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Braund, Susanna; Torlone, Zara Martirosova (Ed.). Virgil and his Translators. New York: Oxford University Press, 2018, 544 p.

Braund, Susanna; Torlone, Zara Martirosova. Virgil and his Translators. New York: Oxford University Press, 2018. 544 p.

Virgil and his Translators é uma publicação da prestigiada Oxford University Press. Lançado em 2018, o livro reúne um vasto conjunto de traduções virgilianas de diversas partes do mundo. De caráter atemporal, as obras de Virgílio começaram a ganhar traduções mesmo antes do invento da imprensa, e continuam sendo fonte constante de novas versões tradutórias e estudos. Virgil and his Translators é um compêndio que engloba diferentes traduções da obra poética do autor romano, reiterando a importância da herança virgiliana para a literatura mundial. Composta por vinte e oito capítulos, a coletânea foi organizada por Susanna BraundBraund, Susanna; Torlone, Zara Martirosova (Ed.). Virgil and his Translators. New York: Oxford University Press, 2018, 544 p., professora de Poesia Latina e sua Recepção na Universidade da Colúmbia Britânica (CAN), e Zara Martirosova Torlone, professora no Departamento de Clássicos na Miami University (EUA). Renomadas estudiosas do legado virgiliano e dos clássicos, as autoras ressaltam na Introdução da obra que os Estudos da Tradução ocupam atualmente um lugar de destaque. Uma vez que a história da tradução de Virgílio se mistura ao nacionalismo emergente em inúmeras culturas, nada é mais pertinente que reunir reflexões que representem essa vasta esfera de estudos e de culturas dominantes e em ascensão.

A obra é dividida em dois eixos temáticos. A primeira parte, Virgil Translation as Cultural and Ideological Capital, é composta por quinze capítulos referentes a aspectos culturais e ideológicos de traduções de Virgílio, compreendendo trabalhos que abordam especialmente o papel de tais traduções em culturas nacionais. A segunda parte, Poets as Translators of Virgil: Cultural Competition, Appropriation, and Identification, é composta por treze capítulos e tratam de questões de apropriação e identificação cultural, discorrendo sobre a busca de inspiração ou legitimação de cânones literários nacionais através da poesia virgiliana. Embora haja uma grande representatividade de culturas predominantemente europeias, o volume contém estudos realizados também por culturas periféricas, contribuindo para a difusão de estudos fora do eixo cultural dominante. Vale ressaltar que a maioria dos capítulos foram produzidos para colóquios relacionados às traduções de Virgílio realizados entre 2012 e 2014, enquanto outros foram escritos para o presente volume. Os capítulos seguem uma progressão quase sempre cronológica, e apresentam panoramas por vezes diacrônicos (Kallendorf; Keith; Braden), ou transculturais (Richard H. Armstrong; Papaioannou), tratando também de outras vertentes como a teoria e a prática da tradução em contextos europeus e periféricos (Marincic; Skoie; Jinyu Liu).

Dando início à primeira parte, o capítulo Successes and Failures in Virgilian Translation de Craig Kallendorf trata de traduções virgilianas anteriores a 1850. O autor restringe sua análise a traduções francesas e discute as nuances de êxito e malogro destas, sem, no entanto, adentrar na crítica às suas qualidades literárias. Kallendorf procura discutir o caráter antagônico entre traduções de Virgílio no cenário francês, considerando elementos ideológicos, políticos que influenciaram positivamente ou negativamente a repercussão de cada tradução. Ele fundamenta sua discussão em traduções da Eneida, das Geórgicas e das Éclogas, refletindo acerca da longevidade de tais traduções, e questionando ainda se toda tradução estaria sumariamente fadada ao esquecimento, uma vez que surgem constantemente novas traduções para competir ou substituir as anteriores. Seu trabalho dialoga fortemente com o debate de Torlone (capítulo 22) acerca dos fracassos na tradução.

