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Da singularidade à polifonia: uma proposta de releitura da teoria bakhtiniana

RESUMO

Nas proposições do Círculo de Bakhtin, os conceitos elaborados não aparecem cindidos completamente uns dos outros, mas inter-relacionados. Diante disso, acreditamos que existam conceitos-chave que estejam na base da formulação de outros, ainda que tal associação não ocorra de forma explícita, a exemplo da noção de singularidade. Nosso objetivo consiste, assim, em estabelecer uma reflexão teórica acerca das relações entre singularidade e polifonia a partir das obras Para uma filosofia do ato responsável [1920-1924] e Problemas da poética de Dostoiévski [1963]. Com base nessa reflexão, entendemos que a construção artística do romance polifônico pode ser percebida como possibilitada por um reconhecimento da singularidade de cada sujeito e, consequentemente, de sua isonomia em relação à verdade. Tal chave de leitura corrobora a perspectiva de que Para uma filosofia do ato responsável, inaugurador da noção de singularidade, atua como um projeto de reflexão filosófica que auxilia a compreender as produções bakhtinianas subsequentes.

PALAVRAS-CHAVE:
Singularidade; Polifonia; Verdade; Ponto de vista; Círculo de Bakhtin

ABSTRACT

In the Bakhtin Circle’s propositions, the concepts elaborated do not appear completely split from one another, but inter-connected. Therefore, we believe there are key concepts that are in the foundation of other concepts’ formulation, even though such association does not occur explicitly, as is the case of the notion of singularity. Our goal consists, thus, in establishing a theoretical reflection regarding the relations between singularity and polyphony based on the works Toward a Philosophy of the Act [1920-24] and Problems of Dostoevsky’s Poetics [1963]. Based on that reflection, we understand that the artistic construction of the polyphonic novel may be perceived as enabled by a recognition of the singularity of each subject and, consequently, of their isonomy in relation to the truth. Such reading key corroborates the perspective that Toward a Philosophy of the Act, launcher of the notion of singularity, acts as a project of philosophical reflection that assists in the comprehension of subsequent Bakhtinian productions.

KEYWORDS:
Singularity; Polyphony; Truth; Point of view; Bakhtin Circle

Introdução

Apesar de a teoria bakhtiniana ter passado a integrar e subsidiar diversas discussões sobre a linguagem, compondo, inclusive, parte da grade curricular dos cursos de Letras e dos documentos oficiais que orientam e regulam a educação no país, há uma obra inicial de Bakhtin que permanece ainda pouco explorada no contexto brasileiro: Para uma filosofia do ato responsável, escrita entre 1920 e 1924 e publicada postumamente1 1 A primeira edição em língua portuguesa dessa obra data de 2010. . Entre os que se dedicaram a estudá-la, uma das chaves de leitura é de que tal obra cumpra a função de um projeto de filosofia moral (SOBRAL, 2008aSOBRAL, A. O ato “responsível”, ou ato ético, em Bakhtin, e a centralidade do agente. Signum: Estudos Linguísticos, Londrina, n. 11/1, p.219-235, 2008a. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/signum/article/view/3092/2625. Acesso em 11 dez. 2020.
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; BUBNOVA, 2013BUBNOVA, T. O princípio ético como fundamento do dialogismo em Mikhail Bakhtin. Tradução Maria Inês Batista Campos e Nathália Rodrighero Salinas Polachini. Conexão Letras, Porto Alegre, v. 8, n. 10, p.9-18, 2013. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/conexaoletras/article/view/55173/33554. Acesso em 12 jan. 2021.
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) que guia a produção posterior do Círculo de Bakhtin, perspectiva que adotamos neste estudo. Nesse sentido, entendemos que esse projeto inicial é empreendido na produção subsequente bakhtiniana, de forma que os conceitos nele contidos possibilitem e auxiliem a pensar outros conceitos da teoria dialógica do discurso.

Um dos conceitos centrais em Para uma filosofia do ato responsável é o de singularidade, mobilizado por Bakhtin para expor suas reflexões sobre o dever não como princípio universal, mas como determinado justamente a partir de uma situação única e de um tempo-espaço também único e concreto no qual se encontra o sujeito (que é igualmente único), ou seja, a partir de uma conjuntura e de um sujeito singular. Essa noção de singularidade permite compreender, então, a razão pela qual cada sujeito apresenta um ponto de vista único sobre o mundo e, consequentemente, determinada percepção sobre a verdade de um evento.

Embora não mais constitua foco direto das reflexões bakhtinianas nas obras posteriores, acreditamos que esse conceito esteja na base da formulação de outros, ainda que tal associação não ocorra de forma explícita, como é o caso da noção de polifonia, cunhada nos anos 1920 e discutida novamente por Bakhtin em sua produção ulterior. Essa noção pode ser entendida como uma equipolência de vozes, em que o narrador não fala sobre a personagem, mas com a personagem, colocando em diálogo diferentes pontos de vista sobre um mesmo acontecimento, a fim de que a personagem chegue à sua própria verdade.

Dessa forma, o objetivo deste estudo consiste em estabelecer uma reflexão de natureza teórico-conceitual acerca das noções de singularidade e polifonia a partir das obras Para uma filosofia do ato responsável [1920-1924] e Problemas da poética de Dostoiévski [1963]. Para isso, entendemos ser necessário, primeiramente, retomar e recuperar cada um desses conceitos em separado para, posteriormente, proceder a uma análise das relações possíveis entre ambos. Acreditamos que esse movimento de leitura e interpretação possa contribuir para aprofundar a compreensão da produção bakhtiniana, entendendo-a sob uma ótica globalizante, que enfatize as especificidades de cada conceito, mas também seus pontos de encontro.

