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O MOVIMENTO PETICIONÁRIO DO PRIMEIRO LIBERALISMO PORTUGUÊS E A PARLAMENTARIZAÇÃO DA VIDA POLÍTICA EM PORTUGAL (1820-1823)

THE PETITIONARY MOVEMENT OF THE FIRST PORTUGUESE LIBERLAISM AND THE PARLIAMENTARIZATION OF POLITICAL LIFE IN PORTUGAL (1820-1823)

Resumo

O protagonismo das Cortes durante a primeira experiência liberal portuguesa é matéria consensual entre historiadores. Na sequência da Revolução do Porto, as Cortes aparecem como que destinadas a assumir o poder incontestado. Esse protagonismo e a parlamentarização da vida política seriam, num certo sentido, inevitáveis. Este artigo revisita essa leitura, defendendo que a parlamentarização da vida política em Portugal, ainda que aparentemente inevitável, foi, grande medida, fruto de um movimento peticionário sem precedentes na história do país. O texto sugere igualmente que esse movimento peticionário só foi possível porque as Cortes adoptaram regulação interna que valorizava o papel da nova instituição como destinatário privilegiado de todas expetativas da população. Considera-se que sem o regimento adoptado pelas Cortes a interação da nova instituição com a população teria sido menor, e o mesmo acontecendo inclusivamente ao protagonismo político das próprias Cortes.

Palavras-chave:
Cortes liberais; Parlamentarização; Movimento peticionário; Liberalismo

Abstract

The leading role of the Cortes during the first Portuguese liberal experience is a consensual issue amongst historians. In the aftermath of the Liberal Revolution, the Cortes appeared to be destined to assume uncontested power. This leading role and the parliamentarization of political life would be, in a certain sense, inevitable. This article revisits this interpretation, arguing that the parliamentarization of political life in Portugal, although probable, was largely the result of a petitionary movement of unprecedented proportions in the country’s history. The text also submits that this petitionary movement was only possible because the Cortes adopted an internal regulation that favored the role of the new institution as the space to where all expectations converged. Without such unassuming regulatory device (forgotten by the scholarship), the political interaction of the new institution with the population would have been significantly smaller. Even the leading role of the Cortes would be diminished.

Keywords:
Liberal Cortes; Parliamentarization; Petitionary drive; Liberalism

1. Introdução

Este texto revisita uma das dimensões mais inovadoras da Revolução Liberal portuguesa de 1820 e do movimento peticionário que esta desencadeou: a súbita parlamentarização da vida política. Conflitos sociais, anteriormente resolvidos em âmbito local ou nos grandes conselhos e tribunais da Coroa, foram subitamente catapultados para uma nova arena de debate político de implantação nacional: as Cortes. Para o mesmo fórum foram também encaminhadas as aspirações sociais, econômicas e políticas emergentes no início do século XIX e fomentadas pelo liberalismo ecumênico, assim como os projetos propostos para a regeneração do país.

A população manifestou-se sobretudo por via de petições, que estavam muito longe de ser um instrumento de comunicação novo ou revolucionário. Na verdade, as petições são uma das formas mais antigas de comunicação com as autoridades, sejam elas políticas, religiosas ou judiciais. São, portanto, uma das formas mais antigas de participação e representação política. O ato de peticionar está conosco desde a invenção da escrita3 3 WURGLER, Andreas. Voices from Among the ‘Silent Masses’: Humble Petitions and Social Conflicts in Early Modern Central Europe. International Review of Social History, Nova Iorque, v. 46, n. 59, p. 11-34, 2001. DOI: https://doi.org/10.1017/S0020859001000311.. e, graças ao advento da e-petição, parece destinado a permanecer por muito mais tempo.

A historiografia desvalorizou a relevância social e política do direito de petição e do direito a ser ouvido durante décadas, muito por conta das abordagens marxistas, que não reconheciam capacidade de intervenção das camadas mais marginalizadas da população no processo político.4 4 Ibidem, p. 11. O direito de ser escutado encaixava mal em interpretações que acentuavam somente a dimensão de exploração das sociedades de Antigo Regime. O interesse acadêmico tem, porém, aumentado muito desde o início do século XXI. Historiadores e cientistas sociais perceberam que algo tão persistente como as petições, que enchem prateleiras e prateleiras de arquivos nacionais e regionais5 5 ORMROD, Mark; DODD, Gwilym; MUSSON, Anthony (ed.). Medieval Petitions: Grace and Grievance. Londres: Boydell & Brewer, 2009. Esses desenvolvimentos são verdadeiramente globais, ainda que a Europa continue a merecer um interesse muito particular. Cf. a coleção Petitioning and Political Cultures in South Asia, publicada pela revista Modern Asian Studies, vol. 53 n. 1, 2019; HUNG, Ho-Fung. Protest with Chinese Characteristics. Demonstrations, Riots, and Petitions in the Mid Qing Dynasty. Nova Iorque: Columbia University Press, 2011; e BEN-BASAT, Yuval, Petitioning the Sultan: Protests and Justice in Late Ottoman Palestine. Londres: Tauris, 2013. , tinha de ter desempenhado um papel muito significativo na vida das populações. Para essa revalorização do papel das petições nas sociedades pré-modernas contribuiu ainda o alargamento dos horizontes da pesquisa histórica, que se expandiu para além do universo das elites. Grupos sociais mais esquecidos tornaram-se protagonistas e agentes da história. Paralelamente, adotaram-se metodologias de análise mais sofisticadas, emprestadas, não raras vezes, de áreas disciplinares contíguas, como os estudos literários.

As petições sempre tiveram uma relação com o mundo do sagrado. Peticionar espelhava o ato de orar6 6 NICHOLLS, David. Addressing God as Ruler: Prayer and Petition. The British Journal of Sociology. London, v. 44, n. 1, p. 125-141, 1993. . Tiveram também diferentes designações ao longo da história, como representação e súplica, petição e requerimento (e isso apenas no mundo lusófono). A denominação petição, petition, pétition, petición só se tornou predominante na maioria dos países europeus a partir de 1800. No mundo pré-contemporâneo, as petições cumpriam diferentes funções, mas geralmente encaixavam em duas categorias principais: petições de graça ou favor e petições de justiça, que era a principal tarefa dos monarcas7 7 HESPANHA, António. La gracia del derecho. Economía de la Cultura em la Edad Moderna. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. Cf. também NUBOLA, Cecilia. Supplications between Politics and Justice: The Northern and Central Italian States in the Early Modern Age. International Review of Social History, Cambridge, v. 46, n. S9, p. 35-56. .

As petições podiam ser apresentadas verbalmente, sobretudo durante a Idade Média, quando o governante atendia pessoalmente aos seus súditos, ou podiam ser submetidos em forma escrita, o que se tornou prática comum a partir do período moderno. Podiam também ser submetidas à Coroa, a magistrados locais, à Igreja e a outras autoridades civis ou religiosas. Podiam ser usadas para solicitar benesses reais ou recompensas ou para pedir perdão e para solicitar licenças ou lugares/empregos. Eram também usadas no sistema judicial, por exemplo, para exigir a reparação de injustiças. A petição funcionava no essencial como uma válvula de escape, um meio pacífico de comunicação entre o rei e os seus súditos, baseado na previsibilidade tranquilizadora do processo e da resposta8 8 É bom lembrar que essa visão não é partilhada por todos os historiadores. ALMBJÄR, Martin. The problem with early modern petitions: safety valve or powder keg? European Review of History: Revue européenne d’histoire. London, v. 26, n. 6, p. 1013-1039, 2019. .

