Acessibilidade / Reportar erro

Crise e Golpe

MASCARO, Alysson Leandro. Crise e golpe. São Paulo: Boitempo, 2018. 207

Κ ί σ ι ς (krisis) do grego, designa o instante decisório, de ruptura, de separação. Toda decisão, contudo, para ter eficácia prática, deve ser tomada sob o horizonte do conhecimento sobre os fatos. A relação entre política – decisão – e epistemologia – conhecimento – já é conhecida da tradição filosófica. Desde o rei filósofo até a tese onze, trata-se da seguinte questão: para governar e transformar é preciso conhecer e compreender.

O momento é de crise, e por essa razão, a obra de Alysson MascaroMASCARO, Alysson Leandro. Crise e golpe. São Paulo: Boitempo, 2018. chega em boa hora. É necessário discernimento para a decisão, e Crise e golpe traz discernimento. Mascaro lança luz às questões candentes sobre o cenário institucional do país, em uma obra repleta de insights e de lucidez. Mas, acima de tudo, Crise e golpe de Mascaro é uma obra necessária para o campo progressista. Essa necessidade está ligada à crítica de Mascaro às esquerdas institucionais: basta de demandar por mais direitos, deve-se operar uma crítica do direito.

A estrutura da obra é constituída de dez capítulos, intitulados: “Crise brasileira: bases e sentidos”, “Golpe e exceção”, “Política e crise do capitalismo brasileiro atual”, “Crise brasileira e direito”, “Políticas e geopolíticas do direito”, “A propósito da situação jurídica atual”, “Sobre a atualidade política”, “O judiciário na berlinda” e “Carta sobre o socialismo”. Cada capítulo, ainda que trate de temas diferentes, possui um eixo gravitacional: capitalismo e direito, e seus desdobramentos, crise e golpe. A presente resenha buscará abordar os principais eixos temáticos da obra de Mascaro, analisando-a como um todo unitário.

Mascaro empreende continuidade à tradição crítica do direito, que remonta aos textos de Eugeni Pachukanis – embora tal crítica já esteja presente nos textos de Marx e Engels –, o qual analisa o direito a partir do prisma do materialismo histórico, inserindo o fenômeno jurídico na totalidade da sociedade burguesa – e não como um fenômeno linear presente em toda a história ocidental. O direito, afirma o autor, com bases no pensamento pachukaniano, é a “forma social de subjetividade jurídica” (p. 108), determinado e sobredeterminado pela forma-mercadoria. Essa base teórica, diferente das tradições positivistas (Kelsen) e não-positivistas (Schmitt), proporciona a Mascaro uma robusta análise conjuntural da crise e do golpe brasileiros.

No primeiro capítulo, “Crise brasileira: bases e sentidos”, Mascaro destaca que a crise brasileira é determinada economicamente pela forma-mercadoria, e sobredeterminada juridicamente pela forma-jurídica (p. 23). Essa perspectiva teórica possibilita analisar a crise brasileira e o golpe de 2016 conquanto crise do capitalismo e golpe de classe. “O sentido da crise brasileira só pode ser compreendido quanto iluminado pela crítica das formas determinantes da sociabilidade capitalista” (p. 23).

Assim, o capítulo inicia com um breve balanço dos governos de esquerda no Brasil, em especial o trabalhismo de Vargas e o petismo de Lula. A esse respeito, Mascaro destaca que “trabalhismo e petismo não são socialismo; são, ambos, variantes da administração do capitalismo” (p. 27). Essa premissa possibilita ao autor desenvolver sua construção teórica entre o fracasso dos governos petistas, os quais destacam-se pela ampliação do consumo como forma de indução desenvolvimentista (p. 35). Além da análise dos governos de esquerda, Mascaro destaca que projetos progressistas de desenvolvimento nacional não estão – e nunca estiveram – no horizonte da burguesia nacional, que são refratárias a qualquer forma de avanço social e desenvolvimentista (p. 39). Somado a esses dois diagnósticos está a relação entre a crise brasileira e a luta de classes, para a qual o autor sustenta a hipótese de que “em face da crise que explode em 2008, a acumulação de grandes grupos encontrava, no país, um grande mercado a conquistar, caso se vencessem os obstáculos parciais petistas às investidas neoliberais e privatistas” (p. 45, grifo nosso), ou seja, a luta de classes estava reativada em solo brasileiro em razão do modelo neodesenvolvimentista dos governos petistas. Portanto, o lucro líquido dessas tensões está no desejo de aprofundamento da acumulação internacional com a retirada de projetos desenvolvimentistas dos governos petistas com a consequente deposição do poder federal.