1 Tecendo conceitos e conexões

1.1 Conceito de singularidade

O conceito de singularidade é evocado em Para uma filosofia do ato responsável para retomar um assunto já apresentado em Arte e responsabilidade, primeiro texto de Bakhtin, datado de 1919, no qual o autor trata da cisão existente entre o mundo da vida, o mundo da ciência e o mundo da cultura, mencionando que apenas o sujeito, em sua singularidade, poderia fazer a união desses campos. Tal discussão é desenvolvida e ampliada na obra de 1920-1924, quando Bakhtin explicita que a descrição histórica, o pensamento teórico-discursivo e a percepção estética “estabelecem uma separação de princípio entre o conteúdo-sentido de um determinado ato-atividade e a realidade histórica de seu existir” (2010a, p.42) e que somente uma perspectiva que considere esses dois elementos seria capaz de compreender o valor desse ato em sua totalidade.

Bakhtin (2010a)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a. afirma, ainda, que a vida como um todo pode ser entendida como um ato complexo, isto é, “(...) como um evento unicorrente (...) de realização ininterrupta de atos-feitos: os atos e experiência que vivo são momentos constituintes de minha vida, que é assim uma sucessão ininterrupta de atos” (SOBRAL, 2008b, p.21SOBRAL, A. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. 4.ed. São Paulo: Contexto, 2008b, p.11-36.). A vida de cada sujeito é, portanto, “(...) formada de uma sucessão de atos concretos; trata-se de atos que são singulares, irrepetíveis (só acontecem uma vez)” (SOBRAL, 2008a, p.225SOBRAL, A. O ato “responsível”, ou ato ético, em Bakhtin, e a centralidade do agente. Signum: Estudos Linguísticos, Londrina, n. 11/1, p.219-235, 2008a. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/signum/article/view/3092/2625. Acesso em 11 dez. 2020.
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).

Dessa forma, na percepção bakhtiniana, cada pensamento do sujeito constitui um ato singular que integra a vida enquanto um agir ininterrupto. Nesse sentido, todos os pensamentos são dotados de um conteúdo e de um caráter factual, isto é, de um aspecto histórico-individual, que diz respeito a quesitos como o autor, o tempo e as circunstâncias desse pensamento e que tem a capacidade de transformar aquilo que é teoricamente válido em algo que seja válido, de fato, para quem o pensa. Desse modo, embora existam determinados juízos de validade universal (istina), tal validade se vincula ao interior de um domínio teórico, como a biologia e a física, por exemplo, sendo apenas na conjuntura real daquele que pensa – na unidade histórica singular de sua vida – que tal juízo pode ou não se mostrar verdadeiro (pravda).

Dessa maneira, Bakhtin (2010a)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a. entende que a superação do dualismo entre o conteúdo-sentido de um pensamento e o ato histórico de sua realização não poderá acontecer jamais no interior de um domínio teórico, pois nesse domínio o sujeito não está presente como alguém ativo e singular. O conhecimento teórico parte justamente de uma abstração do ato histórico individual e, consequentemente, do existir único de cada sujeito, de modo que, caso tentasse abarcar tal existência, produziria em suas proposições um mundo com seres predeterminados, prontos, acabados e, portanto, indiferentes ao ato em sua singularidade. Por essa razão, o mundo teórico não pode oferecer nenhum critério para a vida real do sujeito, nenhum parâmetro para definir o que é válido ou não, uma vez que se baseia precisamente na abstração da existência concreta e singular desse sujeito, permanecendo idêntico e igual a si mesmo quer este exista ou não. Isso não significa, contudo, que o mundo teórico não possua implicações para a vida do sujeito ou que seja por este ignorado. Conforme explicita o próprio Bakhtin (2010a, p.69)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a., esse mundo, para a consciência de um sujeito participante, “(...) é, em certo sentido, real e tem validade, mas é igualmente claro que tal mundo não é aquele mundo no qual ela vive de fato e no qual o seu ato, responsavelmente, se realiza”.

Na ótica bakhtiniana, o ato – considerado não a partir de seu conteúdo, mas de sua realização – orienta-se ao contexto singular em que se realiza. É preciso, por isso, contemplar o ato não esteticamente ou teoricamente de seu exterior, mas internamente da perspectiva daquele que age. Dessa perspectiva, não há apenas um contexto único, mas, sobretudo, um único contexto concreto em que a vida se realiza.

Da mesma forma, para aquele que age, “não existe um princípio como ponto de partida, senão o fato do reconhecimento real da (...) própria participação no existir como evento singular” (BAKHTIN, 2010a, p.96BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a.). Trata-se, assim, de uma participação singular e irrepetível no evento do existir, dada a partir de um lugar também único e, consequentemente, insubstituível e impenetrável por outro. O reconhecimento dessa singularidade do ser origina o que Bakhtin denomina não álibi do existir, isto é, a impossibilidade de agir de outro lugar que não aquele, único, ocupado por cada um.

Assim, na abordagem bakhtiniana, conforme entende Bubnova (2013, p.12)BUBNOVA, T. O princípio ético como fundamento do dialogismo em Mikhail Bakhtin. Tradução Maria Inês Batista Campos e Nathália Rodrighero Salinas Polachini. Conexão Letras, Porto Alegre, v. 8, n. 10, p.9-18, 2013. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/conexaoletras/article/view/55173/33554. Acesso em 12 jan. 2021.
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, “[A]as respectivas óticas do eu e do outro são únicas e autônomas”. É preciso considerar, ainda, que, ao mesmo tempo em que o ser se encontra no existir, sendo, portanto, passivo nesse sentido, ele participa desse existir ativamente. Dessa maneira, sua singularidade é dada, mas também precisa ser atualizada, ou seja, precisa ser afirmada, o que ocorre em cada ato do sujeito. Tem-se, então, uma singularidade que é, simultaneamente, ser e dever: “eu sou real, insubstituível e por isso que preciso realizar a minha singularidade peculiar” (BAKHTIN, 2010a, p.98BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a.). É impreterível, portanto, agir a partir de um lugar único, ainda que tal ação se dê apenas interiormente, como, por exemplo, na forma de um pensamento.

