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Influência da localização das lesões nos desfechos clínicos tardios após intervenção coronária percutânea em enxertos de veia safena

Resumos

INTRODUÇÃO: A evolução tardia de pacientes submetidos à intervenção coronária percutânea em enxertos de veia safena (ICP-Saf) é pouco discutida na literatura, havendo, inclusive, controvérsias sobre a influência da localização da estenose (em posição aorto-ostial ou no corpo do enxerto). MÉTODOS: Registro unicêntrico, que incluiu pacientes submetidos à ICP-Saf, entre os anos de 2006 e 2011. A lesão aorto-ostial foi definida como aquela localizada nos primeiros 8 mm do enxerto; as lesões de corpo foram as localizadas nas porções remanescentes. Foram excluídas as intervenções que abordaram somente a anastomose distal ou o leito coronário nativo. Foram avaliadas as taxas de eventos cardíacos adversos maiores (ECAM), óbito, infarto agudo do miocárdio (IAM) ou revascularização do vaso-alvo (RVA) entre os grupos. RESULTADOS: Foram avaliados 195 pacientes, sendo 69 no Grupo Óstio e 126 no Grupo Corpo. A média de idade da população total foi de 69,6 ± 10,2 anos, 41% dela era diabética, e 65,1% apresentaram síndromes coronárias agudas, sendo a maioria tratada com stents convencionais (82,5%). Não houve diferença entre os grupos na maioria das características estudadas. No seguimento tardio, a taxa de RVA (50,8% vs. 22%; P = 0,03) foi maior no Grupo Óstio. As taxas de ECAM (67,7% vs. 63,3%; P = 0,33), morte (31,7% vs. 35,6%; P = 0,95) e IAM (55% vs. 42%; P = 0,64) foram semelhantes entre os grupos. CONCLUSÕES: Essa população compôs um subgrupo de risco elevado, com alta mortalidade tardia, independentemente da localização da lesão no enxerto. Em pacientes tratados predominantemente com stents não farmacológicos, lesões aorto-ostiais apresentaram maior taxa de reintervenção em relação às lesões de corpo.

Veia safena; Intervenção coronária percutânea; Stents; Doença das coronárias


BACKGROUND: Little is known about the late clinical outcomes of patients undergoing saphenous vein graft percutaneous coronary intervention (SVG-PCI), and there are controversies regarding the role of lesion location (aorto-ostial or graft body). METHODS: Single-center registry including patients undergoing SVG-PCI between 2006 and 2011. Aorto-ostial lesion was defined as a lesion within the first 8 mm of the graft; graft body lesion was defined as a lesion located in the remaining portions of the graft. Interventions approaching only the distal anastomosis or the native coronary bed were excluded. We evaluated the rates of major adverse cardiac events (MACE), death, myocardial infarction (MI), and target vessel revascularization (TVR) between the groups. RESULTS: One hundred and ninety-five patients were evaluated, 69 in the Aorto-Ostial Group and 126 in the Graft Body Group. Mean age was 69.6 ± 10.2 years, 41% were diabetic, 65.1% had acute coronary syndromes and most of them were treated with bare metal stents (82.5%). There was no statistical difference between groups for most of the characteristics evaluated. In the late follow-up, the TVR rate (50.8% vs. 22%; P = 0.03) was greater in the Aorto-Ostial Group. The MACE rate (67.7% vs. 63.3%; P = 0.33), death (31.7% vs. 35.6%; P = 0.95) and MI (55% vs. 42%; P = 0.64) were similar between the two groups. CONCLUSIONS: This population included a high-risk subgroup, with high late mortality rates, regardless of the location of the lesion in the graft. In patients treated predominantly by bare-metal stents, aorto-ostial lesions had a higher reintervention rate when compared to graft body lesions.