A partir dessa primeira leitura, Mascaro pode afirmar que a atual crise política brasileira – que perpassa pelas manifestações de 2013, as eleições de 2014, o impeachment de Rousseff em 2016, a perseguição a Lula e a regressão econômica, política e social de Temer – estabelece suas bases na crise do capitalismo mundial de 2008 (p. 85). Trata-se de uma crise de acumulação (p. 50), atrelada à reprodução do capital, mas cristalizada em instituições, classes, frações, grupos e indivíduos, haja vista que “a mercadoria não dá golpe” (p. 85) – é necessária a materialização dos interesses em crise nos indivíduos e instituições. Ao estabelecer esta ligação fundamental entre crise e golpe, o autor identifica a raiz das contradições da política brasileira:

A crise de acumulação do capitalismo mundial impõe-se ao quadro brasileiro gerando uma crise econômica e política específica, que se alimenta das próprias insuficiências e contradições da sociabilidade nacional. A crise de acumulação leva a uma exigência à forma política, que se desdobrará em golpe. À derrocada brasileira, quantidades a mais de sangue para a vampirização empreendida pelo capital nacional e internacional. A crise é negócio que abastece a exploração capitalista (p. 50, grifo nosso).

Essa, reputa-se, é uma das principais contribuições de Mascaro: a crise política estabelece suas raízes da crise econômica de 2008, e não necessariamente na corrupção, na falta de ética ou qualquer outra forma de moralismo. A crise econômica, portanto, “se faz acompanhar por crescentes dificuldades em sustentar os modelos políticos estatais e institucionais já assentados” (p. 86). Por ser uma crise estrutural, não pode ser resolvida pelo sistema político (liberal) atual, o qual sequer respeita os direitos individuais e busca ainda o desmantelamento dos direitos sociais: é necessária uma nova reconfiguração e aprofundamento do neoliberalismo mundial como mecanismo de resolução da crise de acumulação (p. 86).

A partir disso, Mascaro destaca que o golpe de 2016 é uma resposta à ineficiência do Estado brasileiro em frear a redução da acumulação dos capitais nacionais e internacionais (p. 88). Nesse sentido, a natureza do golpe é “intimamente ligada às próprias estratégias da acumulação” (p. 88). Em que pese os governos petistas serem administradores do capitalismo, a crise e o modelo de governo inviabiliza uma saída eficiente para o capital nacional e internacional, assim, o golpe decorre da impossibilidade de os governos petistas darem uma resposta à crise de 2008, somada à hegemonia ideológica fabricada pelos meios de comunicação (p. 46).

A crise que retira o Partido dos Trabalhadores do poder, que determina economicamente o golpe, é seguida pela sobredeterminação jurídica, na medida em que o direito toma proeminência na gestação, condução e manutenção do golpe. “A crise passa a operar também mediante o aparato e os aparelhos de poder eminentemente jurídicos” (p. 51). Fato é que o direito, enquanto atual condutor da luta de classes, alçou tal posição remotamente nas revoluções burguesas, mas sedimentou-se na década de 1970 após os projetos de desenvolvimento nacionais, em que o “neoliberalismo [...] empreende a construção de um espaço de movimentação do capital que é efetivamente internacional” (p. 52).

Em relação ao aspecto de sobredeterminação jurídica do golpe, Mascaro diagnostica que o golpe é também fruto das articulações no interior da teoria filosófica do direito, i.e., da ideologia jurídica. As correntes filosóficas do direito estão, segundo o autor, no centro da luta política da Idade Contemporânea, em que “o campo jurídico é elevado a ideologia fundante da sociabilidade capitalista” (p. 60). A primeira corrente é o juspositivismo (Hans Kelsen), que desdobra-se em três subcorrentes: o eclético, estrito e ético; a segunda é o não-positivismo (Carl Schmitt); e a terceira é a teoria crítica do direito (Evgeni Pachukanis). Para o autor, somente essa última corrente teórica é capaz de compreender o fenômeno jurídico cientificamente ao inseri-lo dentro da totalidade social burguesa, além de ser um instrumento efetivo de crítica da ideologia jurídica, de tal forma que “a luta atual só se pode retificar com base num acurado avanço para a incorporação de uma filosófica crítica do direito” (p. 61).

