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DEFININDO AS LINHAS DO IMPÉRIO: CONCEPÇÕES DE TERRITÓRIO NA TRANSIÇÃO DA INDEPENDÊNCIA. BRASIL, DÉCADA DE 18201 1 Este artigo é uma versão revisada da comunicação intitulada “As gemas da Coroa: concepções de província e território no Brasil Império”, apresentada no colóquio “Jurisdições, soberanias, administrações”, ocorrido na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em junho de 2016.

DEFINING THE INTERNAL BORDERS OF THE EMPIRE: CONCEPTIONS OF TERRITORY DURING THE PROCESS OF INDEPENDENCE. BRAZIL, 1820 DECADE

Resumo

O processo de construção e consolidação de qualquer Estado nacional moderno passa, necessariamente, pela definição de seu território. Definição que não se esgota nos aspectos geográficos da questão, por si sós dotados da complexidade inerente à delimitação de fronteiras mais ou menos precisas destinadas a separar um “nós” que se apresenta como civilizado e desejável, de um “eles” frequentemente associado à barbárie e ao atraso. Espaço de atuação exclusiva de uma soberania nacional, o território estatal do século XIX traz em si uma série de problemas práticos e teóricos que influenciaram diretamente na criação dos aparatos governamentais oitocentistas, e que podem oferecer oportunidades únicas de compreensão destes e de sua constituição. Federação ou regime centralizado; parâmetros de divisão das províncias ou estados; formas de governo das partes constituintes do território nacional. Eis algumas das escolhas centrais que precisaram ser feitas ao longo do processo de constituição dos Estados modernos e que, ao se voltarem para determinadas concepções de organização territorial, dizem muito sobre a ideia que as sociedades que os forjaram tinham de si e dos outros no momento histórico em que decidiram constituir uma comunidade nacional autônoma e, de alguma forma, diferente das demais.

Palavras-chave:
Território; Províncias; Constituição; Brasil Império

Abstract

The process of construction and consolidation of any modern national State necessarily involves the definition of its territory. That does not end with the geographical aspects of the issue, which are in themselves endowed with the complexity inherent to the delimitation of borders designed to separate “us” (presented as civilized and desirable), from “they” (often associated with barbarism). A national sovereignty’s exclusive space, the territory of the 19th century posed a series of practical and theoretical problems that directly influenced the creation of variated governmental apparatus, offering unique opportunities for understanding them. Federation or centralized regime? How were provinces or states divided? What forms of government were adopted in the various parts of the national State? Just some of the central choices that needed to be made throughout the process of constitution of modern States that say a lot about the idea societies had of themselves and of others in the moment they decided to constitute an autonomous national community, in some way, unique.

Keywords:
Territory; Provinces; Constitution; Empire of Brazil

Analisar os diferentes significados emprestados ao conceito “território” durante o período imperial brasileiro impõe, antes de mais nada, um exercício de desconstrução historiográfica. Um dos elementos mais importantes para a conformação dos diferentes estados nacionais, o território é, não raro, considerado pelas historiografias oriundas desse processo preexistente à própria nação, um elemento forjado pela natureza com a destinação de ser ocupado por determinado povo e um preciso aparato administrativo. Surge, desse modo, um verdadeiro mito de origem no qual nação e território se confundem, tornando quase impossível identificar onde termina um e começa o outro no processo de forja dos aparatos administrativos e discursos identitários, tão caros a europeus e americanos do século XIX.

Graças a essa construção discursiva, a divisão de espaços geográficos entre os diversos grupos humanos - uma ação complexa e eminentemente política - acaba adquirindo uma naturalidade que afasta dos estudiosos a preocupação com o entendimento do processo histórico que culmina com sua definição. Afinal de contas, se determinada área está destinada a ser ocupada por um povo específico, desaparece do horizonte a possibilidade de que esse fato não ocorra, ficando destituída de importância a implementação das medidas necessárias para garantir que os planos formulados no campo da teoria ganhem concretude no mundo real.

Não são poucos os trabalhos que questionam a negação de historicidade ao processo de construção desse conceito, que é, em seus próprios fundamentos, histórico. Autores como Charles Maier4 4 MAIER, Charles S. Once within borders: territories of power, wealth, and belonging since 1500. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2016. , Stuart Elden5 5 ELDEN, Stuart. The birth of territory. Chicago: University of Chicago Press, 2013. , David Delaney6 6 DELANEY, David. Territory: a short introduction. Malden: Blackwell, 2005. , Benjamin Arnold7 7 ARNOLD, Benjamin. Princes and territories in medieval Germany. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. , Peter Sahlins8 8 SAHLINS, Peter. Boundaries. The making of France and Spain in the Pyrenees. Berkeley: University of California Press, 1991. e vários outros9 9 Apenas para citar mais alguns exemplos de trabalhos que buscam analisar a construção do conceito “território” como algo histórico, apresentando uma série de especificidades locais e temporais inerentes à sua constante ressignificação: CASTELLS, Luis (ed.). Del território a la nación: identidades territoriales y construcción nacional. Madrid: Biblioteca Nueva, 2006; JONES, Rhys. People/states/territories: the political geographies of British State transformation. Malden: Blackwell, 2007; ALESINA, Alberto; SPOLAORE, Enrico. The size of nations. Cambridge, MA: MIT Press, 2005; HANNA, Matthew. Governmentality and the mastery of territory in Nineteenth-Century America. Cambridge: Cambridge University Press, 2000; BARTOV, Omer; WEITZ, Eric D. Shatterzone of Empires: coexistence and violence in the German, Habsburg, Russian, and Ottoman borderlands. Bloomington: Indiana University Press, 2013; DIENER, Alexander C.; HAGEN, Joshua. Borderlines and Borderlands: political oddities at the edge of the nation-state. Lanham: Rowman & Littlefield, 2010; BUCHANAN, Allen; MOORE, Margaret. States, nations, and borders: the ethics of making boundaries. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. têm demonstrado com suas pesquisas que, longe de ser universal e isento de debates, a ideia mais ampla acerca do que é (ou do que deveria ser) o território sofreu várias ressignificações ao longo dos tempos, variando também de acordo com a região, o povo, e o regime político em que ocorriam.

Longe de ser um termo conceitualmente neutro, esses trabalhos mostram que o território é, em si mesmo, um complexo processo de construção e desconstrução, ação e reação, um constante repensar sobre um conceito que se apresenta sempre como estático, mas que de modo algum pode ser assim entendido. Até mesmo sua definição mais clássica, que o apresenta enquanto um “espaço definido sob controle de um grupo de pessoas que estabelece fronteiras mais ou menos claras, impõe sobre ele uma soberania exclusiva e a faz respeitar pelos entes externos”, é historicamente definida, uma vez que não existiu em todas as épocas e, tampouco, em todas as regiões do planeta.

Nesse sentido, o território surge como uma palavra, um conceito e uma prática, sendo cada uma destas facetas - e a relação entre elas - compreensível sob o ponto de vista da análise histórica que o torna, desse modo, um objeto privilegiado de estudo e um instrumento único para a compreensão de inumeráveis processos políticos, econômicos e sociais a ele relacionados10 10 ELDEN, Stuart. Op. Cit. . Se é verdade que as entidades estatais surgidas e/ou consolidadas ao longo do Oitocentos não podem ser adequadamente compreendidas sem uma necessária alusão à questão de suas definições territoriais, também é inegável que essas definições não podem ser corretamente analisadas sem uma referência à análise do significado (ou significados) que os construtores dessas entidades emprestavam ao território que pretendiam definir.

O historiador João Paulo Garrido Pimenta analisou brevemente como esse processo de naturalização dos espaços territoriais ocorreu no caso brasileiro11 11 PIMENTA, João Paulo Garrido. Estado e nação no fim dos impérios ibéricos no Prata (1808-1828). São Paulo: Hucitec. 2006. . Nesse sentido, apontou que Francisco Adolfo de Varnhagen definia o Tratado de Madri, assinado - mas não ratificado - em 1750 entre Portugal e Espanha, como o documento definidor das “fronteiras nacionais”, antes mesmo da existência do Estado nacional brasileiro. Também afirmou que Rocha Pombo, já no início do século XX, apresentou a América portuguesa como uma entidade desde sempre destinada a ser independente e a ocupar o espaço que posteriormente viria a se tornar o território do Brasil. Uma continuidade direta e sem qualquer sobressalto que iria se repetir, segundo Pimenta, também nas obras de Pedro Calmon e Hélio Viana, atingindo em Jaime Cortesão seu ápice, com o livro Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri, publicado entre 1952 e 195612 12 Ibidem. .

O mito da ilha Brasil, apresentado por Cortesão, baseia-se em uma premissa básica. O espaço geográfico que viria a conformar o território brasileiro seria envolvido de uma forma quase geométrica e insulada pelo curso de dois grandes rios, o Amazonas e o Prata, cujas fontes encontrar-se-iam em um grande lago unificador. Dessa forma, o espaço colonial português na América teria como característica essencial possuir uma unidade poucas vezes vista, emoldurada pela natureza com o “arco lendário fluvilacustre” para simples deleite do colonizador europeu. Assim, desaparecem dos relatos históricos os elementos da conquista e da exploração colonial, para entrar em cena a ideia da herança legada aos portugueses pela própria divindade, através de uma dádiva evidenciada pelos próprios elementos da natureza à qual nenhum ser humano poderia oferecer resistência13 13 MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). São Paulo: Editora Unesp, 1997. .

A unidade conferida ideologicamente à colônia pelo mito da ilha Brasil, definidor do expansionismo lusitano através da figura do bandeirante, que dissolve definitivamente os limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas, possuiria, segundo Cortesão, uma importância fundamental para o Brasil moderno. Ela se basearia no fato de que o Estado brasileiro constituir-se-ia como uma simples atualização da ilha Brasil, representando uma continuidade, em termos de espaço cultural e consciência nacional, dessa ideia surgida na época colonial14 14 Ibidem. . Essa continuidade se faria presente também no que tange ao território da nova entidade estatal, já que o espaço ocupado pela nação seria o mesmo herdado pelos portugueses séculos antes, conformado pela conjunção dos dois maiores rios da América do Sul e oficializado pelas negociações que levariam ao Tratado de Madri e que dariam a Alexandre de Gusmão o direito de ser posteriormente considerado o primeiro defensor dos legítimos interesses nacionais brasileiros - antes mesmo que estes fossem formulados como tais.

José Honório Rodrigues foi outro historiador que cedeu à tentação de enxergar na colônia o Estado nacional que ainda estava muito longe de ser constituído. Em sua análise da historiografia produzida na época, surgem de modo recorrente as críticas centradas na acusação de que ela não teria tido preocupações totalizantes, limitando-se a fazer apenas narrativas episódicas. Seria essa a razão pela qual, nesse período, abundaram os esforços de construção de narrativas históricas locais (franco-maranhense, amazônica, nordestino-holandesa, bandeirante e jesuítica), mas nenhuma capaz de dar conta da “história geral” brasileira.

