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Expandindo a distribuição geográfica de Hibiscus sabdariffa L. (Malvaceae): uma espécie naturalizada e negligenciada para a flora brasileira

Expanding the geographical distribution of Hibiscus sabdariffa L. (Malvaceae): a naturalized and neglected species for the Brazilian flora

RESUMO

Hibiscus sabdariffaé uma espécie pantropicalmente distribuída e cultivada devido à sua importância econômica. Possivelmente esta espécie é originária do Sudão, tendo sido, posteriormente, levada para o restante da África, sudeste da Ásia e América Central. Registros da naturalização de H. sabdariffa são conhecidos para a região neotropical, embora no Brasil, ela seja conhecida apenas como cultivada. Apresentamos aqui, casos de naturalização de H. sabdariffa para a flora brasileira baseados em registros prévios e novas coletas realizadas na região Amazônica. Incluem-se, ainda, uma descrição da espécie, chave de identificação para as espécies Amazônicas de Hibiscus, prancha fotográfica e a distribuição geográfica da espécie na região neotropical.

Palavra-chave:
Coletas botânicas; naturalização; região neotropical

ABSTRACT

Hibiscus sabdariffa is a pantropical species cultivated because of its economic importance. This species possibly originated in Sudan and was later taken to the rest of Africa, Southeast Asia, and Central America. Naturalization records of H. sabdariffa are known for the Neotropical region, although in Brazil it is only known as a cultivated species. We present here cases of naturalization of H. sabdariffa in the Brazilian flora, based on previous records and new collections made in the Amazon region. It is also included a description of the species, an identification key for the Hibiscus species from Amazon, a photographic plate and the geographic distribution of the species in the neotropics.

Keywords:
Botanical collections; naturalization; Neotropics

Introdução

O gênero Hibiscus L. (Malvaceae) compreende aproximadamente 300 espécies (Pfeil et al. 2002Pfeil, B.E., Brubaker, C.L., Craven, L.A. & Crisp, M.D. 2002. Phylogeny of Hibiscus and the tribe Hibisceae (Malvaceae) using chloroplast DNA sequences of ndhF and the rpl16 intron. Systematic Botany 27: 333-350.), comumente distribuídas nas regiões tropicais e subtropicais, salvo algumas espécies que ocorrem em regiões temperadas (Fryxell 1997Fryxell, P.A. 1997. The American genera of Malvaceae-II. Brittonia 49: 204-269.). Em 1824, De Candolle subdividiu as espécies de Hibiscus em 6 seções (Pfeil et al. 2002Pfeil, B.E., Brubaker, C.L., Craven, L.A. & Crisp, M.D. 2002. Phylogeny of Hibiscus and the tribe Hibisceae (Malvaceae) using chloroplast DNA sequences of ndhF and the rpl16 intron. Systematic Botany 27: 333-350.). No entanto, outros trabalhos sistemáticos foram realizados, e atualmente não há divisão do gênero em seções que exigem aceitação universal (Fryxell 1980Fryxell, P.A. 1980. A Revision of the American Species of Hibiscus Section Bombicella (Malvaceae). 1 ed. United States Department of agriculture, Technical Bulletins, Washington.), pois, as seções estabelecidas para o gênero ainda não foram revisadas em sua totalidade e há ainda muitas espécies que não se enquadram na delimitação das mesmas (Pfeil et al. 2002Pfeil, B.E., Brubaker, C.L., Craven, L.A. & Crisp, M.D. 2002. Phylogeny of Hibiscus and the tribe Hibisceae (Malvaceae) using chloroplast DNA sequences of ndhF and the rpl16 intron. Systematic Botany 27: 333-350.). Todavia, mesmo não havendo um consenso, a classificação infragenérica proposta por Hochreutiner (1900Hochreutiner, B.P.G. 1900. Revision du Genre Hibiscus L. Annuaire du Conservatoire et du Jardin Botaniques de Genève 4: 23-191.) subdividindo as espécies do gênero em 12 seções ainda é amplamente utilizada.