A monarquia portuguesa não era diferente de outros estados europeus. Tinha uma cultura peticionária muito robusta, absolutamente decisiva na administração da vasta rede de territórios ultramarinos. Como aconteceu a outros impérios, os portugueses levaram a sua cultura peticionária para a América, onde foi, por sua vez, apropriada pelos novos súditos ultramarinos para expressar interesses ou veicular queixas, independentemente do estatuto social, raça ou gênero. O direito de peticionar era essencialmente universal.

O movimento peticionário de 1820-1823 foi, no entanto, uma inovação sem paralelo em Portugal. O país experimentou uma vaga de petições semelhante àquela que ocorreu em 1789, em França, com os célebres Cahiers de Doléances. A população manifestou, então, um desejo incontido de participar na transformação política do país. Como já foi sugestivamente descrito, o movimento peticionário de 1820-1823 reflete a emergência da consciência de cidadania em Portugal9 9 PEREIRA, Miriam Halpern. Introdução Geral. In: VIEIRA, Benedicta Duque. O Problema Político Português no Tempo das Primeiras Cortes - A Crise do Antigo Regime e as Cortes Constituintes de 1821-1822, Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1992, p. 5. .

A academia nacional despertou tarde para o estudo desse movimento peticionário de 1820-1823. Os milhares de petições enviados para as Cortes permaneceram esquecidos durante quase 150 anos. Esses documentos encerram uma grande riqueza, dão voz a grupos normalmente silenciados, revelam as suas percepções, mas também ilustram as tensões e a agitação política da sociedade portuguesa no início do século XIX. Talvez, por isso, tenham sido tão negligenciados durante parte do século XX. É que o que as petições retratam não encaixava garantidamente na visão de uma sociedade pacífica e virtuosa que o Estado Novo procurava promover. Foi somente no final da década de sessenta que esse quadro negativo começou a mudar. O historiador francês Albert Silbert, com o seu trabalho sobre os conflitos agrários na onda peticionária de 1820-182310 10 SILBERT, Albert. Le problème agraire portugais: au temps des premières cortès libérales, 1821-1823. Paris: Presses Universitaires de France, 1968. , iniciou uma tradição historiográfica profícua, continuada a partir da década de 1970 por autores como Miriam Halpern Pereira, Nuno Gonçalo Monteiro, José Subtil ou Benedicta Duque Vieira. Os seus trabalhos mostram uma sociedade repleta de desafios e de confrontos, dominada por temas fraturantes que iam desde a manutenção de monopólios comerciais e privilégios industriais à retificação de imposições fundiárias, passando pela legislação eleitoral. Todos esses historiadores falaram do papel decisivo das Cortes como interlocutor preferencial, ainda que, importa sublinhar, não exclusivo. Outras instituições, como tribunais e conselhos régios, continuaram a receber súplicas e petições, mas, dessa vez, muitas pessoas escolheram as novas Cortes como interlocutor privilegiado. É essa transformação inesperada da vida política portuguesa que este artigo explora.

O artigo dialoga com a ideia de parlamentarização avançada por Charles Tilly, procurando-se situar o caso português na proposta teórica que o sociólogo americano apresentou, sobretudo para o caso britânico. O texto explora alguns dos aspetos dessa inesperada transformação da vida política do país. Não se trata, portanto, de revisitar os conflitos sociais já tratados anteriormente. A ambição principal passa por sondar e discutir as razões dessa inesperada novidade. É que a mobilização peticionária poderia ter sido feita nos moldes tradicionais somente, sem envolver um novo e desconhecido fórum político. Como se procurará demonstrar, vários fatores contribuíram para a parlamentarização da vida política portuguesa, alguns essencialmente administrativos, quase triviais.

O texto está estruturado em duas partes. Na primeira parte, retoma-se o movimento peticionário de 1820-1823 nos seus aspetos mais disruptivos, nomeadamente a sua articulação com o desenvolvimento da opinião pública em Portugal. Na segunda parte, o texto começa por recuperar Charles Tilly para entender o caso português de súbita parlamentarização da vida política. O texto faz amplo uso de fontes bastante esquecidas pela academia: as propostas de regulamento interno das Cortes, que, entre outras coisas, deveriam mediar a relação dos deputados com a população.

2. A Revolução de 1820 e a modernização das práticas peticionárias portuguesas

Como já foi demonstrado11 11 CRUZ, Miguel Dantas da (no prelo). The petitionary wave of the First Portuguese Liberal Revolution (1820-1823)”. In CRUZ, Miguel Dantas da Cruz (ed.). Petitioning in the Atlantic World: Empires, Revolutions and Social Movements (Palgrave, 2021). , o movimento peticionário de 1820-1823 envolveu outras mudanças que nos ajudam a situá-lo na longa história das práticas peticionárias. Essa história é sobretudo marcada pela ruptura da contemporaneidade12 12 MILLER, Henry. Introduction: The Transformation of Petitioning in the Long Nineteenth Century (1780-1914). Social Science History, v. 43, n. 3, p. 409-429, 2019. . A historiografia internacional tem acentuado as diferenças existentes entre as petições tradicionais pré-contemporâneas, tendencialmente individuais, circunscritas e normalmente formuladas num discurso deferencial, e as petições modernas, já relacionadas com os protestos de massa, característicos do mundo contemporâneo. Ainda que tivessem funcionado sempre como uma forma de representação, as petições tornaram-se a partir do século XIX num instrumento de pressão coletiva. Pela mesma altura, também começaram a veicular a nova linguagem de direitos políticos mais amplos. Diego Palacios, por exemplo, mostrou recentemente como as práticas peticionárias da Espanha revolucionária, ainda que fundadas na cultura de protesto anterior, começaram a girar em torno de ideias emergentes de soberania, consciência nacional e direitos do cidadão13 13 PALACIOS CEREZALES, Diego. Re-imagining Petitioning in Spain (1808-1823). Social Science History. Cambridge, v. 43, n. 3, p. 505, 2019. .

Considerando esse enquadramento histórico, podemos dizer que um dos sinais mais significativos de modernização no movimento peticionário português de 1820-1823 prende-se com a relação que se estabeleceu entre o que era frequentemente solicitado e a formação do espaço público no Portugal de início do século XIX. Essa relação foi inicialmente explorada para o caso britânico por David Zaret, que atribuiu grande protagonismo às iniciativas peticionárias de meados da década de 1640 para o desenvolvimento do espaço público da Inglaterra. Segundo Zaret, o desenvolvimento da esfera pública nesse país não foi tanto fruto da ação intelectual das elites inglesas do século XVIII, mas, antes, resultado de petições coletivas, que circulavam impressas pela população para serem assinadas, lidas e discutidas em público, fomentando debates alargados14 14 ZARET, David. Petitions and the ‘Invention’ of Public Opinion in the English Revolution. American Journal of Sociology. Chicago, v. 101, n. 6, p. 1521, 1996. .

Em Portugal, a emergência da esfera pública tem sido sobretudo associada ao aparecimento da imprensa escrita, decorrente do fim da censura, e às mudanças nas práticas de sociabilidade na virada do XVIII para o XIX. Autoras como Ana Cristina Araújo e Maria Alexandre Lousada mostraram como o número crescente de cafés, tabernas e lojas de bebidas promoveu um ambiente de debate e troca de ideias, por vezes de troca virulenta de ideias15 15 ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 2003, p. 92-103 e LOUSADA, Maria Alexandre. Vida privada, sociabilidades culturais e emergência do espaço público. In: MONTEIRO, Nuno Gonçalo (coord.). História da Vida Privada em Portugal. A Idade Moderna, Lisboa: Círculo de Leitores /Temas e Debates, 2011, p. 424-456. .

