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Reestenose associada à fratura de stent com liberação de sirolimus

Stent fracture associated to restenosis in sirolimus eluting stent

Resumos

Os autores descrevem um caso de fratura de stent Cypher®. Inicialmente, a fratura foi acompanhada clinicamente (paciente era assintomático, sem evidência clara de isquemia à investigação não-invasiva). Entretanto, durante seguimento tardio, o paciente passou a apresentar sintomas de angina estável, necessitando de nova intervenção percutânea e, posteriormente, implante de novo stent farmacológico.

Reestenose coronária; Contenedores; Falha de prótese; Sirolimo


The authors describe a case of stent fracture following the use of Cypher®. Initially, the fracture was clinically approached (patient was asymptomatic with no clear evidence of ischemia in non-invasive assessment). However, during the long-term follow-up this patient started manifesting stable angina symptoms requiring new percutaneous intervention with additional drug-eluting stent implantation.

Coronary restenosis; Stents; Prosthesis failure; Sirolimus


RELATO DE CASO

Reestenose associada à fratura de stent com liberação de sirolimus

Stent fracture associated to restenosis in sirolimus eluting stent

Alberto Gomes Taques Fonseca; Áurea J. Chaves; José de Ribamar Costa; Rodolfo Staico; Luiz Alberto Mattos; Alexandre Abizaid; Fausto Feres; Amanda G. M. R. Sousa; José Eduardo M. R. Sousa

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Áurea J. Chaves Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 São Paulo, SP - CEP 04012-180 Tel.: (11) 5085-6262 - Fax: (11) 5549-7807 E-mail: achaves@uol.com.br

RESUMO

Os autores descrevem um caso de fratura de stent Cypher®. Inicialmente, a fratura foi acompanhada clinicamente (paciente era assintomático, sem evidência clara de isquemia à investigação não-invasiva). Entretanto, durante seguimento tardio, o paciente passou a apresentar sintomas de angina estável, necessitando de nova intervenção percutânea e, posteriormente, implante de novo stent farmacológico.

Descritores: Reestenose coronária. Contenedores. Falha de prótese. Sirolimo.

SUMMARY

The authors describe a case of stent fracture following the use of Cypher®. Initially, the fracture was clinically approached (patient was asymptomatic with no clear evidence of ischemia in non-invasive assessment). However, during the long-term follow-up this patient started manifesting stable angina symptoms requiring new percutaneous intervention with additional drug-eluting stent implantation.

Descriptors: Coronary restenosis. Stents. Prosthesis failure. Sirolimus.

As fraturas de stent têm sido descritas tanto em território vascular (artéria ilíaca, artéria e veia subclávias e artéria pulmonar) como não-vascular (esôfago e trato biliar). Em stents posicionados próximo a estruturas pulsáteis, como coração ou grandes vasos, a incidência de fraturas das hastes pode chegar de 15% a 30%1.

Na árvore coronária, por sua vez, tal evento é raro, mas quando ocorre apresenta espectro clínico amplo, que inclui desde pacientes assintomáticos até aqueles que evoluem com trombose da prótese e infarto agudo do miocárdio (IAM). No presente relato, é descrito o caso de um paciente que apresentou fratura do stent Cypher® aos oito meses de seguimento.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, com 53 anos de idade, deu entrada em nosso serviço em julho de 2002, com história de angina aos moderados esforços, estável, após suposto IAM em fevereiro do mesmo ano. O paciente apresentava antecedentes de hipertensão, tabagismo e diabetes. Fazia uso de forma irregular de propanolol 40 mg/dia, captopril 75 mg/dia, hidroclorotiazida 25 mg/dia e ácido acetilsalicílico (AAS) 200 mg/dia. Eletrocardiograma em repouso demonstrava ritmo sinusal e zona eletricamente inativa em parede inferior.

O paciente foi submetido a cineangiocoronariografia, que demonstrou lesão de 50% no terço médio da artéria descendente anterior (DA), artéria circunflexa (CX) com lesões discretas e lesão suboclusiva em terço médio da artéria coronária direita (CD) (Figura 1A). Ventriculografia esquerda realizada em oblíqua anterior direita (OAD) demonstrou hipocinesia grave no segmento ínfero-médio-basal, volume diastólico final preservado e valva mitral competente. Na época, o paciente foi incluído no estudo Small Vessel Treatment with Cypher® stent (SVELTE).