Desse modo, é justamente a afirmação do não álibi no existir que forma a base da existência, constituindo tanto algo que acontece quando os sujeitos nascem (já dado) quanto uma tarefa que efetuam continuamente até a morte (a ser realizada) (PIRES; SOBRAL, 2013PIRES, V. L.; SOBRAL, A. Implicações do estatuto ontológico do sujeito na teoria discursiva do Círculo Bakhtin, Medvedev, Voloshínov. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso, São Paulo, v. 8, n. 1, p.205-219, jun. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/bak/v8n1/a13v8n1.pdf. Acesso em 19 nov. 2020.
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). Nessa concepção, somente o não álibi no existir é capaz de transformar a possibilidade em realidade, ou seja, em um ato concreto e real. Logo, tudo aquilo que é determinado a partir de seu conteúdo como um valor válido em si, como algo verdadeiro enquanto valor universal, não passa de uma potencialidade que pode se tornar realidade somente no ato fundado sobre o reconhecimento da participação singular no existir.

Tal passagem – de uma possibilidade a uma realidade singular, ou seja, da istina à pravda –, não se faz possível do interior do conteúdo em si, pois o âmbito do conteúdo é autossuficiente, mostrando-se indiferente à existência do sujeito. Pode-se dizer, assim, que “[O]o aspecto abstrato do sentido, sem correspondência com a real-inelutável singularidade, tem o mesmo valor de um projeto; é uma espécie de rascunho de uma realização possível, um documento não assinado” (BAKHTIN, 2010a, p.102BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a.). Ao contrário disso, a experiência vivenciada pelo sujeito é da ordem da unicidade, de modo que experienciar um objeto, por exemplo, isto é, entrar em contato com ele, exige considerá-lo em sua unicidade. Dessa forma, o que é da ordem do conteúdo adquire peso apenas em relação com a singularidade.

É, desse modo, o ato que confere valor ao conteúdo, e o mundo em que o ato ocorre apresenta-se “unitário e singular concretamente vivido: é um mundo visível, audível, tangível, pensável” (BAKHTIN, 2010a, p.117BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a.), assim como o sujeito que realiza esse ato. Trata-se, portanto, de uma concretude em que sujeito e objeto estão em uma relação instaurada mediante o ato e vivenciada no mundo e em que todos esses elementos – sujeito, objeto, ato e mundo – são singulares e irrepetíveis.

Portanto, é justamente a participação do sujeito a partir de um ponto concreto e singular que confere peso efetivo ao espaço e ao tempo em que ocorre o ato, valorando esse eixo espaço-temporal e singularizando-o. Não se trata, portanto, de um eixo abstrato, mas de um eixo concreto, cuja concretude é dada pela relação com um sujeito também singular. Assim, caso o sujeito se abstraia desse ponto desde o qual participa do existir, a singularidade do mundo desintegra-se, originando relações abstratas e possíveis apenas e substituindo a arquitetônica concreta do mundo vivido “por uma unidade sistemática atemporal, a-espacial e a-valorativa feita de momentos abstratamente universais” (BAKHTIN, 2010a, p.119BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a.). Embora cada um desses momentos seja logicamente necessário a tal unidade, é somente em relação com quem age que tais momentos são, de fato, incorporados à arquitetônica do mundo real.

Dessa abordagem, o eu-para-mim é construído a partir do eu-para-os-outros, o que significa que a singularidade não é totalmente dada a priori, originando um valor positivo em si mesmo, mas é instaurada em correlação com outras singularidades. Disso decorre que o outro possui papel fundamental para a própria constituição dessa singularidade: “a realização da minha singularidade é também algo que completa o ser do outro. A não-coincidência com o outro, com o seu lugar, é também lugar produtor de sentido que, mais uma vez, se dá na articulação de diferenças” (AMORIM, 2009, p.35AMORIM, M. Para uma filosofia do ato: “válido e inserido no contexto”. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin, dialogismo e polifonia. São Paulo: Editora Contexto, 2009, p.17-43.). Nessa ótica, podemos afirmar que a singularidade do eu se estabelece em uma relação com a singularidade do outro.

O enfoque bakhtiniano defende, assim, a perspectiva de que, “Na vida, cada um de nós ocupa um lugar único, isto é, um lugar irredutível ao ocupado por qualquer outra pessoa” (FARACO, 2011, p.24FARACO, C. A. Aspectos do pensamento estético de Bakhtin e seus pares. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 46, n. 1, p.21-26, jan./mar. 2011. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/9217/6367. Acesso em 18 jan. 2021.
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). Desse modo, como afirma Bakhtin (2010c, p.21)BAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 5.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010c, p.21-192.,

Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque em qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante de mim, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar – a cabeça, o rosto, e sua expressão –, o mundo atrás dele, toda uma série de objetos e relações que, em função dessa ou daquela relação de reciprocidade entre nós, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele.

Voltamos, assim, ao entendimento de que a singularidade é dada, mas também construída, sempre a partir das relações estabelecidas com outros seres e, consequentemente, com outros pontos de vista, e de que o outro é fundamental para tal construção. Nessa perspectiva, não existem normas universais, que se estendem a todos os sujeitos igualmente, mas apenas normas que são validadas por determinado contexto sócio-histórico e pela realidade daquele que age, ou seja, pela singularidade do sujeito e do momento por este vivenciado. Disso resulta que o evento real do existir é determinado não em si mesmo, mas em correlação com a singularidade do sujeito.