Um olhar atento para as petições daquele período denuncia como o movimento peticionário estava intimamente ligado à emergência coeva do espaço público em Portugal, existindo sinais claros de que muitas petições recuperavam e alimentavam o que se poderá chamar de temas fraturantes e mediáticos do momento. Um bom exemplo dessa relação encontra-se no uso da retórica protecionista, muito presente no espaço público português desde 1810. Desde o tratado com a Grã-Bretanha, de fevereiro de 1810, que em Portugal se alimentavam ambições protecionistas em matéria econômica. Os produtores nacionais queixavam-se da abertura dos mercados portugueses, na Europa e no Brasil, aos produtos industriais ingleses. Incapazes de concorrer com a produção inglesa, esses produtores exigiam medidas, sendo secundados por alguma imprensa liberal no exílio, como era o caso do jornal O Investigador Português16 16 Cf. ALEXANDRE, Valentim. Os Sentidos do Império. Questão nacional e questão colonial na crise do regime antigo português. Porto: Edições Afrontamento, 1992, p. 261-269. . Esse ambiente de descontentamento econômico e social ajudou a criar inclusivamente condições ideais para a Revolução do Porto de 1820 e continuou a alimentar infindáveis discussões nas Cortes de Lisboa sobre a necessidade de impor algum tipo de medidas protecionistas. Não surpreende, portanto, que lojistas e mercadores tirassem partido desse clamor contra a concorrência estrangeira no seu despique com uma massa crescente de vendedores ambulantes e vendilhões. Estes eram acusados de fazer entrar no mercado nacional os produtos britânicos, prejudicando a indústria e o comércio nacional. Por exemplo, o corpo de mercadores de Guimarães referiu que “este modo de negócio foi e tem sido sempre a ruína total do comércio da Nação, que as Leis tanto proibiam, mas a indolência do governo e a venalidade dos magistrados executores tudo infringia nos tempos passados”17 17 Petição do corpo de comércio de Guimarães. Arquivo Histórico Parlamentar (doravante AHP), Comissão de comércio, secção I e II, maço 92 (doc. 8). . Mais à frente, os mesmos mercadores, acrescentavam com alarme: “É certo pois, Ilustrado Congresso, que estes homens não têm a ordem devida de comércio, e que suas poucas fazendas, são todas estrangeiras, e que com este modo de viver não há segurança, o sagrado das famílias em seu centro será invadido, os latrocínios se apoiam, e finalmente é nociva a toda a sociedade tal procedimento”18 18 Idem. .

Essa petição de Guimarães e outras de teor semelhante foram discutidas nas Cortes. Ainda que não obtivessem aprovação generalizada, os deputados que defendiam os mercadores e lojistas socorriam-se dos mesmos argumentos econômicos, o que sugere mais uma vez a partilha de um determinado entendimento de economia política, assim como a relação direta entre os representantes da nação, os peticionários de 1820-1823 e a opinião pública subjacente. Por exemplo, o representante Peixoto afirmou que os “Fabricantes de Manchester e Liverpool não podem certamente ter melhores Agentes e Comissários” do que os vendilhões, e acrescentou: “sem eles teríamos certamente poupado a maioria da grande soma de milhões de cruzados que a Grã-Bretanha, principalmente desde o infeliz Tratado de 1810, nos tem levado a troco de quatro trapos de algodão que nada valem”19 19 Sessão das Cortes de 27 de abril de 1821. PORTUGAL. Diario das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, n. 64. Lisboa: Impressão Nacional, p. 689. .

As petições dos mesmos lojistas não se ficavam somente pela esfera econômica. Lojistas e mercadores tiravam também proveito da rápida consolidação da identidade nacional entre os portugueses, em particular dos impulsos mais xenófobos do nacionalismo nascente, para atacar os seus adversários, acusando os vendilhões de serem estrangeiros ou agentes de interesses estrangeiros20 20 CRUZ, Miguel Dantas da. Soterrados em petições: os liberais e a regulamentação do comércio itinerante em Portugal, 1820-1823. Ler História. Lisboa, v. 73, p. 159-160, 2018. . Os mercadores procuraram fomentar o medo aos homens e mulheres que chegavam às cidades do interior do país e que, segundo as suas petições, cometiam todo tipo de crimes, ao abrigo da sua atividade comercial prejudicial21 21 Por exemplo, petição do corpo de comércio de Évora. AHP, Comissão de comércio, secção I e II, maço 92 (doc. 4). . Os vendilhões eram identificados com os espanhóis desertores da Guerra Peninsular e com os ciganos, sendo intencionalmente e publicamente associados à criminalidade que afligia o país durante aqueles anos.

Os sentimentos emergentes de identidade nacional foram também explorados em outras esferas e a respeito de outros problemas. Por exemplo, uma memória enviada para as Cortes com o propósito de convencer os deputados da justiça dos interesses portugueses sobre um Brasil às portas da Independência, procurou apropriar-se dos sentimentos antibrasileiros que iam surgindo. A memória usa o mesmo tipo de retórica inflamada que se encontra na imprensa nacional. Segundo o autor do documento, o capitão Joaquim Luís de Fraga, o Brasil “é dos portugueses que o descobriram e conquistaram, até que os índios o possam reconquistar”22 22 Memória do capitão Joaquim Luís de Fraga, de 1 de junho de 1822. AHP, Comissão especial dos negócios políticos do Brasil, secção I e II, Cx. 120, maço 82 (doc. 9). . Para Luís Fraga, assim como para os editores de alguns jornais liberais, os brasileiros eram um povo imaturo e frágil, que não estava pronto para ser independente ou para resistir a uma invasão, defendida abertamente pelo autor da memória.

A relação das petições com a praça pública não se fazia somente num único sentido. As discussões emergentes no espaço público transitavam naturalmente para os conteúdos das petições, mas o processo podia ser inverso, com as petições a contribuírem para alimentar o debate público mais alargado. Assim aconteceu uma vez mais no conflito que opôs lojistas a vendilhões que aqui se volta a recuperar. Na petição já mencionada do corpo de comércio da cidade de Guimarães fica claro que os lojistas estavam a par da atividade peticionária dos vendilhões junto das Cortes e que os lojistas procuravam contrariar. Acrescentavam que não esperavam dos deputados outra coisa que não a rejeição da petição dos vendilhões: “Não é, pois, de esperar que um tão sábio Congresso aceda a um requerimento de homens vagabundos significados por tendeiros contrabandistas”23 23 Petição do corpo de comércio de Guimarães. AHP, Comissão de comércio, secção I e II, maço 92 (doc. 8). .

O movimento peticionário da década de 1820 teve outra novidade: a adoção generalizada de uma linguagem de direitos civis e políticos. Mesmo que a generalidade dos liberais portugueses condenasse a Revolução Francesa e os seus excessos, muitos abraçaram os princípios da igualdade civil, da igualdade perante a lei, oriundos da França revolucionária. Esses mesmos liberais reviam-se na Constituição espanhola de 1812, também ela enformada pelos ideais de 1789, adotando-a como matriz política para as Cortes de 1821. O que o movimento peticionário parece mostrar é que a adoção da retórica da liberdade e da igualdade civil não era monopólio das elites intelectuais do período, isto é, de jornalistas, polemistas e deputados.

