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Consciência fonêmica em escolares antes e após oficinas de linguagem

Resumos

OBJETIVO: Verificar o desempenho de escolares em consciência fonêmica antes e após a realização de oficinas de linguagem. MÉTODOS: Foi realizada a avaliação da consciência fonêmica em 49 escolares do quarto ano do Ensino Fundamental, utilizando a parte dois do teste "Consciência Fonológica - Instrumento de Avaliação Sequencial" (CONFIAS). Os critérios de exclusão no estudo foram: presença de queixas relacionadas ou de indicadores de alterações da audição e/ou visão; presença de distúrbios neurológicos, comportamentais e/ou cognitivos. Foram incluídas no estudo as crianças que participaram das avaliações inicial e final e de, no mínimo 75% dos encontros das oficinas. Conforme desempenho no teste, os escolares foram divididos em três grupos: inicial, intermediário e avançado. Foram realizadas oficinas semanais para estimulação das habilidades fonológicas e fonêmicas, de acordo com o grupo a que pertenciam. Após as cinco oficinas, os escolares passaram por avaliação final idêntica à inicial. RESULTADOS: O desempenho em consciência fonêmica dos escolares de todos os grupos evoluiu de forma significante após a realização das oficinas. O grupo intermediário foi o que apresentou maior evolução na média de acertos. CONCLUSÃO: O desempenho de escolares em consciência fonêmica evolui consideravelmente após a realização de oficinas de linguagem.

Linguagem infantil; Aprendizagem; Avaliação; Escolaridade; Educação


PURPOSE: To verify the phonemic awareness performance of students before and after language workshops. METHODS: Phonemic awareness abilities of 49 students in the fourth year of Elementary School were assessed using the second part of the test "Phonological Awareness - Sequential Assessment Instrument" (CONFIAS). The exclusion criteria in the study were: presence of complaints or indicators of hearing and/or vision deficits; presence of neurological, behavioral and/or cognitive impairments. Subjects included in the study participated in both initial and final assessments and in at least 75% of the workshop meetings. According to their performance on the test, children were divided into three groups: initial, intermediate and advanced. Each group attended separate weekly workshops for stimulation of phonological and phonemic abilities. After five language workshops the students were reassessed. RESULTS: The phonemic awareness performance of students in all groups significantly improved after the workshops. The intermediate group presented the greater improvement in the mean number of correct answers. CONCLUSION: The phonemic awareness performance of students improves after language workshops.

Child language; Learning; Evaluation; Educational status; Education


ARTIGO ORIGINAL

Consciência fonêmica em escolares antes e após oficinas de linguagem

Aparecido José Couto Soares; Maria Silvia Cárnio

Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Aparecido J. Couto Soares R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária, São Paulo (SP), Brasil, CEP: 05360-160. E-mail: ajcsoares@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar o desempenho de escolares em consciência fonêmica antes e após a realização de oficinas de linguagem.

MÉTODOS: Foi realizada a avaliação da consciência fonêmica em 49 escolares do quarto ano do Ensino Fundamental, utilizando a parte dois do teste "Consciência Fonológica – Instrumento de Avaliação Sequencial" (CONFIAS). Os critérios de exclusão no estudo foram: presença de queixas relacionadas ou de indicadores de alterações da audição e/ou visão; presença de distúrbios neurológicos, comportamentais e/ou cognitivos. Foram incluídas no estudo as crianças que participaram das avaliações inicial e final e de, no mínimo 75% dos encontros das oficinas. Conforme desempenho no teste, os escolares foram divididos em três grupos: inicial, intermediário e avançado. Foram realizadas oficinas semanais para estimulação das habilidades fonológicas e fonêmicas, de acordo com o grupo a que pertenciam. Após as cinco oficinas, os escolares passaram por avaliação final idêntica à inicial.

RESULTADOS: O desempenho em consciência fonêmica dos escolares de todos os grupos evoluiu de forma significante após a realização das oficinas. O grupo intermediário foi o que apresentou maior evolução na média de acertos.

CONCLUSÃO: O desempenho de escolares em consciência fonêmica evolui consideravelmente após a realização de oficinas de linguagem.