 




A intervenção coronária percutânea foi realizada com implante de stent Cypher® 2,75 x 33 mm, liberado com 20 atm (Figura 1B), demonstrando resultado final sem lesão residual e com fluxo distal TIMI III (Figura 1C e 1D). A ultra-sonografia intracoronária (USIC) realizada em seguida demonstrou boa expansão da prótese, com hastes bem apostas à parede do vaso (Figura 1E). O paciente recebeu alta no dia seguinte, em uso de atenolol 25 mg/dia, enalapril 40 mg/dia, AAS 200 mg/dia, clopidogrel 75 mg/dia, sinvastatina 10 mg/dia e metformina 1.700 mg/dia.

O paciente retornou para controle ambulatorial em 30 dias, apresentando resolução total dos sintomas. Foi orientado a manter as medicações e suspender o clopidogrel após dois meses de uso. Aos seis meses de seguimento, retornou com precordialgia atípica, sem relação com esforço, sendo agendada avaliação angiográfica protocolar com USIC (Figura 2).


No reestudo, realizado oito meses após o procedimento índice, observou-se que a lesão na DA se mantinha estável (50%) e que a CX estava sem lesões. O stent, por sua vez, apresentava hiperplasia focal de cerca de 50% à angiografia coronária quantitativa (ACQ). A USIC demonstrou área luminal mínima de 4,73 mm2, associada à imagem de apenas uma haste do stent, confirmando o diagnóstico de fratura do stent. Optouse pela realização, após a alta, de prova farmacológica para avaliar a presença de isquemia. Foi realizada cintilografia de perfusão do miocárdio com Tc-sestamibi, utilizando estresse farmacológico com dipiridamol, que demonstrou ausência de alterações sugestivas de isquemia, com área de hipoperfusão fixa em parede inferior e sem comprometimento da função sistólica global. Na ausência de alterações isquêmicas, optou-se por manter o paciente em tratamento clínico, com controle rigoroso dos fatores de risco.

Cerca de dois anos após o implante, o paciente retornou ao ambulatório referindo que, nos 30 dias que precederam a consulta, voltou a apresentar sintomas anginosos semelhantes aos observados na ocasião do implante. Foi submetido a nova avaliação angiográfica (Figura 3), que demonstrou padrão de reestenose focal no terço médio do stent, no local da fratura (A), com lesão quantificada em 66,52% à ACQ (B) e área luminal mínima de 2,73 mm2 à USIC (C). Diante da reestenose focal associada aos sintomas, e na indisponibilidade de stents com eluição de medicamentos naquele momento, optou-se apenas pela dilatação com cateter-balão Maverick 2® 3,5 x 20 mm, insuflado com 9 atm (D), alcançando lesão residual inferior a 10% (E, F), com fluxo distal TIMI III.


O paciente evoluiu sem intercorrências, recebendo alta no dia seguinte. Dez meses após a angioplastia com cateter-balão, foi submetido a novo estudo angiográfico para avaliação dos resultados (Figura 4), que demonstrou recorrência da reestenose, com o mesmo padrão focal apresentado anteriormente, sendo realizada nessa ocasião angioplastia coronária com implante de stent Cypher® 3,0 x 18 mm no terço médio da CD. O paciente vem evoluindo assintomático desde o último procedimento. Retornou assintomático à última consulta, em fevereiro de 2007.


DISCUSSÃO

A primeira descrição de fratura de stent no território coronário data de agosto de 2002, quando Chowdhury e Ramos2 descreveram um caso de fratura das hastes de stent implantado doze meses antes, em um enxerto venoso (PS Ao-Mg). Em 2004, Sianos et al.1 descreveram os primeiros dois casos de fratura de stent, que ocorreram após implante de stent Cypher® na CD, cerca de seis meses após. Atualmente, já foram descritos cerca de 30 casos de fratura de stent Cypher® e apenas um do stent Taxus®1-11; no entanto, sua real prevalência ainda é desconhecida.

Aoki et al.4 publicaram estudo realizado no Japão e no Reino Unido, avaliando 280 pacientes tratados com stent Cypher®, com avaliação angiográfica e ultrasonográfica após uma média de 240 dias. Esses autores observaram prevalência de fratura de 2,6% em locais que trabalhavam como dobradiças durante o movimento do vaso no ciclo cardíaco. Identificaram como preditores de maior risco a extensão do stent e sua localização (enxertos venosos e CD). A presença de fratura no stent aumentou a taxa de reestenose de 12,4% para 37,5% (p = 0,07) e de novas revascularizações de 11% para 50% (p = 0,009). Na mesma época, Lee et al. publicaram estudo com 2.728 pacientes submetidos a implante de stents com eluição de medicamentos (3.636 lesões tratadas com stent Cypher® e 1.162 lesões tratadas com stent Taxus®), dos quais 530 foram reestudados angiograficamente em decorrência de retorno dos sintomas. Esses autores observaram, nesse estudo, incidência de fratura de hastes de 1,9% (10 pacientes), com apresentação aguda (angina instável e IAM) em 50%5.