Não é claro há quanto tempo semelhantes ideias circulavam nos segmentos médios e baixos da sociedade portuguesa. Sabemos que a resistência contra a segunda invasão francesa de 1809 ficou marcada por convulsões significativas, que assustaram a regência por conta do seu radicalismo. Mas mesmo que a adoção de ideologias mais radicais entre a população do país fosse um desenvolvimento ainda mais recente e mesmo que algumas manifestações (como as petições às Cortes) tivessem contado com o apoio de procuradores experientes e politizados, os peticionários mostraram uma notável convicção no momento de defenderem tais princípios. Muitas vezes, nem tentavam camuflar suas palavras, optando por uma linguagem direta, de confrontação. Assim aconteceu em algumas críticas à feudalidade como sistema político, social e económico, que era atacado como um todo. Por exemplo, os cidadãos de Vila Alva, uma pequena aldeia no Alentejo, escreveram à “Assembleia Legislativa”, reclamando “os seus direitos, direitos fundados na escravidão e filhos do sistema feudal”24 24 Petição dos cidadãos de Vila Alva, de 13 de Novembro de 1821. SILBERT, Albert, Op. Cit., p. 43. .

Por vezes, a linguagem mais atualizada das petições era acompanhada por uma mensagem particularmente comovente, aumentando as possibilidades de persuadir os representantes nas Cortes, o que sugere talvez a intervenção dos tais procuradores treinados e politizados. Os vendilhões, de que já se falou, constituem mais uma vez um grupo especialmente interessante para explorar a difusão de novas correntes ideológicas. As suas petições estão repletas de expressões incisivas que não deixam dúvidas sobre a difusão de uma certa visão igualitária da sociedade. Numa petição apresentada por um grupo de vendilhões de Lisboa, que viram as suas mercadorias apreendidas, refere-se: “nós como cidadãos queremos o que nos é dado pela nossa Constituição, o qual é a Lei ser igual para todos”25 25 Petição não datada, registada nas Cortes em 6 de Junho de 1821. AHP, Comissão de comércio, Seção I e II, maço 92 (doc. 21, n. 11). . Em outra petição, subscrita por um grupo de mulheres que vendiam pelas ruas da capital, vai-se ainda mais longe. Alega-se então que “o mesmo direito e a mesma justiça deve ser igual para todos, sem exclusão” e acrescentando-se “que não há distinções e que a época pôs termo à ilusão, ao engano”. Mais à frente, refere-se ainda “Preclaros e Ilustres Senhores, a Igualdade é a baliza por onde todos devem regular-se, nem este Soberano e Ilustrado Congresso, jamais permitirá o contrário pois que suas piedosas intenções o regem”26 26 Petição das “vendilhôas” de Lisboa, de 24 de Março de 1821. AHP, Comissão de comércio, seção I e II, maço 92, doc. 23. .

A retórica mais atualizada era usada, por vezes e um tanto paradoxalmente, para defender interesses tradicionais e entrincheirados de grupos específicos, como era o caso das corporações de ofícios27 27 PEREIRA, Miriam Halpern. Artesãos, operários e o liberalismo. Dos privilégios corporativos para o direito ao trabalho (1820-1840). Ler História. Lisboa, v. 14, p. 41-86, 1988. . Em outros casos, porém, as petições encerravam um compromisso com um universo mais geral de pessoas, que não se conhecia, mas com as quais se partilhavam interesses e problemas. Por exemplo, nas suas petições, os feirantes diziam falar em nome de todos os feirantes do país, como se pode ler abaixo:

Ao Soberano Congresso Nacional se dirige uma parte mui prejudicada dos tendeiros que nas feiras deste Reino vendiam fazendas, nacionais e estrangeiras, queixando-se do ataque que se faz diretamente não só à sua Liberdade como Cidadãos, mas igualmente às Bases da nossa Constituição que tanta igualdade considera, direitos dos Povos, e que achando-se já tão solenemente declaradas, todo o Cidadão goza das mesmas prerrogativas.28 28 Petição não datada, registada nas Cortes em 22 de maio de 1821. AHP, Comissão de comércio, seção I e II, maço 92 (doc. 7).

Ocasionalmente, algumas petições também incluem noções mais complexas de liberdade, articulando o conceito geral de liberdade com o conceito de liberdade econômica. Uma petição subscrita por vários vendilhões, que também afirmavam falar em nome de uma comunidade mais vasta, refere que: “O Povo Português é povo livre, mas em que consiste esta liberdade, vedando-se lhe os meios de ganharem sua vida”29 29 Petição não datada, registada nas Cortes em 2 de junho de 1821. AHP, Comissão de comércio, seção I e II, maço 92 (doc. 21, n. 6). .

Um aspeto onde a mobilização peticionária de 1820-1823 parece ficar mais próxima das práticas peticionárias tradicionais foi na ausência de esforços mais abrangentes de mobilização social. Os sinais do que poderíamos chamar movimentos de massas no início da década de 1820 parecem ser muito escassos ou, na melhor das hipóteses, muito circunscritos geograficamente. Não existiram campanhas à escala nacional nesse período. A mobilização peticionária de 1820-1823 não encaixa bem nos parâmetros dos movimentos peticionários dos séculos XIX e XX. Na verdade, se seguirmos a proposta de Charles Tilly, a mobilização peticionária de 1820-1823 está ainda na antecâmara dos novos repertórios de protesto30 30 TILLY, Charles. Contentious Performances. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. .

Mesmo as petições que lidavam com o que se pode chamar de questões políticas modernas provêm sobretudo de conflitos localizados31 31 PALACIOS CEREZALES, Diego. Embodying public opinion: from petitions to mass meetings in nineteenth-century Portugal. e-JPH. Lisboa, v. 9, n. 1, p. 7, 2011. . Adicionalmente, grande parte dessas petições parece ter sido veiculada pelos canais tradicionais de Antigo Regime, nomeadamente os concelhos e guildas, o que também sugere a persistência de uma visão de mundo muito convencional.

Precisamos avançar até 1855 para encontrar a primeira petição coletiva de proporções verdadeiramente nacionais. A petição recolheu cerca de 35 mil assinaturas e surgiu num ambiente político marcado por debates sobre a legalidade das reuniões públicas32 32 PALACIOS CEREZALES, Diego Palacios, Embodying public opinion, p. 9-10. . De forma geral, no início da década de 1820, as pessoas raramente se organizavam para além do nível concelhio para preparar suas petições. Existem, naturalmente, exceções ou, pelo menos, exceções parciais, como foi o caso das câmaras municipais do vale do Douro, que se juntaram com os produtores de vinho da mesma região, para pedir mais liberdade de venda da produção vinícola da região33 33 Petição de 22 de Abril de 1822. AHP, Comissão de Agricultura, seção I e II, Cx. 65, maço 38, doc. 46b. . Mais a Sul, as câmaras municipais de Alcobaça coordenaram esforços de forma semelhante contra o seu senhorio, o mosteiro de Alcobaça. Os tributos elevados cobrados pelo mosteiro eram causa de descontentamento há muito tempo e, em 1820, a população viu uma oportunidade para se livrar daquelas imposições. O fato das petições de Alcobaça terem sido redigidas e preparadas para serem assinadas pela mesma pessoa atesta, apesar de tudo, um significativo grau de coordenação34 34 MONTEIRO, Nuno Gonçalo, Elites e Poder, entre o Antigo Regime e o Liberalismo, Lisboa: ICS, 2003, p. 265. .

