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A REVOLUÇÃO LIBERAL DE 1820: GUIÃO DE UMA REVOLUÇÃO INACABADA

Resumo

A Revolução Liberal, iniciada no Porto, em 24 de agosto de 1820, obedeceu a um conjunto de orientações programáticas definidas pelos seus principais mentores e impulsionadores. Teve por base um guião que se consubstanciou num notável conjunto documental de proclamações, manifestos e ofícios, publicados entre o primeiro pronunciamento militar no Porto e a entrada em funções da Junta governativa e da Junta preparatória da convocação de cortes (1 de outubro de 1820). No período que se seguiu até à instalação das Cortes Constituintes, e ao longo dos trabalhos parlamentares preparatórios da Constituição, ficou demonstrada a dificuldade de levar às últimas consequências a vontade de desmoronamento das estruturas econômicas e sociais do antigo regime. Os avanços alcançados no plano político-constitucional não foram acompanhados de equivalente mudança e reforma das estruturas de propriedade e fiscalidade. A revolução ficou inacabada e seria, afinal, bruscamente interrompida. Teria sido possível outro desfecho? Neste artigo procuro demonstrar - a partir de fontes impressas que não têm sido suficientemente exploradas e que são enquadradas na moldura metodológica de um guião ou roteiro do processo iniciado em agosto de 1820 - que as condições políticas que tornaram possível o sucesso da revolução no plano constitucional foram também as que inviabilizaram a sua plena conclusão noutras esferas de intervenção durante o triênio vintista.

Palavras-chave:
Cortes; Constituição; Proclamações; Revolução; Regeneração; Vintismo

ABSTRACT

Beginning in Porto, Portugal, on August 24, 1820, the Liberal Revolution followed a set of programmatic guidelines defined by its main mentors and driving forces. It was based on a script that consisted of a remarkable set of proclamations manifestos, and official letters published between the first military declaration in Porto and entry into force of the Governmental Junta and the Preparatory Junta to convene the Cortes (October 1st, 1820). In the following period until the creation of the Constituent Cortes, and throughout the parliamentary preparatory work for the Constitution, the difficulty of bringing the collapse of the economic and social structures of the Old Regime to its final conclusion became evident. The political-constitutional advances achieved were not accompanied by equivalent change and reform of property and taxation structures. The revolution remained unfinished and would be abruptly interrupted. Could there have been another outcome? This paper discusses - based on printed sources that have yet to be sufficiently explored and are methodologically framed as a guide or script of the process that began in August 1820 - how the political conditions that made possible the success of the revolution at the constitutional level were also those that made its full completion impossible in other spheres throughout the period 1820 to 1823 (Vintism).

KEYWORDS:
Cortes; Constitution; Proclamations; Revolution; Regeneration; Vintism

Estava reservada à boa, leal e heroica cidade do Porto a nova glória de restaurar a legítima liberdade dos portugueses: cumpria a esta segunda capital do reino obrar um feito memorável que salvasse a pátria comum e o trono augusto, em que está sentado o muito poderoso rei, o senhor D. João VI, que Deus guarde.3 3 Diário Nacional. Porto, nº1, 26 de agosto de 1820. Tipografia da Viúva Alvarez & Filhos.

1. A revolução que começou no Porto

Tudo começou no Porto, em 24 de agosto de 1820. Dificilmente o local poderia ser outro, conforme bem expressa a notícia de abertura, publicada no primeiro número do Diário Nacional. Longe da vigilância mais apertada que o governo da regência exercia em Lisboa, a cidade do Porto se beneficiava de condições excepcionais para servir de berço a uma revolução anunciada. Era a sede de uma expressiva comunidade mercantil, envolvendo produtores e comerciantes de vinhos da região do Douro. Esse núcleo estável de negócios atraía múltiplos agentes econômicos de outras regiões e áreas de atividade, exibindo o cosmopolitismo próprio de uma urbe agitada. O Porto era também importante local de desempenho de funções de magistratura e de regulação do Poder Judicial, agregando letrados com formação universitária, detentores de cultura jurídica e política que aplicavam na emissão de juízos críticos sobre as rotinas e vícios instalados na vida pública institucional. E o Porto era ainda região de presença de militares, distribuídos em diversos regimentos, que se manifestavam receptivos a mudanças que permitissem uma melhoria dos seus interesses corporativos.

Comerciantes, magistrados e militares. Foi nessa tripla aliança que se forjaram as cumplicidades entre representantes qualificados dessas categorias sociais com o propósito de encaminharem o país para o que imaginavam poder vir a ser uma revolução. E foi de facto uma revolução aquilo que aconteceu em 24 de agosto de 1820, ainda que os mentores e autores do seu guião e enredo não tivessem plena noção da história que estavam a fazer nascer.

O sucesso do pronunciamento militar deveu-se a uma cuidadosa preparação a cargo dos magistrados e homens de negócio que integravam o Sinédrio, uma associação política criada em janeiro de 1818. Tomavam para si o nome da instituição que, na antiga tradição judaica, designava a assembleia de juízes que zelava pelo bom cumprimento das leis. Manuel Fernandes Tomás, respeitado magistrado que então exercia funções como desembargador do Tribunal da Relação do Porto, foi o mentor principal desse movimento agregador revolucionário, cujo núcleo fundador incluía o magistrado José da Silva Carvalho, o advogado José Ferreira Borges e o comerciante João Ferreira Viana. Nos meses que antecederam ao dia D da Revolução de 1820, passaram a integrar o Sinédrio outros comerciantes e magistrados, assim como dois militares (coronel Sebastião Brito Cabreira e coronel Bernardo Sepúlveda) com a responsabilidade de mobilizarem os corpos armados indispensáveis à mudança de regime. Apesar do envolvimento dos membros do Sinédrio, o pronunciamento e a revolução com ele inaugurada não podem ser vistos como obra de um partido ou facção coesa e organizada. Tudo resultou da feliz combinação de vontades que convergiram para um mesmo propósito.

Os detalhes são conhecidos e dispensam apresentação minuciosa4 4 O bicentenário de revolução de 1820 suscitou a edição de vários livros que apresentam a sequência de eventos e que procedem a leituras interpretativas do seu significado com base em fontes da época e no legado historiográfico existente. Cf. especialmente: CARDOSO, José Luís. A Revolução Liberal de 1820. Lisboa: CTT Correios de Portugal, 2019.; CORDEIRO, José Manuel Lopes. 1820. Revolução Liberal do Porto. Porto: Câmara Municipal do Porto, 2020.; MOREIRA, Vital; DOMINGUES, José. No Bicentenário da Revolução Liberal, Vol. I - Da Revolução à Constituição, 1820-1822 e Vol. II - Os 40 Dias que Mudaram Portugal. Porto: Porto Editora, 2020. . Diversos esquadrões militares, corpos de polícia e milícias estacionados na cidade do Porto juntaram-se nas imediações do quartel de artilharia no Campo de Santo Ovídio (na toponímia atual, Praça da República). A exibição de força foi acompanhada de missa campal e da inevitável salva de vinte e um tiros que marcou o sucesso de um pronunciamento militar pacífico, sem resistência nem sangue derramado. Foi prontamente constituído um Conselho Militar, no qual estavam representados os principais regimentos participantes na festiva parada, que tornou públicas as primeiras proclamações esclarecedoras das suas intenções: substituir a regência (que governava em nome de D. João VI, ausente no Brasil) por um governo provisório que preparasse a convocação de cortes que dessem à nação uma constituição. Sem esquecerem o nobre desígnio de salvação da pátria, as proclamações deixavam claro que tal seria feito em pleno respeito do trono e do altar.

As tropas e milícias foram saudadas pelo povo que nas ruas se juntou em caminhada triunfal até à Praça Nova (atual Praça da Liberdade), para que formalmente ocorresse uma reunião na Casa da Câmara do Porto. Aí se juntaram os militares a diversos magistrados, membros da vereação e autoridades civis e religiosas, que, em conjunto, proclamaram o êxito da revolução e declararam constituída uma Junta Provisional do Supremo Governo do Reino, que passaria a governar em nome de D. João VI, pondo assim em causa a legitimidade política da regência sediada em Lisboa5 5 A Junta Provisional era composta por 18 membros. Tinha como presidente, António da Silveira Pinto da Fonseca, e como vice-presidente, Sebastião Drago Brito Cabreira, figuras escolhidas para garantir apoios militares à causa regeneradora. Entre os seus membros oito haviam pertencido ao Sinédrio, que fora extinto na ocasião, os quais asseguravam a direção política do processo (Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges, José da Silva Carvalho, João da Cunha Sotto Maior, José Maria Xavier de Araújo, José de Melo Castro e Abreu, Bernardo de Castro e Sepúlveda e Francisco Gomes da Silva). .

O momento em que a revolução ocorreu foi beneficiado por condições especialmente propícias. Da Espanha sopravam bons ventos, com a notícia da restauração da liberal Constituição de Cádis de 1812. William Carr Beresford, comandante supremo do exército e personagem determinante na condução do governo da regência, tinha partido para o Rio de Janeiro, onde fora pedir a D. João VI reforço de poder e autoridade, deixando a hierarquia militar sem capacidade de resposta firme perante eventuais sublevações. Os atrasos no pagamento de salários a militares e empregados públicos exasperavam os lesados. O ódio policial a tudo o que pudesse sugerir revolta ou conspiração jacobina ou maçónica aconselhava rapidez de atuação, acautelada por sentido de oportunidade6 6 São conhecidas as ligações de alguns membros do Sinédrio com a maçonaria. Todavia, não restam dúvidas de que o pronunciamento de 24 de agosto não pode ser considerado como obra maçônica. Sobre o assunto, Cf. COSTA, Fernando Marques da. A Maçonaria 1807-1834: Entre a Forca e o Cacete, entre o Mito e a Realidade. Lisboa: Campo da Comunicação, 2018. .

Foi essa conjuntura peculiar que tornou possível a concretização de um dia histórico, rompendo triunfante na manhã de 24 de agosto de 1820. Referindo-se ao significado de tão feliz alvorada, o jovem Almeida Garrett escreveu em tom emocionado: “A última hora da tirania soou: o fanatismo, que ocupava a face da terra, desapareceu; o sol da liberdade brilhou no nosso horizonte, e as derradeiras trevas do despotismo foram, dissipadas por seus raios, sepultar-se no inferno”7 7 GARRETT, João Batista da Silva de Almeida. O Dia Vinte e Quatro d’Agosto. Lisboa: Tipografia Rollandiana, 1821. p. 9. .

