Acessibilidade / Reportar erro

O campo de pesquisas do empreendedorismo: transformações, padrões e tendências na literatura científica (1990-2019)

The research field of entrepreneurship: transformations, patterns and trends in scientific literature (1990-2019)

RESUMO

A partir da década de 1990 os estudos sobre empreendedorismo aumentaram de forma significativa. Atualmente, o campo conta com muitas publicações científicas, periódicos, eventos especializados e está presente em cursos de graduação e pós-graduação. Ao longo do tempo surgiram diferentes abordagens, definições, conceitos, teorias e ramificações. Portanto, torna-se oportuno realizar uma revisão para analisar e compreender a evolução do campo em diferentes períodos. Diante disso, este trabalho teve como objetivo analisar a evolução do empreendedorismo enquanto campo de pesquisa por meio de temas que marcaram diferentes períodos. Foi realizada uma revisão bibliométrica de literatura com foco na análise de cluster. Foi possível observar que nas últimas décadas o campo ganhou amplitude, com a inserção de novos conceitos e temas de pesquisa. Além disso, a manutenção de alguns temas indica que estes continuam importantes e buscam densidade teórica/metodológica.

PALAVRAS-CHAVE:
Empreendedorismo; Bibliometria; Análise de cluster; Inovação; Oportunidade empreendedora

ABSTRACT

From the 1990s onwards, studies on entrepreneurship increased significantly. Currently, the field has many scientific publications, journals, specialized events and is present in undergraduate and graduate courses. Over time different approaches, definitions, concepts, theories and ramifications have emerged. Therefore, it is possible to carry out a review to analyze and understand the evolution of the field in different periods. Given this, this work aimed to analyze an evolution of entrepreneurship while the research field through themes that marked different periods. A bibliometric literature review was carried out with a focus on cluster analysis. It was possible to observe that in the last decades the field has gained breadth, with the introduction of new concepts and research themes. In addition, the maintenance of some themes indicates that these important ones continue and seek theoretical / methodological density.

KEYWORDS:
Entrepreneurship; Bibliometry; Cluster analysis; Inovation; Entrepreneurial opportunity

1. Introdução

Em uma perspectiva histórica, a evolução conceitual do empreendedorismo e sua importância enquanto tema de pesquisa sofreram influências que traduzem as transformações da própria sociedade, que saiu de um sistema feudal para um sistema capitalista (CORNELIUS; LANDSTRÖM; PERSSON, 2006CORNELIUS, B.; LANDSTRÖM, H.; PERSSON, O. Entrepreneurial studies: the dynamic research front of a developing social science. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 30, n. 3, p. 375-398, 2006.). Nesse contexto, economistas como Richard Cantillon, Adam Smith, Joseph Schumpeter, Israel Kirzner, Frank Knight e Jean-Baptiste Say foram os pioneiros do desenvolvimento do campo . Pesquisando questões econômicas relacionadas ao crescimento e desenvolvimento econômico, esses autores lançaram as bases que fundamentaram os estudos sobre empreendedorismo (CHANDRA, 2018CHANDRA, Y. Mapping the evolution of entrepreneurship as a field of research (1990-2013): a scientometric analysis. PloS One, San Francisco, v. 13, n. 1, e0190228, 2018.; CRAMMOND, 2020CRAMMOND, R. J. Entrepreneurship: origins and nature. In: CRAMMOND, R. J. (Org.). Advancing entrepreneurship education in universities. Cham: Palgrave Macmillan, 2020. p. 23-55.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.).

Atualmente, o empreendedorismo é um campo dinâmico e de grande interesse público (CHANDRA, 2018CHANDRA, Y. Mapping the evolution of entrepreneurship as a field of research (1990-2013): a scientometric analysis. PloS One, San Francisco, v. 13, n. 1, e0190228, 2018.; GAMANIS et al., 2019GAMANIS, A. et al. Tracing the concept of entrepreneurship and the role of an entrepreneur: a critical review. International Journal of Entrepreneurship and Innovative Competitiveness, Cyprus, v. 1, n. 1, p. 1-14, 2019.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Assume-se que o empreendedorismo está ligado ao desenvolvimento e crescimento econômico (GARTNER, 1985GARTNER, W. B. A conceptual framework for describing the phenomenon of new venture creation. Academy of Management Review, Ohio, v. 10, n. 4, p. 696-706, 1985.; SHEPHERD, 2015SHEPHERD, D. A. Party on! A call for entrepreneurship research that is more interactive, activity based, cognitively hot, compassionate, and prosocial. Journal of Business Venturing, New York, v. 30, n. 4, p. 489-507, 2015.; CRAMMOND, 2020CRAMMOND, R. J. Entrepreneurship: origins and nature. In: CRAMMOND, R. J. (Org.). Advancing entrepreneurship education in universities. Cham: Palgrave Macmillan, 2020. p. 23-55.). Entretanto, até os anos 1970 o empreendedorismo não atraiu muitos pesquisadores, o que resultou em um desenvolvimento lento das pesquisas (LANDSTRÖM; HARIRCHI; ASTRÖM, 2012LANDSTRÖM, H.; HARIRCHI, G.; ÅSTRÖM, F. Entrepreneurship: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1154-1181, 2012.; CHANDRA, 2018CHANDRA, Y. Mapping the evolution of entrepreneurship as a field of research (1990-2013): a scientometric analysis. PloS One, San Francisco, v. 13, n. 1, e0190228, 2018.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Essa marginalização pode ser explicada pelo foco nas grandes organizações e na produção em massa como principais forças de crescimento e desenvolvimento econômico (LANDSTRÖM; HARIRCHI; ASTRÖM, 2012LANDSTRÖM, H.; HARIRCHI, G.; ÅSTRÖM, F. Entrepreneurship: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1154-1181, 2012.) e, consequentemente, pelo pouco interesse prático na inovação e na criação de novas organizações (LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.).

A partir da década de 1970 ocorreram mudanças que impulsionaram estudos relacionados ao empreendedorismo (CORNELIUS; LANDSTRÖM; PERSSON, 2006CORNELIUS, B.; LANDSTRÖM, H.; PERSSON, O. Entrepreneurial studies: the dynamic research front of a developing social science. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 30, n. 3, p. 375-398, 2006.; LANDSTRÖM; HARIRCHI; ASTRÖM, 2012LANDSTRÖM, H.; HARIRCHI, G.; ÅSTRÖM, F. Entrepreneurship: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1154-1181, 2012.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Alterações na estrutura industrial, desregulamentação dos mercados, surgimento rápido de novas tecnologias, maior debate sobre o papel e a importância das pequenas empresas, recessões e globalização são alguns exemplos de mudanças que impulsionaram pesquisas relacionadas ao empreendedorismo. Diante dessas mudanças, durante a década de 1990 os estudos sobre empreendedorismo aumentaram de forma significativa (CHANDRA, 2018CHANDRA, Y. Mapping the evolution of entrepreneurship as a field of research (1990-2013): a scientometric analysis. PloS One, San Francisco, v. 13, n. 1, e0190228, 2018.). Atualmente, o campo conta com muitas publicações científicas, grupos de pesquisadores em diversos países, periódicos e eventos especializados e está presente em cursos de graduação e pós-graduação (CHANDRA, 2018CHANDRA, Y. Mapping the evolution of entrepreneurship as a field of research (1990-2013): a scientometric analysis. PloS One, San Francisco, v. 13, n. 1, e0190228, 2018.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Isso resulta em um desenvolvimento teórico, conceitual e metodológico do empreendedorismo. Nesse sentido, surgiram ao longo do tempo diferentes abordagens, definições, perspectivas ontológicas e epistemológicas, conceitos, teorias e subcampos (empreendedorismo sustentável, social, público, corporativo, feminino) no campo do empreendedorismo

A partir disso, avanços importantes foram observados ao longo dos anos (SHANE; VENKATARAMAN, 2000SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000.; LANDSTRÖM; HARIRCHI; ASTRÖM, 2012LANDSTRÖM, H.; HARIRCHI, G.; ÅSTRÖM, F. Entrepreneurship: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1154-1181, 2012.). Entretanto, o necessário aprofundamento teórico-metodológico continua proposto em trabalhos recentes (SHEPHERD, 2015SHEPHERD, D. A. Party on! A call for entrepreneurship research that is more interactive, activity based, cognitively hot, compassionate, and prosocial. Journal of Business Venturing, New York, v. 30, n. 4, p. 489-507, 2015.). Alguns autores reconhecem que o campo do empreendedorismo alcançou legitimidade, mas é preciso avançar (SHEPHERD, 2015SHEPHERD, D. A. Party on! A call for entrepreneurship research that is more interactive, activity based, cognitively hot, compassionate, and prosocial. Journal of Business Venturing, New York, v. 30, n. 4, p. 489-507, 2015.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Enquanto campo em expansão, o empreendedorismo continua atraindo pesquisadores de diferentes áreas, encontrando novos objetos de estudo e criando conceitos e perspectivas teóricas. A expansão do campo, portanto, demanda uma busca contínua por novos referenciais, conceitos, teorias e perspectivas.

Assim, considerando o caráter dinâmico, multidisciplinar e o interesse pelo campo do empreendedorismo, torna-se oportuno realizar uma revisão para analisar e compreender a evolução do campo em diferentes períodos. Justificando sua revisão sobre a pesquisa em empreendedorismo na década de 1980, Low e MacMillan (1988LOW, M. B.; MACMILLAN, I. C. Entrepreneurship: past research and future challenges. Journal of Management, v. 14, n. 2, p. 139-161, 1988., p. 139) colocam que “[...] à medida que um corpo de literatura se desenvolve, é útil parar ocasionalmente, fazer um inventário do trabalho que foi feito e identificar novas direções”. Nesse sentido, refletir periodicamente sobre o conhecimento acumulado em um campo é fundamental para estabelecer bases para desenvolvimentos futuros (LANDSTRÖM; HARIRCHI; ASTRÖM, 2012LANDSTRÖM, H.; HARIRCHI, G.; ÅSTRÖM, F. Entrepreneurship: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1154-1181, 2012.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.).

