Acessibilidade / Reportar erro

Tônus e diâmetro arterial coronário não se correlacionam com o grau de denervação autonômica em pacientes com cardiopatia chagásica crônica

Coronary artery diameter and baseline tonus do not correlate with degree of cardiac parasympathetic impairment in patients with chronic chagas cardiomyopathy

Resumos

INTRODUÇÃO: Portadores de cardiopatia chagásica crônica (CCC) apresentam precoce e intensa disautonomia, postulando-se potenciais anormalidades vasomotoras coronárias e conseqüente isquemia e fibrose miocárdica. Esta investigação correlacionou o grau de denervação parassimpática cardíaca com o diâmetro e o tônus arterial coronário. MÉTODO: Em 18 pacientes com CCC (55 ± 9 anos, 8 do gênero masculino) e 23 voluntários normais (37 ± 11 anos, 16 do gênero masculino), avaliou-se a sensibilidade barorreflexa (SBR) com monitoração contínua da pressão arterial (PA) e indução de aumentos transitórios da PA por administração endovenosa de fenilefrina (50 µg a 150 µg). Cateterismo cardíaco com cinecoronariografia basal e 5 minutos após 5 mg de dinitrato de isossorbida (DNIS) foi realizado em pacientes chagásicos. Análise quantitativa do diâmetro arterial coronário foi realizada off-line nas duas condições. O tônus basal arterial coronário foi estimado pelo aumento porcentual do diâmetro após DNIS. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) foi calculada pelo método de Dodge biplanar na ventriculografia de contraste, usando-se ecocardiografia bidimensional para o diâmetro diastólico (DDVE) e estimativa da massa do ventrículo esquerdo. RESULTADOS: Verificou-se acentuada redução da SBR (4,1 ± 1,7 ms/mmHg) na CCC comparativamente aos controles (15,0 ± 1,5 ms/mmHg) (p < 0,001). O diâmetro coronário médio foi de 2,2 ± 0,3 mm, correlacionando-se significativamente com variáveis expressando remodelamento cardíaco: FEVE (p = 0,017, R = 0,554), DDVE (p = 0,0036, R = 0,648) e massa VE (p = 0,022, R = 0,534). Não foi observada correlação significante entre diâmetro coronário e SBR (p = 0,457, R = 0,187). O tônus arterial coronário basal foi de 13 ± 17%, sem correlação com qualquer variável, incluindo o diâmetro coronário (p = 0,386, R = 0,218) e a SBR (p = 0,822, R = 0,057). CONCLUSÕES: A denervação parassimpática não parece influenciar o diâmetro e o tônus arterial coronário basal na CCC.

Doença de chagas; Doenças do sistema nervoso autônomo; Sistema vasomotor; Circulação coronária


BACKGROUND: Chronic Chagas Cardiomyopathy (CCC) induces early severe cardiac dysautonomia, potentially causing derangements in the regulation of coronary vasomotion and leading to myocardial ischemia and fibrosis. We assessed the correlation between dysautonomia severity and coronary artery diameter and tonus. METHODS: Eighteen patients with CCC (55±9 yrs, 8 males) and 23 normal volunteers (37±11 yrs, 16 males) were investigated. Both groups underwent evaluation of baroreflex sensitivity (BRS) by means of invasive arterial pressure (AP) monitoring and transient increases of AP induced by intravenous phenilephrinefrin injections (50-150µg). Patients with CCC had cardiac catheterization and coronary angiography at baseline and 5 min. after administration of 5mg of isosorbidedinitrate (ISDN). Quantitative coronary analysis was performed off-line for both conditions (baseline and post-ISDN). Baseline coronary artery tonus was calculated by the percent diameter increase after ISDN. LVEF was calculated by Dodge biplane method from contrast ventriculography and 2D-echocardiogram was used for the measurement of LV diastolic diameter and mass. RESULTS: CCC patients showed severe reduction of the BRS (4.1 ± 1.7 ms/mmHg) as compared to controls (15.0 ± 1.5 ms/mmHg), p < 0.001. Mean coronary artery diameter was 2.2 ± 0.3 mm, and was significantly correlated with parameters of LV remodeling: LEFF (p = 0.017, R = 0.554), LVDD (p = 0.0036, R = 0.648) and LV mass (p = 0.022, R = 0.534). No significant correlation occurred between coronary diameter and the BRS (p = 0.457, R = 0.187). Baseline coronary tonus was 13 ± 17%, without correlation with any variables, including coronary diameter (p = 0.386, R = 0.218) and BRS (p = 0.822, R = 0.057). CONCLUSIONS: Cardiac parasympathetic impairment does not seem to determine coronary artery diameter and tonus in patients with CCC.