É fundamental que as esquerdas compreendam que as posições juspositivistas – e mesmo as não-positivistas –, de raízes liberais, de defesa da legalidade, da democracia, do republicanismo e das instituições são apenas formas sociais reproduzidas a partir da forma-mercadoria. Enquanto as esquerdas operarem sob as coordenadas das armas do inimigo – juspotivismo e não-positivismo – “toda a reprodução política da dominação de classe est[ará] garantida” (p. 63). Para Mascaro, é necessário romper com esse quadro legalista das esquerdas: é preciso retomar o vigor e a radicalidade da luta de classes (p. 46), revestir-se com as armas da crítica.

No segundo capítulo, intitulado “Sobre o golpe”, há um diálogo temático direto com o primeiro capítulo. De uma forma geral, esses são os dois capítulos mais extensos e podem ser considerados como o marco teórico de toda da obra de Mascaro, e por essa razão serão os dois capítulos mais analisados.

A hipótese central do segundo capítulo é de que há uma ligação materialista fundamental entre o golpe de 2016 e o golpe de 1964, que perpassa pela promulgação da Constituição Federal de 1988 (p. 80), em que “o solavanco político brasileira atual buscaria ser lido, então, não como um abalo na ordem constitucional, mas como uma das variantes possíveis dela” (p. 78).

O capítulo inicia com delineamentos jurídico-filosóficos do conceito de golpe, para então passar a tratar da validação formal do golpe pelas correntes do juspositivismo hegemônico. Segundo essa concepção estrita, não há golpe, mas um verdadeiro impeachment dentro da ordem institucional e legal. Contudo, seguindo as linhas das correntes não-positivistas e da teoria crítica do direito, para os quais o “golpe é maior que uma técnica jurídica” (p. 84), poderíamos falar de um verdadeiro golpe de Estado no Brasil, haja vista o enfoque teórico das referidas correntes.

A despeito dessas considerações conceituais, a posição de aceitação de um verdadeiro golpe coloca Mascaro diante de duas possíveis leituras da Constituição: a) uma idealista, que observa na Constituição de 1988 uma ruptura institucional e normativa com o período do regime militar (p. 80); b) outra materialista, que estabelece uma relação de continuidade entre o golpe de 1964, a Constituição de 1988 e o golpe de 2016, no qual é reproduzido um modelo de dependência entre capital nacional e externo, de monopolitismo e clientelismo Estatal, repressão e controle populacional (p. 80-1).

Portanto, crise e o golpe estão intimamente unidos. Em que pese a crise do subprime não ter gerado rearranjos institucionais nos EUA e na China, o fez em países da Europa e especialmente no Brasil. Assim, Mascaro afirma que “é fundamental compreender o golpe brasileiro de 2016 como um golpe de classe” (p. 87), resultado da inabilidade de os governos petistas – especialmente segundo mandato do governo Dilma – em “satisfazer a queda de acumulação dos capitais nacionais e internacionais” (p. 88). Diante desse impasse, Mascaro é categórico:

a crise e golpe dentro de um mesmo padrão de estruturação capitalista [...] levam a perdas e ganhos que geram linhas de reacomodação do capitalismo. A natureza do golpe presente será, então, intimamente ligada às próprias estratégias da acumulação, tanto do capital nacional quando dos internacionais [...] (p. 88).

A questão chave está em observar a continuidade do movimento do capital internacional na economia brasileira. Desde períodos de Juscelino Kubitschek, até Emílio Médici e Ernesto Geisel, há um constante influxo de capital externo, e o período da ditadura cívico-militar, apesar de sua postura desenvolvimentista, alinhava-se com capital internacional liderados pelos Estados Unidos da América (p. 89). Nos governos petistas (2002-2016) não houve grandes mudanças, pois perpetuou-se a relação de dependência com a exportação de commodities – soja, frango, minério de ferro, petróleo, etc. –, embora frações do capital brasileiros se fizessem presentes no âmbito internacional (Petrobras, Embraer, JBS, etc). “O golpe de 2016 é a busca de restabelecer um modelo anterior [Collor e Cardoso]” (p. 89). Dessa forma, como em 1964 não houve um golpe estritamente militar, mas de classe, também em 2016 não há uma mero golpe jurídico-político em razão de crimes de responsabilidade – há um “novo golpe de classe burguesa que realinha frações dos capitais nacionais e internacionais para a acumulação numa situação específica de crise do capitalismo mundial e brasileiro” (p. 93).