A seção Furcaria DC. do gênero Hibiscus é distribuída em todas as massas continentais (exceto na Antártida) e compreende cerca de 50 espécies adaptadas ao clima tropical e subtropical, embora algumas espécies se estendam a zonas temperadas e certas ilhas do Pacífico (Menzel et al. 1983Menzel, M.Y., Fryxell, P.A. & Wilson, D.F. 1983. Relationships among new world species of Hibiscus section Furcaria (Malvaceae). Brittonia 35: 204-221.1). Este grupo de espécies é delimitado e caracterizado morfologicamente pelos lobos do cálice costados, o qual é persistente e se torna coriáceo, com cápsulas um pouco lenhosas quando amadurecidas (Menzel et al. 1983Menzel, M.Y., Fryxell, P.A. & Wilson, D.F. 1983. Relationships among new world species of Hibiscus section Furcaria (Malvaceae). Brittonia 35: 204-221.1).

Na América do Sul ocorrem cerca de 40 espécies de Hibiscus seção Furcaria, e todas apresentam flores atraentes de grande tamanho, o que as tornam preferidas para aplicação na jardinagem (Krapovickas & Fryxell 2004Krapovickas, A. & Fryxell, P.A. 2004. Las especies sudamericanas de Hibiscus secc. Furcaria dc. (malvaceae-hibisceae). Bonplandia 13: 35-115. ). Hibiscus radiatus Willd, H. acetosella Welw. ex Hiern e H. sabdariffa L. são cultivadas como ornamentais, sendo que as duas últimas também apresentam importância alimentícia, além destas, H. cannabinus L. também é cultivada como produtora de fibras (Krapovickas & Fryxell 2004). Estas quatro espécies anteriormente citadas, possivelmente são originárias da África e se espalharam praticamente por todas as regiões tropicais (Krapovickas & Fryxell 2004Krapovickas, A. & Fryxell, P.A. 2004. Las especies sudamericanas de Hibiscus secc. Furcaria dc. (malvaceae-hibisceae). Bonplandia 13: 35-115. ).

Por estas e outras razões, os seres humanos transportam espécies pelo mundo há séculos, portanto, praticamente todos os ecossistemas do mundo atualmente hospedam espécies exóticas, que podem se comportar como naturalizadas ou invasoras (Zenni 2015Zenni, R.D. 2015. A flora naturalizada do Brasil: um passo no sentido de identificar futuras espécies invasoras não-nativas. Rodriguesia 66: 1137-1144. ). O sucesso de uma espécie em um ambiente novo está diretamente relacionado à semelhança entre este novo ambiente e o local de origem, além do número de introduções desta espécie ao novo local (Matos & Pivello 2009). Neste contexto, plantas exóticas são mais propensas de serem encontradas em áreas perturbadas, onde somente uma pequena fração delas, é naturalizada (Zenni 2015). Moro et al. 2012Moro, M.F., Souza, V.C., Filho, A.T.O., Queiroz, L.P., Fraga, C.N., Rodal, M.J.N., Araújo, F.S. & Martins. 2012. Alienígenas na sala: o que fazer com espécies exóticas em trabalhos de taxonomia, florística e fitossociologia? Acta Botanica Brasilica 26: 991-999. conceituam espécie naturalizada como espécies exóticas que conseguem se reproduzir de modo consistente no local onde foram introduzidas, de modo a estabelecer uma população autoperpetuante sem a necessidade da intervenção humana direta, mas que, entretanto, não se dispersam para longe do local de introdução.