2. Crónica de uma revolução anunciada

Os acontecimentos que se seguiram a esse dia radioso comprovam que não se tratava de uma ação fortuita ou ato espontâneo, de um distúrbio involuntário ou desordem ocasional. E mostram que a revolução iniciada no Porto não se conteve em âmbito local ou regional, mas, pelo contrário, inscreveu o seu propósito numa missão de carácter nacional. É justamente através da articulação de operações aparentemente rotineiras, no fluxo dos dias que se seguem, que se pressente o sentido deliberado e intencional de uma ação política nacional e coletiva8 8 O contraste com a “conspiração” de 1817 não podia ser maior. Sobre a fragilidade das movimentações orquestradas por Gomes Freire de Andrade (com o apoio da maçonaria) e a ausência de qualquer agenda ou programa político subjacente, Cf. CARDOSO, José Luís. A Conspiração de Gomes Freire: enquadramento político e económico. In: PEREIRA, Miriam Halpern; ARAÚJO, Ana Cristina (org.). Gomes Freire e as Vésperas da Revolução de 1820. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2018. p. 89-104. . Ou seja, de uma revolução, no moderno sentido que a expressão adquire após as revoluções americana (1776) e francesa (1789). Os protagonistas não são atores subalternos de eventos desencadeados por fatores a que sejam alheios. A revolução resulta de uma vontade consciente de atores humanos que expressam um desejo de transformação, que se inscreve numa nova cultura política que admite a possibilidade de mudança do regime e da ordem social prevalecentes, e que enquadram os seus propósitos numa movimentação alargada a outros horizontes globais9 9 Não cabe aqui analisar o contexto mais amplo e global em que se desenrola a revolução liberal portuguesa. Mas é fundamental sublinhar que o caso português é uma amostra, com as suas especificidades próprias, do que acontece no mundo. É vastíssima a bibliografia disponível para o entendimento desse tema, desbravado pioneiramente por HOBSBAWM, Eric. The Age of Revolution, 1789-1848. London: Weidenfeld and Nicholson, 1962. Para uma visão de conjunto, e atualizada sobre as circunstâncias em que decorre essa longa era de revoluções, Cf.: ARMITAGE, David; SUBRAHMANYAM, Sanjay (eds.). The Age of Revolutions in Global Context, c. 1760-1840. New York: Palgrave Macmillan, 2010.; BAYLY, C.A. The Birth of the Modern World, 1790-1914. Global Connections and Comparisons. Oxford: Blackwell, 2004.; OSTERHAMMEL, Jürgen. The Transformation of the World. A Global History of the Nineteenth Century. Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2014.; PAQUETTE, Gabriel. Imperial Portugal in the Age of Atlantic Revolutions. The Luso-Brazilian World, c. 1770-1850. Cambridge and New York: Cambridge University Press, 2013. .

As mudanças anunciadas e induzidas pelas revoluções pressupõem um conhecimento do terreno e do contexto em que os agentes políticos individuais se movem, uma visão clara sobre o que de novo pretendem construir, a projeção futura de compromissos estabelecidos no presente e uma consciência nítida do sentido de responsabilidade associado ao papel que desempenham. Tais agentes sabem de onde vêm, o que querem, e quais os meios ao dispor para cumprirem a sua missão. Por seu intermédio, a vontade singular adquire um nexo coletivo e a revolução ganha legitimidade como acontecimento gerador de emancipação e de progresso10 10 Sobre esse ponto de vista Cf. o ensaio sempre inspirador e sugestivo de KOSELLECK, Reinhart. Historical criteria of the modern concept of revolution. In: KOSELLECK, Reinhart. Futures Past: On the Semantics of Historical Time. Cambridge MA: MIT Press, 1985, p. 39-54. . Nesse sentido, a revolução obedece a um guião, uma agenda, que permite controlar expetativas, antecipar cenários adversos, encontrar as respostas adequadas às exigências de cada momento11 11 Sobre esta noção de guião ou roteiro associado ao desencadear de uma revolução, cf. os diversos estudos de casos e a excelente introdução metodológica em BAKER, Keith Michael; EDELSTEIN, Dan (eds.). Scripting Revolution. A Historical Aproach to the Comparative Study of Revolutions. Stanford: Stanford University Press, 2015. .

O conjunto de proclamações, manifestos, ofícios, portarias, cartas e outros textos avulsos, emitidos pelos agentes políticos que participam dos primeiros atos que dão forma à revolução de 1820, são peças de enorme relevância para se compreender esse sentido intencional, premeditado e controlado de que uma revolução se reveste. Os documentos eram, em geral, de curta extensão, destinavam-se à distribuição volante e afixação em locais de visibilidade pública. Muitos deles foram publicados por jornais criados logo após o dia 24 de agosto, integrando o noticiário informativo dos eventos que agitavam e contagiavam a esfera pública emergente.

Os manifestos ou proclamações de maior cunho programático foram redigidos por importantes protagonistas e mentores do pronunciamento do Porto, com destaque para os textos de autoria de Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges, frei Francisco de São Luís e Bernardo Sepúlveda. Muitos deles foram previamente discutidos e aprovados pelas instâncias formais ou informais responsáveis pela gestão do momento político, mostrando assim que as palavras a transmitir não eram deixadas ao acaso. O total de peças de pregão e relato de acontecimentos que foram produzidas entre 24 de agosto e 1 de outubro (ou seja, entre o eclodir do movimento no Porto e a institucionalização da Junta Provisional em Lisboa) ultrapassou uma centena. Assim, a revolução foi argumentada e justificada dia após dia, à medida que as adesões se iam manifestando e os obstáculos se desvaneciam.

A sucessão de proclamações e manifestos dava também corpo a uma narrativa intencionalmente conduzida de modo a garantir a construção da memória de eventos que se anteviam propulsores de mudanças históricas significativas. A mais veemente prova desse guião condutor foi dada pela publicação de duas coletâneas documentais, destinadas a fixar os acontecimentos mais marcantes da “Regeneração de Portugal”, conforme inscrito nos títulos: a primeira editada no Porto e incluindo textos datados entre 24 de agosto e 9 de setembro; e a segunda saída nos prelos em Lisboa com o acréscimo de documentos produzidos até 2 de outubro12 12 PORTUGAL. Coleção das Proclamações, e Outros Documentos que servem para a História da Regeneração de Portugal desde o dia 24 de Agosto de 1820, em que se instaurou nesta cidade do Porto a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. Porto: Tipografia da Praça de S. Teresa, 1820a. PORTUGAL. Coleção Geral e Curiosa de Todos os Documentos Oficiais e Históricos, publicados por ocasião da Regeneração de Portugal. Lisboa: Tipografia Rollandiana, 1820b. Uma seleção desses textos viria a ser posteriormente incluída na obra de ARAÚJO, José Maria Xavier. Revelações e Memórias para a História da Revolução de 24 de Agosto de 1820 e de 15 de Setembro do mesmo ano. Lisboa: Tipografia Rollandiana, 1846. p. 85-228. Cf. também a recolha documental: SANTOS, Clemente José dos; SILVA, José Augusto da. (org.). Documentos para História das Cortes Gerais da Nação Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883, Tomo I, 1820-1825. p. 5-76. . A escolha do substantivo “regeneração” não foi inocente, visando garantir que a mensagem captasse o maior número de interessados nalgum tipo de alteração da ordem das coisas13 13 A apropriação e uso dos termos “revolução” e “regeneração” é assunto merecedor de atenção específica, que ultrapassa o âmbito deste artigo. Para uma introdução ao tema, Cf. FERREIRA, Fátima Sá e Melo. O conceito de revolução na História dos Conceitos: um percurso em Portugal, 1750-1870. In: PEREIRA, Miriam Halpern et. al. (org.), Linguagens e Fronteiras do Poder. Lisboa: Centro de Estudos de História Contemporânea, ISCTE-IUL, 2012. p. 79-96. .

Além da relevância da recolha em si mesma, salienta-se a inclusão de proclamações e ofícios de autoria do governo da regência. Ou seja, o propósito dessas coletâneas não foi apenas o de servir como registro ou propaganda dos atos praticados pelo movimento regenerador, mas também o de servir como repositório histórico de textos ilustrativos das posições em contenda, num momento em que se adivinhava quem eram os vencedores, mas em que ainda não se podia ignorar a capacidade de reação dos presumíveis vencidos.

Analisada no seu conjunto, essa série documental permite compreender as razões que assistiam aos atores históricos envolvidos, o modo como sustentavam as suas causas no tempo próprio em que as viveram. Como fonte histórica dá-nos pistas preciosas para o entendimento interpretativo dos significados implícitos e explícitos da Revolução de 1820.

Do lado das proclamações emitidas pelo campo vitorioso, sobretudo das que são tornadas públicas nas primeiras 48 horas, assiste-se a uma coerente identificação dos motivos que tornavam a revolução inadiável: o sofrimento dos portugueses14 14 PORTUGAL, Op. Cit., 1820ª. p. 3, 4, 5, 25. , a falta de segurança de pessoas e bens15 15 Ibidem, p. 3. , a penúria dos soldados16 16 Ibidem, p. 4. , os erros e vícios da administração e a falta de luzes na direção do Estado17 17 Ibidem, p. 6 e 9. , a sistemática violação de direitos básicos, a tirania e o despotismo18 18 Ibidem, p. 6, 8 e 36. , a situação de ruína da agricultura, indústria, comércio e marinha19 19 Ibidem, p. 6. , a ausência do rei20 20 Ibidem, p. 6 e 25. , a perda das boas tradições de fiscalização política das antigas cortes21 21 Ibidem, p. 6. e as boas notícias vindas da Espanha22 22 Ibidem, p. 25. . Como é próprio das revoluções, não se podia esperar a comprovação inequívoca desses elementos de diagnóstico, cuja referência remete para uma esfera de denúncia retórica, em que se insiste na identificação do que tem de estar mal para se poder justificar a bondade da mudança anunciada.

Quanto aos objetivos e fins a atingir, os propósitos proclamados configuram uma vontade de regeneração social e política nas seguintes matérias fundamentais: liberdade regrada pela lei23 23 Ibidem, p. 3, 6, 8, 24. , reformas guiadas pela razão e pela justiça24 24 Ibidem, p. 3. , salvação da pátria, segurança e tranquilidade da nação25 25 Ibidem, p. 4, 22. , defesa da propriedade individual26 26 Ibidem, p. 6. e felicidade da nação e florescimento do reino27 27 Ibidem, p. 15 e 36. . Tudo isso sempre em atitude de fidelidade e em nome da vontade do rei28 28 Ibidem, p. 3, 4, 5, 6, 24, 36. e garantindo a defesa e manutenção da religião católica29 29 Ibidem, p. 5 e 6. . Como é óbvio, são pretensões genéricas que funcionam como roteiro programático de mudanças desejadas, independentemente da ponderação da sua exequibilidade. Mas que revelam que a natureza do guião em presença remetia à rejeição de um guião de feição jacobina.