Saphenous vein; Percutaneous coronary intervention; Stents; Coronary disease


ARTIGO ORIGINAL

Influência da localização das lesões nos desfechos clínicos tardios após intervenção coronária percutânea em enxertos de veia safena

Cristiano Guedes BezerraI; Vitor de Andrade VahleII; Eduardo França Pessoa de MeloIII; Henrique Barbosa RibeiroIV; Breno de Alencar Araripe FalcãoV; Carlos Augusto Homem de Magalhães CamposVI; Marco Antônio PerinVII; Expedito Eustáquio Ribeiro da SilvaVIII; Roberto Kalil FilhoIX; Pedro Alves Lemos NetoX

IMédico residente do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IIMédico residente do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IIIMédico residente do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IVPós-graduando (Doutorado) da Universidade Laval. Quebec, Canadá

VCardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

VICardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

VIILivre-docente. Cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

VIIILivre-docente. Cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IXProfessor Titular. Diretor da Divisão de Cardiologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XLivre-docente. Diretor do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Pedro Alves Lemos Neto Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 - Jardim Paulista São Paulo, SP, Brasil - CEP 05403-000 E-mail: pedro.lemos@incor.usp.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A evolução tardia de pacientes submetidos à intervenção coronária percutânea em enxertos de veia safena (ICP-Saf) é pouco discutida na literatura, havendo, inclusive, controvérsias sobre a influência da localização da estenose (em posição aorto-ostial ou no corpo do enxerto).

MÉTODOS: Registro unicêntrico, que incluiu pacientes submetidos à ICP-Saf, entre os anos de 2006 e 2011. A lesão aorto-ostial foi definida como aquela localizada nos primeiros 8 mm do enxerto; as lesões de corpo foram as localizadas nas porções remanescentes. Foram excluídas as intervenções que abordaram somente a anastomose distal ou o leito coronário nativo. Foram avaliadas as taxas de eventos cardíacos adversos maiores (ECAM), óbito, infarto agudo do miocárdio (IAM) ou revascularização do vaso-alvo (RVA) entre os grupos.

RESULTADOS: Foram avaliados 195 pacientes, sendo 69 no Grupo Óstio e 126 no Grupo Corpo. A média de idade da população total foi de 69,6 ± 10,2 anos, 41% dela era diabética, e 65,1% apresentaram síndromes coronárias agudas, sendo a maioria tratada com stents convencionais (82,5%). Não houve diferença entre os grupos na maioria das características estudadas. No seguimento tardio, a taxa de RVA (50,8% vs. 22%; P = 0,03) foi maior no Grupo Óstio. As taxas de ECAM (67,7% vs. 63,3%; P = 0,33), morte (31,7% vs. 35,6%; P = 0,95) e IAM (55% vs. 42%; P = 0,64) foram semelhantes entre os grupos.

CONCLUSÕES: Essa população compôs um subgrupo de risco elevado, com alta mortalidade tardia, independentemente da localização da lesão no enxerto. Em pacientes tratados predominantemente com stents não farmacológicos, lesões aorto-ostiais apresentaram maior taxa de reintervenção em relação às lesões de corpo.

DESCRITORES: Veia safena. Intervenção coronária percutânea. Stents. Doença das coronárias.

ABSTRACT

BACKGROUND: Little is known about the late clinical outcomes of patients undergoing saphenous vein graft percutaneous coronary intervention (SVG-PCI), and there are controversies regarding the role of lesion location (aorto-ostial or graft body).

METHODS: Single-center registry including patients undergoing SVG-PCI between 2006 and 2011. Aorto-ostial lesion was defined as a lesion within the first 8 mm of the graft; graft body lesion was defined as a lesion located in the remaining portions of the graft. Interventions approaching only the distal anastomosis or the native coronary bed were excluded. We evaluated the rates of major adverse cardiac events (MACE), death, myocardial infarction (MI), and target vessel revascularization (TVR) between the groups.