A aparente ausência de esforços de maior envergadura, como os verificados nas regiões do Douro e Alcobaça, pode ser atribuída a um entendimento ainda muito conservador da política moderna e à persistência de repertórios de protesto coletivo mais tradicionais. A ausência de esforços de coordenação mais amplos, no entanto, pode ser também atribuída à própria arquitetura política tradicional do reino. Ao contrário de outros países europeus, Portugal não tinha uma estrutura intermediária de órgãos de governo durante o Antigo Regime. A administração do reino era matéria para o centro político e para os concelhos municipais. Sem intermediários à escala regional, os municípios interagiam diretamente com a Coroa e com seus oficiais. E essa ausência de um poder reconhecido de mediação entre a administração central, suas instituições, e os municípios poderá ter-se repercutido nas práticas políticas de 1820. O arranjo administrativo tradicional, que provavelmente tinha conferido níveis significativos de autonomia aos poderes locais e suas elites durante o Antigo Regime, explicará, em parte, a inexistência de pontos de referência capazes de desempenhar o papel de coordenação de iniciativas peticionárias em 1820-1823, que ficaram assim marcadas pelo localismo.

3. Petições e a parlamentarização da vida política em Portugal

Segundo Charles Tilly, a parlamentarização da vida política caracteriza-se pelos seguintes elementos: (a) o parlamento torna-se o objeto das disputas políticas; (b) a ação parlamentar incita a população a participar ou a reclamar, seja para o parlamento, seja para outra qualquer instituição; (c) os assuntos correntemente discutidos no parlamento tornam-se decisivos para as populações; (d) as relações com o parlamento e as intervenções do parlamento tornam-se decisivas num conjunto alargado de assuntos35 35 TILLY, Charles. Parliamentarization of Popular Contention in Great Britain, 1758-1834. Theory and Society. Ann Arbor, v. 26, n. 2/3, p. 248, 1997. .

Tilly referia-se especificamente à transformação política da Grã-Bretanha, entre 1758 e 1834, um processo muito longo e provavelmente sem paralelo na Europa. Outros tiveram experiências muito diferentes, mas não deixaram de se ver envolvidos em processos de características semelhantes, ainda que mais repentinos. Portugal da primeira Revolução Liberal é um exemplo interessante de um país que experimentou uma súbita parlamentarização da vida política, nesse caso, a reboque de uma impressionante mobilização peticionária. Os vintistas tiveram inclusivamente dificuldades em se acomodar às novidades trazidas pelo regime que criaram.

A transcrição abaixo denuncia essa dificuldade enfrentada pelos deputados portugueses para lidar com o súbito protagonismo parlamentar das novas Cortes, onde a população depositava grandes expetativas.

A multiplicidade também de projetos já oferecidos e que em tão pouco tempo seria impossível discutir em de alguma parte [deixaria] indispostos certos indivíduos, que sem atenção aos necessários e legítimos procedimentos, vivem descontentes por não terem sido despachados, ou não verem discutidos e realizados os projetos por alguns dos seus representantes apresentados. Continuando esta marcha de cousas, e aumentando-se cada vez mais os requerimentos e projetos, será certamente maior o embaraço e desgostos dos Povos; na falsa suposição de que alguns ficaram em desprezo ou caíram em esquecimento.36 36 Maurício José de Castelo Branco Manuel. Sessão de 17 de julho de 1821. AHP, Câmara dos deputados; Diversos (expediente da secretaria); seção I e II, Caixa 123, maço 84 (n. 333).

O autor desse excerto, o deputado Maurício José de Castelo Branco Manuel, não conseguia disfarçar a sua preocupação com a vaga peticionária. Temia que os peticionários se sentissem desfeiteados pelas Cortes, que não os atendia ou despachava, o que, segundo Maurício José, não poderia estar mais em desacordo com as intenções generosas da instituição parlamentar. A sensação de abandono da população deveria ser evitada a todo custo. Nenhum sacrifício pessoal dos representantes seria grande o suficiente: “este Augusto Congresso está firme e possuído do mais ardente desejo de promover o bem da Nação e disposto aos maiores sacrifícios e trabalhos”. Por isso, ao contrário de outros representantes que chegaram a recomendar a rejeição de petições não assinadas, Maurício José propôs a alteração dos trabalhos parlamentares37 37 O promotor de tal ideia foi o conhecido Borges Carneiro. Cf. SUBTIL, José. A comissão de justiça criminal e as Cortes constituintes e ordinárias (1821-1823). Anais, Série história. Lisboa, v. 1, p. 171, 1994. . De modo a garantir a leitura e apreciação de todas as petições, sugeriu sessões adicionais, sugeriu concretamente dois períodos de três horas por semana, exclusivamente dedicados a essa tarefa (um deles aos sábados).

É importante notar que essa não foi a primeira vez que os portugueses foram representados num único fórum político e no qual podiam se manifestar. Como muitos outros países europeus de Antigo Regime, Portugal tinha assembleias magnas, onde a população era representada em função do estado social: nobreza, clero e povo/cidades. Essas assembleias eram habitualmente indispensáveis em matéria fiscal, mais concretamente aquando do lançamento de novos impostos. Nas Cortes portuguesas de Antigo Regime existia um procedimento pelo qual se recebiam petições denominadas capítulos extraordinários. Contudo, esses capítulos podiam ser submetidos só mediante certas circunstâncias. Indivíduos ou grupos não reconhecidos não podiam apresentar petições. O povo, apesar de estar representado, apenas podia submeter petições por via das cidades e das guildas38 38 CARDIM, Pedro (no prelo), As Cortes e a representação política no Antigo Regime. In ALMEIDA, Pedro Tavares de (ed.). Agradeço ao Pedro Cardim a gentileza de me ter disponibilizado o texto cuja publicação se atrasou. . Isto acontecia porque nas Cortes de Antigo Regime predominava uma visão corporativa da sociedade, muito distante da filosofia moderna centrada no indivíduo39 39 HESPANHA, António Manuel. História das Instituições - Época medieval e moderna. Coimbra: Almedina, 1982, p. 205. . Evidentemente, existiam outros canais institucionais, como tribunais, conselhos ou secretarias que estavam sempre disponíveis para receber requerimentos e petições, reclamações e queixas submetidas por indivíduos.

As Cortes de Antigo Regime deixaram de se reunir no final do século XVII e com o seu fim desapareceram os capítulos extraordinários que, por muitas limitações que encerrassem, eram uma forma de apelar a um rei distante num contexto de solenidade extraordinário. Depois de 1698, o acesso ao rei por via da principal instituição representativa do reino deixou de ser possível. Os súditos portugueses continuaram a relacionar-se com a Coroa por via dos tribunais e conselhos, ainda que, como sempre, de forma menos pública, senão mesmo secreta. Esse era o caso das petições que corriam pela via judicial. Ninguém, com exceção das partes envolvidas, por exemplo, numa disputa judicial, estava a par do que se passava nos bastidores. Um processo judicial iniciado por uma petição era sempre muito reservado. E mesmo as petições coletivas de teor mais político, mais disruptivas, que questionavam convenções e arranjos de longa data - caso das petições de agricultores portugueses da década 1780 contra os encargos fiscais40 40 TENGARRINHA, José. Movimentos camponeses em Portugal na transição do Antigo Regime para a sociedade liberal. In: PEREIRA, Miriam Halpern; FERREIRA, Fátima Sá e Melo; SERRA. João. Liberalismo na Península Ibérica na primeira metade do século XIX, v. II. Lisboa: Sá da Costa Editora, 1982, p. 156. - corriam por uma via reservada, sem exposição. Não podiam contar com a praça pública nem tampouco com a imprensa. Com a Revolução de 1820, tudo mudou. Ao contrário das petições e representações do Antigo Regime, as petições submetidas às novas Cortes liberais não eram ponderadas e discutidas à porta fechada. Elas eram ponderadas e debatidas num fórum público que tinha as suas sessões impressas. Qualquer assunto levantado por uma petição ou requerimento tinha, ou poderia ter, imediata exposição pública, por mais irrelevante que esse assunto pudesse ser. Na verdade, a petição poderia alimentar a discussão pública, como já vimos.