Entre o terceiro e quarto capítulo, há uma análise contundente a respeito das interlocuções entre direito e capitalismo. No terceiro capítulo intitulado “Golpe e exceção”, a partir da dualidade legalidade/exceção, Mascaro pode afirmar que “legalidade e exceção [são] fenômenos típicos da reprodução social capitalista” (p. 99), ou seja, ainda que a legalidade jurídica seja oriunda da forma-mercadoria, a exceção é igualmente a outra face da legalidade – que não nega o capitalismo, mas o reitera. O combate à exceção não se faz pela legalidade, ambas endossam as bases materiais capitalistas. O que é necessário é o fim da “estruturação social que gera a exceção como variante inextrincável da normatividade” (p. 98).

No quarto capítulo, “Política e crise do capitalismo atual: aportes teóricos”, o autor revela de modo mais explícito suas bases teóricas: a crítica do direito de Pachukanis e a crítica da ideologia jurídica de Althusser, ambos fundamentados no marxismo. Nesse capítulo, o objetivo do autor é “encaminhar uma arquitetura dos horizontes teóricos do campo marxista que buscam fundar-se na própria materialidade da reprodução do capital, apontando suas determinações e contradições” (p. 105).

Essa posição é uma crítica direta às esquerdas que engrossam as fileiras liberais e utilizam de instrumentos críticos que historicamente não são seus: a legalidade, a democracia (representativa), o republicanismo e as instituições. A esquerda que, em sua origem, era anti-institucional, anti-legalista e radicalmente democrática, hoje é institucionalizada, pleiteia mais direitos, e adepta da democracia representativa. Diante disso Mascaro adverte: “da mesma forma que não se pode sair do poço puxando-se os cabelos, tampouco se pode ler a crise capitalista nos próprios termos teóricos que fundam sua reprodução” (p. 105). A alternativa agora é retomar o “vigor das visões radicais” (p. 107).

No quinto capítulo, “Crise brasileira e direito”, há novamente a retomada do aspecto jurídico da crise do capital e a falha da esquerda em conceber sua luta em termos institucionais e legalistas. A subjetividade jurídica deve ser o núcleo da crítica contemporânea (p. 138), de tal forma a romper com a naturalização da ideologia jurídica pelos aparelhos ideológicos de Estado – um perceber-se sujeito de direitos e proprietário de si.

Mas essa postura legalista e institucionalista da esquerda é resultado da incorporação de pautas anti-corrupção, a favor da democracia, dos direitos humanos, mas principalmente a rendição ao capitalismo e ao neoliberalismo (p. 130). Esse reformismo fraco (SINGER, 2012SINGER, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. Companhia das Letras, 2012.), a perda da radicalidade como é exemplo a Carta aos brasileiros, e a defesa da legalidade demonstram a filiação das esquerdas brasileiras – especialmente o petismo – ao institucionalismo e sua concepção juspositivista de direito. Para Mascaro, “a esquerda brasileira [...] não é marxista, mas juspositivista, reconhecendo aí o espaço privilegiado da luta política e social” (p. 135). Enquanto a esquerda nacional, e mesmo internacional, apostar na emancipação pela cidadania e pelo direito, estão apenas gerenciando o capitalismo. A essa questão Mascaro é categórico: “a crítica do direito é um elemento central para o desarme dos atuais impasses da esquerda mundial” (p. 138).

Os capítulos seguintes, intitulados respectivamente “Políticas e geopolíticas do direito”, “A propósito da situação jurídica atual”, “Sobre a atualidade política”, “O Judiciário na berlinda” e “Carta sobre o socialismo” são substancialmente menores que os antecedentes, embora conservem grande vigor nas análises e propostas, e por esse motivo serão analisados em conjunto.

