais e materiais permitem perceber o desabrochar de uma entidade nacional, de um país-nação, cf. 385 e 391. Lembre-se igualmente que entre as medidas de nacionalização identificadas pelo primeiro no reinado de D. Dinis estão a fixação da fronteira, a preocupação em excluir a intervenção de poderes externos, a definição de uma política militar, a criação de uma universidade portuguesa e a adoção da língua vulgar nos documentos oficiais da chancelaria, pp. 153-155.
• 5
  LOPES, Fernão. Crónica de D. Pedro I, cap. XXX, p. 141.
• 6
  Segundo Marcello Caetano, o ofício de rei implica num complexo de poderes e deveres a exercer para realização de certos fins superiores, daí surgir como uma função (História do Direito Português, p. 206).
• 7
  PINA, Rui de. Crónica de D. João II, cap. LXXXII, p. 1031.
• 8
  LOPES, Fernão. Crónica de D. Pedro I, cap. XIV, p. 61.
• 9
  Entre eles, Artur de Magalhães Basto e Teresa Amado.
• 10
  Crónicas dos sete primeiros reis de Portugal, v. II, p. 350. Cf. Rui de Pina, Crónica de D. Afonso IV, cap. LX, p. 455.
• 11
  LOPES, Fernão. Crónica de D. Fernando, cap. XCIX, p. 267.
• 12
  Id., ibid., prólogo, p. 4.
• 13
  Id., ibid., cap. XCVIII, p. 266.
• 14
  Id., ibid., cap. IV, p. 21.
• 15
  PINA, Rui de. Crónica de D. Duarte, cap. III, p. 495.
• 16
  LOPES, Fernão. Crónica de D. Fernando, cap. LXIV, p. 170.
• 17
  Id., ibid., cap. LXXXII, p. 1031.
• 18
  Id., ibid., cap. L, p. 982.
• 19
  Id., Crónica de D. Afonso V, cap. LXXI, p. 671.
• 20
  PINA, Rui de. Crónica de D. Duarte, cap. III, p. 494.
• 21
  Cf. id., Crónica de D. João II, cap. LXXXII, p. 1031.
• 22
  Cf. LOPES, Fernão. Crónica de D. Fernando, prólogo, p. 3.
• 23
  Cf. id., ibid., cap. XCIX, p. 267.
• 24
  Cf. PINA, Rui de. Crónica de D. Afonso V, cap. CXXXI, p. 761.
• 25
  Cf. id., Crónica de D. João II, cap. XLVII, p. 980.
• 26
  Cf. ZURARA, G. E. de, Crónica da Tomada de Ceuta, cap. XXIII, p. 73.
• 27
  LOPES, Fernão. Crónica de D. João I. Parte Segunda, cap. XCVI, p. 208.
• 28
  Cf. DUARTE, D., Livro da ensinança de bem cavalgar toda sela, cap. I, pp. 4-6.
• 29
  Crónicas dos sete..., v. I, p. 99.
• 30
  LOPES, Fernão. Crónica de D. Pedro I, cap. XIV, pp. 61-62.
• 31
  Cf. Sêneca. Op. cit., p. 76.
• 32
  Sobre o pensamento medieval e suas peculiaridades em relação ao dos gregos e romanos, ver Étienne Gilson, L'esprit de la philosophie médiévale, especialmente pp. 27, 396-397.
• 33
  Sobre a virtude e o pecado, ver id. ibid., pp. 304-323.
• 34
  Id., Crónica da Tomada de Ceuta, cap. XLVI e cap. XXXVII, pp. 117 e 141-142.
• 35
  Crónicas dos sete..., v. II, p. 14. Cf. Rui de Pina, Crónica de D. Dinis, cap. II, p. 231.
• 36
  LOPES, Fernão. Crónica de D. João I. Parte Primeira, cap. XXXII, p. 57.
• 37
  ZURARA, G. E. de, Crónica de Guiné, cap. IV, p. 25.
• 38
  PINA, Rui de. Crónica de D. Afonso V, cap. CXXV, p. 758.