A maior consistência de argumentos verifica-se na forma como se anunciam os instrumentos políticos que tornariam possível reverter os problemas diagnosticados e regenerar Portugal: substituição da regência por um governo provisório legitimado pela aclamação popular30 30 Ibidem, p. 3, 4, 5, 9. que atuasse prontamente, de modo a coibir os tumultos e abafar qualquer ato de anarquia31 31 Ibidem, p. 3, 5, 36. e que, acima de tudo, preparasse a convocação de cortes destinadas a dar ao país uma constituição32 32 Ibidem, p. 3, 4, 5, 6, 9, 25. . Foi a insistência nesse último tópico duplo (cortes e constituição) que funcionou como leitmotiv do movimento regenerador vintista na sua fase inicial, fixando como prioridade estratégica da agenda política o aperfeiçoamento da ação governativa e o estabelecimento de uma nova ordem constitucional. Só assim a revolução poderia ser levada até às suas últimas consequências; era esse o mote central do roteiro regenerador.

O auto de juramento que a Junta Provisional mandou celebrar por diversas entidades e instituições (militares, empregados públicos, magistrados, membros de câmaras, representantes da nobreza e povo, membros do clero) revela os propósitos moderados de uma revolução que caprichava em manifestar fidelidade ao rei, à casa de Bragança e à Igreja Católica. Assim rezava tal juramento:

Juro aos Santos Evangelhos, obediência à Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que se acaba de instaurar, e que em nome de El-Rei Nosso Senhor, o Senhor D. João VI há de governar até à instalação das Cortes, que deve convocar para organizar a Constituição portuguesa; juro obediência a essas Cortes, e à Constituição que fizerem, mantida a religião católica romana, e a dinastia da sereníssima Casa de Bragança.33 33 Ibidem, p. 15.

Apesar do incômodo causado pela presença de oficiais ingleses em postos de comando do exército português, sob a liderança flagrante de Beresford, as autoridades militares portuguesas, legitimadas pelo sucesso do pronunciamento do Porto, tomaram a prudente e estratégica atitude de não hostilizarem os camaradas de armas ingleses. Afinal, a sua presença no território português tinha sido fundamental na conjuntura de guerra contra o exército invasor francês, dez anos antes, e esse apoio crucial em termos humanos e financeiros tinha de ser devidamente reconhecido. Por isso, não espanta que numa das primeiras proclamações impressas após o pronunciamento do Porto, com data de 26 de agosto, o novo comando militar, chefiado por Sebastião Brito Cabreira, tenha dirigido aos oficiais ingleses palavras de apaziguamento e simpatia, em nome da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, como que justificando o seu natural afastamento das operações em marcha, ao mesmo tempo que servia de prevenção para indesejáveis envolvimentos hostis:

Ela [a Junta] sente como um dos primeiros dos seus deveres, em exercício da autoridade, que lhe foi confiada, mandar que V.S. declare a todos os ditos oficiais, e a cada um de per si, que ficam conservando todas as suas honras, privilégios, e distinções competentes aos seus postos; assim como o soldo de suas patentes, que lhes será pontualmente pago até à instalação das Cortes.34 34 Ibidem, p. 22.

A preocupação em manter a fidelidade das tropas à hierarquia de comando das operações de consolidação do êxito do pronunciamento foi expressa em várias proclamações, quer direcionadas expressamente aos soldados de aquartelamentos no Porto35 35 Ibidem, p. 3, 4, 18, 26, 36 a 39. , nas Beiras36 36 Ibidem, p. 67. , em Trás-os-Montes37 37 Ibidem, p. 77. , no Alentejo e Algarve38 38 Ibidem, p. 136. , quer dirigidas genericamente a todo o exército39 39 Ibidem, p. 78, 81. . O tom geral da mensagem transmitida era de agradecimento pela missão em que os soldados se envolviam, de reconhecimento da importância fundamental do seu papel e de apelo a que evitassem ou prevenissem os tumultos que normalmente acompanham os processos de mudança política. Numa dessas mensagens, de autoria atribuída a Manuel Fernandes Tomás40 40 ARAÚJO, José Maria Xavier. Op. Cit., p. 83-84. , tornava-se claro que “os exércitos não devem dispor do governo, nem intrometer-se nas coisas dele”, ao mesmo tempo que se admitia a legitimidade de manifestação de força militar que “empregada agora por nós, foi uma medida legítima; porque salvou a monarquia, quando animou e defendeu os verdadeiros patriotas que prepararam e conduziram façanha tão arriscada”41 41 PORTUGAL. Op. Cit., p. 79. .

Foi também em nome dos soldados que foram escritas muitas das proclamações destinadas a espalhar pelo país a boa nova do pronunciamento do Porto. Perante a inequívoca relevância do envolvimento dos militares no processo de regeneração do país, a promessa de promoção de sargentos e o anúncio de perdão a todos os soldados desertores foram matérias a que a Junta deu pronta atenção quatro dias depois do 24 de agosto42 42 Ibidem, p. 40-41. . Eram sinais da preocupação em se cuidar convenientemente da unidade e coesão das tropas.

No manifesto que endereçaram à nação em 29 de agosto, os acadêmicos portuenses não pouparam as manifestações de júbilo feérico: “A pátria, que lamentávamos perdida, está ganha e salva; as letras, que chorávamos extintas, renascem e brilham”. Na exortação em que envolvem teólogos, canonistas, legistas, médicos, matemáticos e filósofos, exclamam a sua alegria pelo momento vivido: “Oh, filhos de Minerva, todos somos ditosos, porque todos somos livres”43 43 Ibidem, p. 51. .

Também o corpo de comércio da cidade do Porto expressou as suas “consoladoras esperanças” no manifesto de felicitações que dirigiu à Junta Provisional no dia 1 de setembro de 1820 e, para demonstrarem a sua confiança política no novo quadro institucional estabelecido, deixaram claro o seu apoio inequívoco, humano e material, à causa da regeneração:

O corpo do comércio não deixa de conhecer, assim como já ninguém desconhece, quanto merecem os heróis, que se arrostaram a dar o primeiro grito da justa liberdade opressa, e por isso vem ante esta Suprema Junta significar a sua gratidão e respeito, congratular-se com os beneméritos da pátria, e oferecer sem reserva suas pessoas, seus conhecimentos e cabedais para o remate da grande obra, em que as luzes e as virtudes resplandecem à face do universo.44 44 Ibidem, p. 88.

Alguns desses manifestos de proclamação visaram a contenção dos rumores que pudessem existir sobre movimentos de resistência à legitimidade que a Junta Provisional reclamava. Houve casos que não foram meros rumores. Alguns focos de dissensão foram prontamente conhecidos pelas tomadas de posição manifestamente contrárias ao movimento iniciado no Porto. A oposição mais veemente foi expressa pelo conde de Amarante, Francisco da Silveira Pinto da Fonseca, governador de armas da província de Trás-os-Montes, estabelecido em Chaves. No dia 26 de agosto mandou afixar uma proclamação e dirigiu missivas ao senado da Câmara de Vila Real e ao Governo da Regência, em Lisboa, nas quais lamentava o comportamento de seu irmão António da Silveira, que classifica como “homem louco”, que tinha sido investido como presidente da Junta Provisional, acusando os promotores do 24 de agosto do crime de rebelião, de traírem o rei, de semearem a anarquia e quererem imitar os revolucionários franceses, de serem apenas movidos por ambição pessoal desmedida e não pelo amor à pátria45 45 Ibidem, p. 27-35. . Apesar dos esforços de mobilização que empreendeu, foi fugaz a contrarrebelião que ensaiou sem sucesso, acabando por se render ao comandante de infantaria João António Teixeira de Sampaio e ao comandante do Exército do Norte, Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda, que registaram por escrito, em múltiplos ofícios e proclamações, o êxito das suas operações de contenção militar46 46 Ibidem, p. 77, 78, 89, 113-122, 132. .

Outro núcleo de resistência ao movimento regenerador foi desencadeado, em 29 de agosto, por António Marcelino de Vitória, governador de armas da Província da Beira.47 47 Ibidem, p. 50, 57-59. Mas sua desobediência viria a ser eficazmente combatida no terreno por um dos chefes militares do pronunciamento do Porto, Bernardo Sepúlveda, que fez relato minucioso das suas incursões entre Aveiro, Coimbra e Viseu e do modo como neutralizou, nos primeiros dias de setembro, a escassa resistência esboçada48 48 Ibidem, p. 85, 91, 98-102, 109, 112, 126, 148-155. . Assim, em 7 de setembro de 1820, duas semanas após o pronunciamento do Porto, a oposição ensaiada nas províncias de Trás-os-Montes e Beira estava sob total controle dos militares fiéis à Junta Provisional.

As frustradas aspirações dos governadores de armas Silveira e Vitória tinham sido, de certo modo, acalentadas e protegidas pelos governadores do reino que constituíam a regência, que em Lisboa representava a autoridade de D. João VI no território português metropolitano49 49 Os membros que compunham a regência eram: cardeal-patriarca (D. Carlos da Cunha e Menezes), marquês de Borba (D. Fernando Maria de Sousa Coutinho), conde de Peniche (D. Caetano José de Noronha e Albuquerque), conde da Feira (D. Miguel Pereira Forjaz) e António Gomes Ribeiro, que desempenhava o cargo de secretário dos Negócios do Reino e da Fazenda. . Assim que tomaram conhecimento das movimentações militares e populares iniciadas no Porto, os governadores publicaram sucessivas proclamações entre os dias 29 de agosto e 4 de setembro, repudiando o “horrendo crime de rebelião, a subversão da monarquia, a criminosa insurreição” contra a autoridade legítima de D. João VI, levado a cabo por “indivíduos mal-intencionados, perversos” que fizeram o país dar um passo “para o abismo das revoluções”. Consideraram ilegal e desprovido de qualquer legitimidade o propósito de convocação de cortes e reiteraram a lealdade ao monarca e às instituições por ele sancionadas. Considerando que apenas eles eram depositários legítimos da autoridade régia, dispuseram-se a reunir as cortes no modelo tradicional de representação das ordens da nobreza, clero e povo, recusando a ideia de preparação de uma constituição, e expressaram a intenção de perdoar e anistiar todos os que, por má informação, mas de boa-fé, tivessem sido momentaneamente atraídos pela ilusão revolucionária50 50 PORTUGAL. Op. Cit., p. 54, 84, 93, 96 e 111. .

A Junta Provisional reagiu prontamente à primeira proclamação de inimizade da regência, a 2 de setembro, ainda que em tom mais comedido, evitando hostilização verbal e reiterando a confiança na adesão popular e das forças militares ao movimento iniciado em 24 de agosto51 51 Ibidem, p. 95. . A moderação das palavras e a abordagem em tom pacífico, porém firme e determinado, foram timbre da resposta elaborada por frei Francisco de S. Luís no dia seguinte (3 de setembro). Alertando para os perigos que ameaçavam a nação portuguesa, vítima da rivalidade e das pretensões de potências estrangeiras dispostas a destronar os representantes da casa de Bragança, a Junta Provisional lamentou os termos usados pelos membros da regência nas suas infelizes declarações de insubmissão, por “tão inconsideradamente ousassem classificar de rebelião o sagrado entusiasmo de tantos ilustres filhos da pátria que, avivando em seus corações o fogo do patriotismo que tantas desgraças tinham sufocado mas não extinto, levantaram o primeiro clamor da honra, da liberdade e da independência nacional”52 52 Ibidem, p. 105. . Apesar da contenção em juízos recriminatórios, a Junta Provisional não deixou de verberar a regência pela falta de iniciativa e manifesta incapacidade de fazer o que o país exigia e que a Junta Provisional “definitiva e irrevogavelmente” levaria por diante.

