Acessibilidade / Reportar erro

Realização de angioplastia coronária com volume total de três mililitros de contraste

Coronary angioplasty performed with a total volume of three milliliters of contrast

Resumos

A administração sistêmica de meio de contraste iodado pode ocasionar o desenvolvimento de nefropatia induzida por contraste, cuja incidência é consideravelmente maior nos diabéticos e idosos e naqueles com doença renal preexistente, e está vinculada a aumento da morbidade e da mortalidade. Não há tratamento específico para a nefropatia induzida por contraste e uma das maneiras de preveni-la é usar pequeno volume de contraste. Relatamos um caso de implante de stent coronário em paciente com insuficiência renal crônica e síndrome coronária aguda, no qual foram utilizados apenas 3 ml de contraste, empregando o sistema de injeção ACIST TM e o ultrassom intracoronário para auxiliar o procedimento.

Angioplastia; Stents; Insuficiência renal crônica; Síndrome coronária aguda; Meios de contraste


The systemic administration of iodinated contrast media may lead to the development of contrast-induced nephropathy, with a particular higher incidence in diabetics, in the elderly and in those with preexisting renal disease, and is associated with increased morbidity and mortality. There is no specific treatment for contrast-induced nephropathy and one way to prevent it is to use a small volume of contrast media. We report a case of coronary stent implantation in a patient with chronic renal failure and acute coronary syndrome, using only 3 ml of contrast, utilizing the ACIST TM injection system and intravascular ultrasound to aid the procedure.

Angioplasty; Stents. Renal insufficiency; chronic; Acute coronary syndrome; Contrast media


RELATO DE CASO

Realização de angioplastia coronária com volume total de três mililitros de contraste

Coronary angioplasty performed with a total volume of three milliliters of contrast

Gustavo Monteiro; Rodolfo Staico; Wersley Araújo; Ricardo Costa; Áurea Chaves; Fausto Feres

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia São Paulo, SP, Brasil.

RESUMO

A administração sistêmica de meio de contraste iodado pode ocasionar o desenvolvimento de nefropatia induzida por contraste, cuja incidência é consideravelmente maior nos diabéticos e idosos e naqueles com doença renal preexistente, e está vinculada a aumento da morbidade e da mortalidade. Não há tratamento específico para a nefropatia induzida por contraste e uma das maneiras de preveni-la é usar pequeno volume de contraste. Relatamos um caso de implante de stent coronário em paciente com insuficiência renal crônica e síndrome coronária aguda, no qual foram utilizados apenas 3 ml de contraste, empregando o sistema de injeção ACISTTM e o ultrassom intracoronário para auxiliar o procedimento.

Descritores: Angioplastia. Stents. Insuficiência renal crônica. Síndrome coronária aguda. Meios de contraste.

ABSTRACT

The systemic administration of iodinated contrast media may lead to the development of contrast-induced nephropathy, with a particular higher incidence in diabetics, in the elderly and in those with preexisting renal disease, and is associated with increased morbidity and mortality. There is no specific treatment for contrast-induced nephropathy and one way to prevent it is to use a small volume of contrast media. We report a case of coronary stent implantation in a patient with chronic renal failure and acute coronary syndrome, using only 3 ml of contrast, utilizing the ACISTTM injection system and intravascular ultrasound to aid the procedure.

Keywords: Angioplasty. Stents. Renal insufficiency, chronic. Acute coronary syndrome. Contrast media.

A administração de meios de contraste iodado em exames diagnósticos e terapêuticos pode ocasionar o desenvolvimento de insuficiência renal aguda, denominada nefropatia induzida por contraste, e definida como aumento > 25% da creatinina sérica em relação aos valores pré-procedimento, 72 horas após a administração do contraste. Agentes de contraste radiológico são a terceira causa mais comum de nefropatia entre os pacientes internados, sendo responsáveis por 11% a 12% dos casos. A nefropatia induzida por contraste tem incidência consideravelmente maior nos diabéticos, nos idosos e naqueles com doença renal preexistente, quando comparados com a população geral. Está vinculada a consequências como hospitalização prolongada, diálise e mortalidade.1-3 Não há tratamento específico e o manejo da doença visa à correção de distúrbios hidroeletrolíticos e manutenção da volemia. A melhor terapêutica é sua prevenção, que pode ser realizada tomando-se algumas precauções1-4:

nos casos de disfunção renal prévia (clearance de creatinina < 60 ml/min), é necessário "preparo renal" com a administração de soro fisiológico 0,9% intravenoso, 6-12 horas antes e 12-24 horas pós-procedimento _ a hidratação adequada é a única estratégia profilática benéfica para a nefropatia induzida por contraste, com robusta e inconteste evidência científica na atualidade;

usar volume pequeno de contraste (nos casos com clearance de creatinina < 60 ml/min, usar agente de contraste de baixa osmolaridade ou iso-osmolar) a razão do volume de contraste/clearance de creatinina > 2,62 é um preditor independente de nefropatia induzida por contraste em pacientes não-selecionados, após intervenção coronária percutânea (ICP)5;

- evitar a depleção de volume e o uso concomitante de fármacos anti-inflamatórios;

- evitar a readministração do meio de contraste dentro de 48-72 horas do exame índex (ou dentro de 7-10 dias, no caso de nefropatia induzida por contraste);

- a injeção manual de contraste com seringa é o método atual mais utilizado para a realização de angiografia coronária; porém, o sistema de injeção ACISTTM (ACIST Medical Systems, Eden Prairie, Estados Unidos) permite injeções controladas de contraste, é de uso fácil e oferece imagens com qualidade satisfatória, mesmo com cateteres de pequeno calibre. O painel de controle do equipamento permite configurar os parâmetros de cada injeção, ajustando o volume e o fluxo de contraste e reduzindo, ao final, a quantidade de contraste utilizada nos procedimentos.6-8

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 77 anos, portador de hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, insuficiência renal crônica não-dialítica (creatinina sérica = 1,3 mg/dl, clearance de creatinina calculado = 35 ml/min), psoríase e neoplasia de reto, tratada com cirurgia, quimioterapia e radioterapia há três anos. Estava em uso regular de atenolol (25 mg/dia), enalapril (10 mg/dia), ácido acetilsalicílico (100 mg/dia) e sinvastatina (20 mg/dia).

Apresentou infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST, sendo internado na Unidade Coronária (UCO) do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia em setembro de 2011 e medicado adicionalmente com clopidogrel (300 mg de ataque e 75 mg/dia) e enoxaparina (1 mg/kg/dia). Evoluiu assintomático e foi submetido a cinecoronariografia, após "preparo renal", no terceiro dia de internação. O exame mostrou: circulação coronária de padrão balanceado; coronária direita, tronco da coronária esquerda e artéria descendente anterior sem lesões obstrutivas significativas; e artéria circunflexa com lesão obstrutiva de 30% no óstio, lesão de 70% proximal seguida por outra de 90% no primeiro ramo marginal, o qual exibe lesão de 60% no óstio de um sub-ramo (Figura 1). A ventriculografia esquerda evidenciou volumes finais preservados e hipocinesias apical e lateral discretas. Foram utilizados, no exame, 40 ml de contraste de baixa osmolaridade HexabrixTM (Guerbet LLC, Bloomington, Estados Unidos).


Após a cinecoronariografia, o paciente retornou para a UCO e foi decidida revascularização miocárdica percutânea com implante de stent na lesão proximal da circunflexa, programada para duas semanas, em decorrência de insuficiência renal prévia. Após dois dias, o paciente apresentou instabilização do quadro, com angina de repouso refratária ao tratamento clínico. A creatinina sérica mantinha-se em 1,3 mg/dl. Decidiu-se pela realização de angioplastia coronária com mínima quantidade de meio de contraste de baixa osmolaridade, com auxílio do sistema de injeção ACISTTM CMS2000 e do ultrassom intracoronário (sistema iLabTM e cateter AtlantisTM SR Pro, Boston Scientific, Natick, Estados Unidos) para guiar o implante do stent.