Durante as expedições de campo do projeto Checklist preliminar de angiospermas em uma área ao Sul do Rio Madeira (Manicoré, Amazonas, Brasil), desenvolvido pela primeira autora, a qual realiza coletas aleatórias em diferentes fitofisionomias no município de Manicoré, foi coletado material de Hibiscus sabdariffa em uma área perturbada de floresta secundária, na margem da estrada do Igarapezinho, no município de Manicoré, que corresponde a um indício de naturalização desta espécie para a Amazônia brasileira. Até o presente, esta espécie era conhecida apenas como cultivada (Esteves et al. 2014Esteves, G.L., Duarte, M.C. & Takeuchi, C. 2014. Sinopse de Hibiscus L. (Malvoideae, Malvaceae) do Estado de São Paulo, Brasil: espécies nativas e cultivadas ornamentais. Hoehnea 41: 529-539.) e estava fora dos registros de angiospermas da flora brasileira (BFG 2015BFG - The Brazil Flora Group. 2015. Growing knowledge: an overview of Seed Plant diversity in Brazil. Rodriguésia 66: 1085-1113., Flora do Brasil 2020Flora do Brasil 2020 em construção. Hibiscus in Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB9079 (acesso em 15-VIII-2018).
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora...
em construção).

O material coletado foi herborizado segundo o manual de procedimentos para herbários (Peixoto & Maia 2013Peixoto, A.L. & Maia, L.C. 2013. Manual de Procedimentos para Herbários. INCT-Herbário virtual para a Flora e os Fungos. Editora Universitária UFPE, Recife.) e depositado no Herbário INPA (acrônimo de acordo com Thiers continuamente atualizado). Para identificação, nomenclatura e distribuição geográfica foram consultados Wilson & Menzel (1964Wilson, F.D. & Menzel, M.Y. 1964. Kenaf (Hibiscus cannabinus), Roselle (Hibiscus sabdariffa). Economic Botany 18: 80-91. ), Menzel et al. (1983Menzel, M.Y., Fryxell, P.A. & Wilson, D.F. 1983. Relationships among new world species of Hibiscus section Furcaria (Malvaceae). Brittonia 35: 204-221.1), Fryxell (1988Fryxell, P.A. 1988. Malvaceae of Mexico. Systematic Botany Monographs 25: 1-522.), Liogier & Martorell (2000Liogier, A.H. & Martorell, L.F. 2000. Flora of Puerto Rico and adjacente islands a systematic synopsis. 2 ed. Universidad de Puerto Rico. Porto Rico.), Krapovickas & Fryxell (2004Krapovickas, A. & Fryxell, P.A. 2004. Las especies sudamericanas de Hibiscus secc. Furcaria dc. (malvaceae-hibisceae). Bonplandia 13: 35-115. ) e Esteves et al (2014Esteves, G.L., Duarte, M.C. & Takeuchi, C. 2014. Sinopse de Hibiscus L. (Malvoideae, Malvaceae) do Estado de São Paulo, Brasil: espécies nativas e cultivadas ornamentais. Hoehnea 41: 529-539.). Para classificação infragenérica, neste trabalho está sendo aceita a delimitação de seções adotada por Hochreutiner (1900Hochreutiner, B.P.G. 1900. Revision du Genre Hibiscus L. Annuaire du Conservatoire et du Jardin Botaniques de Genève 4: 23-191.). A obtenção das coletas georreferenciadas foi realizada através do Global Biodiversity Information Facility - GBIF (2018)GBIF.org. 2018. GBIF Home Page. Disponível em https://www.gbif.org (acesso em 1-VIII-2018).
https://www.gbif.org...
. O mapa de distribuição para os registros H. sabdariffa foi gerado com o SimpleMappr (Shorthouse 2010Shorthouse DP. 2010. SimpleMappr, an online tool to produce publication-quality point maps. Disponível em http://www.simplemappr.net (acesso em 1-VIII-2018).
http://www.simplemappr.net...
).

No presente estudo são fornecidos a descrição da espécie, prancha fotográfica, a distribuição geográfica da espécie na região neotropical e casos de naturalização de H. sabdariffa baseados em registros prévios e novas coletas realizadas na Amazônia brasileira, bem como uma chave de identificação para as espécies Amazônicas de Hibiscus.