Relativamente ao projeto de convocação de cortes à moda antiga, esquecendo o propósito de dar ao país uma constituição, a Junta Provisional publicou uma longa Proclamação aos Portugueses, em 8 de setembro de 1820, explicando como se tinham gorado as expectativas que a regência tinha colocado na fracassada resistência transmontana e beirã ao movimento regenerador53 53 Ibidem, p. 138. .

A regência cedo percebeu que o tom inflamado das suas exortações não colhia os apoios desejados. Assim o revela o relatório interno que solicitou sobre as capacidades de mobilização militar das forças políticas em presença. Na reunião preparatória desse relatório, realizada em 3 de setembro, participou Pedro de Sousa Holstein, conde de Palmela, em trânsito de Londres para o Rio de Janeiro, e que seria o mensageiro junto de D. João VI das notícias sobre o estado do reino. Notícias certamente pouco animadoras para quem via o reino na perspetiva da regência, a qual realisticamente dava conta dos avanços militares alcançados pelos revolucionários do Porto, assim como do insucesso das proclamações e das tentativas de mobilização de apoios à sua causa de conservação da situação política reinante. E por isso concluíam que nada poderia evitar o triunfo do “governo intruso”: “O estado, pois, deste reino, é na verdade, o mais crítico que se pode supor”54 54 SANTOS; SILVA. Op. Cit., p. 27. .

Na última proclamação que emitiram, em 9 de setembro, os governadores do reino mudaram o tom, começando a compreender que os efeitos do pronunciamento de 24 de agosto eram imparáveis e que não havia retorno possível ao antigo estado de coisas. Tentaram um derradeiro esforço de apropriação política do movimento regenerador em curso, declarando “compreender nos seus puros desejos” as boas intenções da Junta, e não hesitaram em dirigir-lhe “palavras de conciliação”. Apelaram ao esquecimento de anteriores recriminações e acusações e expressaram o desejo de que “comece uma nova era de harmonia, e de mútua confiança”, eliminando ódios, vinganças ou castigos. Justificaram a animosidade com que inicialmente reagiram os governadores, uma vez que era questionada sua autoridade como representantes do poder régio, e tentaram dar prova do seu espírito colaborativo a partir da convocação de cortes para 15 de novembro, nos moldes ancestrais55 55 PORTUGAL. Op. Cit., 1820a, p. 156. . Mas era tarde demais para se ensaiar a conciliação entre instâncias de poder que emanavam de distintas fontes de legitimidade política e que tinham visões distintas sobre a condução política do processo de regeneração.

Uma parte dos créditos desse esforço de conciliação deverá ser atribuída ao conde de Palmela, fazendo fé no testemunho que deixou sobre a sua participação ativa nas reuniões com a regência (“em tão grave conjuntura não me esquivei de tomar voluntariamente quinhão na responsabilidade que outros menos zelosos ou mais acautelados teriam rejeitado”) e na própria elaboração dos manifestos que a regência foi publicando (“as proclamações publicadas pelos governadores do reino desde o levantamento do Porto até o de Lisboa, quase todas foram redigidas por mim”)56 56 BONIFÁCIO, Maria de Fátima. (ed.). Memórias do Duque de Palmela. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2010, p. 158-160. . A insistência na convocação de cortes, sob a forma dos três estados do reino, reativando uma tradição monárquica interrompida nos finais do século XVII, foi certamente da sua responsabilidade. As suas artes diplomáticas foram ainda exercitadas nos contatos que manteve com frei Francisco de S. Luís, um dos mais moderados membros da Junta Provisional, com quem discutiu um possível compromisso de outorga régia de uma constituição, para evitar que fosse o povo feito nação a impor a lei fundamental ao seu monarca consentido. Nesse caso, era ainda demasiado cedo para soluções de cedência assumidas pelos adeptos de uma revolução liberal constitucional que mal dera os primeiros passos.

Os acontecimentos precipitaram-se de uma forma que a regência, certamente, não julgara possível. No dia 15 de setembro, na praça do Rossio, por aclamação popular promovida pelo juiz do povo e pela casa do Vinte e Quatro (representando as corporações de artes e ofícios) e amparada nas forças militares da capital, foi reconhecida e legitimada a autoridade de um governo interino que pôs fim às tentativas de resistência dos, até então, governadores do reino. Sucederam-se novas proclamações e manifestações de júbilo partilhado entre os revoltosos que marchavam de Norte para Sul e os que em Lisboa aguardavam uma entrada triunfal dos correligionários do Porto57 57 PORTUGAL. Op. Cit., 1820b, 18 proclamações publicadas entre 15 de setembro e 2 de outubro de 1820. . E a entrada parece ter sido mesmo espetacular:

Foi inumerável o cortejo, que foi esperar o Governo Supremo em carruagens, a cavalo, e mesmo a pé; porque era tal o concurso que já não havia uma sege, nem uma cavalgadura, que se alugasse por mais dinheiro que se oferecesse para as haver: até mesmo muitas senhoras de distinção saíram da capital para ter o gosto de entrar com esta brilhante comitiva […]. É impossível expressar o grande entusiasmo que geralmente reinou, e continua ainda nesta corte. À noite apareceu o Governo no Teatro dos Condes, e depois no de S. Carlos; mas apenas eram vistos, de toda a parte flutuavam os lenços brancos, e multiplicavam-se vivas ao Supremo Governo com entusiasmo inexplicável: foi uma cena de glória: foi preciso que parasse a representação da ópera italiana para ressoarem os excessivos elogios poéticos […] que expressavam os gratos sentimentos de toda a nação portuguesa elevada no espetáculo da sua glória.58 58 GÉNIO CONSTITUCIONAL. Porto, nº 4, 5 de outubro 1820.

É provável que o Conde de Palmela estivesse assistindo à ópera em S. Carlos. Mas nesse dia teria sentido que já não valia a pena ficar mais tempo em Lisboa. Vendo gorada a sua tentativa de conciliação, acelerou os preparativos de partida para o Rio, a fim de servir à corte de D. João VI nas funções de ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra em que fora investido, após deixar a sua missão como embaixador em Londres. Os relatos e missivas que a regência lhe pedira para transmitir ao monarca já tinham perdido qualquer oportunidade política. Mas Palmela seria também portador de uma importante mensagem da Junta Provisional, redigida pela pena sábia de frei Francisco de S. Luís, na qual o antigo professor da Universidade de Coimbra relata os acontecimentos no reino, desde 24 de agosto, procurando simultaneamente testemunhar sentimentos de lealdade, admiração e gratidão para com a casa de Bragança. Trata-se de um documento importante para a compreensão do guião da revolução liberal portuguesa em momento decisivo do seu triunfo.

Não é possível, Senhor, que um povo grande, ilustrado, heroico conserve, com invariável firmeza, tais sentimentos, a ponto de os identificar com a sua própria existência e felicidade, sem estar intimamente convencido, não só das soberanas virtudes que adornam o coração de Vossa Majestade, e que são como hereditárias em sua real família, mas também de que a prosperidade, a grandeza e a glória da monarquia são de algum modo inseparáveis da conservação, da estabilidade e do esplendor de um trono, aonde os portugueses têm sempre respeitado e venerado antes pais e amigos, do que reis e monarcas.59 59 SANTOS; SILVA. Op. Cit., p. 72.

É nesse tom que se desenvolve a argumentação moderada e conciliadora da Junta Provisional, preocupada em pôr fim aos “males públicos em que a nação se achava submergida”, ilustrados pela habitual retórica discursiva acerca do estado de decadência da agricultura, indústria e comércio, da extinção da marinha mercante e militar, da ruína do tesouro público, da incompetência dos funcionários do Estado, da administração viciosa da justiça. Ao diagnóstico acrescenta uma referência indireta e discreta aos interesses ingleses instalados na administração política e militar: “As nações estrangeiras, enfim, olhavam para nós com indiferença, e talvez com desprezo, e pode ser que algumas delas especulassem sobre a nossa futura sorte e existência, assim como até agora o tinham feito sobre os nossos recursos e riquezas”60 60 Ibidem, p. 73. .

Para frei Francisco de S. Luís, o movimento iniciado em 24 de agosto justificava-se pelos riscos de anarquia resultante de uma situação social explosiva, destacando o propósito de homens bons (“amigos do trono e da nação”) de pôr cobro às dificuldades, atuando sob interposta e putativa vontade de D. João VI, sem atentar contra a religião católica. Deixou claro que o objetivo principal era “a convocação de cortes que, organizada de uma maneira conveniente ao estado da nação e às luzes da Europa, hajam de estabelecer as leis fundamentais da monarquia”61 61 Ibidem, p. 73, grifo nosso.. e, assim, o dia 24 de agosto foi “um dia de alegria pública e de festa nacional”62 62 Ibidem, p. 74. .

Relata em seguida o desenrolar pacífico da sucessão de apoios que a Junta Provisional foi obtendo em todo o país, lamentando, todavia, a reação inicial da regência que apelidou de rebeldes aqueles que se assumiam, em nome de D. João VI, como salvadores da pátria. Expõe sinteticamente os acontecimentos que levaram à criação do governo interino em Lisboa após a aclamação popular de 15 de setembro, que na prática significou a deposição do governo da regência. Dá conta da pronta cooperação entre os governos provisórios do Porto e de Lisboa que estabeleceram um pacto de fusão em Alcobaça, em 27 de setembro, culminando os acontecimentos relatados com a entrada triunfal em Lisboa, no dia 1 de outubro, que marca o início de funções de uma única Junta governativa e de uma Junta de preparação da convocação das cortes.

A missiva termina com um apelo, demonstrativo da boa-fé dos novos poderes autoinstituídos, para que o rei regressasse a Lisboa:

Que Vossa Majestade se digne ouvir e atender benignamente os clamores do seu povo, anuir aos votos ardentes que ele faz pela saudosa presença de Vossa Majestade, ou de alguma pessoa de sua augusta família, que no real nome de Vossa Majestade nos governe e supra seus paternais cuidados, e aprovar a convocação das cortes, que a nação deseja e que nós julgamos de inevitável urgência não demorar por mais tempo.63 63 Ibidem, p. 75.