Segundo Rodrigues, o que tornava este panorama geral ainda mais desolador era o fato de que autores como Sebastião da Rocha Pita demonstravam, em suas análises, sentimentos “anti-Brasil e Pró-Portugal”, produzindo desse modo análises “servis” cujo objetivo principal era serem lidas apenas por portugueses, nunca por brasileiros. Gestar-se-iam, assim, obras “despojadas da essência do caráter nacional”, crítica que perde totalmente o sentido quando lembramos que ela se dirige a estudos realizados em uma época na qual, sempre é bom lembrar, ainda não existia qualquer traço de nacionalidade brasileira nas colônias americanas pertencentes a Portugal15 15 PIMENTA, João Paulo Garrido. Estado e nação… Op. Cit., p. 42-43. Para uma interessante análise sobre as múltiplas identidades existentes na América portuguesa mesmo nos anos mais próximos do início do processo de ruptura política com a metrópole europeia, cf.: JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo Garrido. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira (1500-2000): formação: histórias. São Paulo: Editora Senac SP, 2000. p. 127-176. . Inclusive, o conceito “nacional” e todos os outros que a ele se referem possuíam significados muito diferentes dos que surgiriam no século XX, uma constatação que vários autores já se esforçaram por realizar16 16 Apenas para citar algumas obras dentre muitas: GUERRA, François-Xavier. A nação moderna: nova legitimidade e velhas identidades. In: JANCSÓ, István (org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, 2003. p. 33-60; CHIARAMONTE, José Carlos. Metamorfoses do conceito de nação durante os séculos XVII e XVIII. In: JANCSÓ, István (org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, 2003. p. 61-92; KEMILÄINEM, Aira. Nationalism: problems concerning the word, the concept and classification. Jyväskylä: Kustantajat, 1964; GELLNER, Ernest. Nations and nationalism. Malden: Blackwell, 2006; GAT, Azar; YAKOBSON, Alexander. Nations: the long history and deep roots of political ethnicity and nationalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013; HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002; HOBSBAWM, Eric J.; RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002; ROSSOLILLO, Francesco. Nação. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília, DF: Editora da Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. p. 795-799. .

João Paulo Garrido Pimenta oferece uma chave importante para entender por que o território nacional não pode ser considerado uma simples continuidade natural e inquestionável da organização espacial forjada pela metrópole portuguesa para sua colônia localizada no continente americano17 17 PIMENTA, João Paulo Garrido. Estado e nação… Op. Cit., p. 50-51. . Segundo esse historiador, existe, entre essas duas realidades espaciais, uma contradição política básica, geralmente desconsiderada pelas interpretações que tendem a avaliar uma como consequência inevitável da outra: o Estado que levou à conformação de um determinado território, no continente americano, só pôde surgir como negação (ou superação) da colônia que o precedeu e de tudo que esta representava.

Desse modo, no sistema colonial havia um regime político fortemente centralizado na figura do monarca, respeitado e temido por todos como a única pessoa designada por Deus para decidir sobre o destino de seus súditos e para dispor das terras legadas a ele por herança de seus antecessores, os quais, por sua vez, as haviam conquistado em tempos quase imemoriais através de guerras, conquistas e doações. Com a independência, surgia um sistema forjado sobre os princípios liberais do século XIX, baseado na participação popular mediante a atuação de parlamentares eleitos e no qual o imperador (no caso brasileiro) devia seu poder a uma delegação realizada por seus súditos. Nesse novo arranjo o monarca, longe de ostentar direitos e deveres a ele concedidos pela própria divindade (única entidade a quem devia, em última instância, prestação de contas), os possuía rigidamente definidos por uma carta constitucional, não podendo mais legislar ou julgar segundo seu livre arbítrio, uma vez que poderes específicos haviam sido criados para esses fins. O território, nessa nova realidade política, deixava de ser uma propriedade pessoal herdada pelo portador da coroa e do cetro de seus maiores e passava a ser o espaço de atuação jurisdicional de uma nação através de seus representantes, a quem unicamente passava a caber a função de defini-lo e organizá-lo.

A análise empírica parece confirmar essa teorização. De fato, na comparação direta entre os processos que levaram à criação de novas unidades administrativas na colônia portuguesa e aqueles ocorridos após a ruptura política com a metrópole europeia, salta à vista do pesquisador a notável diferença em termos de ritos, vocabulário e questões levantadas. Nas emancipações ocorridas ainda durante a vigência do chamado Antigo Regime português, abundam termos personalistas centrados na figura do monarca, a quem unicamente cabia a decisão de redividir suas terras, determinando, no mesmo ato, as medidas necessárias para garantir que essa ação resultasse nos objetivos que ele julgasse úteis ou necessários. Já naquelas ocorridas após 1822, o processo de reorganização territorial se transformou em uma sequência de debates e decisões árdua e complexa, em cuja formulação entravam em jogo ideias e objetivos múltiplos e, quase sempre, contraditórios. Tais debates podiam ocorrer (na verdade desejava-se que ocorressem) em qualquer espaço público no qual a opinião pública fosse livre e estivesse habilitada para expor suas ideias de forma clara, defendendo suas posições e contestando as contrárias do modo que julgasse mais conveniente.

A imprensa, não raro, se propôs a atuar como garantidora desse espaço, fosse pela publicação de cartas e artigos em órgãos periódicos, fosse mediante o aluguel de suas gráficas à publicação de livros e folhetos. Ao mesmo tempo, o novo sistema político permitiu que a população sem acesso a esses meios também se manifestasse, através da conservação de um instrumento originário do próprio Antigo Regime que visava substituir - as petições e representações enviadas aos parlamentares do Império, a quem competiria tomar as decisões finais acerca de seu atendimento ou indeferimento. Escolhidos por sufrágio para representar a nação, portadora de uma soberania que até então se concentrava exclusivamente na pessoa do monarca, apenas deputados e senadores poderiam apresentar, aprovar e rejeitar propostas que implicassem modificações significativas no espaço de atuação exclusiva dessa mesma soberania: o território nacional. As diferenças dificilmente poderiam ser mais acentuadas, definidas pela ruptura política de 1822, que, imprevisível até os últimos movimentos que levaram aos desdobramentos verificados no último terço daquele ano e longe de ser considerada irreversível meses depois, impuseram a necessidade de criação de um aparato estatal forjado sobre bases político-discursivas que, resgatando elementos de um passado territorial idealizado, tinha como objetivo criar e consolidar uma nova monarquia constitucional.

1. Criação de capitanias: o território como propriedade do rei

No decreto que determinou a criação da capitania de Sergipe, publicado em 8 de julho de 1820, os termos de cunho personalista são abundantes, não deixando qualquer margem para dúvida acerca do ideário que regia a tomada desta decisão:

Convindo muito ao bom regime deste reino do Brasil, e à prosperidade a que Me proponho elevá-lo, que a Capitania de Sergipe de El-Rei tenha um governo independente do da Capitania da Bahia: Hei por bem isentá-lo absolutamente da sujeição em que até agora tem estado do governo da Bahia, declarando-o independente totalmente, para que os Governadores dela a governem na forma praticada nas mais Capitanias independentes, comunicando-se diretamente com as Secretarias de Estado competentes, e podendo conceder sesmarias na forma das Minhas Reais Ordens.18 18 BRASIL. Decreto de 8 de julho de 1820. In: COLECÇÃO das Leis do Brazil de 1820. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. p. 48-49. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/18335. Acesso em: 15 maio 2020. Ortografia atualizada pelo autor.

É dom João VI quem se propõe a garantir a prosperidade de seu reino, adotando medidas que conviessem ao seu “bom regime”. Após identificar, por meios não explicitados no documento, que convinha ao “bom regime” de seu reino “isentar” Sergipe da “sujeição” em que se encontrava com relação ao governo da Bahia, o monarca decidiu declará-lo independente para que recebesse os aparatos administrativos já estabelecidos em outras capitanias, o que permitiria uma comunicação mais rápida com as instâncias superiores de poder e, portanto, maior agilidade na adoção das medidas julgadas necessárias para o desenvolvimento da nova unidade administrativa que ficava, desse modo, criada.

A liberdade para concessão de sesmarias também necessitava ser concedida, uma vez que se tratava de conceder o direito de usufruto de uma propriedade exclusiva da coroa. É razoável supor que essa decisão tenha sido motivada pela recepção de petições de moradores abastados de Sergipe, ou mesmo de relatórios dos administradores da região. Mas, se assim foi, também é forçoso reconhecer que à emancipação não antecedeu qualquer debate mais amplo do qual extratos mais amplos da sociedade tenham sido convidados a participar. A decisão cabia, em última instância, ao monarca enquanto proprietário das terras cuja organização se pretendia reformar e portador de uma soberania que se confundia com sua própria pessoa. Essa fórmula já havia sido adotada anteriormente, como o decreto promulgado em 16 de setembro de 1817 demonstra:

Convindo muito ao bom regime deste Reino do Brasil, e à prosperidade a que me proponho elevá-lo, que a Província das Alagoas seja desmembrada da Capitania de Pernambuco, e tenha um Governo próprio que desveladamente se empregue na aplicação dos meios mais convenientes para dessa se conseguirem as vantagens que o seu terreno e situação podem oferecer em benefício geral do Estado e particular dos seus habitantes e da minha Real Fazenda: sou servido isentá-la absolutamente da sujeição em que até agora esteve do Governo da Capitania de Pernambuco, erigindo-se em Capitania com um governo independente que a reja na forma praticada nas demais capitanias independentes, com faculdade de conceder sesmarias, segundo as minhas reais ordens, dando conta de tudo diretamente pelas Secretarias de Estado competentes. E atendendo às boas qualidades e mais partes que concorrem na pessoa de Sebastião Francisco de Mello e Povoas: Hei por bem nomeá-lo Governador dela para servir de tempo de três anos e o mais que decorrer enquanto lhe não der sucessor.19 19 BRASIL. Decreto de 16 de setembro de 1817. In: COLECÇÃO das Leis do Brazil de 1817. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 58. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao1.html. Acesso em: 15 maio 2020. Ortografia atualizada pelo autor.