A questão que se deve colocar é o porquê dessa súbita parlamentarização. Por que razão o novo espaço parlamentar se converteu no lugar de convergência de tantas expetativas e ambições, queixas e reclamações, quando não tinha de ser necessariamente assim? Foi resultado do acaso ou o novo protagonismo da instituição parlamentar foi fruto de manobra política, de apropriação intencional de um espaço desocupado?

Nesse momento, não é possível aferir o volume de documentos produzidos no âmbito do movimento peticionário de 1820-1823. Muitas petições perderam-se, outras foram de fato canalizadas para as Cortes, mas apenas num segundo momento - depois de terem sido originalmente enviadas para outras autoridades. Outras ainda estão nos espólios de outras instituições de Antigo Regime, como o Desembargo do Paço, que continuaram a funcionar durante o triênio liberal, tornando a sua contabilização virtualmente impossível. No entanto, não restam dúvidas que o novo fórum político se converteu imediatamente num espaço privilegiado de interação e isso ainda antes da primeira sessão das Cortes ter lugar. Muitas pessoas e instituições começaram a submeter petições e outros papéis às Cortes desde os últimos meses de 1820.

Claro, nem toda a gente reconheceu esse estatuto às Cortes. Muitas petições foram de fato enviadas para outros destinatários, nomeadamente para o rei, como era costume há séculos. O que aconteceu foi que os deputados, ao recanalizarem para si mesmos esses documentos, acabaram por apropriar-se de um estatuto especial. O encaminhamento desses documentos para as Cortes denuncia por si só um rearranjo político e institucional sem precedentes. As Cortes, aproveitando a ausência do rei, no Brasil desde 1808, assumem o protagonismo aos olhos da população.

Existem, porém, outras explicações para o fato de uma instituição completamente nova se ter tornado o centro da vida política portuguesa. A esse respeito, um aspeto pouco referido para o súbito protagonismo parlamentar encontra-se no enquadramento legal da nova instituição, em especial no regulamento das Cortes. O impulso político de baixo para cima foi bem-recebido pelos deputados, foi até encorajado por via dos inquéritos solicitados em todo o país. No entanto, se os deputados tivessem escolhido um regulamento interno diferente, as oportunidades para apresentar petições e outros documentos teriam diminuído consideravelmente e o movimento peticionário poderia ter sido feito maioritariamente em torno de outras instituições. Poderia, inclusivamente, não ter ocorrido. E esse cenário de Cortes inacessíveis não terá estado longe de se materializar.

Nos últimos meses de 1820, foi proposto e impresso um projeto para regular o funcionamento interno da instituição que se convocava pela primeira vez: as Cortes liberais. Essa proposta, se adotada, teria reduzido a abertura e a disponibilidade das Cortes, modificando de permeio o grau de interação entre a nova instituição e a população. O autor dessa proposta estatutária, denominada Projecto de Regimento das Cortes Portuguezas41 41 MACEDO, Joaquim José da Costa de. Projeto de regimento das Cortes. Lisboa: Na Officina Rodrigues Galhardo, 1820. , foi Joaquim José da Costa de Macedo (1777-1867), figura destacada da vida pública portuguesa durante a primeira metade do século XIX. Costa de Macedo foi um burocrata de competência reconhecida e que começou a trabalhar na administração portuguesa ainda nos tempos do Absolutismo Mariano, mais concretamente desde 1794. Simultaneamente, Costa de Macedo foi um intelectual consumado e um historiador com vários trabalhos sobre a expansão imperial portuguesa. Conviveu com as grandes referências intelectuais da sua época, como foi o caso de Alexandre Herculano (1810ALEXANDRE, Valentim. Os Sentidos do Imperio. Questao nacional e questao colonial na crise do regime antigo portugues. Porto: Edicoes Afrontamento, 1992.-1877), com quem manteve uma divergência historiográfica duradoura. Foi ainda membro ativo da Academia das Ciências de Lisboa e só abandonou a vida pública em 1857, quando deixou a liderança da Torre do Tombo.

A sua proposta de 1820 ilustra um conhecimento atualizado e aprofundado dos debates constitucionais da época, referenciando constantemente Benjamin Bentham e lembrando as virtudes da Constituição de Cádis de 1812, cujo modelo desejava seguir. A proposta de regulamento de Costa de Macedo descreve detalhadamente os circuitos de comunicação nas Cortes. A proposta descreve a forma como os documentos submetidos às Cortes deveriam ser preparados e apresentados, assim como a sua recepção pelo presidente das Cortes, que, por sua vez, comunicaria a sua recepção e encaminhamento a uma das comissões parlamentares (artigos XC a XCII). A proposta considera também o processo deliberativo e a articulação entre o presidente das Cortes, a comissão parlamentar envolvida e o autor da representação ou petição, que poderia ser chamado a explicar os seus argumentos pessoalmente (artigo XCIII). Costa de Macedo não esqueceu os aspetos ligados à divulgação e publicitação desses procedimentos parlamentares, chegando mesmo a propor a publicação de listas das representações e petições rejeitadas (artigos CI a CIII). Ao mesmo tempo, o regulamento proposto também mostra o que só pode ser descrito como o desejo de limitar a interação entre os representantes e a população, desejo que Costa de Macedo não escondeu. Embora aceitasse que todos tinham o direito de se dirigir ao parlamento nacional, ele não deixou de afirmar que toda a proposta, representação ou petição deveria vincular inextricavelmente o autor, para o bem e para o mal. Nesse sentido, ele recomendou que o nome, endereço e profissão deveriam ser incluídos em todos os documentos (artigo LXXXVI). A justificação para semelhante exigência, que ele explica no final do projeto regulamentar, prendia-se com a necessidade de criar alguma forma de responsabilização42 42 Ibidem, pp. 62-63. . Além disso, Costa de Macedo recomendou que cada documento subscrito fosse autenticado por notário público. De outra forma não seria admissível nas Cortes (artigo LXXXVII). Se essas exigências tivessem sido acolhidas pelos deputados, a possibilidade de a população se dirigir às Cortes teria sido significativamente reduzida. A parlamentarização da vida política nacional nos primeiros anos da década de 1820, que hoje, aos nossos olhos, parece um desdobramento inevitável, não teria ocorrido e não é certo que o movimento peticionário tivesse adquirido as proporções que adquiriu.