Partindo dessa premissa, este trabalho teve como objetivo descrever e analisar a evolução do empreendedorismo enquanto campo de pesquisa por meio de temas que marcaram diferentes períodos do campo. Para alcançar esse objetivo foi realizada uma revisão bibliométrica da literatura. Esse tipo de revisão permite o mapeamento e a síntese de um campo de pesquisa e a descoberta de temas recentes e lacunas de pesquisa (CHANDRA, 2018CHANDRA, Y. Mapping the evolution of entrepreneurship as a field of research (1990-2013): a scientometric analysis. PloS One, San Francisco, v. 13, n. 1, e0190228, 2018.; PRADO et al., 2019PRADO, J. W. et al. Realismo crítico e estudos organizacionais: uma análise bibliométrica. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, Niterói, v. 13, n. 2, p. 125-147, 2019.). Importante ressaltar que existem outros estudos bibliométricos sobre empreendedorismo (CORNELIUS; LANDSTRÖM; PERSSON, 2006CORNELIUS, B.; LANDSTRÖM, H.; PERSSON, O. Entrepreneurial studies: the dynamic research front of a developing social science. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 30, n. 3, p. 375-398, 2006.; LANDSTRÖM; HARIRCHI; ASTRÖM, 2012LANDSTRÖM, H.; HARIRCHI, G.; ÅSTRÖM, F. Entrepreneurship: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1154-1181, 2012.; VOLERY; MAZZAROL, 2015VOLERY, T.; MAZZAROL, T. The evolution of the small business and entrepreneurship field: a bibliometric investigation of articles published in the International Small Business Journal. International Small Business Journal, London, v. 33, n. 4, p. 374-396, 2015.; CHANDRA, 2018CHANDRA, Y. Mapping the evolution of entrepreneurship as a field of research (1990-2013): a scientometric analysis. PloS One, San Francisco, v. 13, n. 1, e0190228, 2018.), mas todos eles possuem especificidades quanto aos dados e técnicas de análise. Os diferentes estudos bibliométricos utilizam bases, períodos, termos de busca e filtros distintos, focam em diferentes aspectos e utilizam diferentes softwares. No caso deste estudo, o foco foi na evolução da pesquisa ao longo do tempo tendo como norte temas de pesquisa em diferentes períodos. O trabalho permite, portanto, analisar quais temas foram mais pesquisados nos diferentes períodos analisados. Normalmente, as análises bibliométricas apontam autores e textos centrais, periódicos, instituições e países mais produtivos, mas não apresentam uma evolução temática como a proposta neste trabalho.

O artigo foi estruturado em 5 seções. Na seção 2, apresentamos brevemente o campo do empreendedorismo. Na seção 3 os caminhos metodológicos com a descrição dos procedimentos da revisão de literatura. Na seção 4 mostramos os resultados e a discussão dos diferentes períodos analisados. Por fim, na seção 5 apresentamos as considerações finais, limitações e sugestões para pesquisas futuras.

2. O campo do empreendedorismo: (in)definições e inconsistências

Ter consciência das inconsistências de um determinado campo é fundamental para seu avanço teórico (JONES; COVIELLO; TANG, 2011JONES, M. V.; COVIELLO, N.; TANG, Y. K. International entrepreneurship research (1989-2009): a domain ontology and thematic analysis. Journal of Business Venturing, New York, v. 26, n. 6, p. 632-659, 2011.). No campo do empreendedorismo isso se torna relevante na medida em que ele é marcado por dinamismo, indefinições, críticas, diferentes abordagens e subcampos. Definir o empreendedorismo é uma tarefa complexa. Ao longo dos anos pesquisadores de diferentes áreas trouxeram diferentes perspectivas para o fenômeno (CRAMMOND, 2020CRAMMOND, R. J. Entrepreneurship: origins and nature. In: CRAMMOND, R. J. (Org.). Advancing entrepreneurship education in universities. Cham: Palgrave Macmillan, 2020. p. 23-55.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Assim, ainda hoje existe uma busca de definições para conceitos centrais como empreendedorismo, empreendedor e processo empreendedor (LOW; MACMILLAN, 1988LOW, M. B.; MACMILLAN, I. C. Entrepreneurship: past research and future challenges. Journal of Management, v. 14, n. 2, p. 139-161, 1988.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.).

O empreendedorismo é interdisciplinar. Diversas áreas do conhecimento (sociologia, psicologia, administração) são invocadas para auxiliar na compreensão desse fenômeno. Isso faz com que o campo seja marcado por uma diversidade conceitual, teórica, ontológica, epistemológica e metodológica (LOW; MACMILLAN, 1988LOW, M. B.; MACMILLAN, I. C. Entrepreneurship: past research and future challenges. Journal of Management, v. 14, n. 2, p. 139-161, 1988.; SHANE; VENKATARAMAN, 2000SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Dessa forma, não há uma definição única do objeto de pesquisa e nem mesmo do que seja empreendedorismo, o que dificulta a criação de um quadro conceitual (SHANE; VENKATARAMAN, 2000SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Nesse sentido, as pesquisas em empreendedorismo são estruturadas a partir de diferentes concepções sobre empreendedorismo (LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.).

Diferentes trabalhos buscaram organizar e sintetizar as diferentes definições e abordagens relacionadas ao empreendedorismo (LOW; MACMILLAN, 1988LOW, M. B.; MACMILLAN, I. C. Entrepreneurship: past research and future challenges. Journal of Management, v. 14, n. 2, p. 139-161, 1988.; LANDSTRÖM; HARIRCHI; ÅSTRÖM, 2012LANDSTRÖM, H.; HARIRCHI, G.; ÅSTRÖM, F. Entrepreneurship: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1154-1181, 2012.; GAMANIS et al., 2019GAMANIS, A. et al. Tracing the concept of entrepreneurship and the role of an entrepreneur: a critical review. International Journal of Entrepreneurship and Innovative Competitiveness, Cyprus, v. 1, n. 1, p. 1-14, 2019.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Klein et al. (2010KLEIN, P. G. et al. Toward a theory of public entrepreneurship. European Management Review, Houndmills, v. 7, n. 1, p. 1-15, 2010., p. 2) argumentam que o empreendedorismo é comumente definido como “inovação, criatividade, o estabelecimento de novas organizações ou atividades, ou algum tipo de novidade”. Pode ser entendido como descoberta de novas formas de combinar recursos, assumir riscos para obter lucros, como mecanismo de correção de falhas de mercado, criação de valor e descoberta de novos mercados (CRAMMOND, 2020CRAMMOND, R. J. Entrepreneurship: origins and nature. In: CRAMMOND, R. J. (Org.). Advancing entrepreneurship education in universities. Cham: Palgrave Macmillan, 2020. p. 23-55.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Gamanis et al. (2019)GAMANIS, A. et al. Tracing the concept of entrepreneurship and the role of an entrepreneur: a critical review. International Journal of Entrepreneurship and Innovative Competitiveness, Cyprus, v. 1, n. 1, p. 1-14, 2019. apresentam que o empreendedorismo pode ser definido como função, iniciativa, comportamento ou espírito. Existem, portanto, diferentes concepções sobre empreendedorismo.

Landström (2020)LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020. aponta que o empreendedorismo é definido a partir de três principais abordagens: 1) empreendedorismo em função do mercado; 2) empreendedor como indivíduo; 3) empreendedorismo como processo. Essas abordagens estão fundamentadas em diferentes disciplinas e explicam aspectos diferentes do fenômeno. A primeira e segunda abordagem expostas por Landström (2020)LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020. são chamadas também de abordagem econômica e comportamental, respectivamente. Em termos cronológicos, essas abordagens foram as primeiras que se destacaram no campo do empreendedorismo (LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.; CRAMMOND, 2020CRAMMOND, R. J. Entrepreneurship: origins and nature. In: CRAMMOND, R. J. (Org.). Advancing entrepreneurship education in universities. Cham: Palgrave Macmillan, 2020. p. 23-55.). A abordagem econômica explica a importância econômica do empreendedorismo para gerar crescimento e desenvolvimento econômico (LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Assim, o impacto socioeconômico e os fatores ambientais que impulsionam o empreendedorismo são questões centrais. A abordagem comportamental, por sua vez, explica o empreendedorismo a partir do indivíduo empreendedor (LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). A questão central consiste em procurar características que diferenciam o indivíduo empreendedor do não empreendedor.

Apesar da reconhecida contribuição, uma crítica comum às duas abordagens é a falta de uma teoria que explique o processo empreendedor (LOW; MACMILLAN, 1988LOW, M. B.; MACMILLAN, I. C. Entrepreneurship: past research and future challenges. Journal of Management, v. 14, n. 2, p. 139-161, 1988.; SHANE; VENKATARAMAN, 2000SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Enquanto a vertente econômica centra seus esforços nas consequências socioeconômicas do fenômeno, a vertente comportamental tem sua análise centrada nas características do empreendedor. Portanto, não explicam o que o empreendedor faz. As críticas à abordagem comportamental são ainda mais duras, pois ressaltam a falta de respaldo empírico e a inconsistência teórica (LOW; MACMILLAN, 1988LOW, M. B.; MACMILLAN, I. C. Entrepreneurship: past research and future challenges. Journal of Management, v. 14, n. 2, p. 139-161, 1988.).

Uma abordagem processual surge a partir das inconsistências e críticas às abordagens anteriores. Essa abordagem busca explicar como o empreendedorismo é desenvolvido e o foco é no processo empreendedor que ocorre ao longo do tempo, em uma perspectiva longitudinal. A partir disso surgem duas principais correntes: o processo de surgimento de novas organizações e o processo de surgimento de novas oportunidades (LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.). Essas correntes diferem quanto ao objeto de estudo (organizações e oportunidades), mas convergem quanto ao foco no processo.

Ao longo do tempo, surgiram também diferentes tipologias, ramificações e subcampos no campo do empreendedorismo. Empreendedorismo sustentável, social e público são alguns exemplos. Esses subcampos têm como objetivo facilitar uma definição na medida em que restringem o objeto de análise. Entretanto, pautam-se, normalmente, por uma diferenciação de objetivos e resultados esperados (socias/individuais; lucro/benefícios coletivos; público/privado) e tipos de indivíduos que são mais propensos a determinados tipos de empreendedorismo. Isso não resolve o problema de definição e objeto de estudo do empreendedorismo e reforça abordagens que enfatizam apenas alguns aspectos do fenômeno.