Desse modo, a verdade enquanto pravda é determinada por cada um do lugar único que ocupa, o que faz com que existam tantos mundos diferentes, ou seja, tantas faces de um mesmo evento, quanto os sujeitos singulares que dele participam: “[A]a verdade (pravda) do evento não é, em seu conteúdo, uma verdade (istina), identicamente igual a si mesma; é, ao contrário, a única posição justa de cada participante, a verdade (pravda) do seu real dever concreto” (BAKHTIN, 2010b, p.104BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.). Isso ocorre porque não existem valores a priori, iguais em si mesmos, aplicáveis a todos aqueles que compõem um evento.

Tendo isso em vista, é possível afirmar que a singularidade caracteriza o ser e o contexto em que este se encontra, tornando, por conseguinte, a responsabilidade de efetuar um dever também singular e unitária, assim como o ato que decorre desse dever. Portanto, o caráter único e pontual do dever e do ato integra-se a uma totalidade que abarca várias instâncias, incluindo o eixo espaço-temporal em que o ato se realiza e sendo possibilitado por essa verdade concreta – pravda – que o ser vê, ouve, vive e compreende durante o agir-ato responsável.

1.2 Conceito de polifonia

O conceito de polifonia aparece inicialmente na produção do Círculo de Bakhtin em Problemas da criação de Dostoiévski (1929), obra que foi reescrita e reeditada em 1963 com o título de Problemas da poética de Dostoiévski. Neste estudo, as considerações concernentes à noção de polifonia pautam-se na obra revisada, publicada na década de 1960, por esta ser oriunda de uma reflexão tardia do próprio Bakhtin, o que permite inferir que tal obra apresente uma perspectiva aprimorada do conceito pensado nos anos 1920.

Em Problemas da poética de Dostoiévski, Bakhtin (2010b)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b. defende a tese de que Dostoiévski criou um tipo de pensamento artístico inexistente até então: o polifônico2 2 Em Problemas da poética de Dostoiévski, Bakhtin (2010b) explicita que, embora elementos isolados da polifonia possam ser percebidos em autores que antecedem Dostoiévski e mesmo em algumas de suas novelas, apenas nos romances deste é que tal fenômeno se apresenta em sua totalidade. Por isso, neste estudo, todas as menções à criação artística de Dostoiévski fazem referência especificamente aos romances desse escritor. . Um dos aspectos que caracteriza o romance polifônico na ótica bakhtiniana é o que poderíamos denominar de uma independência das personagens em relação ao autor, de modo que as personagens não se fundem com o autor, da mesma forma como não se tornam um veículo para a voz deste.

Nesse sentido, a palavra do autor sobre a personagem (também denominada herói) é organizada no romance dostoievskiano como palavra sobre alguém presente, que escuta o autor e que pode lhe responder (BAKHTIN, 2010bBAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.). Nesse cenário, não é o autor que fornece a definição da personagem, apresentando-a como um ser pronto e concluído, mas é a própria personagem que enuncia a si mesma: o autor “introduz tudo no campo de visão da própria personagem” (BAKHTIN, 2010b, p.53BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.). Assim, as características e os aspectos que, no romance homofônico, definiriam a personagem como uma imagem acabada e sentenciada da realidade passam a constituir, no romance polifônico, material da autoconsciência da personagem.

Logo, na construção narrativa de Dostoiévski não está em cena quem é a personagem, mas como ela adquire consciência acerca de si mesma e do mundo ao seu redor. Nesse sentido, Bakhtin (2010b, p.54)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b. afirma que

Dostoiévski realizou uma espécie de revolução coperniciana em pequenas proporções, convertendo em momento de autodefinição do herói o que era definição sólida e conclusiva do autor. (...) O dominante de toda a visão e construção artística deslocou-se (...). Além da realidade da própria personagem, o mundo exterior que a rodeia e os costumes se inserem no processo de autoconsciência, transferem-se do campo de visão do autor para o campo de visão da personagem.

Dessa forma, pode-se dizer que a visão propiciada pelo autor no romance polifônico se volta para a autoconsciência das personagens e para a inconclusibilidade dessa autoconsciência, o que constitui outra característica do romance polifônico. Tendo isso em vista, Bakhtin (2010b, p.326)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b. observa que essa inconclusibilidade é colocada em foco porque “O princípio e o fim estão situados no mundo objetivo (e objetificado) para os outros, e não para aquele que toma consciência”.

Assim, não há, em Dostoiévski, uma postura objetificante do autor em relação à personagem – como ocorre nos romances monológicos, em que “a palavra do autor nunca sente a resistência de uma possível palavra da personagem que possa focalizar o mesmo objeto de maneira diferente, a seu modo, ou seja, do ponto de vista de sua própria verdade” (BAKHTIN, 2010b, p.81BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.; grifo no original). Conforme observa Lopes (2011)LOPES, T. C. A polifonia em Bakhtin: revisitando uma noção polêmica. 2011. 108f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2011., a perspectiva monológica associa-se justamente à indiscutibilidade das verdades veiculadas por um tipo de discurso, o que permite o acabamento das personagens, assim como o apagamento de seus universos individuais e sua sujeição ao horizonte do autor.

Nos romances de Dostoiévski, diferentemente, a posição do autor só pode ser uma posição dialógica, que afirma e reconhece tanto a autonomia quanto a falta de acabamento do herói. Trata-se de um herói livre, com direito à sua própria voz, que não é visto pelo autor como “um ‘ele’ nem um ‘eu’, mas um ‘tu’ plenivalente, isto é, o plenivalente ‘eu’ de um outro (um ‘tu’ és)” (BAKHTIN, 2010b, p.71BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.).