Descritores: Linguagem infantil; Aprendizagem; Avaliação; Escolaridade; Educação

INTRODUÇÃO

A consciência fonológica (CF) é a capacidade de refletir sobre a estrutura sonora da fala e manipulá-la, ou seja, pensar e operar sobre a linguagem como um objeto(1). Tal habilidade se aperfeiçoa com a idade e seu pleno desenvolvimento ocorre em conjunto com a instrução formal, formando uma relação de causalidade recíproca entre o aprendizado da leitura e escrita e o desenvolvimento da CF(1,2).

A CF tem como sub-habilidades a consciência silábica e a consciência fonêmica, sendo que esta última diz respeito à manipulação dos fonemas(3,4). Alguns estudos(5,6) têm relatado que as habilidades silábicas são mais facilmente desenvolvidas do que às fonêmicas.

A consciência fonêmica envolve tarefas de síntese, segmentação, manipulação e transposição e resulta do contato com o código escrito(6,7). Assim, esta habilidade se desenvolve com o decorrer da aprendizagem da leitura/escrita e também auxilia na alfabetização, formando um elo de reciprocidade. Pesquisas mostram que as tarefas de consciência fonêmica estão mais relacionadas ao processo de alfabetização quando comparadas às tarefas de consciência silábica e intrassilábica(6,7).

Para que haja o desenvolvimento da consciência fonêmica, inicialmente as crianças desenvolvem a consciência silábica, que se trata de um estágio inicial de reconhecimento e manipulação da estrutura sonora da língua(8,9). Diferentes autores apontam que a consciência fonêmica permite que a criança avance de forma mais fácil e produtiva na escrita e na leitura(10,11). Por isso, crianças que não têm essa habilidade podem apresentar dificuldades para aprender a ler e a escrever(3,5,11).

Todavia, a relação entre a aquisição da linguagem escrita e o desenvolvimento de habilidades linguístico-cognitivas não parece ser unidirecional, mas recíproca, principalmente no que se refere ao desenvolvimento da consciência fonêmica. Desta forma, um determinado nível de análise fonológica seria esperado anteriormente à alfabetização, influenciando assim o aprendizado da linguagem escrita(12).

O conhecimento alfabético requer uma série de habilidades fonológicas especializadas. Inicialmente a CF permite às crianças representar os segmentos sonoros na língua escrita. Aprender a ler, no entanto, solicita tipos mais avançados de CF. À medida que as crianças tomam consciência de tipos diferentes de unidades fonêmicas, há concomitante evolução da leitura(11,12).

Alguns estudos(13,14) propuseram procedimentos de intervenção por meio do treino direto de consciência fonológica e do ensino explícito das regras de correspondência fonema-grafema para escolares de diferentes séries do Ensino Fundamental. Como resultados, demonstraram grandes avanços nas habilidades de leitura e escrita.

Considerando a reciprocidade entre o desenvolvimento da consciência fonêmica e a proficiência em leitura e escrita, torna-se necessário o desenvolvimento e aplicação de diferentes meios e estratégias que possam desenvolver e/ou aperfeiçoar o conhecimento e a manipulação dos fonemas. Deve-se considerar também a aprendizagem do mecanismo de conversão grafo-fonêmica, um dos importantes aspectos do princípio alfabético do Português.

Dessa forma, este estudo teve por objetivo verificar o desempenho de escolares em consciência fonêmica antes e após oficinas de linguagem.

MÉTODOS

Essa pesquisa foi desenvolvida foi desenvolvida no Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e aprovada pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPpesq) da referida instituição, sob o protocolo nº 154/10. Os dados foram coletados em uma Escola Pública Estadual da zona oeste de São Paulo.

Participantes

As duas classes selecionadas para a realização do programa foram os quartos anos A e B do Ensino Fundamental. Participaram 49 escolares, com idades entre 9 e 11 anos de idade (média de 9,8 anos), sendo 27 do gênero masculino e 22 do gênero feminino. A atuação fonoaudiológica nas salas ocorreu de acordo com seleção feita pela direção da escola, que indicou as turmas com pior desempenho em atividades de leitura e escrita.

Para que os escolares participassem da pesquisa, os pais/responsáveis assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os critérios de exclusão foram: presença de queixas relacionadas ou de indicadores de alterações da audição e/ou visão; presença de distúrbios neurológicos, comportamentais e/ou cognitivos. Foram incluídas no estudo as crianças que participaram das avaliações inicial e final e de no mínimo 75% dos encontros das oficinas.