RESULTS: One hundred and ninety-five patients were evaluated, 69 in the Aorto-Ostial Group and 126 in the Graft Body Group. Mean age was 69.6 ± 10.2 years, 41% were diabetic, 65.1% had acute coronary syndromes and most of them were treated with bare metal stents (82.5%). There was no statistical difference between groups for most of the characteristics evaluated. In the late follow-up, the TVR rate (50.8% vs. 22%; P = 0.03) was greater in the Aorto-Ostial Group. The MACE rate (67.7% vs. 63.3%; P = 0.33), death (31.7% vs. 35.6%; P = 0.95) and MI (55% vs. 42%; P = 0.64) were similar between the two groups.

CONCLUSIONS: This population included a high-risk subgroup, with high late mortality rates, regardless of the location of the lesion in the graft. In patients treated predominantly by bare-metal stents, aorto-ostial lesions had a higher reintervention rate when compared to graft body lesions.

DESCRIPTORS: Saphenous vein. Percutaneous coronary intervention. Stents. Coronary disease.

Intervenções coronárias percutâneas em enxertos de veia safena (ICP-Saf) geralmente acontecem em um cenário complexo. De um lado, o paciente portador de doença arterial coronária crônica, com história de revascularização cirúrgica, associada ou não a intervenções percutâneas prévias, além de múltiplas comorbidades; do outro, as particularidades inerentes ao procedimento percutâneo propriamente dito. Essa intervenção pode resultar em embolização distal de debris aterotrombóticos, resultando frequentemente em marcadores de necrose miocárdica elevados e/ou em fluxo anterógrado reduzido (fenômeno de no reflow).1,2

As lesões podem se localizar na porção aorto-ostial ou no corpo do enxerto. As lesões aorto-ostiais têm taxa de reestenose elevada, em comparação às lesões não aorto-ostiais, em razão da maior probabilidade de resultados angiográficos subótimos, consequentes a maior resistência das lesões à dilatação.3-7 Por outro lado, alguns estudos têm demonstrado que as lesões de corpo do enxerto estão associadas a complicações pós-procedimento e a pior evolução clínica precoce.8-11 Dessa forma, ainda é controverso se a localização das lesões no enxerto influencia os desfechos clínicos tardios.

Este estudo visou caracterizar, do ponto de vista evolutivo, a ICP-Saf em uma população representativa da realidade brasileira, bem como avaliar se a localização das lesões influencia os desfechos clínicos no seguimento muito tardio.

MÉTODOS

População do estudo

A população do estudo foi composta por pacientes já submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio que necessitavam de intervenção coronária percutânea em enxertos de veia safena. Foram incluídos, consecutivamente, os pacientes tratados entre janeiro de 2006 e março de 2011 no Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP), em São Paulo (SP).

Os pacientes foram divididos em dois grupos conforme a localização das lesões: aorto-ostial ou corpo. No Grupo Óstio, foram agrupados os pacientes com pelo menos uma lesão localizada nos primeiros 8 mm do enxerto; no Grupo Corpo, foram agrupado os pacientes com lesões localizadas nas porções remanescentes do enxerto. Não foram consideradas as intervenções que abordaram somente a anastomose ou o leito coronário nativo após a anastomose. Obedecido esse critério, não houve qualquer restrição para inclusão com relação a quadro clínico à admissão, idade, comorbidades, características angiográficas ou função ventricular.