Costa de Macedo rejeitou ainda o direito de petição coletiva (artigo LXXXVIII), parecendo inspirar-se em convenções com longa tradição. Esse direito de petição coletiva, a forma mais ameaçadora de peticionar, foi controverso em toda a Europa durante o Antigo Regime, como escreveu Martin Almbjär43 43 ALMBJAR, Martin. Op. Cit., p. 1013-1039. . Portugal não era exceção. Como aconteceu em outros lugares, a possibilidade de protestar de forma coordenada e organizada alimentava suspeitas de sedição e revolta. A esse respeito, Costa de Macedo referiu:

Nenhum bem resulta de se admitirem representações assinadas por grande número de pessoas, e podem resultar muitos males. […] ninguém tolhe a cada indivíduo […] o recurso ao Poder Legislativo, que para obrar com acerto há de ponderar não o número das assinaturas, mas a força das razões. Todos sabem os meios tortuosos de que se serve um partido para extorquir insidiosamente grande número de assinaturas: então o voto dos faciosos, substituído à opinião dos assinados, engrossa e aparece no Público coberto com o véu da vontade geral.44 44 MACEDO, Joaquim José da Costa de. Op. Cit., p. 63.

Fica clara a falta de confiança na população. Não era apenas o “número de assinaturas” que preocupava Costa de Macedo. Ele temia as repercussões mais amplas da manipulação da opinião pública em prol dos interesses de pequenos grupos de “faciosos” descontentes.

As Cortes não adotaram o regulamento restritivo de Costa de Macedo, que apesar da sua familiaridade com o constitucionalismo moderno, reiterava o mesmo tipo de limitações que os absolutistas do final do século XVIII queriam impor no direito de petição. Em vez do regulamento de Costa de Macedo, as Cortes adotaram (ainda que não formalmente) um código de menores dimensões e mais flexível, um código que, sobretudo, não introduzia obstáculos na interação com a população. O Regimento Interno das Cortes Geraes, Extraodinarias e Constituintes da Nação Portugueza também fornece muito menos informações sobre os trâmites burocráticos e sobre a documentação encaminhada para os representantes. O Regimento Interno das Cortes Geraes refere somente que todos os papéis, projetos, memoriais e representações deveriam ser recebidos por um dos quatro secretários das Cortes. Refere a respeito desses secretários, que eles deveriam ser eleitos entre o universo de representantes da nação, de três em três meses, e que deveriam controlar o fluxo dos papéis recebidos nas Cortes45 45 PORTUGAL. Regimento Interno das Cortes Geraes, Extraodinarias e Constituintes da Nação Portugueza, 2ª edição. Lisboa: Na Imprensa Nacional, 1837, Titulo III, §5, p. 13. . Depois de apresentadas aos deputados, as petições seriam enviadas a uma das quase 50 comissões parlamentares, onde eram discutidas em pormenor. Esse regimento, elaborado por uma junta preparatória, atribuía grande protagonismo aos secretários no que tocava à gestão dos papéis que eram submetidos às Cortes e isso significa que eles definiam em grande medida a agenda. No limite, decidiam também quais petições chegavam às sessões plenárias e quais não chegavam, porque sabemos que algumas ficavam pelo caminho.

Os procedimentos previstos pela junta preparatória foram usados até 1823, quando as Cortes deixaram de se reunir. Na sequência da Vilafrancada, a primeira experiência liberal portuguesa chegou ao fim e, com ela, terminou o protagonismo da instituição parlamentar na vida política do país. Se é certo que a vitória definitiva dos liberais em 1834 viria a devolver algum desse protagonismo às novas Cortes, também é verdade que a onda de petições da década de 1820 definitivamente não se repetiu. A parlamentarização da vida política do país entre 1821-1823, fomentada pela mobilização peticionária, foi um desenvolvimento repentino e inesperado. Mas foi sobretudo um desenvolvimento temporário, possibilitado pelo uso de um direito muito tradicional.

A cultura peticionária permaneceu crucial no Portugal do século XIX. O uso da petição até desempenhou um papel importante no regresso do absolutismo na segunda metade da década de 1820, com os seus apoiantes a encorajarem a recolha indiscriminada de assinaturas, entre outras estratégias, como forma de mostrar o vasto apoio popular ao regresso de D. Miguel (1801-1866)46 46 LOUSADA, Maria Alexandre; FERREIRA, Fátima Sá e Melo. D. Miguel. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, p. 110-115. . Mais tarde, como em muitos outros países, Portugal assistiu ao aparecimento de campanhas peticionárias de âmbito nacional. Assim aconteceu com a campanha para a expulsão das Irmãs da Caridade francesas de Portugal, em 1858. A petição daqueles que defendiam freiras recolheu mais de 30 mil assinaturas. Ao mesmo tempo, como Diego Palacios mostrou, o uso de petições coletivas foi complementado por outras formas de participação política, especialmente disruptivas e temidas, como a realização de reuniões públicas47 47 PALACIOS CEREZALES, Diego Palacios, Embodying public opinion. .

De 1834 em diante, as campanhas peticionárias continuaram a estimular a vida parlamentar portuguesa. De fato, em 1857 a Câmara dos Deputados referencia uma caixa de Petições, onde essas seriam depositadas e posteriormente analisadas pela comissão parlamentar de petições48 48 Projeto de Regulamento Interno, artigos 131-133. PORTUGAL. Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 10 de Fevereiro de 1857. Lisboa: Imprensa Nacional, 1857, p. 115. . Não voltariam, porém, a ter o mesmo impacto na história das instituições políticas do país. Em meados do século, as Cortes estavam completamente consolidadas e não precisavam de incentivo adicional - assegurado em 1820 pelo movimento peticionário - para intervir na vida política portuguesa.