A missiva de frei Francisco de S. Luís, datada de 6 de outubro de 1820, encerra o primeiro ciclo de acontecimentos que marcam o arranque da revolução liberal portuguesa. Por meio dela perscrutamos uma trajetória programada, intencional, de mudança pacífica e não abrupta do sistema político64 64 A mesma preocupação de apaziguamento de eventuais opositores e de prevenção de interpretações falseadas do sentido do movimento regenerador está igualmente patente noutro texto de autoria de frei Francisco de S. Luís, redigido em dezembro de 1820: o “Manifesto da nação portuguesa aos soberanos e povos da Europa” (In: SANTOS; SILVA. Op. Cit., p. 118-125). Nesse caso, tratava-se de conquistar a simpatia internacional e demonstrar às potências da Santa Aliança que a revolução portuguesa não tinha parecenças com rebeliões de carácter jacobino, evitando assim uma intervenção militar externa que pusesse em risco a legitimidade da regeneração em curso. . Procurando mobilizar os apoios possíveis à causa regeneradora e conquistar a neutralidade de inevitáveis opositores, os regeneradores vintistas iniciaram a revolução com objetivos estratégicos bem delimitados: pintar de negro o quadro institucional existente, para justificar que algo tinha de ser feito em nome do rei que queriam respeitar, mas a quem diziam que, quando regressasse, teria de aceitar uma constituição a ser preparada por cortes eleitas. Ou seja, que deixaria de ser monarca absoluto para passar a ser rei constitucional.

Garrett sintetizou bem o movimento contido, sem desvios jacobinos, nem ofensas ao trono e ao altar:

A nação portou-se com aquela prudência, com aquela generosidade, com aquela paz, que são a alma e o penhor da pública felicidade, e que são a característica de uma boa revolução.65 65 GARRETT. Op. Cit, 48-49.

3. Compromissos e consensos difíceis

Os protagonistas da revolução liberal de 1820 estavam cientes da necessidade de passos intermédios e de gestos moderados que não deitassem tudo a perder. Com efeito, para os mentores do movimento regenerador, a revolução em marcha - essa “boa revolução” a que se referia Garrett - não podia ceder à tentação radical de subversão de valores essenciais que eram tidos como perfeitamente compatíveis com o novo credo constitucional. A tolerância era sinal de maturidade cívica.

Assim, se compreende que a Junta Provisional do Supremo Governo do Reino tivesse na sua presidência e vice-presidência, respetivamente, António da Silveira e Sebastião Drago Cabreira, dois personagens que não morriam de amores pela causa revolucionária e que, poucos meses depois, viriam a revelar-se opositores declarados do movimento ao qual deram corpo e consentimento. Esse foi um hábil golpe concebido por Manuel Fernandes Tomás, num gesto bem revelador da sua perspicácia política. Ele que fora o mentor do Sinédrio e que se revelaria o principal protagonista político dos meses iniciais e decisivos da atuação da Junta Provisional, sabia que era necessário manter as aparências de envolvimento de figuras políticas que granjeassem apoios, ou neutralizassem animosidades, às causas essenciais da revolução liberal.

Além do propósito, tantas vezes aclamado e reiterado, de dar ao país uma constituição, não se pode dizer, em abono da verdade, que existisse um plano rigoroso de reformas a levar ao cabo. As grandes questões de fundo sobre o novo regime a construir eram subalternizadas pela vontade urgente de se derrubar o antigo regime de privilégios, de interesses e de formas de exercício do poder. As vozes mais radicais ou mais moderadas fizeram-se prontamente ouvir num novo ambiente de expressão livre das ideias e do verbo. A liberdade de imprensa e a agitação na esfera pública foram rastilhos essenciais da explosão de ideias, programas de reforma, planos de melhoramento e proclamação dos princípios vitais do constitucionalismo em movimento.

O processo regenerador conheceu episódios próprios de períodos históricos em que a urgência do momento presente ocasiona uma excessiva valorização do efémero. O período foi pródigo em ameaças de golpes, contragolpes e motins, o mais célebre dos quais ocorreu no dia de São Martinho (11 de novembro de 1820), passado pouco mais de um mês desde o início de funções do novo governo. A Martinhada teve como pretexto as regras a estabelecer para as eleições das cortes constituintes, visando diretamente o membro da Junta Provisional encarregado dos Negócios do Reino e da Fazenda, Manuel Fernandes Tomás, que astutamente transformou a contestação de que foi alvo num momento de consolidação do seu poder e de reforço da aliança com os militares mais simpáticos à causa da regeneração (em particular de Bernardo Sepúlveda) e pôde assim dedicar-se Fernandes Tomás à preparação de um importante Relatório sobre o Estado do Reino, que viria a ser apresentado e discutido numa das primeiras sessões das cortes constituintes, que iniciaram os seus trabalhos no final de janeiro de 1821. Na ausência de um programa de governo ou de um plano de ações a executar, o Relatório de Fernandes Tomás apontava orientações estratégicas fundamentadas num diagnóstico oportuno sobre os problemas do país que urgia enfrentar e debelar, para que se pudesse cumprir o desígnio de uma “revolução venturosa”66 66 TOMÁS, Manuel Fernandes. Relatório Feito às Cortes Gerais e Extraordinárias de Portugal nas Sessões de 3 e 5 de Fevereiro de 1821 pelo Deputado … sobre o Estado e Administração do Reino durante o Tempo da Junta Provisional do Supremo Governo. Lisboa: Impressão Régia, 1821 (nova edição: CARDOSO, José Luís. (org.). Manuel Fernandes Tomás. Escritos Políticos e Discursos Parlamentares (1820-1822). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2020. p. 117-136.). .

Outros autores publicaram, nesses meses iniciais da revolução liberal portuguesa, projetos e visões gerais de regeneração política, econômica e financeira, contribuindo para o cumprimento de uma das principais exigências trazidas pelo dia 24 de agosto: a expressão livre das ideias enquanto fundamento de novas práticas de cidadania política67 67 Entre os quais merecem ser destacados: CARNEIRO, Manuel Borges. Portugal Regenerado em 1820. Lisboa: Tipografia Lacerdina, 1820. (nova edição, ed. Zília Osório de Castro. Lisboa: Edições Húmus, 2017); DULAC, António M. Vozes dos Leais Portugueses, ou Fiel Eco das suas Novas Aclamações à Religião, a El-Rei e às Cortes. Lisboa: Impressão Régia, 1820.; FRANCO, Francisco Soares. Ensaio sobre os Melhoramentos de Portugal e do Brasil. Lisboa: Impressão Régia, 1820-1821.; NEVES, José Acúrsio. Memória sobre os Meios de Melhorar a Indústria Portuguesa, Considerada nos seus Diferentes Ramos. Lisboa: Oficina de Simão Tadeu Ferreira, 1820. (nova edição, ed. Jorge Custódio, Lisboa: Quetzal, 1983). .

A liberdade de expressão revelou-se de forma categórica na proliferação de jornais que transmitiam ou deixavam transparecer posições divergentes sobre os problemas que exigiam atenção prioritária68 68 Desde o início da revolução, em 24 de agosto de 1820, até ao golpe contrarrevolucionário da Vilafrancada, de 27 de maio de 1823, foram criados 112 jornais em Portugal e seus domínios. Sobre esse tema Cf. TENGARRINHA, José Manuel. Nova História da Imprensa Portuguesa. Das Origens a 1865. Lisboa: Temas e Debates, 2013, p. 317-390.; ALVES, José Augusto dos Santos. Glória, Memória e Mito: o periodismo vintista (1820-1823). Lisboa: Media XXI, 2013. . Ora, é justamente através dos debates travados pela imprensa livre que podemos compreender os dilemas de uma revolução cujo ritmo e velocidade não dependia da mera vontade dos agentes políticos que assumiam responsabilidades de governação e que, depois de instaladas as cortes, no final de janeiro de 1821, também exerciam prerrogativas de legislação. Vejamos um dos exemplos mais paradigmáticos de tais debates.

Um dos jornais de maior impacto na fase inicial do vintismo foi o Astro da Lusitânia, da responsabilidade editorial de Joaquim Alves Sinval. Em artigo publicado no nº 13, em 27 de novembro de 1820, o seu redator insurgiu-se contra a lentidão das iniciativas do governo instalado em Lisboa no dia 1 de outubro, tendo em vista a abolição das estruturas de propriedade e de fiscalidade do antigo regime senhorial que a revolução liberal tinha prometido derrubar. O artigo apelava a soluções mais rápidas e radicais, enquanto classificava como “tempo perdido” o período de governo que já tinha decorrido. O principal visado dessa peça jornalística era Manuel Fernandes Tomás, responsável governativo pela pasta do Reino e Fazenda. A resposta do governante não se fez esperar, encoberto no anonimato do compadre de Belém, que manteve com o Astro da Lusitânia uma polêmica acesa por meio da publicação de diversos folhetos, em resposta e contrarresposta aos artigos que Alves Sinval continuou a publicar sobre o assunto69 69 Sobre os contornos dessa polémica Cf. CARDOSO, José Luís. Manuel Fernandes Tomás e o movimento constitucional vintista. In: CARDOSO, José Luís. Op. Cit., p. 42-46. .

O debate resvalou para temas diversos, relacionados com a articulação entre interesses privados e bem comum e com o papel do jornalismo de opinião na construção de uma nova cidadania política. Mas a essência do problema em discussão pode resumir-se na questão de saber qual a profundidade e urgência das reformas a levar ao cabo, refugiando-se Fernandes Tomás numa atitude de grande prudência em relação à eliminação de privilégios e benefícios das ordens sociais do antigo regime. O adiamento das reformas não revelava desleixo ou temor dos governantes sob a sua liderança, mas, sim, a ponderação cuidadosa da oportunidade de as realizar. As suas palavras resumem bem esse sentido de moderação:

Far-lhes-ia ver, que nossos princípios são de melhorar, e não de destruir. Que a moderação, e a suavidade, glorioso timbre de um governo justo e ilustrado, hão de acompanhar sempre as medidas empregadas nas operações económicas das reformas, que forem necessárias. E que finalmente a nossa conduta pode servir de exemplo e modelo aos povos do universo, que quiserem regenerar-se; porque em nossa revolução não separámos ainda, nem as ideias morais das ideias liberais, nem a justiça da política.70 70 Carta segunda do Compadre de Belém ao redator do Astro da Lusitânia, dada à luz pelo Compadre de Lisboa. Lisboa: Oficina de António Rodrigues Galhardo, 1821 (nova edição In: CARDOSO, José Luís. Op. Cit., p. 159).

Fernandes Tomás, insistia, desse modo, na toada cautelosa de uma estratégia gradualista de reformas ajustadas a um país que não estaria preparado para rupturas repentinas. Na variedade de opiniões que no espectro político se foram expressando, a sua voz contrastava com a de conservadores ou realistas defensores do anterior status quo (corcundas, conforme designação que na época se viria a fixar) e a de liberais mais exaltados ou radicais que queriam acelerar o processo de abolição das estruturas tradicionais da sociedade de antigo regime. Fernandes Tomás apostava de forma intencional no estabelecimento de pontes e de equilíbrios entre defensores da estabilidade e adeptos da mudança71 71 A análise das famílias de afinidade política formadas durante o vintismo foi pioneiramente tratada por J. Sebastião Silva Dias que estabeleceu uma diferenciação entre “moderados, gradualistas e radicais”. Cf. DIAS, José Sebastião Silva. O vintismo: realidades e estrangulamentos políticos. Análise Social. Ann Arbor, v. XVI, n. 61-62, p. 273-278, 1980). Cf. também HONÓRIO, Cecília, Manuel Fernandes Tomás, 1771-1822. Lisboa: Assembleia da República e Texto Editores, 2009. p. 48-50.; e CASTRO, Zília Osório. O arco-íris liberal. Revista de História das Ideias. Lisboa, v. 37, p. 33-53, 2019. .