Contudo, é preciso observar que isso não institui uma posição passiva do autor.

Seria absurdo pensar que nos romances de Dostoiévski a consciência do autor não estivesse absolutamente expressa. (...) Mas a função dessa consciência e a forma de seu caráter ativo são diferentes daquelas do romance monológico: a consciência do autor não transforma as consciências dos outros (ou seja, as consciências dos heróis) em objetos nem faz dessas definições acabadas à revelia. Ela sente ao seu lado e diante de si as consciências equipolentes dos outros, tão infinitas e inconclusas quanto ela mesma. (...) Entretanto, não se podem contemplar, analisar e definir as consciências alheias como objetos, como coisas: comunicar-se com elas só é possível dialogicamente. Pensar nelas implica conversar com elas (BAKHTIN, 2010b, p.77BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.; grifo no original).

Tal perspectiva faz com que “No lugar do absoluto encontramos uma multiplicidade de pontos de vista: os das personagens e o do autor (...) e eles não conhecem privilégios nem hierarquia” (TODOROV, 2010, p.XXITODOROV, T. Prefácio à edição francesa. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 5.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p.XIII-XXXII.). Nesse sentido, é possível afirmar que tais consciências, na obra de Dostoiévski, são colocadas em interação dialógica, de forma que suas ideias se tornem justamente o objeto da representação artística, revelando-se “não no plano de um sistema (filosófico, científico), mas no plano de um acontecimento humano”, em que o dialogismo surge “como forma específica de interação entre consciências isônomas e equivalentes” (BAKHTIN, 2010b, p.319BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.; grifo no original).

Assim, o herói é incorporado ao enredo como um ser personificado e situado na vida, dotado da “roupagem concreta e impenetrável de sua classe ou camada, de sua posição familiar, da sua idade e dos seus fins biográfico-vitais” (BAKHTIN, 2010b, p.118BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.), o que leva Tezza (2003, p.183)TEZZA, C. Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e os formalistas russos. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. a conceber a “polifonia como uma estrutura complexa cujos heróis (cada um portador de um ponto de vista definido, enraizado numa situação concreta na vida, autônomo e não finalizado com relação ao olhar do narrador) vivem num perpétuo presente”.

Tal aspecto, da construção das personagens como pontos de vista, poderia ser definido como outra característica do romance polifônico. No romance dostoievskiano, cada herói figura no enredo em oposição aos outros heróis e também ao autor como um todo indivisível, e não como uma forma que pode ser desmembrada ponto por ponto ou tese por tese. Dessa maneira, as personagens são apresentadas como pontos de vista específicos sobre o mundo e sobre si mesmas, isto é, como posições valorativas em relação a si mesmas e à realidade circundante. Trata-se, portanto, de representar no romance o que o mundo é para a personagem e o que ela é para si mesma – o ponto de vista da própria personagem sobre si e sobre o mundo.

Em seus romances, Dostoiévski conjuga, assim, “vozes diferentes, contando diversamente sobre o mesmo tema” (BAKHTIN, 2010b, p.38BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.; grifo no original). Trata-se de posicionamentos que nunca levam

à fusão das vozes e verdades numa verdade impessoal una como ocorre no universo monológico. É típico das obras de Dostoiévski não haver semelhantes ideias particulares, teses e formulações do tipo de sentenças, máximas, aforismos, etc., que, separadas do contexto e desligadas da voz, conservem em forma impessoal a sua significação semântica (BAKHTIN, 2010b, p.108BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.; grifo no original).

Logo, para Dostoiévski, a verdade só pode constituir objeto de uma visão ativa, estando diretamente associada a determinada personagem, e não a uma noção de conhecimento abstrato sobre o mundo. Isso distancia o universo dostoievskiano do universo monológico, em que o importante é que uma ideia verdadeira seja expressa, independentemente de quem o faça e em que circunstâncias. No romance monológico, as ideias não são de ninguém e o herói surge como um mero agente dessas ideias: têm-se ideias verdadeiras que tendem para um contexto sistêmico-monológico impessoal.

Para Dostoiévski, não existem ideias de ninguém, pois cada ideia representa o homem em seu todo, o qual chega à sua própria verdade somente por meio do diálogo, seja consigo mesmo, seja com as outras personagens que compõem o romance. Assim, a busca e o encontro da verdade ocorrem por meio do fenômeno da interação de consciências plenivalentes, o que pode ser entendido como outra característica do romance polifônico: a construção das personagens como vozes plenivalentes postas em diálogo. Nesse sentido, entende-se que a personagem não consegue se tornar um eu para si sem o outro, devendo encontrar a si mesma no outro e encontrar o outro em si, já que a tomada de consciência de si própria só pode ocorrer por meio do outro, isto é, da interação com outra consciência. O eu pode compreender a si mesmo somente com o auxílio do outro e com o reconhecimento desse eu pelo outro (PIRES; TAMANINI-ADAMES, 2010PIRES, V. L.; TAMANINI-ADAMES, F. A. Desenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifonia. Estudos Semióticos, São Paulo, v. 6, n. 2, p.66-76, nov. 2010. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/esse/article/view/49272/53354. Acesso em 17 jan. 2021.
http://www.revistas.usp.br/esse/article/...
).

Assim, nos romances polifônicos, a própria existência da ideia e, por conseguinte, da verdade depende do outro, pois

A ideia não vive na consciência individual isolada de um homem: mantendo-se apenas nessa consciência ela degenera e morre. Somente quando contrai relações dialógicas essenciais com as ideias dos outros é que a ideia começa a ter vida, isto é, a formar-se, desenvolver-se, encontrar e renovar sua expressão verbal, gerar novas ideias. O pensamento humano só se torna pensamento autêntico, isto é, ideia, sob as condições de um contato vivo com o pensamento dos outros, materializado na voz dos outros, ou seja, na consciência dos outros expressa na palavra. É no ponto desse contato entre vozes-consciências que nasce e vive a ideia. (...) A ideia é um acontecimento vivo, que irrompe no ponto de contato dialogado entre duas ou várias consciências (BAKHTIN, 2010b, p.98BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.; grifo no original).