O trabalho de Shane e Venkataraman (2000)SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000. discute não o conceito, mas qual seria o objeto de estudo que faz com que o campo do empreendedorismo seja distinto dos demais. A partir disso, os autores sugerem que o campo do empreendedorismo deve ter como o foco o estudo de como as oportunidades empreendedoras são identificadas, avaliadas e exploradas. Isso desencadeou um debate sobre o domínio acadêmico do empreendedorismo (LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.).

A partir do exposto e de outros trabalhos que mapearam a história do campo (GAMANIS et al., 2019GAMANIS, A. et al. Tracing the concept of entrepreneurship and the role of an entrepreneur: a critical review. International Journal of Entrepreneurship and Innovative Competitiveness, Cyprus, v. 1, n. 1, p. 1-14, 2019.; LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.), fica evidente seu dinamismo, evolução teórica e as diferentes definições. Para Gartner (1985)GARTNER, W. B. A conceptual framework for describing the phenomenon of new venture creation. Academy of Management Review, Ohio, v. 10, n. 4, p. 696-706, 1985., cabe aos pesquisadores apresentar os conceitos que serão utilizados para entender o fenômeno. Já para Landström (2020)LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020., deixar a definição a cargo de cada pesquisador pode comprometer o desenvolvimento do campo, pois corre o risco de se tornar cada vez mais fragmentado.

3. Metodologia

Revisar o que já está posto em um determinado campo é importante para encontrar temas, lacunas e fundamentar pesquisas. Revisões de literatura resumem o conteúdo de um campo de pesquisa a partir de técnicas e indicadores (ELLEGAARD; WALLIN, 2015ELLEGAARD, O.; WALLIN, J. A. The bibliometric analysis of scholarly production: how great is the impact? Scientometrics, Amsterdam, v. 105, n. 3, p. 1809-1831, 2015.). A revisão bibliométrica é uma entre várias técnicas de revisão de literatura e tem sido utilizada nos diferentes campos do conhecimento .

Os estudos bibliométricos utilizam técnicas quantitativas para analisar a literatura e a configuração de um determinado campo de conhecimento (ELLEGAARD; WALLIN, 2015ELLEGAARD, O.; WALLIN, J. A. The bibliometric analysis of scholarly production: how great is the impact? Scientometrics, Amsterdam, v. 105, n. 3, p. 1809-1831, 2015.). Análises bibliométricas são relevantes de diferentes formas. Permitem identificar autores e textos seminais de um determinado campo, encontrar temas centrais, emergentes e ausentes, identificar periódicos que podem ser fontes de pesquisa e publicação e identificar teorias e metodologias para fundamentar pesquisas futuras (PRADO et al., 2019PRADO, J. W. et al. Realismo crítico e estudos organizacionais: uma análise bibliométrica. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, Niterói, v. 13, n. 2, p. 125-147, 2019.).

Como qualquer metodologia, a bibliometria precisa ser clara quanto aos procedimentos utilizados para sua realização. A primeira etapa da pesquisa bibliométrica consiste em definir os termos da busca e a base que será utilizada. Para analisar a literatura sobre empreendedorismo utilizamos a base de dados da Web of Science (coleção principal) da Thomson Reuters Scientific para realizar o levantamento dos artigos. Apesar de reconhecermos a existência de outras bases, Ellegaard e Wallin (2015)ELLEGAARD, O.; WALLIN, J. A. The bibliometric analysis of scholarly production: how great is the impact? Scientometrics, Amsterdam, v. 105, n. 3, p. 1809-1831, 2015. destacam algumas vantagens relacionadas a Web Of Science: 1) ferramentas úteis para análises bibliométricas já incorporadas na base; 2) registros mais antigos e abrangentes relacionados aos índices de citações; 3) quantidade suficiente de literatura; 4) periódicos de alta qualidade indexados. Além disso, a base possibilita que se façam exportações das buscas e referências para a utilização do software de análise bibliométrica CiteSpace, que foi utilizado neste trabalho. Para além das vantagens citadas, a escolha por uma única base está relacionada com a padronização dos dados coletados.

Para a realização da busca foi utilizado o termo entrep* - o prefixo entrep junto com o asterisco faz com que todas as derivações a partir do prefixo sejam consideradas como, por exemplo, entrepreneurship e entrepreneurial. O termo deveria constar no título dos artigos, o que reforça a ligação do artigo com o tema. O intervalo de tempo da busca foi 1990 até 2019. Quanto ao tipo de documento, foram considerados apenas artigos, o que exclui demais trabalhos acadêmicos como, por exemplo, anais de eventos, livros, teses e dissertações. Essa busca resultou em 15034 artigos.

Para utilização do software bibliométrico CiteSpace foi realizado o download do registro completo e referências citadas de todos os artigos em formato de texto – opção disponível na Web Of Science. Esses registros foram utilizados no CiteSpace para gerar os clusters de temas de pesquisa nos períodos de 1990 a 2000, 2001 a 2010 e 2011 a 2019. Importante ressaltar que todos os 15034 artigos foram utilizados como dados no CiteSpace. Não houve, portanto, nenhum critério de exclusão de trabalhos.

Os clusters para análise foram gerados a partir do algoritmo de razão de verossimilhança (log-likelihood ratio), um dos três algoritmos estatísticos disponíveis no CiteSpace para a função de gerar clusters. Liu et al. (2019)LIU, S. et al. Knowledge domain and emerging trends in Alzheimer’s disease: a scientometric review based on CiteSpace analysis. Neural Regeneration Research, Mumbai, v. 14, n. 9, p. 1643, 2019. ressaltam que ele retorna melhores resultados. Os diferentes clusters representam diferentes domínios de pesquisa (CHEN; IBEKWE‐SANJUAN; HOU, 2010CHEN, C.; IBEKWE‐SANJUAN, F.; HOU, J. The structure and dynamics of cocitation clusters: a multiple‐perspective cocitation analysis. Journal of the American Society for Information Science and Technology, New York, v. 61, n. 7, p. 1386-1409, 2010.) e foram elencados na Figura 1 por ordem decrescente de tamanho do cluster – foram considerados os 10 clusters com maior força de cada período. Esse tamanho está relacionado com a quantidade de artigos incorporados em um determinado cluster. Assim, quanto maior o número de artigos, maior o cluster. A discussão desses foi feita a partir de artigos considerados relevantes para o cada um deles. Uma ferramenta disponível no CiteSpace elenca os artigos que compõem o cluster e indica a importância de cada um deles. Na medida em que a discussão de todos os artigos que compõem um cluster é inviável, a seleção de artigos para a discussão foi feita a partir da importância do artigo para o cluster e da leitura do título dos artigos. Dessa forma, foi possível perceber a evolução do campo em termos de temas de pesquisa ao longo dos períodos. As análises de cada período foram feitas a partir dos cluster formados.

FIGURA 1
Evolução dos clusters ao longo de tempo – elencados por critério de tamanho. Fonte: Elaborada pelos autores a partir do CiteSpace.

4. Evolução das publicações ao longo do tempo

Foi possível observar o aumento de publicações ao longo dos anos. Foram publicados 1062 trabalhos no período de 1990 – 2000, 2494 no período de 2001 – 2010 e 11478 no período de 2011 – 2019. Esse crescimento pode ser explicado por alguns fatores: 1) o empreendedorismo continua importante dentro da teoria econômica, principalmente em questões relacionadas ao crescimento econômico; 2) por ser um fenômeno multifacetado, atraiu pesquisadores de diversas áreas; 3) o surgimento de subcampos como, por exemplo, empreendedorismo público, sustentável, social, entre outros; 4) sucessivas crises econômicas marcadas por desemprego e pela busca por trabalho informal e criação do próprio negócio; 5) a importância prática do fenômeno.

Na sequência, a Figura 1 indica os clusters de pesquisa nos diferentes períodos. O dinamismo do campo fica evidente, pois novos temas de pesquisa surgiram ao longo do tempo, principalmente na virada de século. Landström, Harirchi e Aström (2012)LANDSTRÖM, H.; HARIRCHI, G.; ÅSTRÖM, F. Entrepreneurship: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1154-1181, 2012. argumentam que o campo do empreendedorismo é bastante mutável e, portanto, a cada década surgem novos temas de pesquisa.

Na sequência foram discutidos os diferentes períodos a partir da descrição dos clusters que os caracterizaram. Por não ser foco do artigo, a descrição foi sucinta, sem pretensão de contribuir com a discussão aprofundada de cada um desses temas. A intenção foi mostrar ao leitor algumas características gerais e como cada tema se insere na discussão do campo do empreendedorismo. A discussão não aconteceu, necessariamente, pela ordem apresentada na Figura 1, pois alguns clusters estavam relacionados e foram discutidos em conjunto.

4.1 O período 1990-2000: temas introdutórios

O primeiro período contempla o período entre 1990 e 2000 e os principais temas do período estão apresentados na primeira coluna da Figura 1. A partir de clusters como social mobility, local development e entrereneurial economic-development foi possível inferir que algumas pesquisas desse período estavam relacionadas ao impacto socioeconômico do fenômeno empreendedor, ou seja, buscavam analisar como o empreendedorismo impacta o crescimento e desenvolvimento econômico, além de ser fator de mobilidade social. Como os pioneiros do campo foram economistas, os estudos das décadas de 1980 e 1990 estavam fortemente ancorados na função econômica do empreendedorismo (LANDSTRÖM; HARIRCHI; ASTROM, 2012LANDSTRÖM, H.; HARIRCHI, G.; ÅSTRÖM, F. Entrepreneurship: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1154-1181, 2012.). Audretsch e Thurik (2000)AUDRETSCH, D. B.; THURIK, A. R. Capitalism and democracy in the 21st century: from the managed to the entrepreneurial economy. Journal of Evolutionary Economics, New York, v. 10, n. 1-2, p. 17-34, 2000. apontam que o empreendedorismo é fundamental para a atividade econômica, geração de empregos e distribuição de renda. Quadrini (2000)QUADRINI, V. Entrepreneurship, saving, and social mobility. Review of Economic Dynamics, Orlando, v. 3, n. 1, p. 1-40, 2000. argumenta que o empreendedorismo aumenta a probabilidade de mobilidade socioeconômica dos indivíduos e, portanto, deve ser objeto de política pública. Apesar da contribuição, o foco no resultado econômico dessas pesquisas não explica o processo empreendedor.