No ensaio intitulado Dante’s Influence on Virgil: Italian volgarizzamenti and Enrique de Villena’s Eneida of 1428, Richard H. Armstrong discute a influência e repercussão da emulação de Virgílio por Dante na sua Divina Comédia. O autor evidencia a importância de Dante na consolidação de Virgílio enquanto autor. Para isso, Armstrong traz à luz a tradução de Enrique de Villena da Eneida e discute a vernacularização de Virgílio por intermédio de Dante. Villena se opõe a qualquer tentativa de vernacularização por meio de simplificações do texto original, e sob circunstâncias peculiares, ele se propõe a apresentar um Virgílio mais prosaico e distante da intervenção danteana, com o intuito de distinguir os dois poetas.

Em Epic and the Lexicon of Violence: Gregorio Hernández de Velasco’s Translation of Aeneid 2 and Cervantes’s Numancia, Stephen Rupp argumenta sobre o léxico fornecido pelo gênero épico para tratar de estratégias e violência na guerra através da tradução de Velasco (Eneida 2) e a obra de Cervantes (La Numancia). Rupp argumenta que o vocabulário é um elemento bastante revelador na tradução, evidenciando a relevância da escolha de léxico na inferência de disposições emocionais, sentimento de perda em decorrência da guerra e outros artifícios de grande valia para a persuasão de personagens e eventos. O autor defende ainda que tais elementos, uma vez incorporados ao campo semântico da épica, servem de estratagemas que reforçam as construções do gênero. Ampliando a temática da guerra na épica virgiliana, em Love and War: Translations of Aeneid 7 into English (from Caxton until Today) Alison Keith trata das traduções da Eneida 7 ao longo dos séculos, delineando seu percurso por traduções de destaque da narrativa como a de Dryden (1697) e Fitzgerald (1983). A autora encerra seu repertório analítico com duas traduções de autoria feminina, a de Sarah Ruden (2008), primeira tradução completa do poema virgiliano desenvolvida por uma mulher, e a de Patricia A. Johnston (2012). Keith parte da narrativa da mulher e da guerra nessas traduções para desenvolver seu instigante debate, explorando ainda a recepção de gênero na Eneida virgiliana. Fugindo da notória figura de Dido, ela decide traçar seu estudo a partir da inexplícita Lavínia, construindo sua análise com base nas escolhas lexicais adotadas em cada tradução e suas nuances semânticas. De Thomas Phaer (1558) a Johnston (2012), Keith examina as evocações de Lavínia enquanto mulher em um poema cuja narrativa é dominada por elementos bélicos e masculinos, evidenciando as diferentes perspectivas dos tradutores de Virgílio no decorrer dos séculos, marcadas por escolhas individuais e suspensas em um processo interpretativo a depender de seus leitores.

No quinto capítulo, Gordon Braden dá seguimento à discussão com o ensaio The Passion of Dido: Aeneid 4 in English Translation to 1700. Ele discorre sobre as tradições alegóricas e representações ligadas à figura de Dido e seu relacionamento conturbado com o herói virgiliano. Braden destaca o caráter heterogêneo da tradução de Dryden (1697) em que ele confere à rainha de Cartago nuances por vezes divergentes daquelas apresentadas por outros tradutores. Partindo da figura feminina enquanto objeto de tradução para a mulher na qualidade de tradutora, em An Amazon in the Renaissance: Marie de Gournay’s Translation of Aeneid 2 Fiona Cox discute a tradução de Marie de Gournay da Eneida 2 e sua relevância no cenário social e literário da Renascença francesa. Cox afirma que Gournay explora a possibilidade de adentrar em uma esfera literária dominada por figuras masculinas, como uma ousada amazona conquistando o território predominantemente masculino das traduções virgilianas. Cox comenta ainda sobre o impacto de tal tradução e a ousadia de Gournay em se empenhar pela igualdade de gênero em um contexto literário alheio a essas questões.

Susanna Braund examina as principais traduções americanas em verso da Eneida no ensaio Virgil after Vietnam. Braund trata de debates acerca de Virgílio e sua relação com a guerra, associando a temática ao contexto da Guerra do Vietnã. A autora parte do conceito de humanidade em Virgílio para traçar seu raciocínio, analisando as escolhas de cada tradutor. Braund pondera sobre a justificação do imperialismo posterior à Guerra do Vietnã nessas traduções, questionando manifestações sexistas na recepção das traduções feitas por mulheres, como a de Ruden (2008). Por último, a autora aponta diferenças nas vozes dos tradutores e suas perspectivas individuais explicitadas nas propostas tradutórias.