A partir disso, podemos compreender a importância de o romance polifônico assentar-se em um mesmo plano em que se entrecruzam diferentes vozes, pois é a existência desse plano comum o que possibilita que tais vozes sejam postas em diálogo, situando-se em relação de contraponto. Têm-se, assim, visões de mundo que são personificadas em vozes e postas em diálogo, de forma que todas as personagens centrais do romance polifônico escutam “tudo o que os outros dizem a seu respeito e a todas respondem (sobre elas nada é dito à revelia ou a portas fechadas). E o autor é apenas um participante do diálogo (o seu organizador)” (BAKHTIN, 2010, p.333). Por essa razão, não há, no universo criado por Dostoiévski, um denominador comum ou um discurso dominante, que determine o estilo e o tom da narrativa, de modo que o objeto de representação nesse universo consiste em diferentes eus que possuem consciência e julgam o mundo a partir de seus pontos de vista.

1.3 Da singularidade à polifonia: algumas relações possíveis

Com base nas conceituações elaboradas nos subitens anteriores, passamos, aqui, a explorar algumas das conexões entrevistas entre as noções de singularidade e polifonia. Em Para uma filosofia do ato responsável, Bakhtin (2010a)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a. propõe e discute o conceito de singularidade, explicitando que tanto o sujeito quanto o contexto em que este se encontra são únicos e singulares. Logo, por se tratar de uma conjuntura singular, não seria possível estabelecer um juízo de valor universal a priori, válido para todos, e, consequentemente, uma única verdade sobre os acontecimentos. De forma similar, em Problemas da poética de Dostoiévski, Bakhtin (2010b)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b. explica que Dostoiévski coloca em diálogo diferentes perspectivas sobre um mesmo tema, apresentando uma multiplicidade de pontos de vista e questionando a noção de verdade como algo universal e impessoal, que pode ser cindida da personagem sem que essas vozes se fundam e sem subjugá-las ao posicionamento do autor. Como esclarece Todorov (2010, p.XIX)TODOROV, T. Prefácio à edição francesa. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 5.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p.XIII-XXXII., Dostoiévski confere à personagem o mesmo peso que confere ao autor, o que traz consequências importantes ao romance, “pois já não há, de um lado, a verdade absoluta (do autor) e, de outro, a singularidade da personagem; existem apenas posições singulares, e nenhum lugar para o absoluto”, isto é, existem apenas as pravdas assumidas por cada personagem, e não uma istina absoluta que paira sobre a narrativa.

Assim, Dostoiévski não conclui ou fecha as personagens de seus romances. Para que esse fechamento ocorresse, seria preciso partir de uma perspectiva monológico-abstrata, isto é, de uma perspectiva que considerasse a existência de uma única verdade, independente do contexto e da personagem a que tal verdade diga respeito. Essa parece ser a razão pela qual, no romance polifônico, não existem ideias destituídas de personagens: a representação da ideia nesse tipo de romance ocorre justamente por meio de personagens que encarnam determinado ponto de vista, personificando-o sempre a partir do contexto concreto em que se situam.

Podemos afirmar, portanto, que, diferentemente de um mundo teórico que permanece idêntico e igual a si mesmo independentemente da singularidade dos sujeitos envolvidos, sendo, assim, incapaz de apreender o ato em sua totalidade, o mundo no romance polifônico instaura um cenário em que o autor não é indiferente à singularidade da personagem, sendo afetado por ela por meio do diálogo. Por esse motivo, nas obras de Dostoiévski, o autor fala com a personagem considerando-a alguém presente, que pode responder e, assim, afetar a constituição do próprio autor e das outras personagens – logo, a personagem não é tratada como um objeto, que pode ser visto de fora e concluído, mas como outro ser, que possui sua própria visão de mundo.

A esse respeito, cabe observar, ainda, como expõe Bakhtin (2010a)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a. em Para uma filosofia do ato responsável, que apenas da ótica daquele que age é possível compreender o ato em sua totalidade. Logo, quem vê de fora não se mostra capaz dessa compreensão. Faz-se necessário, assim, uma vez que não é possível explicar o ato de alguém sem que isso ocorra de uma ótica meramente abstrata e conteudista, dialogar com esse alguém, tratando-o como um tu, que parece ser o que faz o autor nos romances de Dostoiévski ao dialogar com as personagens.

Como menciona Emerson (2003, p.192)EMERSON, C. Os cem primeiros anos de Mikhail Bakhtin. Tradução Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: Difel, 2003.,

se existisse um único padrão unitário para julgar todos os atos, seria fácil mapear a vida moral (ou imoral). Mas, uma vez que esse padrão único não existe, toda consciência individual deve definir suas próprias restrições; deve (...) procurar e defender a verdade tal como é capaz de enxergá-la.

Desse modo, ao deixar que as personagens falem por si mesmas e expressem seus pontos de vista, Dostoiévski concede espaço para que o ato seja contemplado da perspectiva daquele que age, colocando tudo no campo de visão singular da própria personagem. Para Dostoiévski, não existe, assim, uma dualidade entre a ideia particular e o sistema concreto uno de ideias, porque não há “ideias particulares, afirmações e teses que por si mesmas podem ser verdadeiras ou falsas, dependendo da relação entre elas e o objeto e independendo de quem seja o seu agente, da pessoa a quem elas pertençam” (BAKHTIN, 2010b, p.104BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.). Logo, no romance polifônico, não se trata de representar ideias integrantes de um sistema lógico, que constituem momentos abstratamente universais do ato e da vida, mas de situá-las no plano de um acontecimento humano.