Discussões sobre empreendedorismo corporativo e gestão empreendedora também marcaram esse período - clusters corporate entrepreneurship e entrepreneurial management. Dessa forma, os estudos desse período já consideravam o empreendedorismo que ocorre dentro das organizações (a criação de novos produtos, métodos de produção, descoberta de novos mercados, inovações incrementais). O tema ganhou importância na medida em que foi reconhecido como elemento fundamental para promover vantagens competitivas, melhorar o desempenho e possibilitar a sobrevivência das organizações (BARRINGER; BLUEDORN, 1999BARRINGER, B. R.; BLUEDORN, A. C. The relationship between corporate entrepreneurship and strategic management. Strategic Management Journal, Hoboken, v. 20, n. 5, p. 421-444, 1999.).

Dada sua importância, a educação para o empreendedorismo já era tema de pesquisa na década de 1990 – cluster entrepreneurship education - e a quantidade de cursos de empreendedorismo aumentava de forma significativa (GARTNER; VESPER, 1994GARTNER, W. B.; VESPER, K. H. Experiments in entrepreneurship education: successes and failures. Journal of Business Venturing, New York, v. 9, n. 3, p. 179-187, 1994.; SOLOMON; WEAVER; FERNALD JUNIOR, 1994SOLOMON, G. T.; WEAVER, K. M.; FERNALD JUNIOR, L. W. A historical examination of small business management and entrepreneurship pedagogy. Simulation & Gaming, Newbury Park, v. 25, n. 3, p. 338-352, 1994.). Existia, portanto, uma iniciativa no sentido de ensinar e buscar melhores práticas pedagógicas para o empreendedorismo. Cursos padrões de empreendedorismo envolviam palestras, casos de sucessos, elaboração e avaliação de planos de negócio e administração de empresas (GARTNER; VESPER, 1994GARTNER, W. B.; VESPER, K. H. Experiments in entrepreneurship education: successes and failures. Journal of Business Venturing, New York, v. 9, n. 3, p. 179-187, 1994.; SOLOMON; WEAVER; FERNALD JUNIOR, 1994SOLOMON, G. T.; WEAVER, K. M.; FERNALD JUNIOR, L. W. A historical examination of small business management and entrepreneurship pedagogy. Simulation & Gaming, Newbury Park, v. 25, n. 3, p. 338-352, 1994.). O debate na década de 1990 já não era mais sobre a viabilidade de ensinar empreendedorismo, mas qual a melhor forma de fazê-lo (SOLOMON; WEAVER; FERNALD JUNIOR, 1994).

Outra temática importante nesse período foi o empreendedorismo étnico – cluster ethnic entrepreneurship. Esse termo se refere a criação de novos negócios por imigrantes e minorias étnicas (RAZIN; LIGHT, 1998RAZIN, E.; LIGHT, I. Ethnic entrepreneurs in America’s largest metropolitan areas. Urban Affairs Review, Thousand Oaks, v. 33, n. 3, p. 332-360, 1998.). O empreendedorismo seria uma das principais formas de mobilidades social e sobrevivência para os diferentes grupos étnicos. As discussões estavam relacionadas as dificuldades e contingências encontradas por esses grupos e por buscas de grupos étnicos mais propensos ao empreendedorismo. Além disso, discutia-se o contexto de saída de um país (motivação e recursos disponíveis quando saiu) e chegada em outro (comunidade já existente, estruturas existentes) e como esses contextos estimulavam ou restringiam a prática empreendedora (RAZIN; LIGHT, 1998RAZIN, E.; LIGHT, I. Ethnic entrepreneurs in America’s largest metropolitan areas. Urban Affairs Review, Thousand Oaks, v. 33, n. 3, p. 332-360, 1998.).

Nesse período o campo também estava ancorado em estudos que buscavam características atitudinais, comportamentais e psicológicas que diferenciariam empreendedores de não empreendedores (BARON, 2000BARON, R. A. Psychological perspectives on entrepreneurship: cognitive and social factors in entrepreneurs’ success. Current Directions in Psychological Science, New York, v. 9, n. 1, p. 15-18, 2000.). O cluster national culture – cultura nacional – pode estar relacionado ao seminal trabalho de McClelland et al. (1961)MCCLELLAND, D. C. et al. Achieving society. London: Simon & Schuster, 1961., que discutia a necessidade de realização dos indivíduos como componente-chave para explicar o diferente nível de atividade empreendedora nos países. Low e MacMillan (1988)LOW, M. B.; MACMILLAN, I. C. Entrepreneurship: past research and future challenges. Journal of Management, v. 14, n. 2, p. 139-161, 1988. mostraram como as teorias socioculturais foram bastante utilizadas para explicar como fatores sociais e culturais poderiam explicar diferentes taxas de empreendedorismo em diferentes regiões. Além disso, o cluster self-reported motivation – motivação autorreferida – também indica o foco nas motivações individuais para o empreendedorismo. Baron (2000)BARON, R. A. Psychological perspectives on entrepreneurship: cognitive and social factors in entrepreneurs’ success. Current Directions in Psychological Science, New York, v. 9, n. 1, p. 15-18, 2000. afirma que os empreendedores pensam de forma diferente, pois são mais confiantes e mais dispostos a correr riscos. Entretanto, críticas à abordagem comportamental já existiam no período. O texto de Low e MacMillan (1988)LOW, M. B.; MACMILLAN, I. C. Entrepreneurship: past research and future challenges. Journal of Management, v. 14, n. 2, p. 139-161, 1988., por exemplo, traz várias críticas e ressalta que a busca de características inerentes aos empreendedores não encontra respaldo empírico. Segundo Low e MacMillan (1988)LOW, M. B.; MACMILLAN, I. C. Entrepreneurship: past research and future challenges. Journal of Management, v. 14, n. 2, p. 139-161, 1988., os estudos utilizam empreendedores de sucesso como objeto de estudo, o que gera um viés na pesquisa; as características encontradas são diversas e variam nos diferentes empreendedores estudados e; essas características podem ser incorporadas ao indivíduo a partir do aprendizado no processo empreendedor.

Para além de características psicológicas, o campo discutia também como características demográficas (gênero, renda, idade) poderiam influenciar o empreendedorismo (EVANS; LEIGHTON, 1990EVANS, D. S.; LEIGHTON, L. S. Some empirical aspects of entrepreneurship. In: ACS, Z. J.; AUDRETSCH, D. B. (Org.). The economics of small firms. Dordrecht: Springer, 1990. p. 79-99.). Nesse sentido, os trabalhos de Evans e Leighton (1990)EVANS, D. S.; LEIGHTON, L. S. Some empirical aspects of entrepreneurship. In: ACS, Z. J.; AUDRETSCH, D. B. (Org.). The economics of small firms. Dordrecht: Springer, 1990. p. 79-99. e Evans e Jovanovic (1989)EVANS, D. S.; JOVANOVIC, B. An estimated model of entrepreneurial choice under liquidity constraints. Journal of Political Economy, Chicago, v. 97, n. 4, p. 808-827, 1989. mostram como a restrição de liquidez, ou seja, a falta de um patrimônio líquido disponível para investir influencia diretamente a decisão de empreender, o que explica o cluster liquidity constraint (restrição de liquidez).

Os arranjos cooperativos também foram tema de pesquisa na década de 1990 – cluster arrangement cooperative. Alguns trabalhos apontaram a relação entre empreendedorismo e arranjos cooperativos (BAUCUS; BAUCUS; HUMAN, 1996BAUCUS, D. A.; BAUCUS, M. S.; HUMAN, S. E. Consensus in franchise organizations: a cooperative arrangement among entrepreneurs. Journal of Business Venturing, New York, v. 11, n. 5, p. 359-378, 1996.; EISENHARDT; SCHOONHOVEN, 1996EISENHARDT, K. M.; SCHOONHOVEN, C. B. Resource-based view of strategic alliance formation: strategic and social effects in entrepreneurial firms. Organization Science, Maryland, v. 7, n. 2, p. 136-150, 1996.). Os empreendedores buscam entrar em arranjos cooperativos como forma de conquistar vantagens competitivas, expandir mercados, reduzir custos de produção, criar redes mais fortes, compartilhar riscos e melhorar o desempenho (BAUCUS; BAUCUS; HUMAN, 1996BAUCUS, D. A.; BAUCUS, M. S.; HUMAN, S. E. Consensus in franchise organizations: a cooperative arrangement among entrepreneurs. Journal of Business Venturing, New York, v. 11, n. 5, p. 359-378, 1996.; EISENHARDT; SCHOONHOVEN, 1996EISENHARDT, K. M.; SCHOONHOVEN, C. B. Resource-based view of strategic alliance formation: strategic and social effects in entrepreneurial firms. Organization Science, Maryland, v. 7, n. 2, p. 136-150, 1996.).

Nesse primeiro período, portanto, o campo foi marcado por discussões relacionadas a função econômica do fenômeno, por discussões sobre empreendedorismo corporativo, gestão empreendedora, educação para o empreendedorismo e empreendedorismo étnico. Além disso, teorias socioculturais já mostravam a importância do contexto como variável explicativa para diferentes níveis de atividade empreendedora. Por fim, a interação com a psicologia e sociologia buscava explicar o indivíduo empreendedor.

4.2 O período 2001-2010: surgimento de novos temas e conceitos

O crescimento do campo ao longo dos anos atraiu novos pesquisadores e estimulou a criação de centros de pesquisa, periódicos e eventos especializados. As críticas, lacunas e sugestões deixadas pelas pesquisas anteriores estimularam a busca por novas abordagens e perspectivas teóricas nos períodos seguintes (SHANE; VENKATARAMAN, 2000SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000.). Ao comparar o primeiro e segundo período, observamos uma maior diversidade de conceitos e uma maior amplitude do campo.

Importante destacar que alguns clusters não representam conceitos por si só. O cluster integrating entrepreneurship, por exemplo, reforça a interdisciplinaridade do campo, pois indica uma chamada para integrar empreendedorismo em diferentes campos. O texto de Ireland et al. (2001)IRELAND, R. D. et al. Integrating entrepreneurship and strategic management actions to create firm wealth. Academy of Management Perspectives, New York, v. 15, n. 1, p. 49-63, 2001., por exemplo, destaca a necessidade de integrar empreendedorismo e estudos sobre estratégia. O cluster geographic distribution também não é um conceito, mas pode indicar trabalhos relacionados a aspectos estruturais e socioculturais que impulsionam o empreendedorismo em diferentes regiões.

