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Seria "pressionar" muito os intervencionistas pedir que valorizassem mais a manometria?

Would it be to put too much "pressure" on interventionists to ask them to valorize manometry more?

EDITORIAL

Seria "pressionar" muito os intervencionistas pedir que valorizassem mais a manometria?

Would it be to put too much "pressure" on interventionists to ask them to valorize manometry more?

J. Antonio Marin-Neto

Unidade de Hemodinâmica e Intervenção Cardiovascular, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto, SP

Correspondência Correspondência: J. Antonio Marin-Neto Divisão de Cardiologia, Departamento de Clínica Médica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP Avenida Bandeirantes, 3900 - Campus da USP Ribeirão Preto, SP - CEP 14048-900 Tel.: (16) 3633-4010 E-mail: marin_neto@yahoo.com

Nesta edição, os leitores da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva - RBCI (muito mais apropriado seria se chamada de Cardiologia Intervencionista, afinal não invadimos nada, apenas executamos procedimentos diagnósticos e terapêuticos intravasculares com suficiente delicadeza e maestria para afastar qualquer idéia da violência que o termo invasão pode conotar!) são brindados com oportuno artigo de revisão e atualização em metodologia dos sistemas manométricos utilizados em estudos hemodinâmicos que empregam cateterismo cardiovascular1.

Seus autores, conhecidos por diversas contribuições no campo dos estudos de Hemodinâmica e Fisiologia Cardiovascular em modelos de animais de experimentação, revisaram, meticulosamente, não só os mais elementares, mas também alguns dos mais complexos aspectos envolvidos na mensuração das pressões intravasculares e intracardíacas, com base em técnicas de cateterismo cardiovascular.

Com certeza, a leitura desse artigo será útil a muitos hemodinamicistas e intervencionistas com formação recente, talvez carentes de adequada visão crítica e de tirocínio com esses métodos. Mas também servirá para o resgate, provavelmente com certo tino saudosista, da visão dos hemodinamicistas clássicos (da época em que não se caracterizavam como intervencionistas), de que a medida adequada das pressões circulatórias com métodos intravasculares constituía, em si, finalidade essencial de todo estudo hemodinâmico. Porquanto, em realidade, essas medidas formaram, nos primórdios da atividade dos hemodinamicistas, o núcleo mais primário de sua atuação. Isso era particularmente relevante para o estudo das cardiopatias congênitas e das valvulopatias adquiridas, conjuntamente com as determinações oximétricas e os métodos, baseados nos princípios de Fick e de Stewart, de diluição de indicadores. Ao lado das estimativas de fluxo assim produzidas, os valores de pressões intracardíacas, e nos segmentos venosos e arteriais das circulações sistêmica e pulmonar, propiciavam a base fundamental para os cálculos das resistências vasculares, dos orifícios valvares, e da dinâmica funcional miocárdica biventricular.

Inegavelmente, hoje, a manometria intravascular está desprovida da relevância que lhe conferiam as antigas abordagens hemodinâmicas. Aliás, o próprio sentido de nossa vertente hemodinamicista tem sido relegado a plano secundário, e não há exagero na suposição de que os ecocardiografistas atualmente realizem talvez mais atividades hemodinâmicas que os intervencionistas. Afinal, são eles que, com o princípio de Doppler (epônimo que não deveria jamais ser banalizado na infelizmente muito usada expressão "dopplerecocardiografia"!), atualmente estimam gradientes de pressão, derivam cálculos de áreas valvares, e estimam velocidades de fluxo, baseados em sua "não-invasiva" abordagem.