Chagas disease; Autonomic nervous system diseases; Vasomotor system; Coronary circulation


ARTIGO ORIGINAL

Tônus e diâmetro arterial coronário não se correlacionam com o grau de denervação autonômica em pacientes com cardiopatia chagásica crônica

Coronary artery diameter and baseline tonus do not correlate with degree of cardiac parasympathetic impairment in patients with chronic chagas cardiomyopathy

Marcus Vinicius Simões; Guilherme Bromberg Marin; Cleide Marques Antloga; Benedito Carlos Maciel; José Antonio Marin-Neto

Divisão de Cardiologia, Departamento de Clínica Médica, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Ribeirão Preto, SP

Correspondência Correspondência: José Antonio Marin-Neto Rua João Gomes Rocha, 880 - apto. 201 - Jardim Irajá Ribeirão Preto, SP - CEP 14020-550 E-mail: marin_neto@yahoo.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Portadores de cardiopatia chagásica crônica (CCC) apresentam precoce e intensa disautonomia, postulando-se potenciais anormalidades vasomotoras coronárias e conseqüente isquemia e fibrose miocárdica. Esta investigação correlacionou o grau de denervação parassimpática cardíaca com o diâmetro e o tônus arterial coronário.

MÉTODO: Em 18 pacientes com CCC (55 ± 9 anos, 8 do gênero masculino) e 23 voluntários normais (37 ± 11 anos, 16 do gênero masculino), avaliou-se a sensibilidade barorreflexa (SBR) com monitoração contínua da pressão arterial (PA) e indução de aumentos transitórios da PA por administração endovenosa de fenilefrina (50 µg a 150 µg). Cateterismo cardíaco com cinecoronariografia basal e 5 minutos após 5 mg de dinitrato de isossorbida (DNIS) foi realizado em pacientes chagásicos. Análise quantitativa do diâmetro arterial coronário foi realizada off-line nas duas condições. O tônus basal arterial coronário foi estimado pelo aumento porcentual do diâmetro após DNIS. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) foi calculada pelo método de Dodge biplanar na ventriculografia de contraste, usando-se ecocardiografia bidimensional para o diâmetro diastólico (DDVE) e estimativa da massa do ventrículo esquerdo.

RESULTADOS: Verificou-se acentuada redução da SBR (4,1 ± 1,7 ms/mmHg) na CCC comparativamente aos controles (15,0 ± 1,5 ms/mmHg) (p < 0,001). O diâmetro coronário médio foi de 2,2 ± 0,3 mm, correlacionando-se significativamente com variáveis expressando remodelamento cardíaco: FEVE (p = 0,017, R = 0,554), DDVE (p = 0,0036, R = 0,648) e massa VE (p = 0,022, R = 0,534). Não foi observada correlação significante entre diâmetro coronário e SBR (p = 0,457, R = 0,187). O tônus arterial coronário basal foi de 13 ± 17%, sem correlação com qualquer variável, incluindo o diâmetro coronário (p = 0,386, R = 0,218) e a SBR (p = 0,822, R = 0,057).

CONCLUSÕES: A denervação parassimpática não parece influenciar o diâmetro e o tônus arterial coronário basal na CCC.

Descritores: Doença de chagas. Doenças do sistema nervoso autônomo. Sistema vasomotor. Circulação coronária.

SUMMARY

BACKGROUND: Chronic Chagas Cardiomyopathy (CCC) induces early severe cardiac dysautonomia, potentially causing derangements in the regulation of coronary vasomotion and leading to myocardial ischemia and fibrosis. We assessed the correlation between dysautonomia severity and coronary artery diameter and tonus.