A virada teórica mais importante nesse período foi o conceito de oportunidade empreendedora. Isso fica evidente ao observar o primeiro cluster, entrepreneurial opportunity evaluation. O trabalho de Shane e Venkataraman (2000)SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000. parte do pressuposto de que para existir empreendedorismo é necessário que existam oportunidades empreendedoras. A partir disso, os autores definem o empreendedorismo como o processo de descoberta, avaliação e exploração dessas oportunidades. Nesse sentido, a pesquisa em empreendedorismo deve buscar compreender “como, por quem e com quais efeitos as oportunidades para criar bens e serviços futuros são descobertas, avaliadas e exploradas” (SHANE; VENKATARAMAN, 2000SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000., p. 218). Essa definição é importante por conferir ao empreendedorismo uma característica processual, que não busca explicar apenas quem é o empreendedor e os impactos do empreendedorismo, mas como ele acontece na prática. Assim, a definição proposta por Shane e Venkataraman (2000)SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000. adiciona novas questões ao campo como, por exemplo, a discussão sobre a natureza das oportunidades e sobre o processo de avaliação e exploração dessas oportunidades.

O conceito de oportunidade empreendedora confere importância aoindivíduo no processo empreendedor ao buscar compreender o porquê de alguns indivíduos e não outros descobrirem essas oportunidades. Conforme observado no primeiro período, as pesquisas buscavam diferenciar indivíduos empreendedores a partir de características psicológicas, comportamentais e demográficas. Entretanto, a partir das críticas e da falta de respaldo empírico, novas alternativas para explicar o indivíduo empreendedor foram colocadas em discussão (MITCHELL et al., 2004MITCHELL, R. K. et al. The distinctive and inclusive domain of entrepreneurial cognition research. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 28, n. 6, p. 505-518, 2004.). Nesse contexto surgiu o conceito de cognição empreendedora - cluster entrepreneurial cognition research. Pesquisas sobre cognição empreendedora buscam compreender como os empreendedores pensam, avaliam, julgam, aprendem e tomam decisões relacionadas a oportunidades empreendedoras (MITCHELL et al., 2004MITCHELL, R. K. et al. The distinctive and inclusive domain of entrepreneurial cognition research. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 28, n. 6, p. 505-518, 2004.). Shane e Venkataraman (2000)SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000. citam a cognição empreendedora como um dos fatores que explicam por que alguns indivíduos descobrem e exploram oportunidades enquanto outros não. Westhead, Ucbasaran e Wright (2005)WESTHEAD, P.; UCBASARAN, D.; WRIGHT, M. Experience and cognition: do novice, serial and portfolio entrepreneurs differ? International Small Business Journal, London, v. 23, n. 1, p. 72-98, 2005. argumentam que a cognição empreendedora depende da experiência ao longo da vida e do tipo de empreendedor. Os autores dividem em três os tipos de empreendedores: nocivo, serial e de portfólio – cluster portfolio entrepreuner. Esses tipos diferem quanto à experiência empreendedora e quantidade de negócios que criaram/administraramm.

Pesquisas sobre empreendedorismo feminino também ganharam força nesse período. Isso condiz com o aumento do número de mulheres empreendedoras observado ao longo dos anos (VERHEUL; VAN STEL; THURIK, 2006VERHEUL, I.; VAN STEL, A.; THURIK, R. Explaining female and male entrepreneurship at the country level. Entrepreneurship & Regional Development, London, v. 18, n. 2, p. 151-183, 2006.). A literatura sobre empreendedorismo feminino é marcada por discussões relacionadas às dificuldades e desvantagens que as mulheres encontram para empreender quando comparadas aos homens (LEWIS, 2006LEWIS, P. The quest for invisibility: female entrepreneurs and the masculine norm of entrepreneurship. Gender, Work & Organization, Oxford, v. 13, n. 5, p. 453-469, 2006.). Verheul, Van Stel e Thurik (2006)VERHEUL, I.; VAN STEL, A.; THURIK, R. Explaining female and male entrepreneurship at the country level. Entrepreneurship & Regional Development, London, v. 18, n. 2, p. 151-183, 2006. apontam para a diversidade resultante do empreendedorismo feminino, pois mulheres iniciam negócios em diferentes setores e desenvolvem produtos distintos.

A ideia de risco também é fundamental no campo do empreendedorismo, o que explica o cluster entrepreneurial risk. Empreendedores são caracterizados como indivíduos que estão dispostos a correr riscos, capazes de tomar decisões e agir sob incertezas. Além disso, o risco está relacionado ao contexto. Diferentes contextos institucionais, culturais, políticos, sociais, econômicos e estruturais oferecem maior ou menor risco aos empreendedores. Nesse sentido, o contexto e risco são fatores determinantes da atividade empreendedora.

Outro tema de pesquisa que aparece nesse período é o empreendedorismo social – cluster social entrepreneurship. Grande parte da literatura desse período estava preocupada em oferecer uma definição para o conceito (DACIN; DACIN; MATEAR, 2010DACIN, P. A.; DACIN, M. T.; MATEAR, M. Social entrepreneurship: why we don’t need a new theory and how we move forward from here. The Academy of Management Perspectives, New York, v. 24, n. 3, p. 37-57, 2010.). De forma geral, o empreendedorismo social é visto como instrumento de mudança social e utilizado para solucionar problemas de diversas ordens. Pode ser praticado por meio de organizações públicas, filantrópicas e sem fins lucrativos. Além disso, ações de responsabilidade social realizadas por organizações privadas também são entendidas como empreendedorismo social (DACIN; DACIN; MATEAR, 2010DACIN, P. A.; DACIN, M. T.; MATEAR, M. Social entrepreneurship: why we don’t need a new theory and how we move forward from here. The Academy of Management Perspectives, New York, v. 24, n. 3, p. 37-57, 2010.). Não há, portanto, uma definição única. Diferente do empreendedorismo privado, que busca lucro e benefícios individuais, o empreendedorismo social busca criar valor social e seu desempenho deve ser medido em termos de benefícios coletivos. Entretanto, isso resulta em problemas metodológicos, pois definir medidas para avaliar benefícios coletivos é uma tarefa complexa.

Apesar de não aparecer enquanto tema específico, a presença do cluster entrepreneurial orientation indica que o empreendedorismo corporativo ganhou novos contornos a partir do conceito de orientação empreendedora. Empresas que buscam inovação, novas oportunidades de negócios, ampliação de mercado e melhor desempenho devem ter uma orientação empreendedora (WIKLUND; SHEPHERD, 2003WIKLUND, J.; SHEPHERD, D. Knowledge‐based resources, entrepreneurial orientation, and the performance of small and medium‐sized businesses. Strategic Management Journal, Hoboken, v. 24, n. 13, p. 1307-1314, 2003.). Assim, a orientação empreendedora pode ser considerada uma orientação estratégica voltada ao empreendedorismo. A partir disso, os estudos passaram a buscar características, fatores e modelos para avaliar e medir o grau de orientação empreendedora das empresas (WIKLUND; SHEPHERD, 2003WIKLUND, J.; SHEPHERD, D. Knowledge‐based resources, entrepreneurial orientation, and the performance of small and medium‐sized businesses. Strategic Management Journal, Hoboken, v. 24, n. 13, p. 1307-1314, 2003.).

A relação entre as universidades e o empreendedorismo também foi tema de discussão nesse período – cluster entrepreneurial scientis. A discussão sobre a relação entre universidade e empreendedorismo ganhou força a partir da década de 1990 (VAN LOOY et al., 2004VAN LOOY, B. et al. Combining entrepreneurial and scientific performance in academia: towards a compounded and reciprocal Matthew-effect? Research Policy, Amsterdam, v. 33, n. 3, p. 425-441, 2004.; MURRAY, 2004MURRAY, F. The role of academic inventors in entrepreneurial firms: sharing the laboratory life. Research Policy, Amsterdam, v. 33, n. 4, p. 643-659, 2004.). Segundo Van Looy et al. (2004)VAN LOOY, B. et al. Combining entrepreneurial and scientific performance in academia: towards a compounded and reciprocal Matthew-effect? Research Policy, Amsterdam, v. 33, n. 3, p. 425-441, 2004., as universidades são importantes agentes de inovação e desenvolvimento de tecnologias. As discussões nesse domínio estão relacionadas com a interação universidade-empresa/mercado, principalmente em setores com base científica forte (VAN LOOY et al., 2004VAN LOOY, B. et al. Combining entrepreneurial and scientific performance in academia: towards a compounded and reciprocal Matthew-effect? Research Policy, Amsterdam, v. 33, n. 3, p. 425-441, 2004.; MURRAY, 2004MURRAY, F. The role of academic inventors in entrepreneurial firms: sharing the laboratory life. Research Policy, Amsterdam, v. 33, n. 4, p. 643-659, 2004.). O trabalho de Van Looy et al. (2004)VAN LOOY, B. et al. Combining entrepreneurial and scientific performance in academia: towards a compounded and reciprocal Matthew-effect? Research Policy, Amsterdam, v. 33, n. 3, p. 425-441, 2004. apresenta os benefícios e conflitos dessa interação. Murray (2004)MURRAY, F. The role of academic inventors in entrepreneurial firms: sharing the laboratory life. Research Policy, Amsterdam, v. 33, n. 4, p. 643-659, 2004., por sua vez, tem um foco maior no cientista/acadêmico empreendedor e como ele pode aumentar o capital humano e social (rede de cientistas) das organizações privadas.

Nesse período surge também o cluster international entrepreneurship. O interesse pelo empreendedorismo internacional aumentou como resultado do avanço da globalização (ZAHRA; GEORGE, 2002ZAHRA, S. A.; GEORGE, G. International entrepreneurship: the current status of the field and future research agenda. In: HITT, M. et al. (Org.). Strategic entrepreneurship: creating a new mindset. Oxford: Blackwell, 2002. p. 255-288.). Em um primeiro momento, o empreendedorismo internacional era considerado como a criação de negócios que operam de forma internacional desde os estágios iniciais. Com o tempo incorporou as empresas já estabelecidas que buscam o processo de internacionalização. Para Zahra e George (2002)ZAHRA, S. A.; GEORGE, G. International entrepreneurship: the current status of the field and future research agenda. In: HITT, M. et al. (Org.). Strategic entrepreneurship: creating a new mindset. Oxford: Blackwell, 2002. p. 255-288., o objeto de estudo do empreendedorismo internacional seria a interação entre inovação, risco e o processo de internacionalização.