Procedimentos

Inicialmente foi realizada a avaliação da consciência fonêmica, por meio da utilização da parte dois do teste "Consciência Fonológica – Instrumento de Avaliação Sequencial" (CONFIAS)(15). O CONFIAS é um instrumento que tem como objetivo avaliar a consciência fonológica de forma abrangente e sequencial. A utilização deste instrumento possibilita a investigação das capacidades fonológicas. O teste compreende a avaliação do nível da sílaba e do fonema e foi realizado apenas no nível do fonema, uma vez que a alfabetização escolar se dá pela forma silábica.

Os itens avaliados foram: Produção de palavra que se inicia com som dado; Identificação de fonema inicial; Identificação de fonema final; Exclusão; Síntese fonêmica; Segmentação fonêmica; Transposição fonêmica. A pontuação desta parte do CONFIAS varia de zero a 30, na qual a execução correta de cada tarefa equivale a um ponto e a errada não pontua.

A avaliação inicial foi realizada no primeiro encontro de forma individual pelos pesquisadores, respeitando-se o ritmo próprio de cada criança e teve duração total de, aproximadamente, quatro horas.

Após a avaliação inicial, optou-se por dividir os escolares em grupos de acordo com o desempenho obtido no CONFIAS, ou seja, quanto maior a pontuação, melhor o desempenho. Foram inseridos no grupo inicial os escolares que obtiveram de 0 a 10 pontos; no grupo intermediário os que pontuaram entre 11 e 20 pontos; e no grupo avançado os que atingiram a pontuação de 21 a 30. Assim, os escolares foram divididos da seguinte forma: 12 estudantes no grupo inicial, 21 no intermediário e 16 no avançado, independentemente da sala a que pertenciam (A ou B).

As oficinas de linguagem foram realizadas uma vez por semana, com duração de 50 minutos cada, totalizando cinco encontros para cada grupo.

Grupo inicial

Oficina I – Identificação de letras e aliteração

Material: Cartões com as vogais do alfabeto escritas em letra bastão, grandes e coloridas (para facilitar a identificação).

Procedimento: Primeiramente, foram apresentados os cartões para que as crianças identificassem as vogais. Em seguida, elas se sentaram formando um círculo e foi proposto que cada uma sorteasse uma letra e entregasse ao pesquisador, que dizia o som em voz alta. Na sequência, as crianças (uma por vez) deveriam dizer palavras que começassem com o som sorteado. Quando as crianças apresentavam dificuldades, os pesquisadores forneciam pistas contextuais e/ou semânticas.

Oficina II – Trilha

Material: Tabuleiro contendo uma trilha, um dado comum, um dado com lados representando cores diferentes, seis pinos de cores diferentes, envelopes com as mesmas cores do dado colorido contendo cartelas com diferentes tipos de atividades (envolvendo aliteração com vogais e consoantes fricativas, reconhecimento da aliteração entre várias palavras diferentes, separação de sílabas de palavras com estrutura silábica CV, separação do próprio nome em sílabas e em letras, contar e identificar as letras do próprio nome).

Procedimento: Cada criança deveria escolher um pino que a representaria e avançar no tabuleiro de acordo com os números tirados no dado comum. Então, deveria jogar o dado colorido, e a atividade realizada seria retirada do envelope correspondente à cor sorteada. Nesta atividade, o foco era o trabalho com os sons. Desta forma, não havia apresentação do correspondente escrito, uma vez que os pesquisadores eram responsáveis pela manipulação dos envelopes.

Oficina III – Brincando com os sons

Material: Tabuleiro com casas de três cores diferentes, um dado, seis pinos de cores diferentes, cartões com as vogais e as consoantes S, V e F, uma folha com figuras que continham o mesmo som inicial dos nomes das crianças e envelope contendo cartões com palavras simples (frequentes na língua e sem encontros consonantais) que rimassem.

Procedimento: Cada criança escolhia um pino que a representaria e avançava no tabuleiro de acordo com os números tirados no dado. Cada cor contida nas casas do tabuleiro representava uma atividade: diante da cor verde a criança sorteava um cartão de letras e dizia uma palavra que começasse com tal som; para a cor amarela, selecionava-se entre as figuras uma que começasse com o mesmo som do próprio nome; quanto à cor vermelha, a criança deveria sortear um cartão no envelope e dizer uma palavra que rimasse com aquela apresentada no cartão. Nesta atividade, a utilização de letras como apoio dependia da tarefa a ser realizada, podendo ou não ocorrer.