METHODS: Eighteen patients with CCC (55±9 yrs, 8 males) and 23 normal volunteers (37±11 yrs, 16 males) were investigated. Both groups underwent evaluation of baroreflex sensitivity (BRS) by means of invasive arterial pressure (AP) monitoring and transient increases of AP induced by intravenous phenilephrinefrin injections (50-150µg). Patients with CCC had cardiac catheterization and coronary angiography at baseline and 5 min. after administration of 5mg of isosorbidedinitrate (ISDN). Quantitative coronary analysis was performed off-line for both conditions (baseline and post-ISDN). Baseline coronary artery tonus was calculated by the percent diameter increase after ISDN. LVEF was calculated by Dodge biplane method from contrast ventriculography and 2D-echocardiogram was used for the measurement of LV diastolic diameter and mass.

RESULTS: CCC patients showed severe reduction of the BRS (4.1 ± 1.7 ms/mmHg) as compared to controls (15.0 ± 1.5 ms/mmHg), p < 0.001. Mean coronary artery diameter was 2.2 ± 0.3 mm, and was significantly correlated with parameters of LV remodeling: LEFF (p = 0.017, R = 0.554), LVDD (p = 0.0036, R = 0.648) and LV mass (p = 0.022, R = 0.534). No significant correlation occurred between coronary diameter and the BRS (p = 0.457, R = 0.187). Baseline coronary tonus was 13 ± 17%, without correlation with any variables, including coronary diameter (p = 0.386, R = 0.218) and BRS (p = 0.822, R = 0.057).

CONCLUSIONS: Cardiac parasympathetic impairment does not seem to determine coronary artery diameter and tonus in patients with CCC.

Descriptors: Chagas disease. Autonomic nervous system diseases. Vasomotor system. Coronary circulation.

A cardiopatia chagásica crônica constitui causa expressiva de morbidade e mortalidade em vários países americanos1. A despeito de quase um século de estudos, muitos aspectos de sua fisiopatogênese ainda não são completamente entendidos2. Um de seus aspectos mais marcantes reside em intensa e precoce denervação autonômica cardíaca. Isso foi evidenciado inicialmente por estudos anatomopatológicos em corações de pacientes falecidos com a doença, que revelaram intensa depopulação neuronal parassimpática3,4. Posteriormente, estudos funcionais in vivo, utilizando diferentes métodos de investigação, foram conclusivos em documentar extenso e precoce prejuízo do controle autonômico cardíaco5-8.

Com base nessas observações, propôs-se que a denervação participasse dos mecanismos que produzem dano miocárdico cumulativo nessa forma de miocardiopatia3,9. Segundo essa "teoria neurogênica", o desequilíbrio autonômico causado pelo predomínio da denervação cardíaca parassimpática cursaria com hiperestimulação adrenérgica crônica do coração, a qual produziria degeneração miocárdica. Contudo, nunca foram elucidadas as possíveis vias fisiopatológicas pelas quais o desequilíbrio autonômico promoveria dano às fibras cardíacas. Um vínculo fisiopatológico possível poderia ser decorrente de anormalidades da vasomotricidade arterial coronária, cursando com desenvolvimento de isquemia e fibrose miocárdica10.

Seguindo essa hipótese fisiopatológica, relatou-se aumento da capacidade do leito arterial coronário em estudos necroscópicos de pacientes portadores de cardiopatia chagásica crônica10. Essa característica foi interpretada pelos autores como resultando de hipotética preponderância do tônus vasodilatador coronário associado à postulada hiperestimulação adrenérgica crônica sobre o leito vascular coronário; assim, especulou-se que consistiria evidência indireta da relevância fisiopatológica da neuropatia nessa doença.

Ainda que atrativa, essa hipótese permanece especulativa, restando por ser demonstrado o possível elo fisiopatológico primordial, isto é, estabelecer-se a relação entre denervação cardíaca, potenciais anormalidades do tônus arterial coronário dela decorrentes, e eventuais alterações da função ventricular em pacientes com cardiopatia chagásica crônica.