Nessa decisão, dom João foi mais específico, deixando claro o que esperava dos governantes da nova unidade administrativa que estava criando: o máximo aproveitamento dos recursos naturais e de seu potencial econômico no sentido de, com eles, alcançarem o máximo benefício possível em favor do Estado português, dos habitantes da região que ora era emancipada, e da fazenda real. É importante lembrar que essa medida não foi tomada em um momento qualquer. Apenas quatro meses antes um dos mais sérios movimentos contestatórios ao antigo regime português havia sido derrotado a duras penas na capitania pernambucana, garantindo a restauração de uma ordem que parecia cada vez mais ameaçada pelo fluxo constante de notícias originadas das rebeladas colônias espanholas, então em luta aberta por sua independência20 20 PIMENTA, João Paulo Garrido. A independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2015; BERNARDES, Dênis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. São Paulo: Hucitec: Fapesp; Recife: UFPE, 2006; DUTRA, Eliana de Freitas; MOLLIER, Jean-Yves (org.). Política, nação e edição: o lugar dos impressos na construção da vida política: Brasil, Europa e Américas nos séculos XVIII-XX. São Paulo: Annablume, 2006. . Para garantir a consecução dos objetivos traçados com a criação da nova capitania, foi escolhido Sebastião Francisco de Mello e Póvoas, oriundo de uma família que possuía estreitos laços com os parentes de Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, e que já havia prestado vários serviços à coroa portuguesa na área militar. Póvoas, seguindo sua linhagem, também havia adotado a carreira do oficialato quando assentou praça na Real Armada, em 1806, tornando-se guarda-marinha em 1807, segundo tenente do Real Corpo da Marinha, em 1808, e capitão, seis meses depois21 21 SANTOS, Fabiano Vilaça dos. Além da anedota: uma revisão da trajetória do governador Sebastião Francisco de Melo e Póvoas. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 139-160, jan./jun. 2012. Disponível em: https://bit.ly/3gs5fao. Acesso em: 16 maio 2020. .

Na área administrativa, o escolhido já tinha adquirido alguma experiência durante os cinco anos nos quais governou o Rio Grande do Norte (1811-1816). Considerado um dos postos de comando menos expressivos da América portuguesa, em uma escala que se iniciava com o governo de capitanias como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco ou Bahia, e terminava com o comando daquelas de menor importância econômica e política - além das recentemente criadas (exatamente o caso do Rio Grande do Norte, quando governado por Póvoas, e de Alagoas, em 1817), ainda assim representava um sinal de deferência da monarquia para com aqueles indivíduos oriundos de famílias que, se não figuravam no rol das principais do império, já haviam prestado serviços relevantes o suficiente para serem lembradas pela Coroa na hora de decidir-se pelo preenchimento de cargos públicos22 22 MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Governadores e capitães-mores do império atlântico português no século XVIII. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral (org.). Modos de governar: ideias e práticas políticas no império português (séculos XVI-XIX). São Paulo: Alameda, 2005. p. 93-115. .

Essas nomeações constituíam a contrapartida necessária de uma relação política e social que preservava vários elementos das antigas regras de vassalagem, de acordo com as quais a lealdade para com o soberano deveria ser recompensada com a oferta de comendas que variavam de acordo com a importância dos serviços prestados. Para famílias cujos membros haviam realizado feitos grandiosos, possivelmente colocando em risco grande quantidade de bens e pessoas ou garantindo a sobrevivência do reino ou da dinastia governante, vantagens maiores. Para aquelas linhagens constituídas por vassalos fiéis à Coroa, mas, por alguma razão, desprovidas de atos tão heroicos ou dignos de nota, eram destinadas contrapartidas menores, mas, ainda assim, repletas de significado em sociedades profundamente hierarquizadas, como as do Antigo Regime. A nomeação para o governo da recém-criada capitania de Alagoas ou, em termos ainda mais explícitos, para o comando da também nova capitania do Piauí, desmembrada do Maranhão em 1811, são exemplos desse tipo de concessão:

D. João por graça de Deus, Príncipe Regente de Portugal e dos Algarves etc. Faço saber aos que esta minha carta patente virem, que havendo respeito ao bem com que me tem servido Amaro Joaquim Raposo de Albuquerque; hei por bem nomeá-lo Governador da Capitania de Piauí, que sou servido desmembrar da Capitania Geral do Maranhão, para ficar inteiramente a sua administração independente desta a que era subalterna, por assim convir a bem daqueles povos e do meu real serviço, cujo emprego exercitará o dito Amaro Joaquim Raposo por tempo de três anos e o mais que decorrer enquanto eu o houver por bem e lhe não nomear sucessor, e com o dito governo haverá o soldo, que lhe competir, pago na forma das minhas reais ordens, e gozará de todas as honras, poderes, mando, jurisdição e alçada que tem, e de que gozou seu antecessor, e do mais que por minhas reais ordens e instruções lhe for concedido. Pelo que mando ao Governo interino da Capitania do Piauí e aos Oficiais da Câmara deem posse do mesmo governo ao dito Amaro Joaquim Raposo, e a todos os Oficiais de guerra, justiça e fazenda ordeno também para que em tudo lhe obedeçam, cumpram suas ordens e mandados, como a seu governador; e o dito Amaro Joaquim Raposo jurará em minha chancelaria, na forma costumada, de que se fará assento nas costas desta minha carta patente; e antes de partir desta Corte fará em minhas reais mãos preito e homenagem pelo dito governo, segundo o uso e costume destes Reinos; de que se apresentará certidão do meu Secretário de Estado. E por firmeza de tudo lhe mandei passar a presente por mim assinada e selada com o selo grande de minhas armas.23 23 BRASIL. Carta Patente de 30 de maio de 1811. In: COLECÇÃO das Leis do Brazil de 1811. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 59-60. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao1.html. Acesso em: 16 maio 2020. Ortografia atualizada pelo autor.

Certamente, Amaro Joaquim Raposo de Albuquerque prestou, antes de receber essa carta patente, relevantes serviços à coroa portuguesa (ou, pelo menos, pertencia a uma família que os havia prestado). Com esse documento, chegava o momento de receber a retribuição, a qual deveria ser agradecida através da realização das devidas homenagens já previstas pelo “uso e costumes” do reino. Constituía-se o Piauí, desse modo, em mais uma das unidades administrativas da América portuguesa, dessa feita desmembrada do Maranhão, que, assim como Bahia (no caso de Sergipe) e Pernambuco (no caso de Alagoas), pouco pôde fazer para impedir o desmembramento de seu território. Tratava-se de mais uma decisão tomada pelo monarca, que, por isso mesmo, não poderia receber contestação. Bem diferentes - e mais longos - seriam os processos de criação de novas províncias após a constituição do Estado nacional brasileiro, em 1822.

2. Criação de províncias no Império do Brasil: o projeto constitucional de 1823 e a Carta de 1824

Os primeiros debates em torno da divisão administrativa do seu território ocorreram já durante os trabalhos da Assembleia Constituinte de 1823 e estiveram inseridos em uma discussão muito mais ampla, que versou sobre a própria configuração política do nascente império. Estado unitário ou federalismo? Um regime baseado na existência de um governo central, com monopólio exclusivo para tomada de decisões concernentes às políticas adotadas em todos os recantos do país, ou um sistema organizado de forma que as competências do Estado ficassem divididas entre os governos central e provinciais, portadores da autonomia necessária para adotar as medidas que entendessem pertinentes aos seus assuntos internos? Nesse contexto, que teria vários desdobramentos fundamentais ao longo dos anos seguintes, vamos encontrar proferidos os primeiros discursos parlamentares acerca da conformação territorial brasileira.

Para Evaldo Cabral de Mello, a questão do federalismo, apresentada como uma “sensibilidade política eminentemente pernambucana” no início do século XIX24 24 MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004. p. 13 , passava pela defesa de interesses políticos e econômicos bastante claros. Em seu entender, ela nascera do desejo de que, uma vez desfeita a unidade que ligava os reinos de Portugal, Brasil e Algarves, a soberania política se revertesse imediatamente às províncias. Dessa forma, essas unidades políticas ficariam livres para pactuar uma nova ordem constitucional que as mantivesse unidas, caso vissem essa solução como interessante, ou então para fazer uso do direito de se constituírem separadamente sob o sistema político que melhor lhes atendesse. Apenas os interesses específicos de cada região deveriam servir como guia para o caminho a ser seguido, fosse no sentido da constituição de uma união constitucional, fosse em qualquer outro25 25 Ibidem. É importante lembrar que essa concepção acerca da organização constitucional dos estados nacionais enquanto resultado de uma adesão voluntária de suas várias partes não é inovação exclusiva do caso pernambucano, estando presente em vários momentos do processo de ruptura das antigas colônias espanholas com sua metrópole nessa mesma época. Cf. PIMENTA, João Paulo Garrido. A independência do Brasil… Op. Cit.; CHIARAMONTE, José Carlos. Cidades, províncias, estados: origens da nação argentina (1800-1846). São Paulo: Hucitec, 2009; TERNAVASIO, Marcela. Historia de la Argentina, 1806-1852. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2013; OSZLAK, Oscar. La formación del Estado argentino: orden, progreso y organización nacional. Buenos Aires: Ariel, 2012; ARNALDI, Waldo et al. Argentina: la construcción de un país. Buenos Aires: Sudamericana, 2009; entre outros. .

Esse projeto ganhou maior força com a transferência do aparato administrativo monárquico para o Rio de Janeiro, em 1808. Deveu-se isso ao fato de que a partir de então essa capitania - e as elites econômicas lá sediadas - passaram a contar com uma relação privilegiada com a Coroa, em detrimento de todas as demais, sendo a presença real responsável por fazer afluir para ela as rendas oriundas do desenvolvimento econômico das demais regiões da América portuguesa. Ter-se-ia configurado, desse modo, uma situação assimétrica em virtude da qual o Rio de Janeiro passou a ser encarado como um “parasita do Império português”, atraindo para si o “ódio de todas as províncias”. Ódio que se tornaria mais forte naquelas localizadas ao norte, nas quais as vantagens colhidas da nova situação política eram consideradas menores, sem que o ônus a ser pago pelo pertencimento ao império lusitano fosse diminuído na mesma proporção26 26 MELLO, Evaldo Cabral de. Op. Cit. .

Nesse sentido, Evaldo Cabral de Mello argumenta que a impossibilidade de tributar grande parte das importações da América lusitana (por conta do tratado de comércio assinado com a Inglaterra, em 1810), aliada à necessidade de financiar o estabelecimento do aparato burocrático português no Rio de Janeiro, fizeram com que a Coroa lançasse mão de novas e maiores cobranças sobre as produções de algodão e açúcar, justamente as principais fontes de recursos para a economia pernambucana. Essa nova realidade criava, aos olhos de suas elites, uma situação de sufocamento que fazia com que todo o descontentamento antes voltado para Lisboa fosse redirecionado para a nova capital, localizada ao sul. Sob essa ótica, a sujeição ao governo lá localizado tornava-se duplamente vexatória, uma vez que agora os pernambucanos teriam que recorrer, para a solução de seus problemas internos, a uma outra capitania até então entendida como igual, e que deixava de sê-lo com o novo ordenamento político. Segundo Cabral de Mello, “o ressentimento nativista concluiu que Lisboa já não estava em Lisboa, mas no Rio27 27 Ibidem, p. 35. ”.