Oficina IV – Descobrindo as rimas

Material: Folhas individuais contendo diversas figuras, um envelope com palavras escritas que rimassem com as figuras presentes nas referidas folhas e peças de EVA coloridas.

Procedimento: Foi realizado um "bingo de rimas". Os pesquisadores sorteavam uma palavra do envelope e a liam em voz alta. Quem tivesse em sua folha uma figura cujo nome rimasse com a palavra sorteada deveria colocar uma peça colorida sobre ela, até que todas as figuras estivessem marcadas. O estudante que preenchesse primeiro a folha seria o vencedor.

Oficina V – Jogo dos campos semânticos

Material: Tabuleiro, pinos e cinco envelopes com figuras de diferentes campos semânticos.

Procedimento: Dentro de cada envelope havia diversas figuras pertencentes ao mesmo campo semântico, como banheiro e cozinha, quarto, escola e partes do corpo. A criança deveria sortear uma figura e dizer uma palavra correspondente à aliteração, rima ou segmentação silábica. Se a criança conseguisse efetuar a tarefa avançava uma casa no tabuleiro. A criança que primeiro chegasse ao final do tabuleiro seria a ganhadora do jogo.

Grupo intermediário

Oficina I – Jogo da memória com rimas

Material: Fichas de papel com imagens cotidianas com o nome da figura escrito abaixo da imagem (Exemplos: galinha e farinha/caminhão e avião).

Procedimento: Primeiramente foram apresentados os sons dos fonemas e explicado o conceito de rima. Além disso, foram fornecidos exemplos de palavras que rimas entre palavras. O jogo da memória foi realizado de forma que os escolares deveriam encontrar pares de figuras que rimassem entre si. Os escolares deveriam ler o par encontrado em voz alta e dizer por que as palavras rimavam.

Oficina II – Painel de manipulação fonêmica

Material: Fichas com as letras do alfabeto, cartões coloridos contendo algumas letras, painel de papel cartão para montar e desmontar as palavras.

Procedimento: Cada criança sorteava um cartão colorido. Cada cor sorteada correspondia a um grupo de letras aleatórias (Exemplo: Cor azul = A, D, J, L, B, M). Em seguida, a criança escolhia uma letra do conjunto e sugeria palavras que iniciassem com tal letra. Um dos pesquisadores selecionava uma palavra para trabalhar a manipulação fonêmica por meio de adição, subtração ou troca fonêmica. Cada uma das crianças sorteava um cartão colorido (uma por vez) e todas as possibilidades de manipulação das palavras eram trabalhadas coletivamente.

Oficina III – Jogo do par ou ímpar

Material: Tabuleiro numerado de forma crescente, dado comum, bandeiras de papel, um envelope representando números pares outro representando números ímpares, ambos contendo palavras dissílabas sem encontro consonantal.

Procedimento: As crianças foram divididas em dois grupos. A cada rodada uma equipe jogava o dado e, dependendo do número (par ou ímpar), os pesquisadores tiravam uma palavra do envelope correspondente e a segmentava em fonemas para que o grupo a sintetizasse. O vencedor seria aquele que primeiro chegasse ao número 10 .

Oficina IV – Jogo dos bichos

Material: Tabuleiro, pinos de diferentes cores, cartões numerados com figuras representando animais de diferentes classes (domésticos, da fazenda ou extintos). De acordo com a classe dos animais, foram estabelecidos diferentes graus de dificuldade das palavras, sendo: animais domésticos (palavras monossílabas e dissílabas); animais da fazenda (palavras dissílabas e trissílabas sem encontro consonantal); e animais extintos (palavras trissílabas ou polissílabas com encontro consonantal).

Procedimento: As crianças foram divididas em dois grupos. Cada grupo escolhia números de 1 a 30, cujos versos continham as figuras correspondentes aos animais de classes distintas. A cada classe de animais os pesquisadores segmentavam a palavra e a criança deveria sintetizá-la. Caso acertasse, avançaria para o outro cartão e assim sucessivamente, até que errasse, passando a vez para o outro grupo. A cada acerto o grupo andava uma casa adiante. O vencedor seria o grupo com maior número de acertos e que primeiro chegasse ao final do tabuleiro.

Oficina V – Jogo do ano

Material: Tabuleiro com as principais datas comemorativas do ano (iniciando pela data de "Ano Novo" e terminando na data do "Natal"), pinos, dado comum, lista de palavras correspondentes a cada data comemorativa e cartas marcadas com cada habilidade (rima, aliteração, manipulação, síntese e segmentação).