O objetivo desta investigação foi avaliar a correlação entre o diâmetro e o tônus basal dos vasos arteriais coronários subepicárdicos, a gravidade da denervação cardíaca parassimpática, e os índices de desempenho ventricular em pacientes com cardiopatia chagásica crônica.

MÉTODO

A população do estudo consistiu de 18 pacientes consecutivos, apresentando testes sorológicos positivos para doença de Chagas, com sintomas e sinais físicos e laboratoriais de cardiopatia chagásica crônica, e dor precordial justificando a realização do cateterismo cardíaco como parte da avaliação diagnóstica. Segundo os critérios de inclusão, os pacientes também deveriam estar ambulatorialmente estáveis, sem sinais de insuficiência cardíaca ou arritmia ventricular grave e em ritmo sinusal. Pacientes exibindo comorbidades que pudessem afetar o sistema cardiovascular e causar denervação autonômica foram excluídos (por exemplo, hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, colagenoses).

Todos os pacientes foram investigados após assinatura de termo de consentimento esclarecido, tendo sido a investigação aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição. As características demográficas, clínicas e laboratoriais da população investigada estão resumidas na Tabela 1.

Para análise comparativa, 23 voluntários normais (37 ± 11 anos, 16 do gênero masculino) foram investigados paralelamente e submetidos a avaliação autonômica.

Avaliação autonômica

Pacientes e controles foram estudados em estado pós-absortivo (2-4 horas após refeição padrão). As medicações cardiovasculares foram suspensas 48 horas antes do estudo.

Ambos os grupos tiveram mensuração e monitoração contínua intravascular da pressão arterial sistêmica. No grupo de controles normais, esse procedimento foi realizado por punção percutânea da artéria braquial, utilizando cateter flexível 20 gauge e, nos pacientes com cardiopatia chagásica, as curvas de pressão arterial foram obtidas durante o cateterismo cardíaco diagnóstico e a coronariografia pela técnica de Sones, tendo-se posicionado o cateter na porção proximal da aorta. As linhas arteriais foram conectadas a um transdutor de forma a obter-se registro contínuo da pressão arterial fásica, simultaneamente ao registro do eletrocardiograma (Sistema Hewllet-Packard 8890B).

Após registros na condição basal, realizou-se avaliação da sensibilidade barorreflexa, seguindo-se métodos padronizados anteriormente no laboratório7. Resumidamente, elevações transitórias da pressão arterial foram produzidas por meio de injeções endovenosas periféricas de fenilefrina, em doses variando de 50 µg a 150 µg. Registro contínuo do eletrocardiograma e da curva de pressão arterial fásica foi sempre obtido a partir da situação basal até o pico do valor de pressão arterial sistólica. O cálculo da sensibilidade barorreflexa baseou-se em análise de correlação entre os valores da pressão arterial sistólica e os intervalos RR do ciclo cardíaco subseqüentes, medidos na porção ascendente da curva de pressão arterial, imediatamente após a injeção do agente vasopressor (fenilefrina). Os 10 a 20 pontos resultantes de cada injeção foram plotados e submetidos a regressão linear. O valor da inclinação da reta de regressão ajustada (slope) foi tomado como índice de sensibilidade barorreflexa (ms/mmHg)7.

Angiografia quantitativa

Os pacientes com cardiopatia chagásica crônica foram submetidos a cateterismo cardíaco com realização de coronariografia e cineventriculografia de contraste radiológico pela técnica de Sones. A angiografia do ventrículo esquerdo foi obtida em projeções oblíquas anteriores direita e esquerda para permitir o cálculo da fração de ejeção do ventrículo esquerdo pelo método biplanar de Dodge. Após a coronariografia basal, com intenção de se obter a avaliação do tônus arterial coronário, nova coronariografia foi obtida cinco minutos após administração de 5 mg de dinitrato de isossorbida (DNIS) por via sublingual.