Taxonomia

Chave de identificação para as espécies de Hibiscus da Amazônia brasileira (baseado em Kearney 1953Kearney, T.H. 1953. Notes on Malvaceae IV. Three new species and a new combination. Madroño 12: 114-118. , Fryxell 1984Fryxell, P.A. 1984. A new species, Hibiscus amazonicus, is described from the Amazon Basin. Characters distinguishing the new species from its nearest relatives are presented. Acta Amazonica 14: 101-103. , Krapovickas & Fryxell 2004Krapovickas, A. & Fryxell, P.A. 2004. Las especies sudamericanas de Hibiscus secc. Furcaria dc. (malvaceae-hibisceae). Bonplandia 13: 35-115. , Esteves et al 2014 Esteves, G.L., Duarte, M.C. & Takeuchi, C. 2014. Sinopse de Hibiscus L. (Malvoideae, Malvaceae) do Estado de São Paulo, Brasil: espécies nativas e cultivadas ornamentais. Hoehnea 41: 529-539. , Flora do Brasil 2020Flora do Brasil 2020 em construção. Hibiscus in Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB9079 (acesso em 15-VIII-2018).
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em construção)

  • 1. Ramos com acúleos
    • 2. Cápsula rostrada; brácteas involucrais maiores que o cálice ................................................. Hibiscus bifurcatus

    • 2. Cápsula não rostrada; brácteas involucrais menores que o cálice ....................................... Hibiscus peruvianus

  • 1. Ramos sem acúleos
    • 3. Brácteas involucrais bifurcadas no terço apical ou unguiculadas
      • 4. Ramos com indumento amarelado; brácteas involucrais ungüiculadas, ápice reniforme .... Hibiscus sororius

      • 4. Ramos com indumento hialino; brácteas involucrais bifurcadas no terço apical
        • 5. Estilete séssil, não alongado acima do tubo estaminal ................................................. Hibiscus furcellatus

        • 5. Estilete alongado 10 mm acima do tubo estaminal ...................................................... Hibiscus paludicola

    • 3. Brácteas involucrais inteiras
      • 6. Brácteas involucrais 4, deltóides-ovadas ......................................................................... Hibiscus dimidiatus

      • 6. Brácteas involucrais 6-12, lanceoladas ou lineares
        • 7. Pecíolo 1-4 cm compr ................................................................................................... Hibiscus sabdariffa

        • 7. Pecíolo 9-16,5 cm compr.
          • 8. Pecíolo 16,5 cm de compr. ................................................................................... Hibiscus ferreirae

          • 8. Pecíolo 9-12 cm compr.
            • 9. Folha inteira; pecíolo ca. 9 cm compr. ..................................... Hibiscus amazonicus

            • 9. Folha 3-5 lobada; pecíolo ca. 12 cm compr. ...................... Hibiscus henningsianus

Hibiscus sabdariffa Linnaeus, Sp.pl. 695. 1753. Linnaeus, Syst. nat. ed. X 1149. 1759. Tipo conservado: Hort. sicc. Cliff. (BM). Figuras 1, 2

Arbusto de 1-3 m de altura, ramos glabros, cilíndricos, verdes escuro, avermelhados ou amarronzados. Folhas simples, inteiras a 3-lobadas, lanceoladas a ovadas, 4-12 × 1-15 cm, margens serrilhadas, glabras, peciolo 1-4 cm compr. Flores solitárias, axilares; pedicelos mais curtos do que os pecíolos subtendentes, articulados próximos à base; brácteas involucrais-8, 1,5 cm de compr., mais curtas que o cálice, conatas basalmente, lanceoladas; cálice ovado, 1,5-2 cm de compr., nectário na nervura central de cada lóbulo, pétalas obovadas, ca. de 4 cm de compr., branca ou rósea com uma mancha basal vermelha; coluna estaminal ca. 2 cm de compr., filetes 1 mm de compr.; estiletes no ápice do androceu-5, estigmas punctatos, 1,2 mm de diâmetro. Fruto esquizocárpico, 1,5-2 × 4 cm, ovóide; cálice carnoso envolvendo o fruto 3 × 6 cm, ovóide; sementes 4 × 4 mm, reniformes, numerosas, escabrosas.