Procedimento

A antiagregação plaquetária consistiu na utilização do clopidogrel, em dose de ataque de 300 a 600 mg (com recomendação para 600 mg se tempo entre a administração da medicação e a intervenção < 6 horas), seguida de 75 mg/dia, por 1 mês para stents convencionais e por pelo menos 1 ano para stents farmacológicos. Além disso, os pacientes receberam orientação para utilizar aspirina (100 mg/dia) indefinidamente. Nos pacientes com síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento do ST, a antiagregação plaquetária era iniciada com aspirina e inibidor da glicoproteína IIb/IIIa (tirofiban), sendo o tirofiban substituído pelo clopidogrel após ICP. Após obtenção de acesso vascular (> 6 F) e introdução do cateter, foi administrada heparina não fracionada 70 a 100 UI/kg. O implante do stent seguiu a técnica atualmente estabelecida, que é do stent direto sempre que possível. Quando necessária, a pré-dilatação foi realizada com balões curtos a baixas pressões. O stent deveria ser implantado de maneira a garantir a cobertura total da lesão e, quando necessário, mais de um stent poderia ser utilizado com sobreposição de suas bordas. A pós-dilatação, quando indicada, deveria ser feita com balões de menor extensão que a do stent, com o cuidado de não ultrapassar suas bordas, evitando, assim, lesão nos segmentos adjacentes não cobertos pelo stent. A utilização do filtro de proteção distal, o uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa e a escolha do tipo de stent ficaram a critério do operador.

Coleta e análise de dados

Os dados da evolução intra-hospitalar foram coletados por médicos treinados, durante a internação índice, seguindo o preenchimento de formulários previamente padronizados. A coleta incluiu características clínicas e do procedimento, resultados de exames laboratoriais e evolução clínica até a alta hospitalar. A coleta de informações sobre a evolução tardia foi realizada por seguimento ambulatorial, revisão dos registros hospitalares ou contato telefônico.

Objetivos e definições

O desfecho primário avaliado foi a ocorrência de eventos cardíacos adversos maiores (ECAM) compostos por óbito, infarto agudo do miocárdio (IAM) e revascularização do vaso-alvo (RVA). Como desfechos secundários, foram analisadas, isoladamente, as taxas de óbito, IAM e RVA. O objetivo primário do estudo foi comparar a ocorrência do desfecho primário e dos desfechos secundários entre os Grupos Óstio e Corpo.

O IAM periprocedimento foi definido como aparecimento de novas ondas Q em duas derivações contíguas do eletrocardiograma e/ou elevação da creatina quinase fração MB (CK-MB) ou troponina I três vezes maior que o limite superior da normalidade. Os marcadores de necrose miocárdica foram solicitados pelo menos duas vezes nas primeiras 24 horas pós-ICP.

O diagnóstico de angina estável foi realizado utilizando os critérios da Canadian Cardiovascular Society.12 Era fortemente recomendada, porém não obrigatória, a realização de testes não invasivos para pesquisa de isquemia nos pacientes com sintomas atípicos. O diagnóstico de IAM com supradesnivelamento do segmento ST foi realizado na ocorrência de elevação persistente de ST > 1 mm em duas derivações contíguas ou novo bloqueio de ramo esquerdo ao eletrocardiograma. A síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST foi diagnosticada pela presença de sintomas clínicos sugestivos de isquemia associada à alteração eletrocardiográfica compatível com isquemia (onda T invertida ou infradesnivelamento do segmento ST) e/ou elevação da troponina acima do limite da normalidade. A RVA foi definida como nova intervenção, cirúrgica ou percutânea em lesões > 50% no enxerto tratado, ou novas intervenções no território coronário nativo correspondente. RVA foi realizada apenas na presença de sintomas e/ou sinais de isquemia. O sucesso angiográfico foi definido por redução da lesão-alvo < 30%, com manutenção ou restabelecimento do fluxo anterógrado normal (TIMI 3).

Análise estatística

As variáveis qualitativas foram expressas como números e porcentagens, e as variáveis quantitativas como média e desvio padrão. A comparação das variáveis numéricas foi realizada por meio do teste de Mann-Whitney, ou do teste de Pearson, quando apropriado. O teste qui-quadrado ou o exato de Fischer foi usado para comparar variáveis qualitativas. Sobrevida livre de ECAM, morte, IAM e RVA foram estimadas por meio do método de Kaplan-Meier. Os grupos foram comparados pelo teste de log-rank. As diferenças foram consideradas estatisticamente significantes com valor de P < 0,05, e todos os valores de P relatados foram bicaudais. Os dados foram analisados por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 12.0 (SPSS Inc., Chicago, USA).