Procedimento: Os pinos partiam da data do "Ano Novo" após lançamento do dado, e as crianças sorteavam uma das cartas oferecidas pelos pesquisadores. A criança deveria realizar a tarefa de acordo com o sorteio, pois as palavras estavam distribuídas conforme o campo semântico de cada data festiva (ex. Ano Novo: brinde, branco, paz). A cada acerto o grupo avançaria para outra data, prosseguindo até o término do ano. Venceria o grupo que primeiro chegasse à data "Natal".

Grupo avançado

Oficina I – Apresentação dos sons

Material: Papel sulfite A4, lápis nº 2, fichas com as letras do alfabeto.

Procedimento: Inicialmente as crianças foram orientadas sobre a sonoridade de cada letra representada nas fichas. Solicitou-se que cada uma delas tentasse reproduzir o som apresentado. Em seguida, os pesquisadores segmentaram várias palavras para que os escolares as escrevessem.

Oficina II – Jogo dos sons

Material: Tabuleiro, fichas contendo palavras, dado e pinos de plástico.

Procedimento: As crianças foram divididas em dois grupos. Cada grupo jogava o dado e avançava os pinos no tabuleiro. Cada item do tabuleiro representava uma atividade de consciência fonêmica (segmentação, síntese ou transposição). As crianças, então, sorteavam uma palavra e entregavam aos pesquisadores para receberem a instrução da tarefa a ser cumprida de acordo com item representado no tabuleiro.

Oficina III – Varal de sons

Material: Cartolina, clipes, cartelas de letras, tabuleiro e pinos.

Procedimento: As crianças foram divididas em dois grupos e orientadas de que deveriam montar palavras em um pequeno varal. Tal montagem foi realizada em forma de jogo e os estudantes deveriam fazer manipulações fonêmicas (adição, subtração, transposição) nas palavras representadas, de modo a obter novas palavras. Se conseguissem, o grupo avançaria uma casa no tabuleiro. As crianças realizavam as manipulações fonêmicas solicitadas. Os pesquisadores manipulavam os respectivos correspondentes gráficos no varal de letras, para somente ao final da tarefa apresentar o resultado às crianças.

Oficina IV – Passa ou repassa

Material: Ampulheta, fichas de perguntas, fichas de letras.

Procedimento: As crianças foram divididas em duplas e sorteavam as fichas de perguntas. Entregavam as fichas aos pesquisadores no momento de sua vez para receber as instruções. Tais fichas continham palavras e pseudopalavras a serem desvendadas por meio de síntese e transposição fonêmica. Se a primeira dupla não descobrisse a palavra-alvo no tempo da ampulheta, a tarefa passava para o outro time, e caso este também não conseguisse, a chance de resposta passava para a dupla. Assim ocorria sucessivamente, até que a palavra-alvo fosse encontrada. Caso os escolares não chegassem à resposta correta, a pergunta voltava para a primeira dupla que deveria responder ou realizar uma tarefa extra, como segmentar uma palavra ou pseudopalavra.

Oficina V – Jogo do envelope

Material: Tabuleiro, dado, pinos, lista de palavras trissílabas, envelopes coloridos.

Procedimento: As crianças receberam pinos individuais. Cada criança jogava o dado e avançava no tabuleiro. Algumas casas continham figuras, que correspondiam a um envelope, de acordo com o nível de dificuldade das palavras (trissílabas, polissílabas ou pseudopalavras). As palavras eram ditas pelos pesquisadores com inversão fonêmica e as crianças deveriam colocá-las em ordem para chegar à palavra-alvo.

Todos os escolares foram reavaliados utilizando-se a parte dois do CONFIAS. Assim como na avaliação inicial, este último encontro teve a duração de, aproximadamente, quatro horas.

Para a análise estatística da comparação da pontuação obtida nas avaliações inicial e final, bem como do desempenho dos grupos nas oficinas, foi utilizado o teste não paramétrico de Wilcoxon, pois a distribuição dos dados não respeita a normalidade (Kolmogorov-Smirnov <0,05). O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS

Quanto ao desempenho inicial e final do grupo total de escolares, a média de acertos foi maior após a realização das oficinas de linguagem (Tabela 1), o que foi confirmado pelo teste de Wilcoxon (Z=-5,977; p<0,001), denotando evolução nas habilidades de consciência fonêmica em todos os escolares.