Afastando-se do cenário americano, Geoffrey Greatrex examina as traduções desenvolvidas na língua de Zamenhof. Em Translations of Virgil into Esperanto, ele argumenta que essas traduções foram concebidas com o objetivo de estimular uma literatura nesse idioma artificial e, assim, legitimar o esperanto enquanto língua literária. Greatrex trata das facetas envolvidas nas traduções e dos desafios enfrentados na tarefa de comprimir a métrica virgiliana nessas traduções, finalizando a discussão com uma análise dos primeiros versos das traduções de Vallienne (1906), Kalocsay (1981) e Berveling (1998) da Eneida 4, todas em esperanto, e realçando, por fim, a influência de Virgílio na literatura em esperanto para obtenção de capital cultural. Em consonância com Greatrex, Michael Paschalis explora a temática capital cultural nas traduções de Virgílio para o grego antigo no ensaio Translations of Virgil into Ancient Greek. O autor delineia a recepção do poeta romano em traduções gregas, investigando técnicas de tradução, audiência e adaptações, explorando traduções a partir da Antiguidade Tardia até a Grécia do século XIX. Paschalis examina ainda as traduções e recepção das Geórgicas e da Eneida de Eugenios Voulgaris, que são as primeiras traduções completas de Virgílio para o grego antigo.

O grego e a tradução de Voulgaris são o foco do décimo capítulo escrito por Sophia Papaioannou. Em Sing It Like Homer: Eugenios Voulgaris’s Translation of the Aeneid, a autora faz uma investigação criteriosa da Eneida traduzida por Voulgaris como resposta à solicitação da czarina russa, considerando as motivações do tradutor na escolha da obra, assim como escolha de grego homérico em vez de uma variante contemporânea. Papaioannou aponta justificativas pedagógicas que validam a predileção do tradutor por essa língua ‘artificial’ e ressalta que seus objetivos seriam educacionais, e promove uma discussão acerca da apropriação cultural.

No ensaio Farming for the Few: Jožef Šubic’s Georgics and the Early Slovenian Reception of Virgil, Marko Marincic discute a tradução de Jožef Šubic das Geórgicas (1863) para o esloveno, primeira tradução completa para essa língua de uma obra clássica latina, acentuando os desafios enfrentados pelo tradutor na versificação. Marincic discorre sobre a recepção dessa tradução na esfera literária e no contexto do nacionalismo agrário vigente, evidenciando a importância da tradução de Šubic e sua tentativa de elevação da língua eslovena para um patamar mais literário e menos marginalizado. Em confluência com este debate, Skoie (capítulo 13) considera a influência da poesia pastoral nas traduções norueguesas de Virgílio e a importância do poeta romano na definição de uma identidade cultural e ideológica.

Subsequentemente, Ekin Öyken e Çigdem Dürüsken investigam a presença de textos virgilianos em língua turca em Reviving Virgil in Turkish, fugindo um pouco do eixo europeu. Os autores refletem sobre a exiguidade de traduções virgilianas na história literária turca, apontando para a influência da cultura francesa na recepção turca como uma das possíveis causas, já que a cultura clássica grega e romana era inserida nesse contexto através de traduções e adaptações para o francês. Öyken & Dürüsken afirmam que registros de traduções turcas de Virgílio são datados, tardiamente, a partir do século XX – as Éclogas traduzidas por Rusen Esref (1928) são a primeira tradução completa de Virgílio em turco, seguidas pela tradução da Eneida de Ahmed Resit (1935-36) – e trazem uma reflexão acerca das estratégias de tradução e dos traços de domesticação e estrangeirização nesses trabalhos. Öyken & Dürüsken oferecem uma visão geral sobre um sistema literário e cultural notavelmente diferente dos demais, deixando em aberto questões relativas ao valor literário e cultural de Virgílio no contexto turco. Assim como Öyken & Dürüsken, Mathilde Skoie também traz à discussão as categorias de domesticação e estrangeirização de Venuti. Em Finding a Pastoral Idiom: Norwegian Translations of Virgil’s Eclogues and the Politics of Language, Skoie faz um exame de traduções da Écloga 4 de Virgílio para o norueguês, tendo como base analítica as traduções de Sørensen (1950), Danielsen, Frihagen, & Gustafson (1975), e Wiik (2016). Essas três gerações, com variações distintas da língua, propõem-se a traduzir a poesia pastoral virgiliana, resultando, por sua vez, em perspectivas e estratégias divergentes. A autora discute também a questão idiomática e sua relação com o sentimento de identidade norueguesa, a sobreposição de vozes rurais e urbanas no âmbito político, explorando as noções de idioma e variação dialetal presentes no contexto em estudo.