Como já comentado, a fratura das hastes do stent é um evento infreqüente, mas potencialmente grave. Seu espectro clínico pode ir desde o paciente assintomático até os casos de trombose e IAM, passando ainda pela reestenose3. Dos 30 casos relatados até o momento, 31,8% apresentaram-se assintomáticos ao reestudo, 31,8% com angina estável, 13,6% com angina instável e 22,8% com IAM.

Tais fraturas estão associadas a áreas de maior rigidez, como os casos de sobreposição de stents (overlap), vasos com mobilidade aumentada, tortuosos e calcificados, e pós-dilatações com balões superdimensionados e altas pressões6. O movimento "em dobradiça", conseqüente ao ciclo sístole-diástole, já foi descrito como causa de fratura7.

Dos 30 casos relatados até hoje, observa-se que, em 66,7% deles, havia reestenose associada. Especulase que os mecanismos pelo qual isso ocorra sejam dois: as hastes fraturadas causariam estímulo mecânico à parede do vaso, resultando em inflamação e hiperplasia intimal, e na fratura das hastes a arquitetura do stent fica comprometida, prejudicando a cinética de liberação local do antiproliferativo6, gerando o padrão focal de reestenose.

Ainda em relação à reestenose, observa-se que, no caso descrito, ocorreu tardiamente (cerca de 24 meses após o implante do stent). Tal fato talvez seja explicado pelo padrão temporal da reestenose após implante de stent farmacológico. Nesses pacientes, contrariamente aos stents não-farmacológicos, em que o pico na formação da hiperplasia neointimal ocorre aos seis meses e a partir daí tende a se estabilizar ou até mesmo a diminuir, a hiperplasia pode aumentar ao longo do tempo. Esse fato foi observado em estudo conduzido com pacientes tratados com stents com eluição de sirolimo, submetidos a USIC seriadas, em que o porcentual de hiperplasia foi de 2,2% em um ano, de 3,3% aos dois anos, e de 5,7% aos quatro anos8-10.

Chama a atenção a virtual ausência de relatos de fratura de hastes com os stents não-farmacológicos. Na verdade, esses stents também estavam e estão sujeitos a fraturas. No entanto, o desalinhamento de suas hastes acabava sendo mascarado pela ampla reendotelização e hiperplasia intimal presente em seu interior11. Como nos stents farmacológicos há supressão agressiva na hiperplasia neointimal, e tal supressão está relacionada diretamente à liberação local do fármaco, as hastes fraturadas com pouca hiperplasia ao redor do stent tornam-se mais visíveis12.

Corroborando o citado anteriormente, o stent Bx Velocity® (Cordis) foi e ainda é muito utilizado em centros que não dispõem de stents farmacológicos para uso rotineiro, não havendo nenhum relato de fratura em suas hastes na literatura. Considerando os 30 casos já relatados previamente com o stent Cypher®, alguns autores especulam que o polímero poderia estar implicado na gênese do problema11.

Ainda em relação à diferença do número de casos de fratura publicados (Cypher® vs. Taxus®), observamos que existe apenas um caso de fratura relatado com o stent Taxus®13. Supõe-se que tal diferença poderia estar relacionada ao desenho do stent, visto ter o Cypher® desenho com células fechadas, com ângulos entre as hastes muito menores, mais suscetível a fraturas em relação ao Taxus®, cujo desenho apresenta células mais abertas12.

Em relação ao diagnóstico, a separação das hastes tem sido avaliada em alguns casos por meio de fluoroscopia e de USIC, embora a tomografia computadorizada com múltiplos detectores também tenha demonstrado resultados positivos14. Em casos de maior risco (stents longos, implantados com altas pressões, CD), Wilczynska et al.5 têm sugerido submeter esses pacientes a fluoroscopia como rotina no seguimento.

Recebido em: 12/7/2007

Aceito em: 17/9/2007

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  • 3. Makaryus AN, Lefkowitz L, Lee AD. Coronary artery stent fracture. Int J Cardiovasc Imaging. 2007;23(3):305-9.
  • 4. Aoki J, Nakazawa G, Tanabe K, Hoye A, Yamamoto H, Nakayama T, et al. Incidence and clinical impact of coronary stent fracture after sirolimus-eluting stent implantation. Catheter Cardiovasc Interv. 2007;69(3):380-6.
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    Áurea J. Chaves
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      17 Set 2007
    • Recebido
      12 Jul 2007
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