Terá sido excesso de precaução? Terá sido essa atitude gradualista e conciliadora que impediu que os propósitos da revolução liberal não tivessem sido mais prontamente cumpridos? Não importa especular sobre qual poderia ter sido o desfecho do triênio vintista se outra fosse a posição preponderante entre os agentes políticos em presença72 72 A interpretação da cultura política do vintismo nesse sentido de moderação e gradualismo, personificado no legado de Manuel Fernandes Tomás, não colhe aceitação consensual na historiografia relativa a esse período. Oliveira Martins, para citar o exemplo mais antigo e mais flagrante, foi pródigo em classificar de radicalismo revolucionário e jacobino o movimento vintista (MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. Portugal Contemporâneo. Lisboa: Livraria Bertrand, 1881). Para Fátima Bonifácio, que mais consistentemente sustenta essa posição, o vintismo representa a matriz do radicalismo presente ao longo da monarquia constitucional portuguesa (BONIFÁCIO, Maria de Fátima. A Monarquia Constitucional, 1807-1910. Lisboa: Texto Editores, 2010. p. 13-31). . No entanto, importa dizer que o cuidado político colocado na definição dos contornos do sistema constitucional - matéria que Fernandes Tomás sempre considerou ser de atenção prioritária - levou a uma inevitável subalternização de frentes de batalha política, mais diretamente relacionadas com a remoção dos alicerces jurídicos da ordem econômica e social de antigo regime.

No jornal O Independente, de que Fernandes Tomás era redator em colaboração estreita com José Joaquim Ferreira de Moura, foi claramente exposta a questão do tempo próprio de uma revolução que se debate com um lastro adquirido do passado e que se esbate à medida que se formam consensos na opinião pública que tornam inexequíveis outras mudanças mais profundas:

Para que as instituições de um país sejam estáveis é necessário que elas marchem de acordo com as ideias comummente recebidas ou por todos, ou ao menos pela gente sensata do país. As revoluções cessam logo que se estabelece, e se firma este necessário acordo. Eis aqui um axioma político. Poderá sim haver obstáculos parciais; poderá haver interesses individuais ofendidos, homens suplantados por outros homens, partidos uns acantonados, e outros em campo; mas o sistema no geral fica subsistindo: e porquê? Porque está ao nível das opiniões, e dos sentimentos comuns. Isto é exatamente o que está acontecendo em Portugal.73 73 “Quem perde e quem ganha com a Constituição?”, O Independente, suplemento ao nº 15, 11 de dezembro de 1821. In: TOMÁS, Op. Cit., p. 230-231.

Por outras palavras, o alcance ou fasquia de uma revolução vai baixando de nível, em relação ao que fora inicialmente estabelecido, à medida que os agentes políticos nela empenhados percebem a dificuldade de manter compromissos estáveis que transcendam um denominador comum. Assim, uma revolução bem-sucedida na esfera dos consensos políticos alcançados (a Constituição), pode também ser uma revolução inacabada no campo das reformas estruturais que se propôs realizar (abolição de direitos e privilégios senhoriais e alteração da estrutura de propriedade do antigo regime).

Alguns estrangeiros conhecedores das experiências de revoluções liberais na Europa do Sul que visitaram Portugal nos dois primeiros anos após o pronunciamento de 24 de agosto de 1820 perceberam claramente esse impasse vivido pela revolução portuguesa. Foi o caso do conde Giuseppe Pecchio, viajante cosmopolita e fervoroso defensor do ideário liberal. As breves notas que nas suas cartas de Lisboa deixou sobre o progresso e difusão das ideias liberais na Europa serviram-lhe de contraponto crítico à lentidão que observava na condução das mudanças políticas em Portugal. Insurgiu-se contra os privilégios que os membros do clero e da fidalguia continuavam a ostentar, lamentando que os mais ativos políticos liberais portugueses se preocupassem quase exclusivamente com a preparação da futura Constituição, parecendo esquecer que havia um edifício velho que era necessário derrubar74 74 Cf. PECCHIO, José. Cartas de Lisboa, 1822. Lisboa: Livros Horizonte,1990 (introdução e notas de Manuela Lobo da Costa Simões). .

Comparando a natureza revolucionária do texto constitucional (nas matérias definidoras de um novo regime assente na soberania da nação e na subalternização do poder do rei face ao poder legislativo) ou a modernidade da lei da liberdade de imprensa, com a timidez de medidas legislativas destinadas a abalar a ordem econômica e social do antigo regime, não restam dúvidas que a regeneração vintista ficou muito aquém dos propósitos anunciados.

As Cortes Constituintes legislaram sobre matérias relevantes, como foram os decretos de extinção das coutadas abertas (12 de fevereiro de 1821) e das coudelarias públicas (12 de março de 1821), de abolição dos direitos banais e dos privilégios pessoais e de foro (20 de março de 1821), de transformação dos bens da coroa em bens nacionais (5 de maio de 1821) e de reforma dos forais e correspondente extinção de uma parte significativa de tributos que lhes estavam consignados (3 de junho de 1822). Foram medidas com implicações importantes na modernização da agricultura, numa perspetiva que acentua a preocupação com a extensão do mercado e a ultrapassagem dos obstáculos de ordem jurídica e fiscal ao funcionamento pleno das atividades econômicas. No entanto, importa recordar que muitas dessas medidas vinham sendo reclamadas desde os finais do século XVIII e, por conseguinte, a originalidade dos deputados vintistas tinha créditos a reconhecer, sobretudo em relação à política ilustrada de D. Rodrigo de Sousa Coutinho e às reflexões dos memorialistas da Real Academia das Ciências de Lisboa.

Foram também ensaiadas medidas de restrição de vantagens exclusivas de caráter monopolista, das quais o caso mais saliente fora a limitação dos privilégios de que usufruía a Companhia dos Vinhos do Alto Douro (decreto de 18 de março de 1821). Mas as medidas de maior proximidade com ideais de liberalismo econômico enfrentaram quase sempre a postura nacionalista e protecionista da maioria dos deputados nas Cortes Constituintes75 75 Sobre o assunto, Cf. CARDOSO, José Luís. A legislação económica do vintismo: economia política e política económica nas Cortes Constituintes. Análise Social. Lisboa, v. 26,n. 112/113, p. 471-488, 1991. O tema foi pioneiramente analisado por CARVALHO, Joaquim. A obra legislativa das Cortes. In: PERES, Damião (dir.). História de Portugal. v. VII. Barcelos: Portucalense Editora, 1935. p. 97-117. Cf. também CALASANS, José. Os vintistas e a regeneração econômica de Portugal.Salvador: S. A. Artes Gráficas, 1959. . Os princípios liberais da economia política surgiam por vezes como adorno retórico de propostas de modernização dos setores econômicos, mas eram quase sempre suplantados por apelos pragmáticos de defesa dos interesses nacionais perante a concorrência estrangeira e perante a inevitável perda do mercado colonial brasileiro76 76 Não é meu propósito abordar aqui esse último tema, relativo ao fim do Reino Unido de Portugal e Brasil, que a revolução de 1820 permitiu acelerar. São inúmeras e variadas as linhas de pesquisa exploradas pela historiografia portuguesa e brasileira. Para uma abordagem de conjunto e pistas bibliográficas sobre o processo da independência brasileira no contexto da regeneração vintista, Cf. ALEXANDRE, Valentim. Os Sentidos do Império. Questão Nacional e Questão Colonial na Crise do Antigo Regime. Porto: Edições Afrontamento, 1993. Parte V (sobretudo p. 609-711).; NEVES, Lúcia Bastos Pereira das. Corcundas e Constitucionais. A Cultura Política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003.; JANCSÓ, István (org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Hucitec, 2005.; ROCHA, António Penalves. A Recolonização do Brasil pelas Cortes. História de uma Invenção Historiográfica. São Paulo: Editora UNESP, 2008.; PIMENTA, João Paulo. The Independence of Brazil: a review of the recent historiographic production. e-journal of Portuguese History. Lisboa, v. 7, n. 1, 2009. .

De pouco valeram as ténues tentativas de mitigação da herança do antigo regime. Em maio de 1823, o percurso da revolução foi interrompido pelo golpe absolutista da Vilafrancada, que anulou a Constituição de 1822 e todas as medidas aprovadas pelas Cortes Constituintes (1821-1822) e Ordinárias (1822-23), com a única exceção do decreto de criação do Banco de Lisboa. O regime, qualquer que ele fosse, não sobreviveria sem o apoio de uma instituição com a competência dedicada de financiamento do Estado.

A revolução inacabada tornou-se, assim, uma revolução suspensa ou adiada. A esperança na outorga da Carta Constitucional em 1826 foi de novo perdida dois anos depois, com a aclamação de D. Miguel como rei absoluto. Ficou reservado ao Governo da Regência de D. Pedro na ilha açoriana da Terceira, por meio da ação curta, mas incisiva, do ministro da Fazenda José Xavier Mouzinho da Silveira, o fecho do processo de desmantelamento das estruturas de propriedade e de fiscalidade do antigo regime. As medidas legislativas decretadas por Mouzinho da Silveira em 1832 tornaram-no célebre, sobre quem Alexandre Herculano chamara de “um homem superior, direi mesmo, um génio”:

Mouzinho foi um verbo, uma ideia que se fez carne: ele foi a personificação de um grande facto social, de uma revolução que saiu da sua cabeça e que, perturbando a sociedade portuguesa de alto a baixo, matou o nosso passado e criou o nosso futuro.77 77 HERCULANO, Alexandre. Mousinho da Silveira ou la révolution portugaise (1856). In: HERCULANO, Alexandre. Opúsculos, Tomo II. Lisboa: Bertrand, 1873. p. 172 (nossa tradução).