A seguir, Séverine Clément-Tarantino explora o sistema literário francês. Traduzida por Gillian Glass e Susanna Braund, a autora debate acerca de Virgílio e sua criação poética traduzida para o francês em The Aeneid and ‘Les Belles Lettres’: Virgil’s Epic in French between Fiction and Philology, from Veyne back to Perret. Com base nas traduções francesas de Paul Veyne (2012) e Jacques Perret (1959) da Eneida, Clément-Tarantino compõe sua criteriosa análise, refletindo sobre obscuridade, fluidez e clareza nas traduções, explorando aspectos de epicidade e filologia, e contrastando as pretensões dos tradutores nas suas propostas tradutórias.

Encerrando a primeira parte do compêndio, o décimo quinto capítulo nos transporta para o contexto literário ainda pouco explorado da China. O ensaio Virgil in Chinese apresenta as reflexões de Jinyu Liu acerca da repercussão virgiliana no cenário literário chinês, abordando a relevância literária e cultural do poeta romano em contextos não-ocidentais. Liu discute o fenômeno da tradução de Virgílio e suas questões estilísticas e semânticas, e reflete sobre os desafios envolvidos na tradução do poeta para o chinês e a questão da ‘traduzibilidade’ de sua poesia. Ademais, Liu atenta para a limitação de traduções de Virgílio na literatura chinesa, examinando as motivações, estratégias e perspectivas adotadas.

A segunda parte do volume intitulada Poets as Translators of Virgil: Cultural Competition, Appropriation, and Identification tem como foco os poetas enquanto protagonistas nas traduções de Virgílio, concentrando-se naqueles que viram no autor romano uma fonte de inspiração e/ou legitimação de seus cânones literários. Parte dos textos dessa seção abordam os desafios dos tradutores em manter as características formais nas traduções virgilianas, ao mesmo tempo que conservam a significação dos originais. Questões referentes aos aspectos de domesticação na tradução (Thomas, Eigler, O’Hogan), e identificação com o poeta Virgílio (Gautier, Scafoglio, Vasconcellos) são também discutidas. Os capítulos convergem entre si, complementam-se e enriquecem uma discussão necessária, e nem sempre explorada, relacionada à figura do tradutor, às suas escolhas e concepções que determinam o produto de um processo tradutório.

Richard F. Thomas introduz essa segunda parte com seu complexo ensaio Domesticating Aesthetic Effects: Virgilian Case Studies. O autor trata de questões referentes às traduções poéticas, concentrando-se nas equivalências estéticas dos recursos utilizados por Virgílio nas propostas de tradução domesticadora. Com base em traduções como as de Dryden, Day-Lewis, Lee e Ferry, Thomas explora fenômenos estéticos, linguísticos e de métrica poética virgiliana, analisando a significância da domesticação para a tradução poética atual.

Na sequência, Hélène Gautier expõe seus questionamentos no ensaio Du Bellay’s L’Énéide: Rewriting as Poetic Reinvention? Traduzida por Liza Bolen e Susanna Braund, Gautier estabelece sua investigação a partir da tradução da Eneida de Du Bellay (1550s). A autora põe em perspectiva a concepção de adequação na tradução, o fenômeno da tradução na França renascentista e a evolução da poética e da língua francesa. Gautier discorre também sobre os mecanismos de Du Bellay no seu projeto poético a fim de atingir sua meta tradutória, analisando métodos de “naturalização” e adaptação de Virgílio através da equivalência.