• 39
  LOPES, Fernão. Crónica de D. Pedro I, cap. I, p. 7.
• 40
  PINA, Rui de. Crónica de D. João II, cap. LXXXII, p. 1031.
• 41
  Id., ibid., cap. LXIV, p. 1013.
• 42
  Id., Crónica de D. Afonso V, cap. CCXIII, p. 881.
• 43
  Id., Crónica de D. Duarte, cap. III, p. 495.
• 44
  ZURARA, G. E. de. Crónica do Conde D. Duarte de Menezes, cap. XV, p. 92.
• 45
  Id., Crónica da Tomada de Ceuta, cap. XLVI, p. 142.
• 46
  Id., ibid., cap. XXIX, p. 89.
• 47
  LOPES, Fernão. Crónica de D. Pedro I, cap. I, p. 8.
• 48
  ZURARA, G. E. de. Crónica da Tomada de Ceuta, cap. XXIX, pp. 88-89.
• 49
  PINA, Rui de. Crónica de D. João II, cap. LXXI, p. 1021.
• 50
  LOPES, Fernão. Crónica de D. João I. Parte Segunda, cap. CC, p. 449.
• 51
  ZURARA, G. E. de. Crónica do Conde D. Duarte de Menezes, cap. II, p. 49.
• 52
  Id., Crónica de Guiné, cap. IV, pp. 22-23.
• 53
  Id., Crónica do Conde D. Pedro de Menezes, cap. LX, p. 337.
• 54
  PINA, Rui de. Crónica de D. Afonso V, cap. II, p. 590.
• 55
  Id., ibid., cap. XIX, p. 607.
• 56
  LOPES, Fernão. Crónica de D. João I. Parte Segunda, cap. CXLIX, p. 311.
• 57
  PINA, Rui de. Crónica de D. Dinis, cap. II, p. 230. Cf. Crónicas dos sete..., v. I, p. 13.
• 58
  LOPES, Fernão. Crónica de D. João I. Parte Segunda, cap. XCVIII, p. 211.
• 59
  ZURARA, G. E. de. Crónica da Tomada de Ceuta, cap. XLVI, p. 141.
• 60
  Crónicas dos sete..., v. II, pp. 309-310. Cf. Rui de Pina, Crónica de D. Afonso IV, cap. LI, pp.
• 61
  427-428.
• 62
  LOPES, Fernão. Crónica de D. João I. Parte Primeira, cap. XXXII, p. 57.
• 63
  Id., ibid., cap. XXXV, p. 61.
• 64
  Id., Crónica de D. João I. Parte Segunda, cap. CC, p. 450.
• 65
  Id., ibid., prólogo, pp. 2-3.
• 66
  PINA, Rui de. Crónica de D. Afonso V, cap. CXXV, p. 753.
• 67
  Id., ibid., cap. CXLIV, p. 793. Esta passagem é reproduzida quase literalmente da Crónica da Guiné, na qual Zurara diz que o infante nunca se deixou dominar pela luxúria e toda sua vida passou em limpa castidade, e assim que virgem o recebeu a terra, cap. IV, p. 22.
• 68
  PINA, Rui de. Crónica de D. Afonso V, cap. CCXIII, p. 881.
• 69
  Id., ibid., cap. CXXXVI, pp. 768-769.
• 70
  Id., Crónica de D. João II, cap. LXXXII, p. 1031.
• 71
  Id., ibid., cap. LXIX, p. 1020.
• 72
  LOPES, Fernão. Crónica de D. Pedro I, cap. I, p. 9.
• 73
  PINA, Rui de. Crónica de D. Dinis, cap. IV, p. 234. Cf. Crónicas dos sete..., v. II, p. 19.
• 74
  ZURARA, G. E. de. Crónica do Conde D. Duarte de Menezes, cap. XV, pp. 92-94.
• 75
  LOPES, Fernão. Crónica de D. João I. Parte Primeira, cap. CXCIII, pp. 374-375.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Dez 2005

Histórico

• Recebido
  Set 2004
• Aceito
  Out 2004