Os diâmetros das artérias coronárias subepicárdicas foram medidos off-line em sistema digital dedicado para análise angiográfica quantitativa, com detecção semi-automática de bordas, com software Artrek (Quantim 2000-1, Stat View, ImageComm Systems, Inc.)11, por investigador "mascarado" relativamente a outros parâmetros e variáveis mensuradas no estudo. Diâmetros arteriais coronários foram medidos nos segmentos proximal, médio e distal da artéria interventricular anterior esquerda, da artéria circunflexa e da coronária direita, antes e após a administração do nitrato por via sub-lingual. Para cada paciente obtinha-se um valor médio das mensurações observadas nos três segmentos das três artérias analisadas. Especial cuidado foi dispensado para que os segmentos arteriais submetidos a análise fossem sempre os mesmos, para cada paciente, nas duas condições (basal e após nitrato) do estudo.

O aumento porcentual do diâmetro arterial coronário da condição basal para a condição após DNIS foi usado para estimativa do tônus arterial coronário12.

Ecocardiograma

Ecocardiograma bidimensional transtorácico em repouso foi realizado em outro dia de estudo, respeitando-se intervalo temporal máximo de 30 dias em relação ao cateterismo cardíaco. Análises por observador experiente focaram variáveis do grau de remodelamento ventricular esquerdo: diâmetro diastólico e estimativa de massa miocárdica.

Análise estatística

As variáveis são descritas como médias e desvios padrão da média. A distribuição gaussiana dos dados foi aferida utilizando-se o teste de Kolmogorov-Smirnoff. Utilizou-se o teste t de Student para comparação entre médias, e o teste de correlação de Pearson para testar a correlação entre as variáveis. Assumiu-se como nível de significância probabilidade < 5%.

RESULTADOS

Os portadores de doença de Chagas apresentaram redução acentuada da sensibilidade barorreflexa (4,1 ± 1,7 ms/mmHg) quando comparados aos indivíduos controles normais (15 ± 1,5 ms/mmHg) (p < 0,001).

O diâmetro arterial coronário basal apresentou valor médio de 2,2 ± 0,3 mm. Os resultados das análises de correlação entre os valores individuais do diâmetro arterial coronário e as demais variáveis investigadas estão resumidos na Tabela 2. Observaramse correlações significativas do diâmetro coronário basal com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo e com as variáveis que estimam o grau de remodelamento ventricular esquerdo: massa ventricular esquerda e diâmetro diastólico ventricular esquerdo (Figura 1). Contudo, não se encontrou correlação significativa com o índice da sensibilidade barorreflexa (p = 0,46, R = 0,19) (Figura 2).



Em outra forma de análise, os pacientes chagásicos foram divididos em dois subgrupos: Grupo A, com acentuada redução da sensibilidade barorreflexa (n = 11), exibindo valores individuais de sensibilidade barorreflexa < 4,2 ms/mmHg, que correspondeu ao limite de dois desvios padrão abaixo da média observada nos controles normais; e Grupo B, compreendendo pacientes apresentando valores de sensibilidade barorreflexa > 4,2 ms/mmHg (n = 7), considerados normais ou levemente reduzidos. Dessa forma, obtiveram-se valores de diâmetro arterial coronário semelhantes na comparação entre os grupos com acentuada denervação autonômica (2,2 ± 0,3 mm) e com denervação leve (2,3 ± 0,22 mm) (p = 0,32).

O tônus arterial coronário basal, estimado pelo aumento porcentual de diâmetro coronário após administração de DNIS, foi de 13 ± 17%, variando de -9% a +73%. A Figura 3 ilustra exemplo de análise quantitativa, demonstrando a variação do calibre do segmento proximal da artéria interventricular anterior esquerda em paciente do estudo.


Não se observou correlação significativa entre o tônus arterial coronário e o diâmetro arterial coronário basal (p = 0,39, R = 0,22) ou com qualquer das demais variáveis que avaliaram o desempenho e o remodelamento ventricular esquerdo (Tabela 2).

Da mesma forma, nenhuma correlação significativa pôde ser demonstrada entre os valores individuais de sensibilidade barorreflexa e os valores correspondentes do índice do tônus arterial coronário basal (p = 0,88, R = 0,03) (Figura 4). Valores semelhantes de índice de tônus arterial coronário foram também registrados nos grupos com denervação discreta (14 ± 21%) e com grave denervação (13 ± 8%) (Figura 5).