No capítulo sexto, ao tratar de geopolítica mundial, Mascaro inscreve o golpe de 2016 dentro do processo internacional de desregulamentação de mercados, arroxo da legislação trabalhista e desmantelamento de programas sociais. Ressalta que em países da América Latina, especialmente o Brasil, há uma “rearticulação das classes burguesas e médias nacionais, sob sintonia do capital mundial” (p. 149), ou seja, as classes burguesas e médias da América Latina encontram-se em processo de submissão às estratégias do capital internacional, aliado à submissão das classes de juristas ao common law estadunidense, em busca de segurança e estabilidade dos contratos (p. 150).

O autor reitera o caráter determinado do fenômeno jurídico a partir da forma-mercadoria, contratando com as posições juspositivistas e mesmo não-positivistas que observam o fenômeno jurídico “de cima”, ou seja, de um ponto de vista idealista. Essa crítica de Mascaro em direção ao normativismo idealista, hegemônico nas Universidades e no âmbito forense, é posta à prova: “o direito não é um plano normativo-institucional bom, justo ou ideal do qual a prática é sua negação ou sua corrupção” (p. 154). Na verdade, o direito é sua aplicação (p. 157).

Necessário observar o esforço de Mascaro em problematizar e pôr sob crítica o pensamento jurídico hegemônico, ao tratar de forma naturalizada o direito. Naturalizada pois não compreende-se que o fenômeno jurídico nasce a partir das revoluções burguesas com o capitalismo – pensa-se que o direito é um produto a-histórico presente em todas as fases da civilização.

E esse respeito, o autor destaca que no interior do sistema escravagista e feudal não havia vínculo jurídico: a medida do poder político era a violência. Os laços nas sociedades pré-capitalistas eram de mando e obediência, não havia contrato, ou tribunais como os conhecemos hoje: “o que no passado se denomina por direito é um fenômeno incidental, muito ligado à religião e aos costumes” (p. 174). A partir do mercantilismo observou-se a necessidade de tratar as relações sociais pelo contrato, i.e., entre dois sujeitos formalmente iguais e capazes de trocas. Nesse momento nascem as teorias a respeito do sujeito de direito, um desdobramento da forma-mercadoria que busca universalizar a igualdade formal e jurídica, possibilitando a contratação da força de trabalho. Se antes escravo e servo eram coisas, hoje o proletário é sujeito, mas de direito.

Nesse mesmo esforço de crítica está como objeto o Poder Judiciário, do qual o capítulo 9, “O Judiciário na berlinda”, debruça-se. Segundo o autor, o Poder Judiciário enquanto poder autônomo, destina-se à regulação dos conflitos gerados pela atomização do indivíduo na sociedade, portanto, é em si capitalista pois sua constituição deriva das bases materiais da sociedade: a forma-mercadoria (p. 176). Dessa forma, é possível observar decisões favoráveis ou desfavoráveis para a classe burguesa, haja vista que embora o Poder Judiciário não seja burguês em si – a luta de classes o permeia – é capitalista ao reproduzir as condições de produção (p. 175).

Ao final, em um de seus mais instigantes capítulos, “Carta sobre o socialismo”, Mascaro destrincha de um ponto de vista materialista-histórico, a formação do Estado, a ideologia enquanto produtora das subjetividades, as crises do capitalismo, a luta de classes e, ao final, suas palavras de esperança: “a desesperança é a melhor esperança de nossos tempos” (p. 189). Assim como Safatle (2016)SAFATLE, V. P. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2016. trata da necessidade do desamparo para o “fim do indivíduo”, a superação do capitalismo e de seus modos de sociabilidade – os meios de comunicação, as religiões, os Estados, as universidades, as empresas, os partidos, os sindicatos –, apenas podem dar-se por novas formas de sociabilidade, imbuídas de uma luta socialista que seja radicalmente crítica ao mundo da mercadoria. E a luta tem origem na negatividade, na dor, no desamparo, na “desesperança”, ou seja, no “trabalho do negativo”.

Referências bibliográficas

  • MASCARO, Alysson Leandro. Crise e golpe São Paulo: Boitempo, 2018.
  • SAFATLE, V. P. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
  • SINGER, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. Companhia das Letras, 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2019
  • Aceito
    20 Fev 2019
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com