Dessa forma, a defesa do estabelecimento de um sistema federativo era apresentada como uma tentativa de livrar as demais regiões da América portuguesa (no caso Pernambuco, especificamente) de uma situação apresentada como extremamente prejudicial. O governo federal surgia como um regime político capaz de garantir a cada província a capacidade de gerir seus próprios interesses do modo que melhor lhe conviesse, acabando assim com as justificativas para o envio de vultosas quantias para o Rio de Janeiro que, como “parasita do Império”, apenas as ocupava em seus próprios interesses sem revertê-las em políticas que agradassem às demais partes do Estado, que se pretendia unitário. A elite pernambucana, sob esse ponto de vista, não seria separatista. Após a independência, ela se dispôs a participar da composição do novo império, desde que o arranjo político a ser adotado privilegiasse essa solução federalista. O próprio Frei Caneca, líder da Confederação do Equador, defendera o regime monárquico em 1823, desde que ele conferisse autonomia às províncias. Teria sido apenas com a derrota dessa solução, concretizada com o fechamento da Assembleia Constituinte, que esses grupos passariam a defender propostas separatistas28 28 Ibidem. Miriam Dolhnikoff discorda dessa interpretação, ao defender que o projeto federalista não era uma exclusividade das elites de Pernambuco e da Bahia, mas também de várias outras províncias, como São Paulo e Rio Grande do Sul, casos analisados em seu livro. Da mesma forma, segundo a autora, o fechamento da Assembleia Constituinte não significou a derrota definitiva desta proposta, a qual teria posteriormente voltado com força e se tornado vitoriosa através da promulgação do Ato Adicional de 1834 (DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005). . Trata-se, portanto, de uma concepção específica de federalismo que, sem dúvida, não era a única existente então.

Ivo Coser analisa elementos importantes para o entendimento desse debate mais amplo através da análise dos conceitos de “centralização” e “federalismo” defendidos nos discursos proferidos na Assembleia Constituinte de 182329 29 COSER, Ivo. Visconde do Uruguai: centralização e federalismo no Brasil, 1823-1866. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Iuperj, 2008. . Nesse momento, a ideia de centralização era praticamente a mesma que iria se manter ao longo de todo o século XIX e adentrar o XX: um governo central com forte concentração de atribuições, responsável pela manutenção da unidade do Estado através de sua ação nas diversas localidades do país. Um ponto importante é que esse conceito dizia respeito mais ao fim do que aos meios, uma vez que a centralização poderia ocorrer tanto através de um arranjo político federativo quanto a partir de um sistema unitário30 30 Ibidem. . Ou seja, a decisão por uma solução centralista não excluía, a priori, a opção por um regime de tipo federativo, já que essa configuração era uma das estratégias possíveis para dotar o governo central da capacidade necessária para agir em todo o território, mas impedia que o tipo específico de federação proposto ao longo dos debates de 1823 se impusesse.

Isso porque, para os federalistas da constituinte, as províncias deveriam ser entendidas como Estados soberanos, com plena autonomia para legislar sobre tudo que dissesse respeito aos seus interesses específicos. Poderiam, inclusive, rejeitar a carta constitucional que estava sendo elaborada, uma vez que, após a conclusão dos trabalhos, a soberania temporariamente delegada à Assembleia retornaria às províncias, que poderiam aceitar ou não os dispositivos apresentados31 31 Ibidem. . Nesse sentido, a definição da unidade territorial só estaria garantida quando todas as partes da antiga colônia portuguesa declarassem livremente que aceitavam a nova Constituição; antes desse momento fundamental, não existiria, portanto, Estado, mas apenas um grupo de legisladores se esforçando para garantir sua viabilidade.

O sucesso da empreitada seria determinado, de modo único e exclusivo, pelo crivo dos interesses das regiões que, como se pretendia, fossem componentes da nação. O novo império era igualado, de acordo com essa visão, a uma sociedade formada por indivíduos - as províncias - que tinham na busca de seus próprios interesses a razão de sua existência, de acordo com a formulação liberal clássica32 32 Ibidem. . Dessa busca individual, emergiria a “felicidade” da nação, tal como na sociedade civil o “bem público” surgiria da busca de todos pela sua própria felicidade. Não importava, nesse sentido, qual seria a forma de governo adotada para se alcançar esse desideratum. O importante é que cada província tivesse a mais ampla liberdade para atender a seus interesses específicos. Da capacidade de cada uma atingir este objetivo, surgiria o progresso geral do novo arranjo institucional brasileiro.

A defesa de um conceito de federalismo que via nas partes constituintes da antiga colônia portuguesa entidades soberanas possuidoras de autonomia para, inclusive, se negar a fazer parte do novo Estado nacional, ganha importância destacada quando se analisam os debates em torno do segundo artigo do projeto de constituição de 1823. Este, por sua vez, está diretamente relacionado a outros três, que formam o título primeiro do documento, denominado “do território do Império do Brasil”:

Título I

Do Território do Império do Brasil

Art. 1. O Império do Brasil é um, e indivisível, e estende-se desde a foz do Oyapock até os trinta e quatro graus e meio ao sul

Art. 2. Compreende as províncias do Grão Pará, Rio Negro, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe d’El Rei, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, as Ilhas de Fernando de Noronha, e Trindade, e outras adjacentes; e por federação o Estado Cisplatino.

Art. 3. A Nação Brasileira não renuncia ao direito, que possa ter a algumas outras possessões não compreendidas no artigo 2o.

Art. 4. Far-se-á do Território do Império conveniente divisão em Comarcas, destas em Distritos, e dos Distritos em Termos, e nas divisões se atenderá aos limites naturais, e igualdade de população, quanto for possível.33 33 PROJECTO de Constituição para o Império do Brazil. In: MARTINS, Eduardo. A assembléia Constituinte de 1823 e sua posição em relação à construção da cidadania no Brasil. 2008. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual Paulista, Assis, 2008. p. 177-193.

Não é objetivo deste artigo realizar uma análise aprofundada desses debates, mas tão somente chamar a atenção para a riqueza de detalhes com que o território brasileiro foi regulado nessa proposta, que acabou não sendo adotada. Há, aqui, uma preocupação real em definir e nomear exatamente quais províncias compunham o novo país, como elas deveriam ser subdivididas e a que título estavam sendo incorporadas ao novo Estado. Pode-se, inclusive, avançar a hipótese de que é da sua definição enquanto reunião das antigas partes da colônia portuguesa na América que surge esse esforço descritivo. Seria a união das províncias, através da livre aceitação da carta que estava sendo elaborada, que tornaria o novo império uno e indivisível. Nesse sentido, ele surgiria da união de unidades administrativas preexistentes que garantiam sua viabilidade mediante um amplo acordo aceito por todas e concretizado na carta constitucional. Primeiro existiam as províncias e, só então, de um acordo entre estas, nasceria o Estado nacional brasileiro.

O artigo quarto parece bem eloquente nesse sentido, pois define precisamente o modo pelo qual essas unidades fundamentais do território brasileiro poderiam ser subdivididas: em comarcas, distritos e termos, sempre que possível respeitando limites naturais e igualdade de população. Não é dita uma palavra acerca da possibilidade de criação de novas províncias a partir da divisão das já existentes; a possibilidade de surgimento de novas unidades administrativas está contemplada apenas no artigo terceiro, mediante a incorporação de possessões não inclusas na descrição realizada no artigo segundo. Esses podem parecer detalhes de menor importância, mas ganham nova dimensão quando colocados frente a frente com o dispositivo da Carta, outorgada em 1824 (e que regeria os destinos do país por 65 anos), que define a organização territorial do império: “Art. 2o - O seu território é dividido em províncias, na forma em que atualmente se acha, as quais poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado”34 34 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil. Carta de Lei de 25 de março de 1824. In: COLECÇÃO das leis do Império. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1824. v. 1, p. 27. Disponível em: https://bit.ly/3cGhpdq. Acesso em: 16 maio 2020. .

As diferenças são marcantes. Os quatro artigos do projeto de 1823 foram condensados em um único na Carta outorgada por dom Pedro I, no ano seguinte. À definição precisa do território do império que se projetava construir, à nomeação minuciosa de suas partes constituintes, à circunscrição exata das possibilidades de redivisão das províncias, seguiu-se uma fórmula simples e direta, poder-se-ia dizer quase simplista, mas carregada de significados implícitos que convêm analisar ainda que brevemente.

A primeira sentença desse artigo, exatamente aquela destinada a definir o território do novo Estado nacional, apresenta uma oposição direta à concepção presente no projeto de 1823. Enquanto neste o império se forma da união de unidades preexistentes, naquele a ideia se inverte completamente mediante a formulação “o seu território é dividido em províncias”. Parece fora de dúvida que se trata, aqui, de uma concepção completamente diferente de espaço territorial. Na Carta de 1824 é o império que se divide em províncias, constituindo-se, desse modo, em unidade primordial35 35 Outra interessante possibilidade de explicação para o não detalhamento das províncias constitutivas do Império, na Constituição de 1824, é a salvaguarda de interesses expansionistas relacionados a outras regiões, como, por exemplo, Angola, na África. Trata-se, contudo, de hipótese que requer a realização de extensa pesquisa que extrapola em muito os limites deste artigo, para ser comprovada. . José Antônio Pimenta Bueno (1803-1878), marquês de São Vicente, em sua análise da constituição brasileira redigida em meados do século XIX, foi um dos teóricos do sistema político imperial que mais se esforçaram em explicar por que a unidade nacional precedia as províncias no novo Estado, e não o contrário.

Segundo sua definição do território brasileiro, este seria constituído por todas as possessões que a monarquia portuguesa possuía na América no momento da emancipação. A justificativa desse princípio repousa na mesma construção lógica baseada na ideia da ancestralidade dos espaços nacionais, tal qual analisada páginas atrás:

Os portugueses possuíam todos estes territórios conjuntamente com os brasileiros, assim como estes possuíam juntamente com eles os territórios de além-mar. Separando-se, e constituindo-se os brasileiros em nacionalidade independente, separaram-se e constituíram-se com todas as possessões que a Coroa comum tinha no Brasil. Essa foi a condição territorial inerente à sua emancipação, esse o fato e direito confirmado pelo reconhecimento de sua independência, assim pelas nações em geral, como particularmente pela nação portuguesa.36 36 BUENO, José Antônio Pimenta. Direito público brasileiro e análise da constituição do império. In: KUGELMAS, Eduardo (org.). José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente. São Paulo: Editora 34, 2002. p. 79-80

Partindo do pressuposto de uma nação ancestral formada por portugueses e brasileiros, designações formadas no decorrer do processo de independência37 37 Sobre o assunto, entre outros, cf.: RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção: identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002; BERBEL, Márcia Regina. A nação como artefato: deputados do Brasil nas cortes portuguesas, 1821-1822. São Paulo: Hucitec, 2010; COSTA, Wilma Peres; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (org.). De um Império a outro: formação do Brasil, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2007; PIMENTA, João Paulo Garrido. Estado e nação… Op. Cit. , Pimenta Bueno concebeu uma realidade dicotômica segundo a qual, da ruptura política entre ambas as partes, a herança da porção americana do antigo império português pelo novo Estado brasileiro surge como uma consequência óbvia e incontestável. Se, nas colônias espanholas, esta transição teria ocorrido de modo traumático, criando as condições para o parcelamento das antigas unidades administrativas, no Brasil teria sido um fato praticamente automático, confirmado pelo reconhecimento de todos os países e, muito especificamente, dos próprios portugueses.