Essa tendência a se menosprezar a atividade hemodinâmica propriamente dita, pelos intervencionistas, resulta de dois fatores predominantes. O primeiro deles, instalado há mais de três décadas, foi a progressiva e virtualmente avassaladora influência dos métodos baseados em angiocardiografia de contraste radiológico. Passou-se a trabalhar muito mais com o imageamento cardiovascular, especialmente no estudo da circulação coronária, em detrimento progressivo das abordagens mais fisiológicas, entre as quais as medidas de pressões cardiovasculares. O outro foi representado pelo desenvolvimento de própria vertente intervencionista, com aplicações terapêuticas cada vez mais ousadas e abrangentes, de novo causando certa desvalorização relativa dos métodos diagnósticos (entre os quais aqueles voltados para técnicas de base funcional, como as medidas de pressões circulatórias com cateterismo).

Não caberia nesta quadra histórica qualquer veleidade de se propor o retorno à valorização dos métodos hemodinâmicos propriamente ditos, com base apenas em saudosismo. Mas, de outra parte, o artigo em pauta, nesta edição da RBCI, serve à função de relembrar que a acurada mensuração direta das pressões cardiovasculares, por meio de cateteres contendo líquidos, necessita de cuidadosa abordagem técnica para ser confiável e exata. Mesmo na rotina dos predominantes exames realizados com a finalidade essencial de coronariografia, sempre é valioso determinar com precisão o nível de pressão telediastólica do ventrículo esquerdo, por suas implicações fisiopatológicas quanto à dinâmica da contração e do relaxamento miocárdico. Além disso, a adequada monitorização não somente do eletrocardiograma, mas também das pressões cardiovasculares transmitidas pelo cateter, constitui feição das mais distintivas de nossa atividade de angiocardiografistas, diferenciando-nos decisivamente dos radiologistas, que usualmente não empregam tais métodos durante seus exames.

Se não há como retroceder-se à fase de precípua valorização dos métodos inerentemente hemodinâmicos que executamos, a razão fundamental reside em que o determinismo histórico é irrevogável quanto ao contínuo aprofundamento e ampliação do alcance de nossos procedimentos terapêuticos. Aliás, isso representa, de certa forma atavicamente, o resgate do ideal que animou a iniciativa de Werner Forssmann, quando executou em si próprio a demonstração de que era possível cateterizar o coração de um ser humano vivente. Consta que sua meta era eminentemente terapêutica: propiciar um meio de injetar diretamente fármacos que estimulassem o músculo de um coração eventualmente parado; nessas condições, raciocinava ele, como a circulação sanguínea estivesse momentaneamente paralisada, não seria eficaz a injeção apenas periférica dos estimulantes cardíacos.

A despeito desses fatos, torna-se relevante vislumbrar outra oportunidade de aproveitamento de métodos hemodinâmicos que suportem e reforcem o sentido de nossa atividade intervencionista, mesmo quando o foco essencial seja terapêutico. Isso se relaciona com uma atividade que deveria ser mais e mais estimulada, para subsídio ao diagnóstico anatômico que a coronariografia de contraste radiológico possibilita: a determinação da reserva fracionada de fluxo que, caracteristicamente, se baseia em acuradas determinações de pressão a montante e a jusante da obstrução coronária. Talvez mais que a própria ultra-sonografia intravascular, esse método devesse se incorporar a todo Serviço de Intervenções Cardiovasculares. Em essência, combinado aos aspectos anatômicos, permite-nos avaliar de imediato o significado funcional das lesões, justificando e racionalizando intervenções, que, de outra forma, deveriam aguardar por resultados de outros métodos ditos "não-invasivos".

Recebido em: 26/10/2007

Aceito em: 5/11/2007

Ver artigo relacionado na página 421

  • 1. Bregagnollo EA, Carvalho FC, Bregagnollo IF, Hirata JS. Aspectos metodológicos relacionados com os sistemas manométricos utilizados em estudos hemodinâmicos. Rev Bras Cardiol Invas. 2007;15(4):421-31.
  • Correspondência:

    J. Antonio Marin-Neto
    Divisão de Cardiologia, Departamento de Clínica Médica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP
    Avenida Bandeirantes, 3900 - Campus da USP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2007
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