Material examinado: Brasil. Acre: Caipora, Reserva Extrativista do Alto Juruá, nas proximidas do igarapé Caipora, Seringal Caipora, 18-VII-1992, fl., fr., Ming, L.C. 307, (NY). Amazonas: Borba, Rio Madeira, ca. de 15 km de Borba, 23-VI-1983, fl., fr., Hill, S.R 12811, (INPA, NY); Borba, Rio Mapari, ca. 30 km do municipio de Borba, Escapou do cultivo, perto de habitações. 24-VI-1983, fl., fr., Hill, S.R. 12818, (US, INPA, NY); Fortaleza Savanna, Rio Puciari afluente do Rio Ituxi, 20 km acima da foz, 1-VII-1971, fl., fr., Prance, G.T. 13858, (NY, INPA, US); Humaitá, Margem esquerda da estrada de Manaus, BR 319 - km 20, 29-IX-1975, fl., fr., Filho, P.H F. 213 (INPA); Manicoré, Ramal Brasil, área perturbada de floresta secundária, 22-VII-2018, fr., Almeida, C. et al. 97 (INPA); Margem do rio Maués-Açu, Praia de areia perto de casas, 21-VII-1983, fr., Hill, S.R. 13134, (US, INPA, NY, MO); Parque Nacional do Jaú Amazonas, 22-VIII-1995, fl., fr., Rodrigues, E. 134, (INPA); Presidente Figueredo, Entorno do REBIO Uatumã, próximo à entrada para o CPPQMA, na estrada para a vila de Balbina, 1-VIII-2006, fr., Carvalho, S.J.P. 837, (INPA). Pará: Bragança, Península de Ajuruteua, nas dunas da praia de Ajuruteua, 4-VIII-2003, fr., Santos, C.C.L 72, (HBRA); Viseu, Bacia do Rio Gurupi, Reserva Indígena Tembé, 6km da FUNAI, Posto de Canidé, 16-VIII-1985, Belée, W.L. 1566 (NY). Rondônia: Cacoal, à 25 km ao norte de Riozinho, no caminho do Posto Indigena 7 de setembro, 23-V-1985, fl.., fr., Krapovickas, A. 40165, (CEN, NY); Rio Bananeiras no cruzamento com a estrada Guarajá-Mirim para Abunã, 5-VIII-1968, fr., Prance, G.T. 6815 (NY, INPA). Roraima: Área Indigena Yanomami, Alto Rio Mucajaí, próximo a área perturbada de cascalho, 14-IV-2002, fr., Milliken, W.L. 156 (INPA).