Não há, nessa construção, espaço para as identidades regionais tão presentes nos debates realizados na Assembleia Constituinte de 1823, muito menos para a possibilidade de qualquer das partes formativas da nação se recusar a fazer parte desta. Há, apenas, a definição de um dogma político reconhecido pelo próprio autor, um atributo sagrado oriundo da independência da nação, uma das bases primordiais de sua grandeza interior e exterior: a indivisibilidade do seu território38 38 BUENO, José Antônio Pimenta. Op. Cit. . Nesse sentido, indivisível que era, o império brasileiro seria formado por províncias que nada mais eram que circunscrições, unidades locais ou parciais de “uma só e mesma unidade geral”. O que justificava a possibilidade constitucional de sua livre subdivisão, tendo em vista apenas o bem do Estado39 39 Ibidem, p. 81. , e desobrigava a lei magna do país de dispor sobre sua exata disposição espacial.

De fato, ao contrário do projeto de 1823, a Carta Constitucional de 1824 abria ampla margem de interpretação para as condições a que as províncias brasileiras poderiam ser subdivididas. Poderiam sê-lo, certamente, em comarcas, distritos e termos, estratégias governamentais adotadas, em tese, para facilitar a administração do espaço provincial. Mas, a partir de agora, também poderiam ser subdivididas em novas províncias, abrindo uma possibilidade inédita para a organização territorial do império. Ainda que apenas duas novas unidades administrativas do tipo tenham sido criadas em todo o período monárquico (Amazonas, desmembrada do Grão-Pará em 1850; e Paraná, desmembrada de São Paulo em 1853), ambas após anos de árduos debates parlamentares40 40 Sobre o assunto, cf.: GREGÓRIO, Vitor Marcos. Dividindo as províncias do Império. Curitiba: Appris, 2021. , numerosos os projetos de emancipação circularam no parlamento ao longo de todo o Oitocentos. A motivá-los, havia necessidades variadas de ordem econômica41 41 Principalmente o desejo de que os recursos originados do recolhimento de impostos na região que se pretendia erigir em província fossem lá reinvestidos. e política42 42 Busca por uma representação parlamentar capaz de defender os interesses locais em âmbito nacional; desejo de maior autonomia para gerir os negócios internos à região. , as quais poderiam ser utilizadas também como argumento daqueles empenhados em impedir a divisão de suas províncias de origem, apresentadas como passíveis de sério prejuízo caso as propostas em debate fossem aprovadas em votação.

Uma vez que, de acordo com a Constituição, as províncias do império apenas poderiam ser subdivididas de acordo com as necessidades do “bem do Estado”, e o parlamento se constituía como a única instância governativa na qual a nação se fazia representar para legislar buscando esse mesmo “bem do Estado”, torna-se simples entender porque foi nesse local que as propostas que objetivavam criar novas unidades administrativas a partir do desmembramento das antigas foram debatidas e submetidas ao crivo de votações43 43 DOLHNIKOFF, Miriam et al. Representação política no Império: crítica à ideia do falseamento institucional. In: LAVALLE, Adrian Gurza (org.). O horizonte da política: questões emergentes e agendas de pesquisa. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 97-141; MANIN, Bernard. Los principios del gobierno representativo. Madrid: Alianza, 1998; PITKIN, Hannah. The concept of representation. Los Angeles: University of California Press, 1967; SARTORI, Giovanni. A teoria da representação no Estado representativo moderno. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, 1962. . Isso tornava a aprovação de projetos de emancipação um objetivo bastante difícil de ser alcançado, uma vez que envolvia a necessidade de convencer deputados oriundos de todas as regiões do país de que a medida era do interesse geral da nação e, como tal, merecia ser adotada. No caso dos representantes das províncias que seriam desmembradas, isso significava convencê-los a votar por uma medida que teria como consequência a perda de rendas, território, população e, possivelmente, representatividade parlamentar de toda uma região cujos habitantes os haviam elegido. No caso dos representantes de todas as demais, a única estratégia possível passava pela argumentação de que a criação de uma nova unidade administrativa seria útil para todo o país, a ponto de compensar um possível aumento nos gastos públicos, que, certamente, teria de vir acompanhado de uma elevação correspondente na renda proveniente da arrecadação de impostos.

Mas quais províncias poderiam ser subdivididas “como pedir o bem do Estado”? Aqui, mais uma vez, a Carta de 1824 adotou uma fórmula bastante diferente daquela presente no projeto de 1823. Em seus termos, o território do império deveria ser dividido em províncias “na forma em que atualmente se acha”, uma sentença direta que induz o leitor a acreditar que essa questão era facilmente resolvida pelos redatores do documento e, mais importante, por todos os envolvidos na construção do novo aparato estatal. Afinal de contas, ficava consagrada com essa formulação a tese da continuidade territorial, tal qual elaborada pelo marquês de São Vicente e reproduzida por vários autores nas décadas seguintes. Sendo o território do império uma herança direta das possessões portuguesas, nada mais lógico que considerar que suas subdivisões deveriam respeitar as mesmas linhas de antemão traçadas pelo colonizador europeu. A aplicação desse princípio na realidade política do novo país, contudo, de modo algum foi simples ou livre de dubiedades. E, dentro desse contexto, nenhuma região do império sofreu mais com a confusão gerada pela simplificação de sua definição territorial que a antiga comarca do Rio Negro, localizada na província do Grão-Pará.

3. Rio Negro: comarca ou província?

A grande questão relacionada a essa região era: de acordo com a nova carta constitucional outorgada em 1824, ela deveria ser considerada uma comarca subordinada ao governo de Belém, ou uma província com aparato administrativo autônomo? Nesse caso específico, a sentença “na forma em que atualmente se acha” criou uma indefinição de grandes dimensões apontada pelos atores históricos, analisada pela historiografia posterior e, até hoje, não completamente resolvida. A compreensão do problema impõe uma breve digressão. Durante boa parte do século XVIII o Rio Negro teve administração própria, ainda que subordinada à do Grão-Pará.

Criada a capitania através de carta régia datada de 3 de março de 1755, seu governo foi estabelecido por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do marquês de Pombal, e, portanto, digno daquela retribuição típica do Antigo Regime anteriormente comentada, no início de maio de 1758. Foi designada para ser sua capital a aldeia de Mariuá, que nessa ocasião foi elevada à categoria de vila e teve seu nome alterado para Barcelos, em uma tentativa de aportuguesar as denominações de aldeias da região que determinou, também, as renomeações das vilas de Thomar, Moura, Serpa, Silves, Teffé, São Paulo de Olivença, entre outras.

Seu primeiro governador foi Joaquim de Melo e Póvoas, um dos primos do primeiro governador de Alagoas, nomeado pelo rei com os mesmos vencimentos dos governadores da ilha de Santa Catarina e da Colônia do Sacramento44 44 REIS, Arthur César Ferreira. História do Amazonas. Manaus: Officinas Typographicas de Arthur Reis, 1931. . Essa medida respondia à preocupação com a vigilância das recém-estabelecidas fronteiras com o império espanhol (acordadas em Madrid em 1750, mas não ratificadas), bem como com a proximidade das colônias holandesa, inglesa e francesa localizadas nas Guianas, em uma tentativa de impulsionar o povoamento da imensa região amazônica e aproximar a administração colonial de sua população.

Ainda que oficialmente estabelecida, a nova capitania continuou recorrendo ao auxílio de Belém para anuir às suas necessidades, criando uma “subordinação de fato” que seria referida durante longo tempo pelos administradores lusitanos. A documentação produzida nos últimos anos do Setecentos e nos primeiros anos do Oitocentos aponta, em diversas oportunidades, para o fato - normal na administração colonial - dessa capitania autônoma precisar recorrer à sua vizinha dotada de maiores recursos em busca de auxílio financeiro para manter-se45 45 MACHADO, André Roberto de Arruda. As esquadras imaginárias: no extremo norte, episódios do longo processo de independência do Brasil. In: JANCSÓ, István (org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec. 2005. p. 312. . Com o início do movimento liberal português, em agosto de 1820, e seus desdobramentos no norte do reino americano, esta situação foi levada às últimas consequências, criando uma situação que teria desdobramentos até 1850, ano da criação efetiva da província do Amazonas.

A eclosão do movimento lusitano deu início a um daqueles momentos nos quais as decisões e acontecimentos se sucedem em um curto espaço de tempo e requerem respostas rápidas. Em uma região longínqua e de avultadas dimensões como a amazônica, na qual as notícias demoravam a chegar em seu principal porto - Belém - e, daí, demoravam ainda mais para viajar até as localidades mais distantes - como era o caso da Barra do Rio Negro, por exemplo -, tal aceleração da história provocou um descompasso temporal difícil de ser resolvido. Afinal de contas, as notícias que chegavam de Lisboa e do Rio de Janeiro davam conta de fatos ocorridos havia meses, e exigiam a tomada de decisões urgentes que, necessariamente, também precisariam de meses para se tornarem conhecidas. Na capitania do Rio Negro esta situação se tornaria ainda mais dramática, uma vez que mesmo sua comunicação com o porto belenense já era uma atividade que, por sua vez, requeria muito tempo para ser realizada. Com isso, o processo político acabou “represado” na capital paraense, criando um estatuto confuso que a Carta de 1824 apenas veio agravar.

Apenas para focar nos acontecimentos centrais desse processo, dentre uma infinidade de desenvolvimentos que necessitam de uma pesquisa de grande fôlego para serem compreendidos, é possível dizer que o descompasso se iniciou já com a chegada da notícia dos acontecimentos portugueses, à qual se seguiu a adesão formal do Grão-Pará e do Rio Negro ao movimento vintista no dia 1º de janeiro de 1821, decisão que de modo algum esgotou as disputas políticas locais em torno da questão. Uma vez oficializada, restava definir o modo pelo qual o novo processo político seria encaminhado na província paraense e no Rio Negro, momento no qual ganharam importância múltiplos projetos antagônicos que rapidamente cindiram os grupos dirigentes de ambas as capitais:

[…] no exercício do comando das armas o brigadeiro José Maria de Moura foi um dos principais obstáculos à realização do projeto político dos constitucionais, pois estava alinhado a uma facção da elite paraense, denominada por alguns historiadores como “partido absolutista”, que pretendia manter os laços com Lisboa, mas era contrária às novas ideias identificadas como a fonte de instabilidade social e política que tomava conta da província. Na verdade, a resistência à implementação do projeto vintista tinha muitas faces: para Moura a pretensão de estender à América certas liberdades políticas vigentes no Reino europeu era uma ameaça à manutenção da unidade da nação portuguesa.46 46 Ibidem, p. 325-326. O mesmo historiador oferece uma análise mais completa sobre o tema em: Idem. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do antigo regime português na província do Grão-Pará (1821-1825). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2010.