Mouzinho da Silveira foi justamente louvado pelo modo como procurou estabelecer os alicerces institucionais e legais da construção do moderno Estado liberal, ancorado numa defesa sem tréguas da propriedade privada, em firme oposição à propriedade senhorial e eclesiástica. Os decretos de Mouzinho incluíram a extinção dos dízimos e sua substituição pela décima paga ao Estado; a libertação dos bens da coroa e a abolição dos direitos senhoriais e do sistema de morgadio e consequente extinção dos forais relativos aos bens da coroa; uma reavaliação das principais fontes de receita, através da venda de bens nacionais (aplicada à amortização da dívida e pagamento de indenizações), e da reforma na imposição direta (sisas reduzidas e fixação da décima sobre prédios rurais e urbanos e sobre a indústria); a manutenção dos mais lucrativos impostos indiretos (taxas alfandegárias e contratos com o Estado, designadamente o contrato do tabaco); a reforma administrativa e judicial do território; e a modernização das estruturas financeiras do Estado (Tesouro Público, Junta do Crédito Público e Alfândegas)78 78 A matéria é de abordagem recorrente e é aqui tratada de forma necessariamente abreviada. Para uma visão de conjunto sobre o alcance reformista da obra legislativa de Mouzinho, Cf. PEREIRA, Miriam Halpern. Revolução, Finanças, Dependência Externa (de 1820 à Convenção de Gramido). Lisboa: Sá da Costa Editora, 1979., que inclui transcrição dos decretos mais relevantes. Cf. também MONTEIRO, Nuno G. Mouzinho da Silveira and the political culture of Portuguese liberalism, 1820-1832. History of European Ideas, v. 41, n. 2, p. 185-193, 2015.. . Foi sobretudo de Mouzinho a obra de conclusão da revolução que ficou inacabada no período vintista.

4. Nota conclusiva

Os mentores e promotores da revolução liberal iniciada na cidade do Porto, a 24 de agosto de 1820, seguiram um guião e uma agenda política que privilegiava como objetivo estratégico fundamental a vontade de dar ao país uma Constituição. Tal objetivo foi alcançado no prazo de dois anos, podendo-se por isso considerar, em primeira análise, que a revolução foi bem-sucedida. Todavia, o caminho percorrido até esse desfecho foi feito de compromissos e busca de consensos, de passos atrás e passos adiante, implicou soluções lentas e graduais que permitissem a conciliação e convergência dos múltiplos interesses sociais, econômicos e políticos em presença. Esse percurso foi intencionalmente traçado, pois os principais agentes políticos envolvidos no movimento regenerador sabiam que o sentido de moderação era essencial para que o guião da revolução fosse concretizado e para que, simultaneamente, se respeitassem os elementos de continuidade essenciais à sua aceitação popular, nomeadamente o respeito pela religião católica e pela casa de Bragança. Ora, foi essa cedência programática e pragmática que também ditou o carácter inevitavelmente inacabado da revolução, uma vez que os representantes de uma ordem social e política que se pretendia abolir mantiveram intactas as expetativas de poderem reverter a situação a seu favor. A revolução tornou-se vítima desse dilema por ela criado.

Os princípios doutrinais que moldaram os contornos da Constituição de 1822 e do moderno estado de direito constitucional - a liberdade de expressão e pensamento, a igualdade de todos perante a lei, a soberania assente na nação que se representa através de deputados eleitos, a divisão e equilíbrio entre poderes (com destaque para a supremacia do poder legislativo, subalternidade do poder do executivo do rei e governo e independência do poder judicial) - não tiveram vigência duradoura, ainda que fossem revestidos de validade intemporal. A contrarrevolução absolutista, vitoriosa em maio de 1823, interrompeu subitamente o processo de emergência das modernas instituições do Estado liberal, as quais só viriam a conhecer novo impulso com a outorga da Carta Constitucional, em 1826, e com a legislação revolucionária de Mouzinho da Silveira nas vésperas da guerra civil de 1832-1834.

Esqueçamos deliberadamente as dificuldades e vicissitudes que esse processo conheceu entre maio de 1823 e maio de 1834. E fixemos a nossa atenção num facto bem seguro. Quando D. João VI desembarcou em Lisboa, a 4 de julho de 1821, encontrou a cidade e o reino bem diferentes. Ao jurar as Bases da Constituição que lhe retiravam o poder absoluto, sabia que estava a dar um passo decisivo na construção de uma monarquia constitucional integrada num mundo global também diferente daquele que assistira à sua instalação no Rio de Janeiro, em 1808. Essas mudanças começaram a ser desenhadas no Porto em 24 de agosto de 1820 e foram parcialmente concretizadas ao longo do primeiro triênio da revolução liberal portuguesa, conforme roteiro e guião que este texto procurou documentar79 79 Agradeço a dois avaliadores anônimos da Revista Almanack pelos comentários e sugestões que permitiram melhor esclarecimento de algumas passagens do texto. .