DISCUSSÃO

Dentre as variáveis investigadas, apenas aquelas vinculadas ao grau de disfunção ventricular e de cardiomegalia/remodelamento cardíaco apresentaram correlação significativa com o diâmetro arterial coronário. Esses resultados são consistentes com os de outros estudos que demonstraram aumento do calibre coronário e do fluxo sanguíneo miocárdico em corações com aumento da massa miocárdica e dilatação ventricular decorrente de diversas cardiopatias13.

Nesse sentido, os presentes resultados são também concordantes com aqueles relatados em material de necropsia de pacientes chagásicos, que mostravam correlação entre aumento da capacidade do leito arterial coronário e aumento da massa cardíaca10.

Entretanto, neste estudo não foram obtidos resultados que suportem a existência de correlação significativa entre o diâmetro e o tônus arterial coronário, sugerindo que o grau de dilatação em nível subepicárdico seja predominantemente determinado por outros processos que não o tônus basal de constrição vascular. Provavelmente, a dilatação das artérias coronárias subepicárdicas, que se observa anatomopatologicamente com a progressão da doença miocárdica, decorre de remodelamento tissular dos componentes da parede vascular, sob influência dos mesmos fatores neurohumorais que induzem o remodelamento das demais estruturas do coração. Reforçam essa noção os relatos da literatura de que a distribuição coronariana se correlaciona com a massa ventricular subtendida14, e de que a dilatação das artérias coronárias também pode ser evidenciada em outras formas de miocardiopatia dilatada que não a chagásica13.

Os resultados da presente investigação também não demonstraram correlação significativa entre o grau de denervação parassimpática cardíaca, como estimada pelo índice de sensibilidade barorreflexa, e os correspondentes valores de diâmetro e de tônus arterial coronário. Isso se contrapõe à hipótese fundamental de que a denervação autonômica na cardiopatia chagásica crônica desempenhe relevante papel na indução de vasodilatação coronária10, e, conseqüentemente, possa constituir fator determinante de alterações da vasomotricidade coronária e da regulação do fluxo sanguíneo miocárdico.

Deve ser ressalvado que os presentes resultados se restringem à observação de aspectos anatômicos (calibre vascular) e funcionais (resposta a vasodilatador não endotélio-dependente, e conseqüente avaliação de tônus vasomotor parcial), apenas em coronárias subepicárdicas. A despeito dessa limitação, é possível que as mesmas conclusões sejam aplicáveis ao controle da microcirculação coronária, com base na observação de que as anormalidades do tônus arterial e das respostas constritivas coronárias são fenômenos difusos, envolvendo também os pequenos vasos de resistência15.

Finalmente, embora os resultados desta investigação não comprovem relações fisiopatológicas diretas entre disautonomia parassimpática cardíaca e controle da circulação coronariana, há evidência de que ambos os tipos de distúrbios contribuam, pelo menos de forma ancilar, na patogênese da cardiopatia chagásica crônica2. Em particular, anormalidades perfusionais provavelmente associadas a distúrbios microcirculatórios são detectáveis em pacientes chagásicos com artérias coronárias epicárdicas angiograficamente normais8,16. Essas alterações são compatíveis com a noção de que fatores isquêmicos participem da gênese de lesões como aneurisma apical e outras discinergias características da cardiopatia chagásica crônica17,18.

CONCLUSÕES

Os resultados obtidos demonstram que a denervação parassimpática não atua de forma significante na determinação do diâmetro arterial e do tônus arterial coronário basal em pacientes com cardiopatia chagásica crônica.

Assim, esses resultados obtidos in vivo não apóiam a hipótese, formulada com base em estudos necroscópicos, de que a denervação parassimpática alteraria propriedades funcionais da circulação coronária em pacientes chagásicos.