Na capitania rio-negrense, a profunda cisão política levou à deposição de Joaquim do Paço pela tropa estacionada na localidade da Barra, futura Manaus, sob acusação de ter se negado a aderir à nova constituição que seria redigida. Para seu lugar foi então eleita uma Junta de Governo, que teria como responsabilidade realizar o juramento do novo pacto fundante da nação portuguesa e aguardar novas instruções vindas de Lisboa. Tendo chegado a Belém a notícia da deposição, o governo daquela capitania se recusou a reconhecer a eleição realizada e enviou Joaquim José Gusmão para reorganizar a administração, dessa vez seguindo instruções diretas da Junta Governativa paraense47 47 REIS, Arthur César Ferreira. As províncias do Norte e do Oeste. In: Sérgio Buarque de Holanda (org.). O Brasil monárquico, vol. 4: dispersão e unidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p. 87-98. (História geral da civilização brasileira; t. 2, v. 4); Idem. História do Amazona. Op. Cit. .

Não é o objetivo deste artigo realizar uma análise minuciosa desse processo bastante rico em acontecimentos. Pretende-se apenas chamar a atenção para o fato de que entre a adesão oficial, em 1o de janeiro de 1821, a deposição de Joaquim do Paço, em 1o de março, e a formação da segunda Junta de Governo do Rio Negro (esta sim reconhecida por Belém), várias semanas se passaram. Reorganizava-se de modo tumultuado a administração local sem que as novidades e demandas cessassem de chegar de Lisboa.

Nesse mesmo mês de março de 1821, começaram a ser lidos nos portos brasileiros cópias do decreto que mandava proceder à eleição dos deputados que deveriam atuar nas Cortes que já se reuniam na capital do império português. Esse sufrágio deveria seguir instruções específicas promulgadas para esse fim em 23 de novembro de 1820, as quais, por sua vez, remetiam ao mesmo processo eleitoral adotado pela Constituição espanhola promulgada em Cádiz, em 1812. De acordo com essas determinações, e partindo dos números apresentados pelo censo geral realizado em 1801, para cada 30 mil pessoas - excluídos escravos e homens livres sem ocupação - um deputado deveria ser eleito, perfazendo um total de cem48 48 BERBEL, Márcia Regina. Op. Cit. . Nesses termos não caberia, portanto, direito de eleição ao Rio Negro, conforme a seguinte correspondência enviada ao governo paraense:

A Província do Grão-Pará é composta de três Comarcas; a Comarca do Pará que tem 61.212 almas, a Comarca do Rio Negro que contém 15.480 almas e a Comarca de Marajó, ou Ilha Grande de Joannes composta de 6.742 almas: Sendo as cabeças de Comarcas consideradas como de Província, na conformidade do Decreto das Cortes de 18 de abril de 1821, a Comarca do Pará, considerada em separado, deveria dar dois deputados; porém a Comarca do Rio Negro não pode dar deputado algum na conformidade dos artigos 31 e 32 Ad. das Instruções dadas com a circular de 22 de novembro de 1820, e segundo o art. 35 das mesmas Instruções deve unir-se à Comarca imediata, isto é, à Comarca do Pará; a Comarca de Marajó aplicando-lhe os mesmos princípios que a do Rio Negro a sua reunião à Comarca do Pará é uma consequência imediata. Portanto, a reunião dos eleitores das três mencionadas comarcas na capital do Grão-Pará, isto é, na cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, é indispensável, é de absoluta necessidade.49 49 MANUSCRITO avulso presente no Arquivo Público do Pará. Correspondências de diversos com o governo, 1821 apud MUNIZ, João de Palma. Adesão do Grão-Pará à Independência e outros ensaios. Belém: Conselho Estadual de Cultura. Reedição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Ano VI - Vol. IV. 1922, p. 73, grifo do autor.

Essa citação documental chama a atenção por dois motivos principais. O primeiro é o tratamento de “comarca” dado a uma região que havia sido erigida por ato oficial em capitania havia 66 anos. E o segundo é o monumental problema de ordem logística criado pela exigência de que todos os eleitores habitantes do Rio Negro se dirigissem até Belém para escolher aqueles que os representariam nas cortes. Além do tempo necessário para que a convocação fosse conhecida em todos os núcleos da longínqua capitania (alguns meses entre a saída de Belém, a chegada a Barcelos e sua redistribuição às demais vilas e localidades), havia ainda o obstáculo da distância e dos custos aos votantes para a realização de uma viagem que, por si só, exigiria várias semanas de ausência de parcela significativa dos rio-negrenses, com a consequente paralisação das atividades econômicas regionais. Isso em um período de disputas políticas acirradas, como visto há pouco, e com o onipresente risco de interceptações, extravios e disputas variadas que certamente cercariam uma empreitada de tal porte. Consideradas todas as variantes, a conclusão de que uma eleição realizada nesses moldes se tornava completamente inviável é bastante lógica e previsível. Para resolver a questão, surgiu a proposta de abertura de uma exceção com relação ao caso específico do Rio Negro:

Recebeu esta Junta o ofício que V. Sas. Lhe dirigiram acompanhando o mapa dos compromissários e eleitores, que devem nomear os deputados da Província do Pará. Vi com prazer que os trabalhos da comissão estão conformes com o espírito das Instruções, adaptadas quanto é possível às circunstâncias locais do País e desejaria que elas pudessem ser observadas em toda a sua exatidão, porém vendo que por este método deveriam os povos desta Província ficar ainda privados mais um ano do benefício da representação nas Cortes nacionais, tem esta Junta resolvido tomar sobre si a responsabilidade de mandar já proceder à eleição dos deputados que cabem às comarcas do Pará e Ilha de Joannes, ficando de suplicar ao Congresso que a Comarca do Rio Negro seja privilegiada para nomear seu deputado com a população que atualmente tem: Nesta conformidade devem V. Sas. Proceder a um novo mapa considerando desde já o Rio Negro como província privilegiada.50 50 CÓDICE manuscrito do Arquivo Público do Pará, n. 774, fl. III apud MUNIZ, João de Palma. Op. Cit., p. 108.

Considerando que a convocação dos eleitores rio-negrenses a Belém significaria um atraso prejudicial na escolha dos representantes da província nas Cortes portuguesas, melhor seria realizar o sufrágio excluindo aquela região e pedindo que ela pudesse eleger seu próprio deputado, mesmo que não possuísse população para isso (importante lembrar que a contagem excluía escravos e homens livres sem ocupação - nesse caso específico, os indígenas). Uma correspondência com esse teor foi enviada à Lisboa em 17 de julho de 1821, recebendo como resposta a anuência à proposição. No dia 14 de janeiro de 1822 as eleições foram, enfim, realizadas, sendo escolhidos José Cavalcante de Albuquerque como deputado e João Lopes da Cunha como suplente. Desse modo, o Rio Negro se fazia representar como uma das províncias do Reino do Brasil, de acordo com as Instruções de 1820, mas não era, contudo, considerada como tal pela Junta Governativa do Pará. Cunha assumiu sua cadeira em 29 de agosto de 1822 em substituição a Albuquerque, que se encontrava enfermo, mas pôde substituí-lo em 12 de outubro de 1822 (mais de um mês, portanto, após a data que posteriormente se convencionou adotar como sendo a da Independência do Brasil)51 51 CARVALHO, Manuel Emílio Gomes de. Os deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821. Brasília, DF: Senado Federal, 2003. p. 304. .

Entre a definição da realização de eleições no Rio Negro e a escolha dos seus representantes nas Cortes, ainda outro elemento veio atuar sobre o status das administrações locais na América lusitana. Trata-se do decreto promulgado em 1o de outubro de 1821, que oficializou a abolição das antigas capitanias e sua elevação ao estatuto de províncias, de acordo com os termos expressos já em seu primeiro artigo:

Artigo 1o - Em todas as Províncias do Reino do Brasil, em que até o presente haviam Governos Independentes, se criarão Juntas Provisórias de Governo, as quais serão compostas de sete Membros naquelas Províncias, que até agora eram governadas por Capitães Generais, a saber: Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás; e de cinco Membros em todas as mais províncias, em que até agora não haviam Capitães Gerais, mas só Governadores, incluídos em um e outro número o Presidente e Secretário.52 52 BRASIL. Decreto de 1o de outubro de 1821. In: COLEÇÃO das Leis do Brazil de 1821. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. pt. 1, p. 35-38. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao2.html. Acesso em: 17 maio 2020. Ortografia atualizada pelo autor.

Detentor do cargo de governador, o Rio Negro era, assim, elevado à categoria de província, fazendo jus a uma Junta Provisória de Governo composta por cinco membros. O problema é que os termos desse decreto, promulgado no primeiro dia de outubro, levariam meses para chegar a Belém (como era de costume), e daí mais várias semanas até poder ser lido em Barcelos. Isso, claro, contando que não fosse interceptado no meio do caminho. O que se tornou uma possibilidade real, à medida que as relações entre Lisboa e Rio de Janeiro se tornavam mais tensas graças aos desdobramentos dos debates ocorridos na Europa53 53 BERBEL, Márcia Regina. Op. Cit.; RIBEIRO, Gladys Sabina. Op. Cit. . Neste contexto, a manipulação das informações se transformava em uma arma eficiente, e foi usada à exaustão pelos dois lados. De modo que, por razões que não é dado conhecer até o presente momento, este decreto não chegou à Barra (pelo menos não antes que Greenfell se apresentasse na região com sua “esquadra imaginária” e obtivesse a adesão de paraenses e rio-negrenses ao governo de dom Pedro I54 54 MACHADO, André Roberto de Arruda. Op. Cit.; MUNIZ, João de Palma. Op. Cit.; REIS, Arthur César Ferreira. Op. Cit. ).

É neste estado de coisas que o Rio Negro recebeu a notícia da outorga da Constituição do novo império, ocorrida em 25 de março de 1824. Aquela que definia que o território brasileiro seria “dividido em províncias, na forma em que atualmente se acha”. Para vários políticos da época, pautados no fato de que a região fora constituída capitania em 1755, tivera representantes nas Cortes de Lisboa e, em tese, havia sido elevada a província pelo decreto de 1821, tal formulação significava que o Rio Negro constava entre as gemas da nova Coroa imperial. Havia sido, afinal de contas, nomeada como tal pelo projeto constitucional de 1823, caso todos os demais antecedentes não fossem suficientes. Mas um decreto imperial de 26 de março de 1824 - um dia após a outorga da Constituição - viria mudar esta perspectiva. Promulgado com o objetivo de definir a representação política das diversas províncias no novo regime, indicava o número de deputados que cada uma das unidades administrativas do Império deveria eleger para fazer parte do Poder Legislativo. Contrariando as expectativas, o Rio Negro não foi citado neste documento nem recebeu a nomeação do presidente que seria responsável por sua administração. Permaneceu, assim, sob a autoridade da Junta Governativa Provisória criada no ato de adesão à independência, em 9 de novembro de 1823. Estabeleceu-se, deste modo, uma situação de completa indefinição.