Hibiscus sabdariffaL. é popularmente conhecida como vinagreira, azedinha, azeda-da-guiné, caruru-azedo, chá-da-jamaica, quiabo-azedo ou rosélia (Ramos et al. 2011Ramos, D.D., Vieira, M.C., Formagio, A.S.N., Cardoso, C.A.L., Ramos, D.D. & Carvenalli, T.O. 2011. Atividade antioxidante de Hibiscus sabdariffa L. em função do espaçamento entre plantas e da adubação orgânica. Ciência Rural 41: 1331-1336.). É uma espécie possivelmente originária do Sudão, onde posteriormente foi levada para o restante da África e Ásia (Wilson & Menzel 1964Wilson, F.D. & Menzel, M.Y. 1964. Kenaf (Hibiscus cannabinus), Roselle (Hibiscus sabdariffa). Economic Botany 18: 80-91. ). A mais provável chegada desta espécie na região Neotropical se deu no século XVIII através da Jamaica, por escravos africanos que faziam uso desta espécie como alimento (Mohamed 2012Mohamed, B.B., Sulaiman, A.A. & Dahab, A.A. 2012. Roselle (Hibiscus sabdariffa L.) in Sudan, Cultivation and Their Uses. Bulletin of Environment, Pharmacology and Life Sciences 1: 48-54.). Esta espécie também é considerada uma Planta Alimenticia Não Convencional - PANC, sendo suas folhas e cálices amplamente consumidos (Kinupp & Lorenzi 2014Kinupp, V.F. & Lorenzi, H. 2014. Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas. Instituto Plantarum de Estudos da Flora, São Paulo.). De acordo com Okoko & Ere (2012Okoko, T. & Ere, D. 2012. Hibiscus sabdariffa extractivities on cadmium-mediated alterations of human U937 cell viability and activation. Asian Pacific Journal of Tropical Medicine 5: 33-36.), as folhas tenras da planta são comidas como salada e como um antecessor para distúrbios hepáticos, hipertensão e usado como um antipurgante (Mohamed 2012Mohamed, B.B., Sulaiman, A.A. & Dahab, A.A. 2012. Roselle (Hibiscus sabdariffa L.) in Sudan, Cultivation and Their Uses. Bulletin of Environment, Pharmacology and Life Sciences 1: 48-54.). Os cálices carnosos e vermelhos persistentes nos frutos são a maior parte da planta utilizada para fins medicinais, pois possuem bioatividades significativas, tais como antimicrobianos, diurético, anti-inflamatório, anti-hepatotóxico, e atuam no tratamento da hipertensão (Mohamed 2012Mohamed, B.B., Sulaiman, A.A. & Dahab, A.A. 2012. Roselle (Hibiscus sabdariffa L.) in Sudan, Cultivation and Their Uses. Bulletin of Environment, Pharmacology and Life Sciences 1: 48-54.).

Krapovickas & Fryxell (2004Krapovickas, A. & Fryxell, P.A. 2004. Las especies sudamericanas de Hibiscus secc. Furcaria dc. (malvaceae-hibisceae). Bonplandia 13: 35-115. ) citam que Hibiscus sabdariffa é uma espécie naturalizada na Austrália e em alguns países da América do Sul. Menzel et al. (1983Menzel, M.Y., Fryxell, P.A. & Wilson, D.F. 1983. Relationships among new world species of Hibiscus section Furcaria (Malvaceae). Brittonia 35: 204-221.1) também relatam casos na região Neotropical em que H. sabdariffa consegue escapar de cultivos e se naturalizar. Além disso, Fryxell (1988) e Liogier & Martorell (2000Liogier, A.H. & Martorell, L.F. 2000. Flora of Puerto Rico and adjacente islands a systematic synopsis. 2 ed. Universidad de Puerto Rico. Porto Rico.) mostram registros de naturalização desta espécie em áreas com vegetação perturbada no México e em Porto Rico.

O clima das regiões tropicais e subtropicais favoreceram a permanência e propagação desta espécie (Mohamed 2012Mohamed, B.B., Sulaiman, A.A. & Dahab, A.A. 2012. Roselle (Hibiscus sabdariffa L.) in Sudan, Cultivation and Their Uses. Bulletin of Environment, Pharmacology and Life Sciences 1: 48-54.). Neste sentido, acreditamos que este fator propiciou que a mesma conseguisse se naturalizar na flora brasileira. Diante disso, Moro et al. (2012Moro, M.F., Souza, V.C., Filho, A.T.O., Queiroz, L.P., Fraga, C.N., Rodal, M.J.N., Araújo, F.S. & Martins. 2012. Alienígenas na sala: o que fazer com espécies exóticas em trabalhos de taxonomia, florística e fitossociologia? Acta Botanica Brasilica 26: 991-999. ), recomendam aos botânicos incluírem as espécies naturalizadas ou invasoras em suas pesquisas, deixando um rastro na literatura que permita mapear as plantas exóticas no tempo e no espaço.