Durante o procedimento terapêutico, a cateterização da coronária esquerda com o cateter-guia LauncherTM EBU 3,5/6 F (Medtronic, Minneapolis, Estados Unidos), a passagem do fio-guia 0,014 polegada ChoICE PT2TM MS (Boston Scientific, Natick, Estados Unidos) e o posicionamento do balão TREKTM 2,5/20 mm (Abbott Vascular, Temecula, Estados Unidos) para a pré-dilatação da lesão proximal da circunflexa foram realizados sem o uso de contraste, e orientados apenas pela anatomia visualizada na cinecoronariografia prévia. Após a pré—dilatação até 13 atm e desinsuflação do balão, mas mantendo-o ainda na mesma posição para mensuração da extensão da lesão por meio de suas marcas radiopacas, foi injetado 1 ml de contraste para controle angiográfico, visando à constatação do bom fluxo coronário e da ausência de dissecção que alterasse o planejamento inicial. Foi, então, realizado ultrassom intracoronário para determinar a extensão e o diâmetro do stent a ser implantado. Foi escolhido um stent VisionTM 3,5/28 mm (Abbott Vascular, Temecula, Estados Unidos), posicionado no segmento a ser tratado com injeção de 0,5 ml de meio de contraste. O stent foi liberado com pressão de 5 atm, evitando dissecção de bordas (Figura 2). Em seguida, foi posicionado, com precisão milimétrica, balão não-complacente TREK NCTM 3,5/15 mm para a pós-dilatação, 1 mm aquém das bordas do stent, com a ajuda do software IC StentTM (Siemens, Munique, Alemanha) e hiperinsuflado até 25 atm. O ultrassom intracoronário foi realizado novamente para documentação do implante ótimo do stent. Ao final, a angiografia de controle para a constatação do fluxo TIMI 3 foi realizada com 1,5 ml, totalizando 3 ml de contraste no procedimento (Figura 3).



DISCUSSÃO

Há poucos relatos na literatura utilizando-se a fluoroscopia, o ultrassom intracoronário ou outros métodos para guiar uma intervenção, visando a reduzir o volume de contraste ou, até mesmo, não utilizá-lo. Cook e Rees9 realizaram angioplastia na bifurcação aórtica em paciente com reação grave prévia ao contraste, utilizando ultrassom intracoronário e fluoroscopia para guiar o procedimento. Matthews e Thomas10 realizaram angioplastia com stent em veia central guiada por ultrassom intracoronário, sem o uso de contraste, obtendo resultado ótimo, confirmado pela expansão e pela aposição apropriadas do stent. Okura et al.11 submeteram paciente com alergia ao contraste a ICP com stent, escolhendo o tamanho da prótese com auxílio do ultrassom intracoronário, que serviu também para averiguar a expansão da prótese e a ausência de dissecção/aposição incompleta das hastes. Utilizaram também o fio-guia Doppler para constatar o fluxo anterógrado. Yamamoto et al.12 realizaram ICP em 2 pacientes com insuficiência renal crônica utilizando menos de 20 ml de contraste.

Alternativas ao uso dos radiocontrastes iodados em intervenções endovasculares têm sido descritas. O gadolínio é proposto como uma das opções naqueles pacientes com insuficiência renal ou outra razão para evitar-se o uso de contraste.13 A qualidade da imagem é adequada, ainda que inferior à dos contrastes iodados. Porém, não se pode esquecer o risco de desenvolvimento de fibrose sistêmica nefrogênica com esse agente, principalmente naqueles pacientes com doença renal em estágio avançado e sob diálise. Outra opção é o dióxido de carbono (CO2). Caridi et al.14 descreveram angioplastias renais em 21 pacientes de alto risco usando o CO2 como meio de contraste durante angiografia por subtração digital.

Para aqueles com ampla experiência em ICP, a técnica de angioplastia coronária com mínima quantidade de contraste iodado é exequível e segura. O uso do ultrassom intracoronário auxilia no procedimento, mas não é obrigatório quando se usa pequena quantidade de contraste, como no caso descrito. A injeção de contraste é útil para checagem do fluxo coronário após a pré-dilatação (quando essa for realizada, ou seja, não necessária no implante de stent direto), no posicionamento preciso do stent e para verificação da qualidade do fluxo final. Para a realização de angioplastia totalmente sem o uso de meio de contraste, o ultrassom intracoronário é imprescindível, do mesmo modo que o fio-guia Doppler, para avaliação do fluxo anterógrado final. A qualidade adequada da imagem da fluoroscopia também facilita a intervenção, assim como ferramentas existentes nos equipamentos mais modernos de angiografia digital, como o software IC StentTM, usado nesse caso, que permite visibilização ótima das hastes do stent implantado.