Em 1825, o ouvidor lotado na vila da Barra, Nunes Ferreira Ramos, tentou resolver a situação de modo definitivo: interpretou a não nomeação de um presidente para o Rio Negro como uma prova de que a região estava rebaixada à categoria de comarca do Grão-Pará, colocando-se como autoridade máxima em toda a região. Os conflitos gerados levaram o presidente do Grão-Pará, José Félix Pereira de Burgos, a dissolver a Junta Governativa e a transferir a câmara municipal de Barcelos, antiga capital do Rio Negro, para a Barra, onde deveria assumir função governativa. Decisões que, remetidas ao Rio de Janeiro, seriam aprovadas pelo governo imperial ainda em 1825 e oficializadas em 1833, através da aplicação do Código do Processo Criminal - o qual alterou a denominação da antiga capitania para Comarca do Alto Amazonas55 55 MEDEIROS, Vera B. Alarcón. Incompreensível colosso: A Amazônia no início do Segundo Reinado (1840-1850). 2006. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Barcelona, Barcelona, 2006. p. 262-263. .

Como explicar esse processo? Teria havido, efetivamente, um rebaixamento da antiga província do Rio Negro ao status de comarca, com a outorga da Constituição de 1824? A raiz destas questões parece residir no significado do termo atualmente inscrito no artigo segundo da Carta. A que momento ele se refere? Trata-se de um problema de difícil solução, uma vez que inscrito em um contexto de grande complexidade, como tentei mostrar algumas linhas atrás. Mas, em geral, a historiografia que se debruçou sobre a questão parece estar de acordo sobre o fato de que o documento imediatamente anterior à Constituição, no que tange à organização territorial do império, seria o Decreto de 1o de outubro de 1821. Este, ao abolir as capitanias, substituindo-as por províncias, forneceria a base sobre a qual trabalhariam os redatores escolhidos por dom Pedro I para redigir a lei magna do país que estava sendo fundado56 56 Arthur César Ferreira Reis e João de Palma Muniz sustentam indiretamente, em suas análises, essa interpretação, enquanto Anísio Jobim busca explicar a não confirmação do Rio Negro como província, logo após a Independência, pela interceptação de toda a correspondência enviada do Rio de Janeiro para aquela região em Belém. Dessa forma, não teria sido possível ao Rio Negro enviar representantes à corte quando da reunião da Assembleia Constituinte de 1823, ficando seus habitantes privados de terem “mandatários que defendessem os seus direitos” (JOBIM, Anísio. O Amazonas, sua história: ensaio antropogeográfico e político. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. p. 140). . Existe, contudo, outro documento - geralmente ignorado pelos pesquisadores - que também se propôs a definir um ordenamento territorial para o Brasil e que constitui, possivelmente, uma chave mais precisa para a compreensão das decisões tomadas acerca do status administrativo do Rio Negro após a Independência: a Constituição portuguesa aprovada pelas Cortes (que ainda contavam com deputados brasileiros, como o rio-negrense João Lopes da Cunha57 57 Diário do Governo, Rio de Janeiro, n. 225, 23 set. 1822. Sessão 472, p. 1676. Disponível em: www.books.google.com. Acesso em: 18 maio 2020. ) em 23 de setembro de 1822.

Embora de vigência curta (um período de poucos meses, interrompido já em 1823), pode-se dizer que a Carta Constitucional Portuguesa de 1822 vigorou durante algum tempo no Brasil, pelo menos até que a ruptura política se tornasse uma decisão sem volta - o que, já é consenso, não ocorreu na posteriormente festejada data de 7 de setembro. Além disso, contou, para sua elaboração, com a participação decisiva de representantes brasileiros que debateram ao longo de várias sessões questões relativas à realidade vigente na porção americana do império luso. Tal é o caso de sua organização territorial, descrito e nomeado com riqueza de detalhes no projeto inicial oferecido para discussão, em 12 de agosto de 1822:

Art. 20 - A Nação portuguesa é a reunião de todos os Portugueses de ambos os hemisférios. O seu território compreende: […]

II. Na América o reino do Brasil, que se compõe das províncias do Rio Negro, Pará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso, e das ilhas de Fernando de Noronha, e Trindade. […]

Do referido território, se fará conveniente divisão.58 58 Diário das Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação Portugueza, Lisboa, ano 2, t. 7, p. 131, 12 ago. 1822.

A semelhança com o projeto formulado pela Assembleia Constituinte brasileira de 1823 salta aos olhos, levando a indagações sobre a possível influência que a proposta portuguesa teria exercido sobre os deputados eleitos para debater os termos sob os quais seria fundado o novo império americano. Na proposta de 1822, como na de 1823, as províncias foram nomeadas uma a uma, sendo de destacar que na versão portuguesa a posterior divisão do território ficou referida em termos bastante genéricos, diferentemente do já analisado projeto brasileiro. Em ambas, o Rio Negro aparece nomeado como uma província autônoma, mas não permaneceria como tal até a assinatura da versão final da constituição lusitana.

Ainda no dia 12 de agosto, logo após a leitura da proposta original de organização territorial do império português, o deputado por São Paulo, José Ricardo da Costa Aguiar D’Andrada (que já atuara como ouvidor na ilha de Marajó, entre várias outras funções administrativas59 59 JOSÉ Ricardo da Costa Aguiar D’Andrada. In: MINISTROS do Supremo Tribunal de Justiça: Império. Brasília, DF: STF, [201-]. Disponível em: https://bit.ly/3vphhW1. Acesso em: 17 maio 2020. ), levantou-se para oferecer considerações que anteciparam uma série de questões que seriam retomadas no parlamento brasileiro anos depois, durante o processo decisório que culminou na criação da província do Amazonas, em 1850. Em sua opinião, a enumeração do Rio Negro como província autônoma constituía um engano, uma vez que seria sabido de todos no Brasil que sempre havia sido subordinada ao Pará, ainda que contasse com uma administração própria. Após traçar uma breve descrição dos cargos administrativos existentes na vila da Barra e de sua histórica dependência dos congêneres paraenses, Costa Aguiar afirmou, justificando sua demanda:

Isto posto, é preciso decidir-se primeiro se se deve reputar o Rio Negro como província diversa e independente do Pará, ou se deve ser considerada como parte da do Pará, continuando a estar a ela unida, e em tudo subalterna, porque do contrário, a passar o artigo tal qual está escrito, pode haver inconvenientes, conflitos de jurisdição, e até grave transtorno ao serviço público, julgando-se aqueles povos desligados da obediência do Pará, por isso que aquela província (do Rio Negro) fica sendo uma nova província distinta, e diversa.60 60 Diário das Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação Portugueza. Op. Cit.

Além dos possíveis conflitos jurisdicionais, a manutenção do artigo tal qual apresentado significaria um aumento significativo dos gastos públicos, uma vez que seria necessário fazer frente às despesas de uma administração que sempre contara com Belém para auxiliá-la e que, além de tudo, teria de ser ampliada para dar conta das novas demandas próprias de uma província autônoma - sem que existissem os meios necessários para isso. Em consequência, sua proposta era que a redação do artigo fosse sutilmente alterada do ponto de vista gramatical, mas substancialmente reformada do ponto de vista administrativo: bastava que o trecho “Rio Negro, Pará” fosse substituído por “Pará e Rio Negro” e todos os riscos apresentados seriam evitados, com o bônus do respeito à história de toda a região. Posta em votação, a ideia foi rapidamente aprovada, reunificando a extensa província do Grão-Pará e fornecendo a referência necessária para a continuidade territorial consagrada na Constituição Brasileira de 1824. Essa tese oferece uma explicação consistente para a subordinação do Rio Negro ao Pará após a Independência, em aparente contradição com os termos presentes na lei magna do país, a qual não teria ficado clara para os atores históricos contemporâneos devido às características inerentes a um período conturbado no qual, principalmente no que tange ao norte do Brasil, as decisões nem sempre foram tomadas com a agilidade necessária e as informações nem sempre chegaram ao seu destino.