Esse período, portanto, foi marcado pela inserção de novos temas de pesquisa como, por exemplo, empreendedorismo social, acadêmico, internacional e feminino. O risco empreendedor também ganha destaque enquanto objeto de pesquisa. Nesse sentido, o campo ganhou amplitude temática/conceitual a partir do crescimento quantitativo de publicações. Além disso, é importante ressaltar que há indicativos para uma evolução da abordagem comportamental, principalmente com o conceito de cognição empreendedora. Por fim, o período foi marcado pela ênfase no conceito de oportunidades empreendedoras.

4.3 O período: 2011-2019: refinamento e desenvolvimento de conceitos

Ao contrário do período 2001-2010, que foi marcado por uma ampliação de temas, o período 2011-2019 foi marcado por uma manutenção de determinados temas de pesquisa. Isso indica que os temas que surgiram ao longo do período anterior continuam importantes e estão passando por refinamentos teóricos e aplicações empíricas. O cluster mais forte desse período, por exemplo, continuou relacionado ao conceito de oportunidade empreendedora – entrepreneurial opportunities. Conforme já ressaltado, a definição proposta por Shane e Venkataraman (2000)SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000. abriu várias frentes de pesquisa e fez avançar o campo do empreendedorismo. Assim, várias questões relacionadas a natureza e ao processo de avaliação, descoberta e exploração das oportunidades continuam abertas. Nesse sentido, Davidsson (2015DAVIDSSON, P. Entrepreneurial opportunities and the entrepreneurship nexus: a re-conceptualization. Journal of Business Venturing, New York, v. 30, n. 5, p. 674-695, 2015., p. 2) aponta que “o aumento da atenção às ‘oportunidades’ parece ter ajudado a abrir novas e frutíferas linhas de investigação”, mas argumenta que houve pouco progresso quanto ao conceito de oportunidades e que as publicações que utilizam o conceito são marcadas por inconsistências e imprecisões.

Os estudos relacionados ao indivíduo empreendedor continuam significativos e ganharam força e novos contornos a partir da definição proposta por Shane e Venkataraman (2000)SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000., que enfatiza o nexo entre indivíduo e oportunidade empreendedora. Nesse contexto, intenção empreendedora é um clusterentrepreneurial intention - com força significativa nesse período e refere-se à intenção dos indivíduos de iniciar novos negócios (LIÑÁN; FAYOLLE, 2015LIÑÁN, F.; FAYOLLE, A. A systematic literature review on entrepreneurial intentions: citation, thematic analyses, and research agenda. The International Entrepreneurship and Management Journal, New York, v. 11, n. 4, p. 907-933, 2015.; SCHLÄGEL; KÖNIG, 2014SCHLÄGEL, C.; KÖNIG, M. Determinants of entrepreneurial intent: a meta‐analytic test and integration of competing models. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 38, n. 2, p. 291-332, 2014.). Portanto, a intenção é o primeiro passo para o processo empreendedor. Os estudos sobre o tema possuem base teórica na psicologia e buscam modelos, variáveis, determinantes, fatores e perspectivas metodológicas para avaliar, medir e predizer a intenção empreendedora dos indivíduos. Dois modelos são considerados referências no tema, a saber, Teoria do Comportamento Planejado e Modelo de Evento Empreendedor (LIÑÁN; FAYOLLE, 2015LIÑÁN, F.; FAYOLLE, A. A systematic literature review on entrepreneurial intentions: citation, thematic analyses, and research agenda. The International Entrepreneurship and Management Journal, New York, v. 11, n. 4, p. 907-933, 2015.; SCHLÄGEL; KÖNIG, 2014SCHLÄGEL, C.; KÖNIG, M. Determinants of entrepreneurial intent: a meta‐analytic test and integration of competing models. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 38, n. 2, p. 291-332, 2014.). Dessa forma, trabalhos recentes buscam aplicar, questionar, aprimorar e integrar esses modelos (LIÑÁN; FAYOLLE, 2015LIÑÁN, F.; FAYOLLE, A. A systematic literature review on entrepreneurial intentions: citation, thematic analyses, and research agenda. The International Entrepreneurship and Management Journal, New York, v. 11, n. 4, p. 907-933, 2015.; SCHLÄGEL; KÖNIG, 2014SCHLÄGEL, C.; KÖNIG, M. Determinants of entrepreneurial intent: a meta‐analytic test and integration of competing models. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 38, n. 2, p. 291-332, 2014.).

Apesar de textos que pesquisaram a influência da cultura nacional sobre a atividade empreendedora, o contexto não foi central no campo do empreendedorismo nos períodos anteriores. Entretanto, a partir da evolução do campo ao longo do tempo, o contexto no qual o empreendedorismo ocorre e a interação entre os empreendedores e o contexto ganharam importância como variáveis explicativas para o processo empreendedor (STAM, 2015STAM, E. Entrepreneurial ecosystems and regional policy: a sympathetic critique. European Planning Studies, Abingdon, v. 23, n. 9, p. 1759-1769, 2015.; CAVALLO; GHEZZI; BALOCCO, 2019CAVALLO, A.; GHEZZI, A.; BALOCCO, R. Entrepreneurial ecosystem research: present debates and future directions. International Entrepreneurship and Management Journal, New York, v. 15, n. 4, p. 1291-1321, 2019.). Nesse sentido, o cluster entrepreneurial activity – atividade empreendedora – reflete preocupações em analisar como os contextos sociais, culturais e institucionais, por exemplo, restringem ou apoiam atividades empreendedoras (THORNTON; RIBEIRO-SORIANO; URBANO, 2011THORNTON, P. H.; RIBEIRO-SORIANO, D.; URBANO, D. Socio-cultural factors and entrepreneurial activity: an overview. International Small Business Journal, London, v. 29, n. 2, p. 105-118, 2011.).

Além disso, a discussão sobre o contexto resulta no conceito de ecossistema empreendedor (STAM, 2015STAM, E. Entrepreneurial ecosystems and regional policy: a sympathetic critique. European Planning Studies, Abingdon, v. 23, n. 9, p. 1759-1769, 2015.; CAVALLO; GHEZZI; BALOCCO, 2019CAVALLO, A.; GHEZZI, A.; BALOCCO, R. Entrepreneurial ecosystem research: present debates and future directions. International Entrepreneurship and Management Journal, New York, v. 15, n. 4, p. 1291-1321, 2019.) – cluster entrepreneurial ecosystem. Um ecossistema empreendedor pode ser definido como o conjunto de atores e entidades que permitem e estimulam o empreendedorismo (STAM, 2015STAM, E. Entrepreneurial ecosystems and regional policy: a sympathetic critique. European Planning Studies, Abingdon, v. 23, n. 9, p. 1759-1769, 2015.). Inclui os empreendedores, estrutura legal, estrutura física, demanda por bens e serviços, serviços de apoio, serviços financeiros, serviços educacionais, trabalhadores qualificados, entre outros atores/fatores. Entretanto, Stam (2015)STAM, E. Entrepreneurial ecosystems and regional policy: a sympathetic critique. European Planning Studies, Abingdon, v. 23, n. 9, p. 1759-1769, 2015. aponta que as pesquisas sobre ecossistemas empreendedores negligenciam aspectos relacionados as conexões entre os diferentes atores e a importância de cada um no sistema. Nesse sentido, o cluster german region pode indicar um ecossistema empreendedor, uma vez que a expressão não representa um conceito específico. Fritsch, Obschonka e Wyrwich (2019)FRITSCH, M.; OBSCHONKA, M.; WYRWICH, M. Historical roots of entrepreneurship-facilitating culture and innovation activity: an analysis for German regions. Regional Studies, Oxfordshire, v. 53, n. 9, p. 1296-1307, 2019. apontam que existe uma cultura empreendedora na Alemanha.

Outros temas que permanecem ao longo do tempo são empreendedorismo corporativo e orientação empreendedora – clusters entrepreneurial orientation e corporate entrepreneurship. Segundo Covin e Lumpkin (2011)COVIN, J. G.; LUMPKIN, G. T. Entrepreneurial orientation theory and research: reflections on a needed construct. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 35, n. 5, p. 855-872, 2011., a orientação empreendedora surge como um tópico do empreendedorismo corporativo, mas recebeu maior atenção nos últimos anos – o que explica sua presença no período 2001 – 2010 e maior força nesse período. A orientação empreendedora tem a organização como unidade de análise e consiste em um conjunto de atributos e comportamentos empreendedores sustentados pelas organizações ao longo do tempo (COVIN; LUMPKIN, 2011COVIN, J. G.; LUMPKIN, G. T. Entrepreneurial orientation theory and research: reflections on a needed construct. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 35, n. 5, p. 855-872, 2011.). O aspecto de comportamento continuado é fundamental para definir a orientação empreendedora, pois trata essa orientação como uma postura estratégica, e não como um comportamento ocasional/transitório (COVIN; LUMPKIN, 2011COVIN, J. G.; LUMPKIN, G. T. Entrepreneurial orientation theory and research: reflections on a needed construct. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 35, n. 5, p. 855-872, 2011.). Apesar da evolução ao longo do tempo, Covin e Lumpkin (2011)COVIN, J. G.; LUMPKIN, G. T. Entrepreneurial orientation theory and research: reflections on a needed construct. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 35, n. 5, p. 855-872, 2011. ressaltam a necessidade de aprimoramento do conceito de orientação empreendedora e de discussões de perspectivas metodológicas para fundamentar pesquisas empíricas.