Stephen Scully, por sua vez, analisa um dos mais relevantes nomes da tradução clássica. Em Aesthetic and Political Concerns in Dryden’s Æneis, ele manifesta o pensamento de Dryden quanto à poética e política de Virgílio. Através do exame da Eneida (1697), Scully reflete sobre a correlação entre o contexto político de Virgílio e a Inglaterra de Dryden, destacando a relação do tradutor com o poeta traduzido e suas motivações ao inserir a voz virgiliana no contexto literário e cultural britânico.

Em seguida, Marco Romani Mistretta discute sobre as Geórgicas sob a perspectiva de Delille, poeta francês de grande significância para le poème de la nature. No ensaio Translation Theory into Practice: Jacques Delille’s Géorgiques de Virgile, Mistretta relaciona as tradições agrícolas da França e da Roma agostiniana de Virgílio. O autor põe em evidência Delille enquanto teórico da tradução, analisando sua relação com conceitos de compensação e poética da tradução. Por fim, Mistretta aborda questões de domesticação e reelaboração imagética da poesia virgiliana na tradução de Delille, assim como influências da fisiocracia na França do século XVIII e o vínculo acentuado entre a poesia pastoral de Delille e a poética de Virgílio. Com efeito, a poética da tradução ganha relevo especial na segunda parte deste livro. Assim, no vigésimo capítulo, Giampiero Scafoglio reflete a mesma temática. Em ‘Only a Poet Can Translate True Poetry’: The Translation of Aeneid 2 by Giacomo Leopardi, ele examina uma das questões mais elementares na prática da tradução: ‘É necessário ser poeta para traduzir poesia?’. Scafoglio debate sobre a Eneida 2 de Leopardi, e retrata a sua relação com a poesia virgiliana e seus métodos de tradução, sublinhando a relevância de seu lado poeta no processo tradutório e sua preocupação com o “traduzir poético” na sua tradução de Virgílio.

Philip Hardie, por seu lado, reflete acerca do trabalho desenvolvido por Wordsworth em seu ensaio Wordsworth’s Translation of Aeneid 1–3 and the Earlier Tradition of English Translations of Virgil. Ele indaga os elementos motivadores da Eneida de Wordsworth e sua postura ante a tradição de traduções para o inglês do poema, além de atestar sua importância na história da poesia inglesa. Hardie pontua, por fim, a excelência de Wordsworth na sua tradução em termos de domesticação e estrangeirização, destacando sua relevância para a história da recepção virgiliana.

De encontro à conjuntura de Papaioannou, somos conduzidos ao contexto literário russo por Zara Martirosova Torlone, que centraliza seu estudo na desolação troiana da Eneida. Em Epic Failures: Vasilii Zhukovskii’s ‘Destruction of Troy’ and Russian Translations of the Aeneid, ela aborda a pouca popularidade de Virgílio no cenário literário russo e a escassez de traduções canônicas para o russo da Eneida. A autora traça uma trajetória das traduções de Virgílio em russo, destacando o êxito de Vasilii Zhukovskii na sua tradução da Eneida 2 (1823). A autora atribui o acerto ao trabalho de Zhukovskii em relação aos tantos insucessos na história da tradução russa, como os de Fet (1888) e Briusov (1933). Para Torlone, Zhukovskii alcançou o que outros tradutores russos jamais conseguiram, pois ele “desmistificou” o texto estrangeiro e transmitiu a própria estranheza da composição, sem artifícios de alienação na sua tradução.

Efetivamente, o volume cumpre seu papel de diversificação cultural, pois visita traduções de culturas consideradas centrais sem negligenciar as culturas consideradas periféricas. Assim, o ensaio de Paulo Sérgio de Vasconcellos, traduzido por Liza Bolen, trata da influência virgiliana na história e literatura brasileira. Em Virgílio Brasileiro: A Brazilian Virgil in the Nineteenth Century, Vasconcellos apresenta Virgílio Brasileiro, uma tradução idiossincrática de Manuel Odorico Mendes que incluem a Eneida, as Geórgicas e as Éclogas virgilianas. Como Leopardi, Mendes acredita na excelência dos verdadeiros poetas na interpretação da poesia virgiliana. Vasconcellos enfatiza a preocupação do poeta brasileiro em assimilar os clássicos, e expõe características peculiares da tradução de Mendes, como a “estranheza” e vocabulário rebuscado. O autor discute aspectos de emulação, apropriação e transcriação e, à semelhança de Mistretta e Scafoglio, levanta questionamentos sobre a identidade poética na tradução.