Recebido em: 30/11/2007

Aceito em: 5/2/2008

  • 1. Organizacion Panamericana de la Salud. Estimacion cuantitativa de la enfermedad de Chagas en las Americas. Montevideo, Uruguay: Organización Panamericana de la Salud; 2006.
  • 2. Marin-Neto JA, Cunha-Neto E, Maciel BC, Simões MV. Pathogenesis of chronic Chagas heart disease. Circulation. 2007;115(9):1109-23.
  • 3. Köberle F. Chagas' disease and Chagas' syndromes: the pathology of American trypanosomiasis. Adv Parasitol. 1968;6:63-116.
  • 4. Mott KE, Hagstrom JW. The pathologic lesions of the cardiac autonomic nervous system in chronic Chagas' myocarditis. Circulation. 1965;31:273-86.
  • 5. Manço JC, Gallo L Jr, Godoy RA, Fernandes RG, Amorim DS. Degeneration of the cardiac nerves in Chagas' disease. Further studies. Circulation. 1969;40(6):879-85.
  • 6. Marin-Neto JA, Gallo L Jr, Manço JC, Rassi A, Amorim DS. Postural reflexes in chronic Chagas' heart disease. Heart rate and arterial pressure responses. Cardiology. 1975;60(6):343-57.
  • 7. Marin-Neto JA, Bromberg-Marin G, Pazin-Filho A, Simões MV, Maciel BC. Cardiac autonomic impairment and early myocardial damage involving the right ventricular are independent phenomena in Chagas' disease. Int J Cardiol. 1998;65(3):261-9.
  • 8. Simões MV, Pintya AO, Bromberg-Marin G, Sarabanda AV, Antloga CM, Pazin-Filho A, et al. Relation of regional sympathetic denervation and myocardial perfusion disturbance to wall motion impairment in Chagas' cardiomyopathy. Am J Cardiol. 2000;86(9):975-81.
  • 9. Köeberle F. Cardiopathia parasympaticopriva. Munch Med Wochenschr. 1959;101:1308-10.
  • 10. Oliveira JS, Santos JC, Muccillo G, Ferreira AL. Increased capacity of the coronary arteries in chronic Chagas' heart disease: further support for the neurogenic pathogenesis concept. Am Heart J. 1985;109(2):304-8.
  • 11. Gilligan DM, Quyyumi AA, Cannon RO 3rd Effects of physiological levels of estrogen on coronary vasomotor function in postmenopausal women. Circulation. 1994;89(6):2545-51.
  • 12. Ozaki Y, Keane D, Serruys PW. Relation of basal coronary tone and vasospastic activity in patients with variant angina. Heart. 1996;75(3):267-73.
  • 13. Lewis BS, Gotsman MS. Selective coronary angiography in primary myocardial disease. Br Heart J. 1973;35(2):165-73.
  • 14. Oliveira JA. Myocardial ventricular mass related to coronary artery distribution in human hearts. Int J Cardiol. 1997;62(1): 23-9.
  • 15. Bugiardini R, Pozzati A, Ottani F, Morgagni GL, Puddu P. Vasotonic angina: a spectrum of ischemic syndromes involving functional abnormalities of the epicardial and micro-vascular coronary circulation. J Am Coll Cardiol. 1993;22(2): 417-25.
  • 16. Marin-Neto JA, Marzullo P, Marcassa C, Gallo Júnior L, Maciel BC, Bellina CR, et al. Myocardial perfusion abnormalities in chronic Chagas' disease as detected by thallium201 scintigraphy. Am J Cardiol. 1992;69(8):780-4.
  • 17. Oliveira JS, Mello de Oliveira JA, Frederigue U Jr, Lima Filho EC. Apical aneurysm of Chagas' heart disease. Br Heart J. 1981;46(4):432-7.
  • 18. Oliveira JA. Heart aneurysm in Chagas' disease. Rev Inst Med Trop São Paulo. 1998;40(5):301-7.
  • Correspondência:

    José Antonio Marin-Neto
    Rua João Gomes Rocha, 880 - apto. 201 - Jardim Irajá
    Ribeirão Preto, SP - CEP 14020-550
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      05 Fev 2008
    • Recebido
      30 Nov 2007
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br