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  • 3
    Diário Nacional. Porto, nº1, 26 de agosto de 1820. Tipografia da Viúva Alvarez & Filhos.
  • 4
    O bicentenário de revolução de 1820 suscitou a edição de vários livros que apresentam a sequência de eventos e que procedem a leituras interpretativas do seu significado com base em fontes da época e no legado historiográfico existente. Cf. especialmente: CARDOSO, José Luís. A Revolução Liberal de 1820. Lisboa: CTT Correios de Portugal, 2019.; CORDEIRO, José Manuel Lopes. 1820. Revolução Liberal do Porto. Porto: Câmara Municipal do Porto, 2020.; MOREIRA, Vital; DOMINGUES, José. No Bicentenário da Revolução Liberal, Vol. I - Da Revolução à Constituição, 1820-1822 e Vol. II - Os 40 Dias que Mudaram Portugal. Porto: Porto Editora, 2020.
  • 5
    A Junta Provisional era composta por 18 membros. Tinha como presidente, António da Silveira Pinto da Fonseca, e como vice-presidente, Sebastião Drago Brito Cabreira, figuras escolhidas para garantir apoios militares à causa regeneradora. Entre os seus membros oito haviam pertencido ao Sinédrio, que fora extinto na ocasião, os quais asseguravam a direção política do processo (Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges, José da Silva Carvalho, João da Cunha Sotto Maior, José Maria Xavier de Araújo, José de Melo Castro e Abreu, Bernardo de Castro e Sepúlveda e Francisco Gomes da Silva).
  • 6
    São conhecidas as ligações de alguns membros do Sinédrio com a maçonaria. Todavia, não restam dúvidas de que o pronunciamento de 24 de agosto não pode ser considerado como obra maçônica. Sobre o assunto, Cf. COSTA, Fernando Marques da. A Maçonaria 1807-1834: Entre a Forca e o Cacete, entre o Mito e a Realidade. Lisboa: Campo da Comunicação, 2018.
  • 7
    GARRETT, João Batista da Silva de Almeida. O Dia Vinte e Quatro d’Agosto. Lisboa: Tipografia Rollandiana, 1821. p. 9.
  • 8
    O contraste com a “conspiração” de 1817 não podia ser maior. Sobre a fragilidade das movimentações orquestradas por Gomes Freire de Andrade (com o apoio da maçonaria) e a ausência de qualquer agenda ou programa político subjacente, Cf. CARDOSO, José Luís. A Conspiração de Gomes Freire: enquadramento político e económico. In: PEREIRA, Miriam Halpern; ARAÚJO, Ana Cristina (org.). Gomes Freire e as Vésperas da Revolução de 1820. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2018. p. 89-104.
  • 9
    Não cabe aqui analisar o contexto mais amplo e global em que se desenrola a revolução liberal portuguesa. Mas é fundamental sublinhar que o caso português é uma amostra, com as suas especificidades próprias, do que acontece no mundo. É vastíssima a bibliografia disponível para o entendimento desse tema, desbravado pioneiramente por HOBSBAWM, Eric. The Age of Revolution, 1789-1848. London: Weidenfeld and Nicholson, 1962. Para uma visão de conjunto, e atualizada sobre as circunstâncias em que decorre essa longa era de revoluções, Cf.: ARMITAGE, David; SUBRAHMANYAM, Sanjay (eds.). The Age of Revolutions in Global Context, c. 1760-1840. New York: Palgrave Macmillan, 2010.; BAYLY, C.A. The Birth of the Modern World, 1790-1914. Global Connections and Comparisons. Oxford: Blackwell, 2004.; OSTERHAMMEL, Jürgen. The Transformation of the World. A Global History of the Nineteenth Century. Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2014.; PAQUETTE, Gabriel. Imperial Portugal in the Age of Atlantic Revolutions. The Luso-Brazilian World, c. 1770-1850. Cambridge and New York: Cambridge University Press, 2013.
  • 10
    Sobre esse ponto de vista Cf. o ensaio sempre inspirador e sugestivo de KOSELLECK, Reinhart. Historical criteria of the modern concept of revolution. In: KOSELLECK, Reinhart. Futures Past: On the Semantics of Historical Time. Cambridge MA: MIT Press, 1985, p. 39-54.
  • 11
    Sobre esta noção de guião ou roteiro associado ao desencadear de uma revolução, cf. os diversos estudos de casos e a excelente introdução metodológica em BAKER, Keith Michael; EDELSTEIN, Dan (eds.). Scripting Revolution. A Historical Aproach to the Comparative Study of Revolutions. Stanford: Stanford University Press, 2015.
  • 12
    PORTUGAL. Coleção das Proclamações, e Outros Documentos que servem para a História da Regeneração de Portugal desde o dia 24 de Agosto de 1820, em que se instaurou nesta cidade do Porto a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. Porto: Tipografia da Praça de S. Teresa, 1820a. PORTUGAL. Coleção Geral e Curiosa de Todos os Documentos Oficiais e Históricos, publicados por ocasião da Regeneração de Portugal. Lisboa: Tipografia Rollandiana, 1820b. Uma seleção desses textos viria a ser posteriormente incluída na obra de ARAÚJO, José Maria Xavier. Revelações e Memórias para a História da Revolução de 24 de Agosto de 1820 e de 15 de Setembro do mesmo ano. Lisboa: Tipografia Rollandiana, 1846. p. 85-228. Cf. também a recolha documental: SANTOS, Clemente José dos; SILVA, José Augusto da. (org.). Documentos para História das Cortes Gerais da Nação Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883, Tomo I, 1820-1825. p. 5-76.
  • 13
    A apropriação e uso dos termos “revolução” e “regeneração” é assunto merecedor de atenção específica, que ultrapassa o âmbito deste artigo. Para uma introdução ao tema, Cf. FERREIRA, Fátima Sá e Melo. O conceito de revolução na História dos Conceitos: um percurso em Portugal, 1750-1870. In: PEREIRA, Miriam Halpern et. al. (org.), Linguagens e Fronteiras do Poder. Lisboa: Centro de Estudos de História Contemporânea, ISCTE-IUL, 2012. p. 79-96.
  • 14
    PORTUGAL, Op. Cit., 1820ª. p. 3, 4, 5, 25.
  • 15
    Ibidem, p. 3.
  • 16
    Ibidem, p. 4.
  • 17
    Ibidem, p. 6 e 9.
  • 18
    Ibidem, p. 6, 8 e 36.
  • 19
    Ibidem, p. 6.
  • 20
    Ibidem, p. 6 e 25.
  • 21
    Ibidem, p. 6.
  • 22
    Ibidem, p. 25.
  • 23
    Ibidem, p. 3, 6, 8, 24.
  • 24
    Ibidem, p. 3.
  • 25
    Ibidem, p. 4, 22.
  • 26
    Ibidem, p. 6.
  • 27
    Ibidem, p. 15 e 36.
  • 28
    Ibidem, p. 3, 4, 5, 6, 24, 36.
  • 29
    Ibidem, p. 5 e 6.
  • 30
    Ibidem, p. 3, 4, 5, 9.
  • 31
    Ibidem, p. 3, 5, 36.
  • 32
    Ibidem, p. 3, 4, 5, 6, 9, 25.
  • 33
    Ibidem, p. 15.
  • 34
    Ibidem, p. 22.
  • 35
    Ibidem, p. 3, 4, 18, 26, 36 a 39.
  • 36
    Ibidem, p. 67.
  • 37
    Ibidem, p. 77.
  • 38
    Ibidem, p. 136.
  • 39
    Ibidem, p. 78, 81.
  • 40
    ARAÚJO, José Maria Xavier. Op. Cit., p. 83-84.
  • 41
    PORTUGAL. Op. Cit., p. 79.
  • 42
    Ibidem, p. 40-41.
  • 43
    Ibidem, p. 51.
  • 44
    Ibidem, p. 88.
  • 45
    Ibidem, p. 27-35.
  • 46
    Ibidem, p. 77, 78, 89, 113-122, 132.
  • 47
    Ibidem, p. 50, 57-59.
  • 48
    Ibidem, p. 85, 91, 98-102, 109, 112, 126, 148-155.
  • 49
    Os membros que compunham a regência eram: cardeal-patriarca (D. Carlos da Cunha e Menezes), marquês de Borba (D. Fernando Maria de Sousa Coutinho), conde de Peniche (D. Caetano José de Noronha e Albuquerque), conde da Feira (D. Miguel Pereira Forjaz) e António Gomes Ribeiro, que desempenhava o cargo de secretário dos Negócios do Reino e da Fazenda.
  • 50
    PORTUGAL. Op. Cit., p. 54, 84, 93, 96 e 111.
  • 51
    Ibidem, p. 95.
  • 52
    Ibidem, p. 105.
  • 53
    Ibidem, p. 138.
  • 54
    SANTOS; SILVA. Op. Cit., p. 27.
  • 55
    PORTUGAL. Op. Cit., 1820a, p. 156.
  • 56
    BONIFÁCIO, Maria de Fátima. (ed.). Memórias do Duque de Palmela. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2010, p. 158-160.
  • 57
    PORTUGAL. Op. Cit., 1820b, 18 proclamações publicadas entre 15 de setembro e 2 de outubro de 1820.
  • 58
    GÉNIO CONSTITUCIONAL. Porto, nº 4, 5 de outubro 1820.
  • 59
    SANTOS; SILVA. Op. Cit., p. 72.
  • 60
    Ibidem, p. 73.
  • 61
    Ibidem, p. 73, grifo nosso..
  • 62
    Ibidem, p. 74.
  • 63
    Ibidem, p. 75.
  • 64
    A mesma preocupação de apaziguamento de eventuais opositores e de prevenção de interpretações falseadas do sentido do movimento regenerador está igualmente patente noutro texto de autoria de frei Francisco de S. Luís, redigido em dezembro de 1820: o “Manifesto da nação portuguesa aos soberanos e povos da Europa” (In: SANTOS; SILVA. Op. Cit., p. 118-125). Nesse caso, tratava-se de conquistar a simpatia internacional e demonstrar às potências da Santa Aliança que a revolução portuguesa não tinha parecenças com rebeliões de carácter jacobino, evitando assim uma intervenção militar externa que pusesse em risco a legitimidade da regeneração em curso.
  • 65
    GARRETT. Op. Cit, 48-49.
  • 66
    TOMÁS, Manuel Fernandes. Relatório Feito às Cortes Gerais e Extraordinárias de Portugal nas Sessões de 3 e 5 de Fevereiro de 1821 pelo Deputado … sobre o Estado e Administração do Reino durante o Tempo da Junta Provisional do Supremo Governo. Lisboa: Impressão Régia, 1821 (nova edição: CARDOSO, José Luís. (org.). Manuel Fernandes Tomás. Escritos Políticos e Discursos Parlamentares (1820-1822). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2020. p. 117-136.).
  • 67
    Entre os quais merecem ser destacados: CARNEIRO, Manuel Borges. Portugal Regenerado em 1820. Lisboa: Tipografia Lacerdina, 1820. (nova edição, ed. Zília Osório de Castro. Lisboa: Edições Húmus, 2017); DULAC, António M. Vozes dos Leais Portugueses, ou Fiel Eco das suas Novas Aclamações à Religião, a El-Rei e às Cortes. Lisboa: Impressão Régia, 1820.; FRANCO, Francisco Soares. Ensaio sobre os Melhoramentos de Portugal e do Brasil. Lisboa: Impressão Régia, 1820-1821.; NEVES, José Acúrsio. Memória sobre os Meios de Melhorar a Indústria Portuguesa, Considerada nos seus Diferentes Ramos. Lisboa: Oficina de Simão Tadeu Ferreira, 1820. (nova edição, ed. Jorge Custódio, Lisboa: Quetzal, 1983).
  • 68
    Desde o início da revolução, em 24 de agosto de 1820, até ao golpe contrarrevolucionário da Vilafrancada, de 27 de maio de 1823, foram criados 112 jornais em Portugal e seus domínios. Sobre esse tema Cf. TENGARRINHA, José Manuel. Nova História da Imprensa Portuguesa. Das Origens a 1865. Lisboa: Temas e Debates, 2013, p. 317-390.; ALVES, José Augusto dos Santos. Glória, Memória e Mito: o periodismo vintista (1820-1823). Lisboa: Media XXI, 2013.
  • 69
    Sobre os contornos dessa polémica Cf. CARDOSO, José Luís. Manuel Fernandes Tomás e o movimento constitucional vintista. In: CARDOSO, José Luís. Op. Cit., p. 42-46.
  • 70
    Carta segunda do Compadre de Belém ao redator do Astro da Lusitânia, dada à luz pelo Compadre de Lisboa. Lisboa: Oficina de António Rodrigues Galhardo, 1821 (nova edição In: CARDOSO, José Luís. Op. Cit., p. 159).
  • 71
    A análise das famílias de afinidade política formadas durante o vintismo foi pioneiramente tratada por J. Sebastião Silva Dias que estabeleceu uma diferenciação entre “moderados, gradualistas e radicais”. Cf. DIAS, José Sebastião Silva. O vintismo: realidades e estrangulamentos políticos. Análise Social. Ann Arbor, v. XVI, n. 61-62, p. 273-278, 1980). Cf. também HONÓRIO, Cecília, Manuel Fernandes Tomás, 1771-1822. Lisboa: Assembleia da República e Texto Editores, 2009. p. 48-50.; e CASTRO, Zília Osório. O arco-íris liberal. Revista de História das Ideias. Lisboa, v. 37, p. 33-53, 2019.
  • 72
    A interpretação da cultura política do vintismo nesse sentido de moderação e gradualismo, personificado no legado de Manuel Fernandes Tomás, não colhe aceitação consensual na historiografia relativa a esse período. Oliveira Martins, para citar o exemplo mais antigo e mais flagrante, foi pródigo em classificar de radicalismo revolucionário e jacobino o movimento vintista (MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. Portugal Contemporâneo. Lisboa: Livraria Bertrand, 1881). Para Fátima Bonifácio, que mais consistentemente sustenta essa posição, o vintismo representa a matriz do radicalismo presente ao longo da monarquia constitucional portuguesa (BONIFÁCIO, Maria de Fátima. A Monarquia Constitucional, 1807-1910. Lisboa: Texto Editores, 2010. p. 13-31).
  • 73
    “Quem perde e quem ganha com a Constituição?”, O Independente, suplemento ao nº 15, 11 de dezembro de 1821. In: TOMÁS, Op. Cit., p. 230-231.
  • 74
    Cf. PECCHIO, José. Cartas de Lisboa, 1822. Lisboa: Livros Horizonte,1990 (introdução e notas de Manuela Lobo da Costa Simões).
  • 75
    Sobre o assunto, Cf. CARDOSO, José Luís. A legislação económica do vintismo: economia política e política económica nas Cortes Constituintes. Análise Social. Lisboa, v. 26,n. 112/113, p. 471-488, 1991. O tema foi pioneiramente analisado por CARVALHO, Joaquim. A obra legislativa das Cortes. In: PERES, Damião (dir.). História de Portugal. v. VII. Barcelos: Portucalense Editora, 1935. p. 97-117. Cf. também CALASANS, José. Os vintistas e a regeneração econômica de Portugal.Salvador: S. A. Artes Gráficas, 1959.
  • 76
    Não é meu propósito abordar aqui esse último tema, relativo ao fim do Reino Unido de Portugal e Brasil, que a revolução de 1820 permitiu acelerar. São inúmeras e variadas as linhas de pesquisa exploradas pela historiografia portuguesa e brasileira. Para uma abordagem de conjunto e pistas bibliográficas sobre o processo da independência brasileira no contexto da regeneração vintista, Cf. ALEXANDRE, Valentim. Os Sentidos do Império. Questão Nacional e Questão Colonial na Crise do Antigo Regime. Porto: Edições Afrontamento, 1993. Parte V (sobretudo p. 609-711).; NEVES, Lúcia Bastos Pereira das. Corcundas e Constitucionais. A Cultura Política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003.; JANCSÓ, István (org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Hucitec, 2005.; ROCHA, António Penalves. A Recolonização do Brasil pelas Cortes. História de uma Invenção Historiográfica. São Paulo: Editora UNESP, 2008.; PIMENTA, João Paulo. The Independence of Brazil: a review of the recent historiographic production. e-journal of Portuguese History. Lisboa, v. 7, n. 1, 2009.
  • 77
    HERCULANO, Alexandre. Mousinho da Silveira ou la révolution portugaise (1856ALEXANDRE, Valentim. Os Sentidos do Imperio. Questao Nacional e Questao Colonial na Crise do Antigo Regime. Porto: Edicoes Afrontamento, 1993.). In: HERCULANO, Alexandre. Opúsculos, Tomo II. Lisboa: Bertrand, 1873. p. 172 (nossa tradução).
  • 78
    A matéria é de abordagem recorrente e é aqui tratada de forma necessariamente abreviada. Para uma visão de conjunto sobre o alcance reformista da obra legislativa de Mouzinho, Cf. PEREIRA, Miriam Halpern. Revolução, Finanças, Dependência Externa (de 1820 à Convenção de Gramido). Lisboa: Sá da Costa Editora, 1979., que inclui transcrição dos decretos mais relevantes. Cf. também MONTEIRO, Nuno G. Mouzinho da Silveira and the political culture of Portuguese liberalism, 1820-1832. History of European Ideas, v. 41, n. 2, p. 185-193, 2015..
  • 79
    Agradeço a dois avaliadores anônimos da Revista Almanack pelos comentários e sugestões que permitiram melhor esclarecimento de algumas passagens do texto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2021
  • Aceito
    19 Nov 2021
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