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  • SANTOS, Fabiano Vilaca dos. Alem da anedota: uma revisao da trajetoria do governador Sebastiao Francisco de Melo e Povoas. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 139-160, jan./jun. 2012. Disponivel em:Disponivel em:https://bit.ly/3gs5fao Acesso em: 16 maio 2020.
    » https://bit.ly/3gs5fao
  • SARTORI, Giovanni. A teoria da representacao no Estado representativo moderno Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais., 1962.
  • TERNAVASIO, Marcela. Historia de la Argentina, 1806-1852 Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2013.
  • 1
    Este artigo é uma versão revisada da comunicação intitulada “As gemas da Coroa: concepções de província e território no Brasil Império”, apresentada no colóquio “Jurisdições, soberanias, administrações”, ocorrido na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em junho de 2016.
  • 4
    MAIER, Charles S. Once within borders: territories of power, wealth, and belonging since 1500. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2016.
  • 5
    ELDEN, Stuart. The birth of territory. Chicago: University of Chicago Press, 2013.
  • 6
    DELANEY, David. Territory: a short introduction. Malden: Blackwell, 2005.
  • 7
    ARNOLD, Benjamin. Princes and territories in medieval Germany. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
  • 8
    SAHLINS, Peter. Boundaries. The making of France and Spain in the Pyrenees. Berkeley: University of California Press, 1991.
  • 9
    Apenas para citar mais alguns exemplos de trabalhos que buscam analisar a construção do conceito “território” como algo histórico, apresentando uma série de especificidades locais e temporais inerentes à sua constante ressignificação: CASTELLS, Luis (ed.). Del território a la nación: identidades territoriales y construcción nacional. Madrid: Biblioteca Nueva, 2006; JONES, Rhys. People/states/territories: the political geographies of British State transformation. Malden: Blackwell, 2007; ALESINA, Alberto; SPOLAORE, Enrico. The size of nations. Cambridge, MA: MIT Press, 2005ALESINA, Alberto; SPOLAORE, Enrico. The size of nations. Cambridge, MA: MIT Press. 2005.; HANNA, Matthew. Governmentality and the mastery of territory in Nineteenth-Century America. Cambridge: Cambridge University Press, 2000; BARTOV, Omer; WEITZ, Eric D. Shatterzone of Empires: coexistence and violence in the German, Habsburg, Russian, and Ottoman borderlands. Bloomington: Indiana University Press, 2013; DIENER, Alexander C.; HAGEN, Joshua. Borderlines and Borderlands: political oddities at the edge of the nation-state. Lanham: Rowman & Littlefield, 2010; BUCHANAN, Allen; MOORE, Margaret. States, nations, and borders: the ethics of making boundaries. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
  • 10
    ELDEN, Stuart. Op. Cit.
  • 11
    PIMENTA, João Paulo Garrido. Estado e nação no fim dos impérios ibéricos no Prata (1808-1828). São Paulo: Hucitec. 2006.
  • 12
    Ibidem.
  • 13
    MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). São Paulo: Editora Unesp, 1997.
  • 14
    Ibidem.
  • 15
    PIMENTA, João Paulo Garrido. Estado e nação… Op. Cit., p. 42-43. Para uma interessante análise sobre as múltiplas identidades existentes na América portuguesa mesmo nos anos mais próximos do início do processo de ruptura política com a metrópole europeia, cf.: JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo Garrido. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira (1500-2000): formação: histórias. São Paulo: Editora Senac SP, 2000. p. 127-176.
  • 16
    Apenas para citar algumas obras dentre muitas: GUERRA, François-Xavier. A nação moderna: nova legitimidade e velhas identidades. In: JANCSÓ, István (org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, 2003. p. 33-60; CHIARAMONTE, José Carlos. Metamorfoses do conceito de nação durante os séculos XVII e XVIII. In: JANCSÓ, István (org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, 2003. p. 61-92; KEMILÄINEM, Aira. Nationalism: problems concerning the word, the concept and classification. Jyväskylä: Kustantajat, 1964; GELLNER, Ernest. Nations and nationalism. Malden: Blackwell, 2006; GAT, Azar; YAKOBSON, Alexander. Nations: the long history and deep roots of political ethnicity and nationalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013; HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002; HOBSBAWM, Eric J.; RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002; ROSSOLILLO, Francesco. Nação. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília, DF: Editora da Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. p. 795-799.
  • 17
    PIMENTA, João Paulo Garrido. Estado e nação… Op. Cit., p. 50-51.
  • 18
    BRASIL. Decreto de 8 de julho de 1820. In: COLECÇÃO das Leis do Brazil de 1820. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. p. 48-49. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/18335. Acesso em: 15 maio 2020. Ortografia atualizada pelo autor.
  • 19
    BRASIL. Decreto de 16 de setembro de 1817. In: COLECÇÃO das Leis do Brazil de 1817. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 58. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao1.html. Acesso em: 15 maio 2020. Ortografia atualizada pelo autor.
  • 20
    PIMENTA, João Paulo Garrido. A independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2015; BERNARDES, Dênis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. São Paulo: Hucitec: Fapesp; Recife: UFPE, 2006; DUTRA, Eliana de Freitas; MOLLIER, Jean-Yves (org.). Política, nação e edição: o lugar dos impressos na construção da vida política: Brasil, Europa e Américas nos séculos XVIII-XX. São Paulo: Annablume, 2006.
  • 21
    SANTOS, Fabiano Vilaça dos. Além da anedota: uma revisão da trajetória do governador Sebastião Francisco de Melo e Póvoas. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 139-160, jan./jun. 2012. Disponível em: https://bit.ly/3gs5fao. Acesso em: 16 maio 2020.
  • 22
    MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Governadores e capitães-mores do império atlântico português no século XVIII. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral (org.). Modos de governar: ideias e práticas políticas no império português (séculos XVI-XIX). São Paulo: Alameda, 2005. p. 93-115.
  • 23
    BRASIL. Carta Patente de 30 de maio de 1811. In: COLECÇÃO das Leis do Brazil de 1811. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 59-60. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao1.html. Acesso em: 16 maio 2020. Ortografia atualizada pelo autor.
  • 24
    MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004. p. 13
  • 25
    Ibidem. É importante lembrar que essa concepção acerca da organização constitucional dos estados nacionais enquanto resultado de uma adesão voluntária de suas várias partes não é inovação exclusiva do caso pernambucano, estando presente em vários momentos do processo de ruptura das antigas colônias espanholas com sua metrópole nessa mesma época. Cf. PIMENTA, João Paulo Garrido. A independência do Brasil… Op. Cit.; CHIARAMONTE, José Carlos. Cidades, províncias, estados: origens da nação argentina (1800-1846). São Paulo: Hucitec, 2009; TERNAVASIO, Marcela. Historia de la Argentina, 1806-1852. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2013; OSZLAK, Oscar. La formación del Estado argentino: orden, progreso y organización nacional. Buenos Aires: Ariel, 2012; ARNALDI, Waldo et al. Argentina: la construcción de un país. Buenos Aires: Sudamericana, 2009; entre outros.
  • 26
    MELLO, Evaldo Cabral de. Op. Cit.
  • 27
    Ibidem, p. 35.
  • 28
    Ibidem. Miriam Dolhnikoff discorda dessa interpretação, ao defender que o projeto federalista não era uma exclusividade das elites de Pernambuco e da Bahia, mas também de várias outras províncias, como São Paulo e Rio Grande do Sul, casos analisados em seu livro. Da mesma forma, segundo a autora, o fechamento da Assembleia Constituinte não significou a derrota definitiva desta proposta, a qual teria posteriormente voltado com força e se tornado vitoriosa através da promulgação do Ato Adicional de 1834 (DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005).
  • 29
    COSER, Ivo. Visconde do Uruguai: centralização e federalismo no Brasil, 1823-1866. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Iuperj, 2008.
  • 30
    Ibidem.
  • 31
    Ibidem.
  • 32
    Ibidem.
  • 33
    PROJECTO de Constituição para o Império do Brazil. In: MARTINS, Eduardo. A assembléia Constituinte de 1823 e sua posição em relação à construção da cidadania no Brasil. 2008. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual Paulista, Assis, 2008. p. 177-193.
  • 34
    BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil. Carta de Lei de 25 de março de 1824. In: COLECÇÃO das leis do Império. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1824. v. 1, p. 27. Disponível em: https://bit.ly/3cGhpdq. Acesso em: 16 maio 2020.
  • 35
    Outra interessante possibilidade de explicação para o não detalhamento das províncias constitutivas do Império, na Constituição de 1824, é a salvaguarda de interesses expansionistas relacionados a outras regiões, como, por exemplo, Angola, na África. Trata-se, contudo, de hipótese que requer a realização de extensa pesquisa que extrapola em muito os limites deste artigo, para ser comprovada.
  • 36
    BUENO, José Antônio Pimenta. Direito público brasileiro e análise da constituição do império. In: KUGELMAS, Eduardo (org.). José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente. São Paulo: Editora 34, 2002. p. 79-80
  • 37
    Sobre o assunto, entre outros, cf.: RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção: identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002; BERBEL, Márcia Regina. A nação como artefato: deputados do Brasil nas cortes portuguesas, 1821-1822. São Paulo: Hucitec, 2010; COSTA, Wilma Peres; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (org.). De um Império a outro: formação do Brasil, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2007; PIMENTA, João Paulo Garrido. Estado e nação… Op. Cit.
  • 38
    BUENO, José Antônio Pimenta. Op. Cit.
  • 39
    Ibidem, p. 81.
  • 40
    Sobre o assunto, cf.: GREGÓRIO, Vitor Marcos. Dividindo as províncias do Império. Curitiba: Appris, 2021.
  • 41
    Principalmente o desejo de que os recursos originados do recolhimento de impostos na região que se pretendia erigir em província fossem lá reinvestidos.
  • 42
    Busca por uma representação parlamentar capaz de defender os interesses locais em âmbito nacional; desejo de maior autonomia para gerir os negócios internos à região.
  • 43
    DOLHNIKOFF, Miriam et al. Representação política no Império: crítica à ideia do falseamento institucional. In: LAVALLE, Adrian Gurza (org.). O horizonte da política: questões emergentes e agendas de pesquisa. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 97-141; MANIN, Bernard. Los principios del gobierno representativo. Madrid: Alianza, 1998; PITKIN, Hannah. The concept of representation. Los Angeles: University of California Press, 1967; SARTORI, Giovanni. A teoria da representação no Estado representativo moderno. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, 1962.
  • 44
    REIS, Arthur César Ferreira. História do Amazonas. Manaus: Officinas Typographicas de Arthur Reis, 1931.
  • 45
    MACHADO, André Roberto de Arruda. As esquadras imaginárias: no extremo norte, episódios do longo processo de independência do Brasil. In: JANCSÓ, István (org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec. 2005. p. 312.
  • 46
    Ibidem, p. 325-326. O mesmo historiador oferece uma análise mais completa sobre o tema em: Idem. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do antigo regime português na província do Grão-Pará (1821-1825). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2010.
  • 47
    REIS, Arthur César Ferreira. As províncias do Norte e do Oeste. In: Sérgio Buarque de Holanda (org.). O Brasil monárquico, vol. 4: dispersão e unidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p. 87-98. (História geral da civilização brasileira; t. 2, v. 4); Idem. História do Amazona. Op. Cit.
  • 48
    BERBEL, Márcia Regina. Op. Cit.
  • 49
    MANUSCRITO avulso presente no Arquivo Público do Pará. Correspondências de diversos com o governo, 1821 apud MUNIZ, João de Palma. Adesão do Grão-Pará à Independência e outros ensaios. Belém: Conselho Estadual de Cultura. Reedição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Ano VI - Vol. IV. 1922, p. 73, grifo do autor.
  • 50
    CÓDICE manuscrito do Arquivo Público do Pará, n. 774, fl. III apud MUNIZ, João de Palma. Op. Cit., p. 108.
  • 51
    CARVALHO, Manuel Emílio Gomes de. Os deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821. Brasília, DF: Senado Federal, 2003. p. 304.
  • 52
    BRASIL. Decreto de 1o de outubro de 1821. In: COLEÇÃO das Leis do Brazil de 1821. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. pt. 1, p. 35-38. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao2.html. Acesso em: 17 maio 2020. Ortografia atualizada pelo autor.
  • 53
    BERBEL, Márcia Regina. Op. Cit.; RIBEIRO, Gladys Sabina. Op. Cit.
  • 54
    MACHADO, André Roberto de Arruda. Op. Cit.; MUNIZ, João de Palma. Op. Cit.; REIS, Arthur César Ferreira. Op. Cit.
  • 55
    MEDEIROS, Vera B. Alarcón. Incompreensível colosso: A Amazônia no início do Segundo Reinado (1840-1850). 2006. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Barcelona, Barcelona, 2006. p. 262-263.
  • 56
    Arthur César Ferreira Reis e João de Palma Muniz sustentam indiretamente, em suas análises, essa interpretação, enquanto Anísio Jobim busca explicar a não confirmação do Rio Negro como província, logo após a Independência, pela interceptação de toda a correspondência enviada do Rio de Janeiro para aquela região em Belém. Dessa forma, não teria sido possível ao Rio Negro enviar representantes à corte quando da reunião da Assembleia Constituinte de 1823, ficando seus habitantes privados de terem “mandatários que defendessem os seus direitos” (JOBIM, Anísio. O Amazonas, sua história: ensaio antropogeográfico e político. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. p. 140).
  • 57
    Diário do Governo, Rio de Janeiro, n. 225, 23 set. 1822. Sessão 472, p. 1676. Disponível em: www.books.google.com. Acesso em: 18 maio 2020.
  • 58
    Diário das Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação Portugueza, Lisboa, ano 2, t. 7, p. 131, 12 ago. 1822.
  • 59
    JOSÉ Ricardo da Costa Aguiar D’Andrada. In: MINISTROS do Supremo Tribunal de Justiça: Império. Brasília, DF: STF, [201-]. Disponível em: https://bit.ly/3vphhW1. Acesso em: 17 maio 2020.
  • 60
    Diário das Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação Portugueza. Op. Cit.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2020
  • Aceito
    05 Maio 2021
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