RESULTADOS

Características basais e do procedimento

Foram incluídos 195 pacientes, com média de idades de 69,6 ± 10,2 anos, sendo 73% do sexo masculino, 41% diabéticos e 65% com síndrome coronária aguda à admissão. A maioria foi tratada com stents convencionais (82,5%). Os Grupos Óstio e Corpo apresentavam características clínicas semelhantes, exceto por uma maior prevalência de insuficiência arterial periférica no segundo (1,4% vs. 11,1%; P = 0,02) (Figura). As características clínicas basais estão demonstradas na Tabela 1.


As características angiográficas e do procedimento estão apresentadas na Tabela 2. O território mais frequentemente tratado foi o suprido pela artéria circunflexa e seus ramos marginais (aproximadamente 40%). No procedimento índice, implantou-se, em média, 1,19 ± 0,52 stent por vaso, sendo que foram utilizados stents convencionais na maioria deles (82,5% no Grupo Óstio vs. 81,6% no Grupo Corpo; P = 0,84).

Em relação às medicações periprocedimento, também não houve diferença significativa entres os grupos. Houve tendência a menor taxa de sucesso angiográfico no Grupo Óstio (92,7% vs. 97,6%; P = 0,10). O diâmetro e comprimento médio dos stents foram, respectivamente, 3,56 ± 0,6 mm vs. 3,52 ± 0,6 mm (P = 0,82) e 18,7 ± 5,6 mm vs. 20,3 ± 6,6 mm (P = 0,71). A média do pico de CK-MB nas primeiras 48 horas após o procedimento foi de 40,9 ± 88 mg/dL vs. 49,2 ± 101 mg/dL (P = 0,35). Houve baixa taxa de utilização de dispositivos de proteção embólica distal (Filter Wire®): um dispositivo no Grupo Óstio e oito no Grupo Corpo (P = 0,19). A ocorrência de fenômeno de no reflow foi semelhante entre os grupos (8,6% vs. 7,9%; P = 0,85).

A mediana do tempo de seguimento foi de 31,7 ± 22,9 meses. Não houve diferença significativa entre os grupos quanto à mortalidade (31,7% vs. 35,6%; P = 0,95), a ocorrência de ECAM (67,7% vs. 63,3%; P = 0,31) ou a ocorrência de IAM (42% vs. 55%; P = 0,64). No entanto, no Grupo Óstio, houve maior ocorrência de RVA (50,8% vs. 22%; P = 0,03).

DISCUSSÃO

O principal achado deste estudo foi demonstrar uma ocorrência elevada de ECAM no seguimento tardio, independentemente da localização da lesão, com maior ocorrência de RVA em lesões de óstio. Esses achados devem ser interpretados no contexto dessa população, que é representativa da realidade brasileira e do cenário frequentemente encontrado na ICP-Saf.13-15 Trata-se de população de alto risco para novos eventos cardiovasculares, com mais de 60% de pacientes com síndrome coronária aguda, aproximadamente 40% diabéticos e mais de um terço de pacientes com insuficiência cardíaca e insuficiência renal crônica. Outrossim, houve uma baixa taxa de utilização de dispositivos de proteção embólica distal e foram usados stents convencionais em mais de 80% dos pacientes, por se tratar, em sua maioria, de procedimentos vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.

Alguns estudos têm demonstrado que as lesões de corpo dos enxertos de safena são mais associadas a complicações pós-procedimento e à pior evolução clínica precoce, em razão da embolização distal de debris aterotrombóticos para a circulação coronária nativa, resultando frequentemente em aumento de marcadores de necrose miocárdica ou em fluxo anterógrado reduzido (fenômeno de no reflow).1 Analisando apenas o subgrupo de pacientes com doença coronária estável (n = 66), houve maior ocorrência de infarto periprocedimento no Grupo Corpo (18,1% vs. 27,2%; P = 0,42), sem significância estatística, possivelmente devido ao pequeno número de pacientes com doença coronária estável.