Por não ser indiferente a tal singularidade, o romance dostoievskiano coloca o herói em diálogo com o autor e com as personagens, porque essa singularidade é – como Bakhtin (2010a)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a. explicita em sua obra inicial – dada, mas também construída a partir da interação com o outro. Assim, Dostoiévski apresenta em um mesmo plano diferentes personagens dialogando entre si, para que cada uma, por meio desse diálogo que é constitutivo do ser, chegue à sua própria verdade. Isso vai ao encontro do fato de que o eu-para-mim se constitui a partir do eu-para-o-outro, não havendo uma singularidade inteiramente dada a priori e, por conseguinte, uma personagem que se torne um eu para si mesma sem interagir com o outro.

Tendo isso em vista, cabe ressaltar, também, que a singularidade e, por conseguinte, a verdade de cada sujeito se estabelecem em contato e em contraponto com outros sujeitos, contraponto esse que Bakhtin (2010a)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a. nomeia arquitetônica. Podemos pensar, então, nessa arquitetônica do mundo real apresentada na obra primeira de Bakhtin (2010a)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a., em que o eu e o outro constituem dois centros de valores que se inter-relacionam, como representada no romance dostoievskiano, em que um contraponto de vozes com igual valor funda uma arquitetônica polifônica que está na base da narrativa.

Nesse sentido, o que Dostoiévski foca em seus romances é a autoconsciência das personagens, a fim de demonstrar o processo de constituição da consciência como visto de dentro, isto é, da perspectiva da própria personagem. Tal foco pode ser aproximado do entendimento de Bakhtin (2010a)BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Organização Augusto Ponzio e Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE/UFSCar. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a. expresso em Para uma filosofia do ato responsável, de que apenas o ato considerado a partir de seu interior, isto é, da realidade de quem o vivencia, pode determinar o que é válido para cada sujeito, superando a cisão entre processo e produto.

Entendemos, assim, que a inconclusibilidade do romance polifônico encontra apoio precisamente na construção da autoconsciência, que se forma pelo diálogo, pois – “do ponto de vista do personagem que experimenta os prazeres ou tormentos em causa – os eventos são, é claro, vivenciados como parciais, informes, cognitivamente abertos” (EMERSON, 2003, p.171EMERSON, C. Os cem primeiros anos de Mikhail Bakhtin. Tradução Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: Difel, 2003.). Ou seja, da percepção de quem vive, a vida é uma sucessão de atos ininterruptos, que só poderia ser concluída por alguém não participante desse diálogo, o que não ocorre nas obras de Dostoiévski, em que o autor não se coloca como alguém acima, mas ao lado da personagem.

Diante disso, acreditamos que a noção de singularidade possa ser mobilizada para compreender o conceito de polifonia, pois há, como tentamos demonstrar aqui, aspectos que se aproximam nessas duas formulações propostas por Bakhtin. Essa interpretação também encontra apoio em Tezza (2003, p.182)TEZZA, C. Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e os formalistas russos. Rio de Janeiro: Rocco, 2003., quando define a polifonia como “uma visão de mundo recriada por Bakhtin a partir do universo de Dostoiévski e diretamente decorrente dele, fortemente influenciada pelo projeto filosófico bakhtiniano dos anos 20”, isto é, pelo projeto exposto em Para uma filosofia do ato responsável.

Ao encontro do entendimento de Emerson (2003, p.153)EMERSON, C. Os cem primeiros anos de Mikhail Bakhtin. Tradução Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: Difel, 2003., que via “Bakhtin como pensador que usava a literatura para ilustrar seus princípios filosóficos”, podemos pensar na polifonia como um conceito que, para além da aplicação no estudo de romances, pode atuar como uma noção que auxilia a compreender a vida humana, aspecto este que permeia toda a produção do Círculo. Esse posicionamento condiz com outras investigações concernentes à teoria bakhtiniana, como é o caso dos estudos de Clark e Holquist (1998), Lopes (2011)LOPES, T. C. A polifonia em Bakhtin: revisitando uma noção polêmica. 2011. 108f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2011. e Oliveira (2011)OLIVEIRA, R. S. de. Análise da polifonia e estudos do Self em Dostoiévski. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso, São Paulo, v. 6, n. 1, p.159-180, dez. 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/bak/v6n1/v6n1a11.pdf. Acesso em 21 nov. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/bak/v6n1/v6n1a...
, que percebem o conceito de polifonia como potente para embasar reflexões que ultrapassam o campo da criação literária.

Considerações finais

A partir das considerações expostas neste estudo, parece possível aproximar os conceitos de singularidade e polifonia propostos por Bakhtin. Enquanto a singularidade elucida de que forma a verdade é apreendida por cada sujeito, que tem sua singularidade dada, mas também construída na interação com os outros, conferindo-lhe um ponto de vista único sobre o mundo, a polifonia instaura uma equipolência de vozes e coloca em diálogo distintos pontos de vista sobre um mesmo acontecimento, para que a personagem chegue à sua própria verdade, o que só ocorre na interação com as outras personagens. Parece válido, então, estabelecer uma correlação entre os conceitos de singularidade e polifonia, percebendo a construção artística do romance polifônico como possibilitada por um reconhecimento da singularidade de cada sujeito e, consequentemente, de sua isonomia em relação à verdade. Assim, o enfoque dialógico nos romances de Dostoiévski pode ser compreendido como pautado no reconhecimento da existência de outra consciência, com igual valor, que ocorre a partir do diálogo com um tu, em que se fala com, e não sobre um ele, objetificado, acerca do qual se pode estabelecer um ponto de vista único e conclusivo que vem de fora. Instaura-se, portanto, uma relação de reciprocidade entre a verdade do eu e a verdade do outro.