Na comparação de cada um dos grupos separadamente (inicial, intermediário e avançado), os dados apontam que a média total de acertos aumentou consideravelmente em todos eles após a realização das oficinas, demonstrando evolução no desempenho em consciência fonêmica nos três grupos. Destaca-se que o grupo intermediário apresentou maior evolução na média de acertos quando comparado aos demais. O teste de Wilcoxon confirma tal diferença, com dados significativos para os três grupos (Tabela 2).

DISCUSSÃO

A consciência de que a língua é composta por pequenos sons e que estes correspondem a letras é fundamental para a aquisição e desenvolvimento da leitura num sistema de escrita alfabético e opaco (como o Português Brasileiro), pois a proficiência na decodificação de palavras em segmentos menores tem relação com um melhor desempenho futuro em leitura(16). Assim, este estudo teve o objetivo de verificar o desempenho de escolares do quarto ano do ensino fundamental em consciência fonêmica antes e após a realização de oficinas de linguagem.

Quanto ao desempenho do grupo inicial, alguns escolares demonstraram pouco conhecimento em relação à manipulação fonêmica. Em alguns casos houve apenas uma resposta correta durante a avaliação inicial. Dessa forma, as atividades propostas para o este grupo foram organizadas de modo a apresentar aos escolares os fonemas e suas associações com as respectivas letras. Optou-se por iniciar as oficinas com as vogais, devido à maior facilidade de sua utilização como pista para tarefa envolvendo aliteração. Além disso, a organização de atividades com rima e aliteração associadas a letras e palavras proporcionou aos escolares a possibilidade de relacionar mais facilmente os segmentos sonoros aos grafemas da língua, facilitando o processo de aquisição da leitura e da escrita.

Conforme descrito na literatura, as habilidades de consciência silábica precedem a capacidade de perceber os fonemas como unidades linguísticas(3,6,13). Nesse sentido, a utilização de atividades de segmentação silábica com o grupo inicial visou chamar a atenção dos escolares para o fato de que as palavras são compostas por segmentos sonoros menores, e que sua manipulação pode não apenas mudar os vocábulos de posição, mas também criar novas palavras.

As atividades propostas para o grupo inicial mostraram-se adequadas no decorrer de todas as oficinas, principalmente no que diz respeito ao perfil de habilidades deste grupo, ou seja, foram propostas tarefas mais básicas de consciência fonológica, uma vez que a maioria das crianças deste grupo se encontrava em fase inicial de alfabetização. As crianças demonstraram grande interesse em entender a atividade proposta e a executaram da melhor forma possível.

No que diz respeito ao grupo intermediário, procurou-se direcionar o foco das atividades para que os escolares prestassem atenção aos componentes fonêmicos das palavras, bem como a sua manipulação. Como exceção, tem-se a primeira oficina, cujo objetivo foi o trabalho com rimas, atividade que se mostrou fácil para o nível de conhecimento dos escolares, mas possibilitou melhor direcionamento dos trabalhos a fim de maximizar as habilidades do grupo em questão.

Alguns autores afirmaram que com o andamento do ensino formal, espera-se que o conhecimento dos sons da língua se amplie, evoluindo para o reconhecimento e manipulação dos fonemas(6,7,10). As atividades propostas para este grupo, que havia demonstrado uma melhor habilidade com os fonemas na avaliação inicial (quando comparado ao grupo inicial) tiveram um maior enfoque nas habilidades de manipulação, síntese e segmentação fonêmica, com adequação constante do nível de dificuldade ao perfil do grupo.

Cabe ressaltar que a facilidade que o grupo intermediário demonstrou no entendimento das atividades propostas possibilitou a execução de tarefas com nível crescente de dificuldade e, consequentemente, um maior avanço nas habilidades de consciência fonêmica. Tal fato chama a atenção para a realidade escolar brasileira, que precisa contemplar num mesmo grupo/classe crianças com diferentes perfis de habilidades, algo que não vem acontecendo, o que pode recrudescer as deficiências que a educação pública brasileira apresenta(17).