O empreendedorismo acadêmico permanece como tema de pesquisa nesse período – cluster academic entrepreneurship. Junto com o ensino, a pesquisa e a extensão, o empreendedorismo é considerado uma missão das universidades e um instrumento importante de desenvolvimento e crescimento econômico. Além disso, o empreendedorismo acadêmico pode ser importante para arrecadação de fundos para manutenção e desenvolvimento das universidades (CENTOBELLI et al., 2019CENTOBELLI, P. et al. Exploration and exploitation in the development of more entrepreneurial universities: a twisting learning path model of ambidexterity. Technological Forecasting and Social Change, New York, v. 141, p. 172-194, 2019.; GRIMALDI et al., 2011GRIMALDI, R. et al. 30 years after Bayh–Dole: Reassessing academic entrepreneurship. Research Policy, Amsterdam, v. 40, n. 8, p. 1045-1057, 2011.). Grimaldi et al. (2011)GRIMALDI, R. et al. 30 years after Bayh–Dole: Reassessing academic entrepreneurship. Research Policy, Amsterdam, v. 40, n. 8, p. 1045-1057, 2011. elencam algumas formas de empreendedorismo acadêmico: patentes e licenciamentos, empresas que se originam dentro das universidades, incubadoras e agências de inovação, criação de fundos para investimento em starups, comercialização de resultados de pesquisa, prestação de consultorias e parceiras público-privadas para desenvolvimento de inovações. O empreendedorismo acadêmico necessita de estrutura legal e organizacional que o permitam, além de políticas públicas e engajamento dos acadêmicos (GRIMALDI et al., 2011GRIMALDI, R. et al. 30 years after Bayh–Dole: Reassessing academic entrepreneurship. Research Policy, Amsterdam, v. 40, n. 8, p. 1045-1057, 2011.).

O cluster women entrepreuner mostra que o empreendedorismo feminino continua um tema de pesquisa importante dentro do campo. O número de mulheres empreendedoras aumentou consideravelmente em diversos países, seja iniciando o próprio negócio ou assumindo cargos administrativos em organizações. Entretanto, Byrne, Fattoum e Diaz Garcia (2019)BYRNE, J.; FATTOUM, S.; DIAZ GARCIA, M. C. Role models and women entrepreneurs: entrepreneurial superwoman has her say. Journal of Small Business Management, Morgantown, v. 57, n. 1, p. 154-184, 2019. apontam que as mulheres ainda enfrentam maiores dificuldades para empreender. Em termos de pesquisa, o empreendedorismo feminino investigou até agora as motivações, necessidades particulares, sobrevivência e desempenho das empresas e equilíbrio entre trabalho e família de mulheres empreendedoras (YOUSAFZAI; SAEED; MUFFATTO, 2015YOUSAFZAI, S. Y.; SAEED, S.; MUFFATTO, M. Institutional theory and contextual embeddedness of women’s entrepreneurial leadership: evidence from 92 countries. Journal of Small Business Management, Morgantown, v. 53, n. 3, p. 587-604, 2015.).

O empreendedorismo social – cluster social entrepreneurship - também permanece como tema de pesquisa nesse período. Apesar do crescimento de pesquisas observado ao longo dos anos, o empreendedorismo social pode ser considerado um campo nascente e, portanto, ainda enfrenta dilemas teóricos e metodológicos (DACIN; DACIN; TRACEY, 2011DACIN, M. T.; DACIN, P. A.; TRACEY, P. Social entrepreneurship: a critique and future directions. Organization Science, Maryland, v. 22, n. 5, p. 1203-1213, 2011.; SANTOS, 2012SANTOS, F. M. A positive theory of social entrepreneurship. Journal of Business Ethics, Dordrecht, v. 111, n. 3, p. 335-351, 2012.). Em seu trabalho de revisão, Dacin, Dacin e Tracey (2011)DACIN, M. T.; DACIN, P. A.; TRACEY, P. Social entrepreneurship: a critique and future directions. Organization Science, Maryland, v. 22, n. 5, p. 1203-1213, 2011. observaram muitos trabalhos teóricos que buscam definir o conceito e propor o domínio do empreendedorismo social. As pesquisas empíricas, por sua vez, possuem inconsistências metodológicas e buscam descrever casos isolados. A partir disso, Dacin, Dacin e Tracey (2011)DACIN, M. T.; DACIN, P. A.; TRACEY, P. Social entrepreneurship: a critique and future directions. Organization Science, Maryland, v. 22, n. 5, p. 1203-1213, 2011. sugerem que são necessários avanços no campo como, por exemplo, analisar o empreendedorismo social corporativo, incluir elementos do contexto no qual o fenômeno ocorre, analisar a identidade e cognição dos empreendedores sociais e analisar as redes formais e informais que ocorrem durante o processo. Para Santos (2012)SANTOS, F. M. A positive theory of social entrepreneurship. Journal of Business Ethics, Dordrecht, v. 111, n. 3, p. 335-351, 2012., o empreendedorismo social deve construir suas próprias teorias.

Outro tema que continua com presença significativa nesse período é o empreendedorismo internacional. A pesquisa sobre o tema avançou, mas é criticada por ser fragmentada e inconsistente (JONES; COVIELLO; TANG, 2011JONES, M. V.; COVIELLO, N.; TANG, Y. K. International entrepreneurship research (1989-2009): a domain ontology and thematic analysis. Journal of Business Venturing, New York, v. 26, n. 6, p. 632-659, 2011.). Essas críticas são características de um novo domínio acadêmico e, nesse sentido, são provocativas e fundamentais para o desenvolvimento do campo. Por meio de uma revisão, Jones, Coviello e Tang (2011)JONES, M. V.; COVIELLO, N.; TANG, Y. K. International entrepreneurship research (1989-2009): a domain ontology and thematic analysis. Journal of Business Venturing, New York, v. 26, n. 6, p. 632-659, 2011. mostram que os estudos sobre empreendedorismo internacional estão divididos em três temas principais: 1) a internacionalização empreendedora; 2) comparações internacionais de empreendedorismo e; 3) comparativo da internacionalização empreendedora.

Conforme exposto, esse período foi marcado pela manutenção de determinados temas de pesquisa (empreendedorismo social, feminino, acadêmico, corporativo, internacional, oportunidades empreendedoras). Portanto, esses temas possuem uma relevância significativa. A manutenção desses temas permite inferir que: a) existem pesquisas que buscam desenvolver teórica e metodologicamente esses conceitos; e b) existem pesquisas empíricas relacionadas a esses temas. Um novo conceito nesse período foi o ecossistema empreendedor. Discussões sobre o contexto, em suas diversas dimensões, já tinham sido realizadas. Dessa forma, a ideia de ecossistema empreendedor parece integrar essas diferentes dimensões em um único conceito.

5. Considerações finais

Considerando o grande volume de publicações, o dinamismo e a diversidade que marcam o campo do empreendedorismo (LANDSTRÖM, 2020LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.), buscamos neste trabalho descrever e analisar a evolução do empreendedorismo enquanto campo de pesquisa por meio de temas que marcaram diferentes períodos, além de identificar temas ausentes que podem constituir uma agenda de pesquisa. Para tanto, foi realizada uma revisão bibliométrica a partir de dados coletados na Web Of Science e utilizados no software bibliométrico CiteSpace.

Os clusters encontrados corroboram com a afirmação de Landström (2020)LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020. de que o empreendedorismo é um campo mutável no qual temas de pesquisas surgem constantemente. A partir disso, é possível inferir que nas últimas décadas o campo ganhou amplitude com a inserção de novos conceitos e temas de pesquisa. Além disso, a manutenção de alguns temas no período 2011 - 2019 indica que esses continuam importantes e buscam densidade e aprofundamento teórico/metodológico a partir de críticas, discussões e resultados encontrados em pesquisas empíricas.

No geral, essa revisão apresenta aos pesquisadores as principais abordagens do campo do empreendedorismo, além de uma série de temas para pesquisas futuras. Nesse sentido, as sugestões para pesquisas estão fundamentadas em temas recorrentes e ausentes. Quanto aos temas recorrentes, a manutenção de muitos dos temas nos dois últimos períodos (2000-2010 e 2001-2019) indica que esses continuam importantes e, portanto, demandam novas pesquisas. Quantos aos ausentes, o empreendedorismo público é um tema que não apareceu nos resultados deste trabalho. O conceito de empreendedorismo público surge com a Nova Administração Pública, mas a produção sobre o tema ainda é incipiente. Nesse sentido e considerando a necessidade de que as instituições públicas sejam eficientes, existe espaço e demanda por pesquisas relacionadas ao empreendedorismo no setor público.

Processo empreendedor e ação empreendedora também são temas que merecem atenção. A partir do conceito de oportunidades empreendedoras o campo avançou no sentido de compreender como os empreendedores descobrem, avaliam e exploram essas oportunidades. Entretanto, os trabalhos estão mais inclinados a compreender a natureza das oportunidades e as características dos indivíduos que as descobrem e exploram, deixando o processo e as ações em segundo plano. Nesse sentido, são necessários estudos que expliquem o processo empreendedor e sua relação com o contexto no qual ocorre, as ações realizadas (SHEPHERD, 2015SHEPHERD, D. A. Party on! A call for entrepreneurship research that is more interactive, activity based, cognitively hot, compassionate, and prosocial. Journal of Business Venturing, New York, v. 30, n. 4, p. 489-507, 2015.) e os atores envolvidos.

Em relação às limitações, destacamos que a evolução do campo foi analisada apenas com base nos temas mais significativos de cada período. Em geral, bibliometrias utilizam principalmente a análise de co-citação para avaliar textos e autores que impactaram determinado campo. Apesar das qualidades da base de dados utilizada (Web Of Science), a utilização de uma única base também é uma limitação, pois pode excluir determinados artigos e periódicos.

  • Fonte de financiamento: os autores declararam não haver fonte de financiamento.