Hong et al.8 publicaram estudo que avaliou, por meio de ultrassonografia intracoronária, as características das lesões aorto-ostiais e corpo de enxertos de safena, além da evolução clínica, mostrando maior incidência de morte e infarto para as lesões de corpo e taxas semelhantes de RVA entre os grupos. Ao contrário do presente estudo, cerca de 80% dos pacientes foram abordados com stents farmacológicos, e apenas 10 a 15% dos pacientes apresentavam o diagnóstico de IAM, caracterizando uma população de menor risco.

Toutouzas et al.5 demonstraram que as lesões aorto-ostiais de coronária nativa ou de enxertos de safena estão relacionadas à alta incidência de reestenose, não mostrando benefício de stent convencional recoberto por PTFE. Tradicionalmente, a presença de uma estenose aorto-ostial coloca o intervencionista em situação difícil, uma vez que essas lesões estão mais frequentemente associadas a resultados angiográficos subótimos em razão da maior resistência da lesão à dilatação, da presença de calcificação e da maior retração elástica do vaso.9 Iakovou et al.4 publicaram resultados clínicos e angiográficos, mostrando que o implante de stents farmacológicos, em comparação aos stents convencionais, em lesões aorto-ostiais, é seguro e efetivo, com diminuição nas taxas de reestenose.

Caños et al.16 publicaram dados que sugeriam que enxertos com falência precoce (< 1 ano após cirurgia) apresentavam doença degenerativa/aterosclerótica mais agressiva e difusa, sendo que as lesões culpadas eram localizadas predominantemente na porção aorto-ostial ou proximal (62% vs. 42%, respectivamente). Ellis et al.17 mostraram que a doença nos enxertos de safena tem caráter rapidamente progressivo, consequente, em grande parte, à evolução da doença nos segmentos não tratados, e que a ocorrência de RVA, após intervenção em enxertos de safena depois do primeiro ano, pode ocorrer mais comumente em locais não tratados e não na lesão-alvo. A reestenose e a progressão da doença aterosclerótica são a causa de fracasso da ICP-Saf a longo prazo,17,18 podendo justificar a evolução clínica desfavorável em ambos os grupos e a maior incidência de RVA no Grupo Óstio.

Limitações do estudo

As principais limitações deste estudo foram: seu caráter retrospectivo e observacional, com limitações inerentes a esse tipo de investigação; o pequeno número de pacientes tratados com stents farmacológicos; e a baixa taxa de utilização de dispositivos de proteção embólica distal.

Ainda assim, a presente casuística pode demonstrar as dificuldades inerentes à ICP-Saf, principalmente no que diz respeito à grande incidência de eventos adversos no seguimento tardio dessa população brasileira da prática clínica. Outrossim, é expressiva a taxa de RVA nas lesões aorto-ostiais em comparação às de corpo dos enxertos de safena. Estudos específicos são necessários para esclarecer a melhor conduta e estratégia de seguimento para pacientes submetidos à ICP-Saf, particularmente, nas lesões aorto-ostiais.

CONCLUSÕES

Pacientes com revascularização cirúrgica prévia que necessitam de intervenções coronárias percutâneas em enxertos de veia safena compõem um subgrupo de risco elevado, com alta mortalidade tardia, independentemente da localização da lesão no enxerto. Em pacientes tratados predominantemente com stents não farmacológicos, as lesões aorto-ostiais apresentaram maior taxa de reintervenção que lesões de corpo dos enxertos de safena.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 10/7/2013

Aceito em: 31/8/2013

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  • Endereço para correspondência:
    Pedro Alves Lemos Neto
    Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 - Jardim Paulista
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 05403-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Jul 2013
    • Aceito
      31 Ago 2013
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
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