Concluímos que diante do aumento significativo do número de exames com aplicação de agentes de contraste à base de iodo é necessária uma cooperação estreita entre o médico clínico e o intervencionista (cardiologista, radiologista ou vascular). Para a proteção dos pacientes é indispensável indicar os exames que empregam contraste iodado de forma responsável, identificar aqueles com fatores de risco, adotar medidas preventivas adequadas e monitorar a função renal. Ante equipamentos apropriados, operadores treinados e, sobretudo, bom-senso, cada vez mais novos desafios são transpostos na cardiologia intervencionista.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Correspondência

Rodolfo Staico

Av. Dr. Dante Pazzanese

500 Vila Mariana São Paulo, SP, Brasil

CEP 04012-909

E-mail: r_staico@hotmail.com

Recebido em: 26/9/2011

Aceito em: 5/12/2011

  • 1. Maliborski A, Zukowski P, Nowicki G, Boguslawska R. Contrast-induced nephropathy - a review of current literature and guidelines. Med Sci Monit. 2011;17(9):RA199-204.
  • 2. de Bie MK, van Rees JB, Herzog CA, Rabelink TJ, Schalij MJ, Jukema JW. How to reduce the incidence of contrast induced acute kidney injury after cardiac invasive procedures, a review and practical recommendations. Curr Med Res Opin. 2011; 27(7):1347-57.
  • 3. Lepanto L, Tang A, Murphy-Lavallee J, Billiard JS. The Canadian Association of Radiologists Guidelines for the Prevention of Contrast-induced Nephropathy: A Critical Appraisal. Can Assoc Radiol J. 2011;62(4):238-42.
  • 4. Pannu N, Wiebe N, Tonelli M; Alberta Kidney Disease Network. Prophylaxis strategies for contrast-induced nephropathy. JAMA. 2006;295(23):2765-79.
  • 5. Tan N, Liu Y, Zhou YL, He PC, Yang JQ, Luo JF, et al. Contrast medium volume to creatinine clearance ratio: a predictor of contrast-induced nephropathy in the first 72 hours following percutaneous coronary intervention. Catheter Cardiovasc Interv. 2011;79(1):70-5.
  • 6. Goldstein JA, Kern M, Wilson R. A novel automated injection system for angiography. J Interv Cardiol. 2001;14(2):147-52.
  • 7. Anne G, Gruberg L, Huber A, Nikolsky E, Grenadier E, Boulus M, et al. Traditional versus automated injection contrast system in diagnostic and percutaneous coronary interventional procedures: comparison of the contrast volume delivered. J Invasive Cardiol. 2004;16(7):360-2.
  • 8. Brosh D, Assali A, Vaknin-Assa H, Fuchs S, Teplitsky I, Shor N, et al. The ACIST power injection system reduces the amount of contrast media delivered to the patient, as well as fluoroscopy time, during diagnostic and interventional cardiac procedures. Int J Cardiovasc Intervent. 2005;7(4):183-7.
  • 9. Cook C, Rees M. Ultrasound and fluoroscopic-guided angioplasty over the aortic bifurcation in a patient with previous severe reaction to contrast medium. J Endovasc Ther. 2001;8(6): 648-51.
  • 10. Matthews R, Thomas J. Intravascular ultrasound-guided central vein angioplasty and stenting without the use of radiographic contrast agents. J Clin Ultrassound. 2008;36(4):254-6.
  • 11. Okura H, Nezuo S, Yoshida K. Successful stent implantation guided by intravascular ultrasound and a Doppler guidewire without contrast injection in a patient with allergy to iodinated contrast media. J Invsive Cardiol. 2011;23(7):297-99.
  • 12. Yamamoto E, Takano H, Takayama M. Percutaneous coronary intervention under the rigid restriction of contrast media dose in patients with chronic renal insufficiency. J Invasive Cardiol. 2006;18(6):E169-72.
  • 13. Nyman U, Golman K. Regarding "safety of gadolinium contrast angiography in patients with chronic renal insufficiency". J Vasc Surg. 2004;40(1):204; author reply 204.
  • 14. Caridi JG, Stavropoulos SW, Hawkins IF Jr. CO2 digital subtraction angiography for renal artery angioplasty in high-risk patients. AJR Am J Roentgenol. 1999;173(6):1551-6.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      05 Dez 2011
    • Recebido
      25 Set 2011
  • Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br