O grupo avançado foi o que apresentou menor média de evolução. Duas explicações podem esclarecer este fato: na avaliação inicial a média destes alunos já foi mais elevada em relação aos outros dois grupos e, portanto, o intervalo de crescimento máximo era menor no grupo avançado. Por outro lado, os escolares deste grupo já apresentavam habilidades fonêmicas bem desenvolvidas na avaliação inicial, o que gerou um planejamento de atividades mais complexas, tendo em vista diversos estudos da literatura que associam a escolarização ao conhecimento fonêmico(6-8,18).

As tarefas propostas para o grupo avançado apresentaram maior nível de dificuldade, envolvendo principalmente a transposição fonêmica, que exige habilidades sofisticadas de consciência fonêmica. Além disso, durante a avaliação inicial, foi possível observar que estes escolares não apresentavam dificuldades para entender e executar tarefas de manipulação e segmentação fonêmica. Por este motivo, com o passar das oficinas, era necessário propor atividades que oferecessem maior desafio ao grupo, além de possibilitar a maximização das habilidades trabalhadas. Dessa forma, decidiu-se por incorporar tarefas fonêmicas envolvendo também palavras polissílabas e pseudopalavras.

Diversas formas de estimulação da consciência fonêmica já foram desenvolvidas, desde manipulação fonêmica de palavras reais de diferentes extensões até atividades envolvendo pseudopalavras. Chegou-se à conclusão de que tarefas que envolvem pseudopalavras apresentam melhores resultados por trabalharem exclusivamente com o apoio fonológico(6,19).

Conforme observado, o desempenho em consciência fonêmica de todos os escolares apresentou boa evolução. No entanto, embora tenham apresentado evolução quanto às habilidades fonêmicas, o desempenho dos escolares deste estudo ainda está aquém do descrito pela literatura internacional, segundo a qual estudantes em fase pré-escolar já apresentam bom desempenho em consciência fonêmica(6-8,18).

Cabe ressaltar que embora todos os grupos tenham apresentado evolução, esta aconteceu de acordo com o esperado para o perfil de habilidades de cada um dos grupos. Considerando-se que o estudo em questão pode ter incluído sujeitos com alterações no processo de aprendizagem, diferenças eram esperadas tanto na evolução quanto no desempenho final dos escolares. Isso porque, enquanto o grupo inicial possuía crianças com baixo desempenho escolar, o grupo avançado contava com estudantes com melhor aproveitamento acadêmico. Dessa forma, as oficinas puderam contemplar os diferentes grupos de acordo com o perfil de habilidades apresentadas para cada um deles, respeitando-se a heterogeneidade dos escolares.

Como limitação desta pesquisa, aponta-se o número de oficinas reduzido (em decorrência de reunião escolar, conselho de classe, passeios escolares) que impediu a evolução do nível de complexidade das tarefas exigidas. No grupo intermediário, por exemplo, não foi possível a realização do trabalho com síntese fonêmica. Além disso, não houve associação da consciência fonêmica com leitura e/ou escrita, o que poderia demonstrar a real influência do conhecimento fonêmico nessas habilidades.

Assim, sugere-se a realização de novas pesquisas no sentido de relacionar o desempenho e evolução em habilidades fonêmicas com o desenvolvimento e proficiência em leitura e escrita. Além disso, um número maior de oficinas também é recomendado para a consolidação e generalização dos resultados.

CONCLUSÃO

O desempenho em consciência fonêmica dos escolares evoluiu consideravelmente após as oficinas de linguagem. Apesar do baixo desempenho inicial dos escolares, a atuação fonoaudiológica mostra-se efetiva para esta população. Além disso, o trabalho em consciência fonêmica associado a estratégias de conversão grafo-fonêmica também é eficaz e sugere novos caminhos para a atuação fonoaudiológica clínica e escolar.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a toda a equipe da Escola Estadual Profª Clorinda Danti, em especial a diretora Rosana Osso Miranda e as professoras Cleide e Jacira. Agradecemos, ainda, a todos os alunos do Estágio Supervisionado em Atenção Primária: Programa Escola do Curso de Fonoaudiologia da FMUSP.

Recebido em: 25/4/2011

Aceito em: 27/7/2011

Trabalho realizado no Laboratório Investigação Fonoaudiológica em Leitura e Escrita, Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP – São Paulo (SP), Brasil.

Conflito de interesses: Não

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  • Endereço para correspondência:
    Aparecido J. Couto Soares
    R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária, São Paulo (SP), Brasil, CEP: 05360-160.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      25 Abr 2011
    • Aceito
      27 Jul 2011
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