Referências

  • AUDRETSCH, D. B.; THURIK, A. R. Capitalism and democracy in the 21st century: from the managed to the entrepreneurial economy. Journal of Evolutionary Economics, New York, v. 10, n. 1-2, p. 17-34, 2000.
  • BARON, R. A. Psychological perspectives on entrepreneurship: cognitive and social factors in entrepreneurs’ success. Current Directions in Psychological Science, New York, v. 9, n. 1, p. 15-18, 2000.
  • BARRINGER, B. R.; BLUEDORN, A. C. The relationship between corporate entrepreneurship and strategic management. Strategic Management Journal, Hoboken, v. 20, n. 5, p. 421-444, 1999.
  • BAUCUS, D. A.; BAUCUS, M. S.; HUMAN, S. E. Consensus in franchise organizations: a cooperative arrangement among entrepreneurs. Journal of Business Venturing, New York, v. 11, n. 5, p. 359-378, 1996.
  • BYRNE, J.; FATTOUM, S.; DIAZ GARCIA, M. C. Role models and women entrepreneurs: entrepreneurial superwoman has her say. Journal of Small Business Management, Morgantown, v. 57, n. 1, p. 154-184, 2019.
  • CAVALLO, A.; GHEZZI, A.; BALOCCO, R. Entrepreneurial ecosystem research: present debates and future directions. International Entrepreneurship and Management Journal, New York, v. 15, n. 4, p. 1291-1321, 2019.
  • CENTOBELLI, P. et al. Exploration and exploitation in the development of more entrepreneurial universities: a twisting learning path model of ambidexterity. Technological Forecasting and Social Change, New York, v. 141, p. 172-194, 2019.
  • CHANDRA, Y. Mapping the evolution of entrepreneurship as a field of research (1990-2013): a scientometric analysis. PloS One, San Francisco, v. 13, n. 1, e0190228, 2018.
  • CHEN, C.; IBEKWE‐SANJUAN, F.; HOU, J. The structure and dynamics of cocitation clusters: a multiple‐perspective cocitation analysis. Journal of the American Society for Information Science and Technology, New York, v. 61, n. 7, p. 1386-1409, 2010.
  • CORNELIUS, B.; LANDSTRÖM, H.; PERSSON, O. Entrepreneurial studies: the dynamic research front of a developing social science. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 30, n. 3, p. 375-398, 2006.
  • COVIN, J. G.; LUMPKIN, G. T. Entrepreneurial orientation theory and research: reflections on a needed construct. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 35, n. 5, p. 855-872, 2011.
  • CRAMMOND, R. J. Entrepreneurship: origins and nature. In: CRAMMOND, R. J. (Org.). Advancing entrepreneurship education in universities Cham: Palgrave Macmillan, 2020. p. 23-55.
  • DACIN, M. T.; DACIN, P. A.; TRACEY, P. Social entrepreneurship: a critique and future directions. Organization Science, Maryland, v. 22, n. 5, p. 1203-1213, 2011.
  • DACIN, P. A.; DACIN, M. T.; MATEAR, M. Social entrepreneurship: why we don’t need a new theory and how we move forward from here. The Academy of Management Perspectives, New York, v. 24, n. 3, p. 37-57, 2010.
  • DAVIDSSON, P. Entrepreneurial opportunities and the entrepreneurship nexus: a re-conceptualization. Journal of Business Venturing, New York, v. 30, n. 5, p. 674-695, 2015.
  • EISENHARDT, K. M.; SCHOONHOVEN, C. B. Resource-based view of strategic alliance formation: strategic and social effects in entrepreneurial firms. Organization Science, Maryland, v. 7, n. 2, p. 136-150, 1996.
  • ELLEGAARD, O.; WALLIN, J. A. The bibliometric analysis of scholarly production: how great is the impact? Scientometrics, Amsterdam, v. 105, n. 3, p. 1809-1831, 2015.
  • EVANS, D. S.; JOVANOVIC, B. An estimated model of entrepreneurial choice under liquidity constraints. Journal of Political Economy, Chicago, v. 97, n. 4, p. 808-827, 1989.
  • EVANS, D. S.; LEIGHTON, L. S. Some empirical aspects of entrepreneurship. In: ACS, Z. J.; AUDRETSCH, D. B. (Org.). The economics of small firms Dordrecht: Springer, 1990. p. 79-99.
  • FRITSCH, M.; OBSCHONKA, M.; WYRWICH, M. Historical roots of entrepreneurship-facilitating culture and innovation activity: an analysis for German regions. Regional Studies, Oxfordshire, v. 53, n. 9, p. 1296-1307, 2019.
  • GAMANIS, A. et al. Tracing the concept of entrepreneurship and the role of an entrepreneur: a critical review. International Journal of Entrepreneurship and Innovative Competitiveness, Cyprus, v. 1, n. 1, p. 1-14, 2019.
  • GARTNER, W. B. A conceptual framework for describing the phenomenon of new venture creation. Academy of Management Review, Ohio, v. 10, n. 4, p. 696-706, 1985.
  • GARTNER, W. B.; VESPER, K. H. Experiments in entrepreneurship education: successes and failures. Journal of Business Venturing, New York, v. 9, n. 3, p. 179-187, 1994.
  • GRIMALDI, R. et al. 30 years after Bayh–Dole: Reassessing academic entrepreneurship. Research Policy, Amsterdam, v. 40, n. 8, p. 1045-1057, 2011.
  • IRELAND, R. D. et al. Integrating entrepreneurship and strategic management actions to create firm wealth. Academy of Management Perspectives, New York, v. 15, n. 1, p. 49-63, 2001.
  • JONES, M. V.; COVIELLO, N.; TANG, Y. K. International entrepreneurship research (1989-2009): a domain ontology and thematic analysis. Journal of Business Venturing, New York, v. 26, n. 6, p. 632-659, 2011.
  • KLEIN, P. G. et al. Toward a theory of public entrepreneurship. European Management Review, Houndmills, v. 7, n. 1, p. 1-15, 2010.
  • LANDSTRÖM, H. The evolution of entrepreneurship as a scholarly field. Foundations and Trends® in Entrepreneurship, Boston, v. 16, n. 2, p. 65-243, 2020.
  • LANDSTRÖM, H.; HARIRCHI, G.; ÅSTRÖM, F. Entrepreneurship: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1154-1181, 2012.
  • LEWIS, P. The quest for invisibility: female entrepreneurs and the masculine norm of entrepreneurship. Gender, Work & Organization, Oxford, v. 13, n. 5, p. 453-469, 2006.
  • LIÑÁN, F.; FAYOLLE, A. A systematic literature review on entrepreneurial intentions: citation, thematic analyses, and research agenda. The International Entrepreneurship and Management Journal, New York, v. 11, n. 4, p. 907-933, 2015.
  • LIU, S. et al. Knowledge domain and emerging trends in Alzheimer’s disease: a scientometric review based on CiteSpace analysis. Neural Regeneration Research, Mumbai, v. 14, n. 9, p. 1643, 2019.
  • LOW, M. B.; MACMILLAN, I. C. Entrepreneurship: past research and future challenges. Journal of Management, v. 14, n. 2, p. 139-161, 1988.
  • MCCLELLAND, D. C. et al. Achieving society London: Simon & Schuster, 1961.
  • MITCHELL, R. K. et al. The distinctive and inclusive domain of entrepreneurial cognition research. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 28, n. 6, p. 505-518, 2004.
  • MURRAY, F. The role of academic inventors in entrepreneurial firms: sharing the laboratory life. Research Policy, Amsterdam, v. 33, n. 4, p. 643-659, 2004.
  • PRADO, J. W. et al. Realismo crítico e estudos organizacionais: uma análise bibliométrica. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, Niterói, v. 13, n. 2, p. 125-147, 2019.
  • QUADRINI, V. Entrepreneurship, saving, and social mobility. Review of Economic Dynamics, Orlando, v. 3, n. 1, p. 1-40, 2000.
  • RAZIN, E.; LIGHT, I. Ethnic entrepreneurs in America’s largest metropolitan areas. Urban Affairs Review, Thousand Oaks, v. 33, n. 3, p. 332-360, 1998.
  • SANTOS, F. M. A positive theory of social entrepreneurship. Journal of Business Ethics, Dordrecht, v. 111, n. 3, p. 335-351, 2012.
  • SCHLÄGEL, C.; KÖNIG, M. Determinants of entrepreneurial intent: a meta‐analytic test and integration of competing models. Entrepreneurship Theory and Practice, Hoboken, v. 38, n. 2, p. 291-332, 2014.
  • SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, Mississippi, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000.
  • SHEPHERD, D. A. Party on! A call for entrepreneurship research that is more interactive, activity based, cognitively hot, compassionate, and prosocial. Journal of Business Venturing, New York, v. 30, n. 4, p. 489-507, 2015.
  • SOLOMON, G. T.; WEAVER, K. M.; FERNALD JUNIOR, L. W. A historical examination of small business management and entrepreneurship pedagogy. Simulation & Gaming, Newbury Park, v. 25, n. 3, p. 338-352, 1994.
  • STAM, E. Entrepreneurial ecosystems and regional policy: a sympathetic critique. European Planning Studies, Abingdon, v. 23, n. 9, p. 1759-1769, 2015.
  • THORNTON, P. H.; RIBEIRO-SORIANO, D.; URBANO, D. Socio-cultural factors and entrepreneurial activity: an overview. International Small Business Journal, London, v. 29, n. 2, p. 105-118, 2011.
  • VAN LOOY, B. et al. Combining entrepreneurial and scientific performance in academia: towards a compounded and reciprocal Matthew-effect? Research Policy, Amsterdam, v. 33, n. 3, p. 425-441, 2004.
  • VERHEUL, I.; VAN STEL, A.; THURIK, R. Explaining female and male entrepreneurship at the country level. Entrepreneurship & Regional Development, London, v. 18, n. 2, p. 151-183, 2006.
  • VOLERY, T.; MAZZAROL, T. The evolution of the small business and entrepreneurship field: a bibliometric investigation of articles published in the International Small Business Journal. International Small Business Journal, London, v. 33, n. 4, p. 374-396, 2015.
  • WESTHEAD, P.; UCBASARAN, D.; WRIGHT, M. Experience and cognition: do novice, serial and portfolio entrepreneurs differ? International Small Business Journal, London, v. 23, n. 1, p. 72-98, 2005.
  • WIKLUND, J.; SHEPHERD, D. Knowledge‐based resources, entrepreneurial orientation, and the performance of small and medium‐sized businesses. Strategic Management Journal, Hoboken, v. 24, n. 13, p. 1307-1314, 2003.
  • YOUSAFZAI, S. Y.; SAEED, S.; MUFFATTO, M. Institutional theory and contextual embeddedness of women’s entrepreneurial leadership: evidence from 92 countries. Journal of Small Business Management, Morgantown, v. 53, n. 3, p. 587-604, 2015.
  • ZAHRA, S. A.; GEORGE, G. International entrepreneurship: the current status of the field and future research agenda. In: HITT, M. et al. (Org.). Strategic entrepreneurship: creating a new mindset. Oxford: Blackwell, 2002. p. 255-288.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2021
  • Revisado
    26 Jul 2021
  • Aceito
    04 Jan 2022
Universidade Estadual de Campinas Rua: Carlos Gomes, 250. Bairro Cidade Universitária, Cep: 13083-855 , Campinas - SP / Brasil , Tel: +55 (19) 3521-5176 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: rbi@unicamp.br