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    » https://doi.org/10.1086/230866
  • 3
    WURGLER, Andreas. Voices from Among the ‘Silent Masses’: Humble Petitions and Social Conflicts in Early Modern Central Europe. International Review of Social History, Nova Iorque, v. 46, n. 59, p. 11-34, 2001. DOI: https://doi.org/10.1017/S0020859001000311..
  • 4
    Ibidem, p. 11.
  • 5
    ORMROD, Mark; DODD, Gwilym; MUSSON, Anthony (ed.). Medieval Petitions: Grace and Grievance. Londres: Boydell & Brewer, 2009. Esses desenvolvimentos são verdadeiramente globais, ainda que a Europa continue a merecer um interesse muito particular. Cf. a coleção Petitioning and Political Cultures in South Asia, publicada pela revista Modern Asian Studies, vol. 53 n. 1, 2019; HUNG, Ho-Fung. Protest with Chinese Characteristics. Demonstrations, Riots, and Petitions in the Mid Qing Dynasty. Nova Iorque: Columbia University Press, 2011; e BEN-BASAT, Yuval, Petitioning the Sultan: Protests and Justice in Late Ottoman Palestine. Londres: Tauris, 2013.
  • 6
    NICHOLLS, David. Addressing God as Ruler: Prayer and Petition. The British Journal of Sociology. London, v. 44, n. 1, p. 125-141, 1993.
  • 7
    HESPANHA, António. La gracia del derecho. Economía de la Cultura em la Edad Moderna. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. Cf. também NUBOLA, Cecilia. Supplications between Politics and Justice: The Northern and Central Italian States in the Early Modern Age. International Review of Social History, Cambridge, v. 46, n. S9, p. 35-56.
  • 8
    É bom lembrar que essa visão não é partilhada por todos os historiadores. ALMBJÄR, Martin. The problem with early modern petitions: safety valve or powder keg? European Review of History: Revue européenne d’histoire. London, v. 26, n. 6, p. 1013-1039, 2019.
  • 9
    PEREIRA, Miriam Halpern. Introdução Geral. In: VIEIRA, Benedicta Duque. O Problema Político Português no Tempo das Primeiras Cortes - A Crise do Antigo Regime e as Cortes Constituintes de 1821-1822, Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1992, p. 5.
  • 10
    SILBERT, Albert. Le problème agraire portugais: au temps des premières cortès libérales, 1821-1823. Paris: Presses Universitaires de France, 1968.
  • 11
    CRUZ, Miguel Dantas da (no prelo). The petitionary wave of the First Portuguese Liberal Revolution (1820-1823)”. In CRUZ, Miguel Dantas da Cruz (ed.). Petitioning in the Atlantic World: Empires, Revolutions and Social Movements (Palgrave, 2021).
  • 12
    MILLER, Henry. Introduction: The Transformation of Petitioning in the Long Nineteenth Century (1780-1914). Social Science History, v. 43, n. 3, p. 409-429, 2019.
  • 13
    PALACIOS CEREZALES, Diego. Re-imagining Petitioning in Spain (1808-1823). Social Science History. Cambridge, v. 43, n. 3, p. 505, 2019.
  • 14
    ZARET, David. Petitions and the ‘Invention’ of Public Opinion in the English Revolution. American Journal of Sociology. Chicago, v. 101, n. 6, p. 1521, 1996.
  • 15
    ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 2003, p. 92-103 e LOUSADA, Maria Alexandre. Vida privada, sociabilidades culturais e emergência do espaço público. In: MONTEIRO, Nuno Gonçalo (coord.). História da Vida Privada em Portugal. A Idade Moderna, Lisboa: Círculo de Leitores /Temas e Debates, 2011, p. 424-456.
  • 16
    Cf. ALEXANDRE, Valentim. Os Sentidos do Império. Questão nacional e questão colonial na crise do regime antigo português. Porto: Edições Afrontamento, 1992, p. 261-269.
  • 17
    Petição do corpo de comércio de Guimarães. Arquivo Histórico Parlamentar (doravante AHP), Comissão de comércio, secção I e II, maço 92 (doc. 8).
  • 18
    Idem.
  • 19
    Sessão das Cortes de 27 de abril de 1821. PORTUGAL. Diario das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, n. 64. Lisboa: Impressão Nacional, p. 689.
  • 20
    CRUZ, Miguel Dantas da. Soterrados em petições: os liberais e a regulamentação do comércio itinerante em Portugal, 1820-1823. Ler História. Lisboa, v. 73, p. 159-160, 2018.
  • 21
    Por exemplo, petição do corpo de comércio de Évora. AHP, Comissão de comércio, secção I e II, maço 92 (doc. 4).
  • 22
    Memória do capitão Joaquim Luís de Fraga, de 1 de junho de 1822. AHP, Comissão especial dos negócios políticos do Brasil, secção I e II, Cx. 120, maço 82 (doc. 9).
  • 23
    Petição do corpo de comércio de Guimarães. AHP, Comissão de comércio, secção I e II, maço 92 (doc. 8).
  • 24
    Petição dos cidadãos de Vila Alva, de 13 de Novembro de 1821. SILBERT, Albert, Op. Cit., p. 43.
  • 25
    Petição não datada, registada nas Cortes em 6 de Junho de 1821. AHP, Comissão de comércio, Seção I e II, maço 92 (doc. 21, n. 11).
  • 26
    Petição das “vendilhôas” de Lisboa, de 24 de Março de 1821. AHP, Comissão de comércio, seção I e II, maço 92, doc. 23.
  • 27
    PEREIRA, Miriam Halpern. Artesãos, operários e o liberalismo. Dos privilégios corporativos para o direito ao trabalho (1820-1840). Ler História. Lisboa, v. 14, p. 41-86, 1988.
  • 28
    Petição não datada, registada nas Cortes em 22 de maio de 1821. AHP, Comissão de comércio, seção I e II, maço 92 (doc. 7).
  • 29
    Petição não datada, registada nas Cortes em 2 de junho de 1821. AHP, Comissão de comércio, seção I e II, maço 92 (doc. 21, n. 6).
  • 30
    TILLY, Charles. Contentious Performances. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
  • 31
    PALACIOS CEREZALES, Diego. Embodying public opinion: from petitions to mass meetings in nineteenth-century Portugal. e-JPH. Lisboa, v. 9, n. 1, p. 7, 2011.
  • 32
    PALACIOS CEREZALES, Diego Palacios, Embodying public opinion, p. 9-10.
  • 33
    Petição de 22 de Abril de 1822. AHP, Comissão de Agricultura, seção I e II, Cx. 65, maço 38, doc. 46b.
  • 34
    MONTEIRO, Nuno Gonçalo, Elites e Poder, entre o Antigo Regime e o Liberalismo, Lisboa: ICS, 2003, p. 265.
  • 35
    TILLY, Charles. Parliamentarization of Popular Contention in Great Britain, 1758-1834. Theory and Society. Ann Arbor, v. 26, n. 2/3, p. 248, 1997.
  • 36
    Maurício José de Castelo Branco Manuel. Sessão de 17 de julho de 1821. AHP, Câmara dos deputados; Diversos (expediente da secretaria); seção I e II, Caixa 123, maço 84 (n. 333).
  • 37
    O promotor de tal ideia foi o conhecido Borges Carneiro. Cf. SUBTIL, José. A comissão de justiça criminal e as Cortes constituintes e ordinárias (1821-1823). Anais, Série história. Lisboa, v. 1, p. 171, 1994.
  • 38
    CARDIM, Pedro (no prelo), As Cortes e a representação política no Antigo Regime. In ALMEIDA, Pedro Tavares de (ed.). Agradeço ao Pedro Cardim a gentileza de me ter disponibilizado o texto cuja publicação se atrasou.
  • 39
    HESPANHA, António Manuel. História das Instituições - Época medieval e moderna. Coimbra: Almedina, 1982, p. 205.
  • 40
    TENGARRINHA, José. Movimentos camponeses em Portugal na transição do Antigo Regime para a sociedade liberal. In: PEREIRA, Miriam Halpern; FERREIRA, Fátima Sá e Melo; SERRA. João. Liberalismo na Península Ibérica na primeira metade do século XIX, v. II. Lisboa: Sá da Costa Editora, 1982, p. 156.
  • 41
    MACEDO, Joaquim José da Costa de. Projeto de regimento das Cortes. Lisboa: Na Officina Rodrigues Galhardo, 1820.
  • 42
    Ibidem, pp. 62-63.
  • 43
    ALMBJAR, Martin. Op. Cit., p. 1013-1039.
  • 44
    MACEDO, Joaquim José da Costa de. Op. Cit., p. 63.
  • 45
    PORTUGAL. Regimento Interno das Cortes Geraes, Extraodinarias e Constituintes da Nação Portugueza, 2ª edição. Lisboa: Na Imprensa Nacional, 1837, Titulo III, §5, p. 13.
  • 46
    LOUSADA, Maria Alexandre; FERREIRA, Fátima Sá e Melo. D. Miguel. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, p. 110-115.
  • 47
    PALACIOS CEREZALES, Diego Palacios, Embodying public opinion.
  • 48
    Projeto de Regulamento Interno, artigos 131-133. PORTUGAL. Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 10 de Fevereiro de 1857. Lisboa: Imprensa Nacional, 1857, p. 115.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Ago 2021
  • Aceito
    28 Out 2021
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