Tal possibilidade de leitura e associação desses conceitos vai ao encontro da perspectiva de que Para uma filosofia do ato responsável, obra que inaugura a noção de singularidade, atua como um projeto de reflexão filosófica que permite compreender proposições posteriores feitas pelo Círculo de Bakhtin enquanto um grupo de pensadores e também pelo próprio Bakhtin após a dissolução desse grupo. Neste estudo, estabelecemos uma correlação entre singularidade e o conceito de polifonia, pensado por Bakhtin ainda nos anos 1920 e retomado em suas produções ulteriores; contudo, acreditamos que essa mesma correlação possa ser instituída também, ainda que em diferentes graus e de distintas formas, com outros conceitos da teoria dialógica do discurso, tais como enunciado, dialogismo e alteridade.

Agradecimentos

Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de doutorado concedida durante o período de realização desta pesquisa.

  • 1
    A primeira edição em língua portuguesa dessa obra data de 2010.
  • 2
    Em Problemas da poética de Dostoiévski, Bakhtin (2010b)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b. explicita que, embora elementos isolados da polifonia possam ser percebidos em autores que antecedem Dostoiévski e mesmo em algumas de suas novelas, apenas nos romances deste é que tal fenômeno se apresenta em sua totalidade. Por isso, neste estudo, todas as menções à criação artística de Dostoiévski fazem referência especificamente aos romances desse escritor.

REFERÊNCIAS

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  • BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. 5.ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.
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  • LOPES, T. C. A polifonia em Bakhtin: revisitando uma noção polêmica. 2011. 108f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2011.
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  • PIRES, V. L.; TAMANINI-ADAMES, F. A. Desenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifonia. Estudos Semióticos, São Paulo, v. 6, n. 2, p.66-76, nov. 2010. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/esse/article/view/49272/53354 Acesso em 17 jan. 2021.
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Pareceres

Parecer I

Artículo claramente expone la intención de relacionar la idea de singularidad, proveniente de la Filosofía del acto de Bajtín, con el concepto de polifonía, que procede de la Poética de Dostoievski. Mi única observación consiste en que el autor toma la idea de singularidad de una manera algo abstracta, casi sin relacionarla con el acto. Si lo hiciera, resultaría que el acto es “singular y unitario”, así como la responsabilidad es “singular y unitaria”. Lo cual quiere decir que el carácter único y puntual del acto, de la responsabilidad, etc., se integra a una complejidad, una totalidad que abarca varias instancias: el propio acontecer del acto, “la verdad concreta del acontecer, a la cual el actuante ve, oye, vive, comprende en medio del acto singular de un proceder responsable” (cito directamente de la página en ruso). El ser es singular y unitario, lo es también el contexto del acto. Me parece que podría ser importante tomarlo en cuenta. APROVADO COM SUGESTÕES

Tatiana Mijailovna Bubnova - https://orcid.org/0000-0002-0876-6540; bubnova@unam.mx; Universidad Nacional Autónoma de México: Coyoacan, Distrito Federal, México.

Parecer II

O texto apresenta excelente nível para publicação. Apenas faço pontuações de reflexão para o título e somente, somente em um parágrafo, à página 4. Esse foi o único ponto do artigo que me pareceu merecer reflexão. No texto-base tem 255 localizações do vocábulo ‘mundo’ e algumas com adjetivações ‘mundo-estético’, ‘mundo da cognição teórica’, ‘mundo psíquico’, ‘mundo de cultura’, ‘mundo real’ etc. Esse parágrafo aqui do texto remete a um parágrafo do texto-base de Bakhtin que tem a nota de final de número 36. O texto original, recorto aqui: “Qualquer espécie de orientação prática em minha vida é impossível no interior do mundo teórico: é impossível viver nele, impossível realizar ações responsáveis. Nesse mundo eu sou desnecessário; eu sou fundamentalmente não-existente nele”. O seu parágrafo é uma síntese dele, mas em Bakhtin não podemos nos fixar num único ponto, porque ele mais adiante se reverte, se transpõe, se contrapõe. Então eu destaco outros parágrafos além deste em que ele afirma a validade do mundo teórico, pelo menos sua existência e implicação no sujeito histórico. Destaco apenas essa, logo após a nota final de número 65 (pag. 38 do pdf): “Minha consciência participativa e exigente pode ver que o mundo da filosofia moderna, o mundo teórico e teorizado da cultura, é em certo sentido real, que ele tem validade. Mas o que ela também pode ver é que esse mundo não é o mundo único no qual eu vivo e no qual eu executo responsavelmente meus atos”. Então fica claro o que o autor do artigo pretende afirmar; no entanto, é necessário ampliar as considerações para não reduzir o pensamento bakhtiniano ao afirmar que ‘o mundo teórico não pode oferecer nenhum critério para a vida real do sujeito’. O parágrafo necessita apenas de uma reescrita considerando outros aspectos e não apenas um. APROVADO COM RESTRIÇÕES

Robson Santos de Oliveira – https://orcid.org/0000-0003-2345-4577; robssantoss@yahoo.com.br; Universidade Federal Rural de Pernambuco: Recife, PE, Brasil.

Parecer final

Considerando o parecer anexado, o artigo “Da singularidade à polifonia: uma proposta de leitura da teoria bakhtiniana” está APROVADO com pequenas restrições/sugestões. Solicitamos que as considere, refaça o que julgar pertinente para atender as solicitações dos parecerista e, a seguir, realize a atenta leitura das orientações, com os próximos passos para edição e publicação em Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso. Aguardamos o texto original e versão em língua inglesa até 30 de abril de 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2021
  • Aceito
    30 Ago 2021
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