Várias espécies exóticas que são introduzidas intencionalmente, acabam escapando de cultivo e se naturalizando, logo, a influência antrópica de um ambiente pode ser evidenciada pela presença de espécies naturalizadas. Desta forma, é necessário realizar levantamentos florísticos incluindo estas espécies (introduzidas, naturalizadas ou invasoras) para se estabelecer critérios de prevenção e controle de possíveis danos ao ambiente natural, pois muitas vezes não se conhece o grau de agressividade que uma espécie introduzida pode apresentar (Schneide 2007Schneide, A.A. 2007. A flora naturalizada no estado do Rio Grande do Sul, brasil: herbáceas subespontâneas. Biociências 15: 257-268.).

Na região norte do Brasil, há registros de naturalização de H. sabdariffa no Acre, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, em áreas de preservação ambiental (Ming, L.C. 307; Rodrigues, E. 134), fragmentos florestais nas margens de estradas (Carvalho, S.J.P. 837; Filho, P.H.F. 213; Prance, G.T. 6815), praias de areia (Hill, S.R. 13134; Santos, C.C.L 72) e próximo à áreas perturbadas e habitadas (Almeida, C. et al. 97; Hill, S.R. 12818; Milliken, W.L. 156) (Figura 2).

Figura 1
Hibiscus sabdariffa L. a. Ocorrência naturalizada em ambiente antropizado. b. Detalhe do cálice carnoso no fruto e folhas 3-lobadas. c. Flor jovem com pétalas róseas e glândulas no cálice. d. Detalhe da flor. e. Cálice decíduo no fruto. f. Fruto com sementes visíveis (C. Almeida et al. 97). Fotos: C. Almeida.
Figure 1
Hibiscus sabdariffa L. a. Naturalized occurence in anthropized environment. b. Detail of fleshy calyx in fruit and 3-lobed leaves. c. Young flower with pink petals. d. Detail of flower. e. Calyx deciduous in fruit. f. Fruit with visible seeds (C. Almeida et al. 97). Photos: C. Almeida.

Figura 2
Mapa da distribuição de Hibiscus sabdariffa L. na região neotropical. Pontos vermelhos: distribuição geral da espécie (incluindo introduzidas, naturalizadas ou cultivadas). Estrelas amarelas: primeiros registros da naturalização de H. sabdariffa para o Brasil.
Figure 2
Distribution map of Hibiscus sabdariffa L. in the neotropics. Red dots: general distribution of the species (including introduced, naturalized or cultivated). Yellow stars: first records of the naturalization of H. sabdariffa for Brazil.

Agradecimentos

A primeira autora agradece a Universidade do Estado do Amazonas por oportunizar o desenvolvimento do projeto Checklist preliminar de angiospermas em uma área ao Sul do Rio Madeira (Manicoré, Amazonas, Brasil) e financiar uma aula de campo, onde foi possível coletar amostras essenciais que farão parte da lista a qual o projeto é intitulado, à Marta Regina Pereira por todos incentivos, orientações, generosidade, confiança, palavras amigas e apoio incondicional durante a execução do projeto; à Amauri Castro, Ranulfo Coelho, Arnoldo Azevedo, Ellen Passos, Jone Bitencourt, Raimunda Albertina, Neiza Paixão, Lucy Laura, Jeimiciane Coutinho e Nilson Pinheiro pela amizade e companheirismo durante as realizações das coletas. Os autores agradecem a Fernanda Cabral pela revisão do manuscrito e a Michael Hopkins e Mariana Mesquita pelo acesso à coleção do herbário INPA e pela atenção e boa disposição ao registrar os materiais coletados.

Literatura citada

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  • Esteves, G.L., Duarte, M.C. & Takeuchi, C. 2014. Sinopse de Hibiscus L. (Malvoideae, Malvaceae) do Estado de São Paulo, Brasil: espécies nativas e cultivadas ornamentais. Hoehnea 41: 529-539.
  • Flora do Brasil 2020 em construção. Hibiscus in Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB9079 (acesso em 15-VIII-2018).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2018
  • Aceito
    27 Mar 2019
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