Na sequência, Ulrich Eigler discorre sobre traduções da Eneida em alemão em Between Voß and Schröder: German Translations of Virgil’s Aeneid. Eigler explora diligentemente as traduções de Voß e Schröder, geralmente reconhecidas como obras-primas alemãs. O autor destaca elementos relevantes no trabalho dos tradutores, como a tradução próxima ao original, além de fazer um exame acurado das traduções e constatar o forte papel virgiliano na literatura alemã. Ademais, Eigler avalia a parceria estética de Voß e Goethe e sua contribuição para a poesia alemã, a repristinação de Schröder e a repercussão dessas traduções de Virgílio no contexto literário alemão. Curiosamente, a contribuição de Eigler não se limita à conjuntura alemã, uma vez que, em um segundo ensaio, o autor explora também o contexto poético do italiano Pasolini.

Direcionando o leitor para duas traduções do francês, o vigésimo quinto capítulo compreende o debate de Jacqueline Fabre-Serris, traduzido por Liza Bolen e Susanna Braund. Intitulado Reflections on Two Verse Translations of the Eclogues in the Twentieth Century: Paul Valéry and Marcel Pagnol, o trabalho aborda as divergências entre as traduções francesas de Valéry (1956) e Pagnol (1958). Fabre-Serris discute o posicionamento de cada tradutor com relação a Virgílio, à poesia bucólica e à própria língua latina, enfatizando suas distintas motivações e suas reflexões sobre o processo de tradução. Por fim, Fabre-Serris compara essas traduções à de Saint-Denis (1942), versão em prosa das Éclogas, explicitando sua preferência por esta.

Ulrich Eigler retoma a discussão no ensaio Come tradurre? Pier Paolo Pasolini and the Tradition of Italian Translations of Virgil’s Aeneid. Eigler aborda questões pertinentes ao come tradurre, questão levantada por Pasolini quanto à língua mais apropriada para a tradução virgiliana. Eigler discute as traduções de Virgílio mais relevantes no contexto literário italiano do século XX, evidenciando o papel desempenhado pelo poeta clássico no cenário político e cultural, bem como na unificação da Itália. A questão da identidade linguística, impulsionada pela iconicidade cultural virgiliana é também contemplada na reflexão do autor. Assim, Eigler destaca que Pasolini favorece sua própria herança linguística e seu universo poético em detrimento das escolhas da tradição tradutória vigente. Finalmente, Eigler aponta o projeto tradutório de Sermonti (2007) e sua Eneida pós-moderna, combinação do italiano de hoje e da tradição da língua de Dante, tratando da repercussão da obra no âmbito literário da Itália.

O penúltimo capítulo deste compêndio nos aproxima do universo da tradução irlandesa e dialoga com o trabalho de Skoie, já discutido. Irish Versions of Virgil’s Eclogues and Georgics é apresentado por Cillian O’Hogan e atesta a influência de Virgílio na definição da cultura e nação. O autor desenvolve um debate acerca da cultura irlandesa do final do século XX, sua necessidade em se dissociar da cultura britânica, e a relevância de Virgílio para esse processo emancipatório. Com base nas traduções irlandesas de Seamus Heaney (Virgil: Eclogue IX) e Peter Fallon (The Georgics of Virgil), O’Hogan trata da influência da poesia pastoral irlandesa e do hiberno-inglês para o estabelecimento de uma tradição clássica alternativa, separada da tradição literária britânica, e para a concepção de um estilo irlandês próprio de recepção clássica. Por fim, o autor realça a intenção “localizadora” e “domesticadora” dos poetas nas suas escolhas tradutórias ao inserirem Virgílio no cenário rural irlandês. Tais escolhas distanciam suas versões do contexto literário inglês, numa atitude que O’Hogan nomeia como ‘anticolonial’, por induzir o apagamento da herança literária britânica.

O capítulo final, traduzido por Jelena Todorovic e Susanna Braund, concentra-se na trajetória do tradutor da épica virgiliana. O ensaio Limiting Our Losses: A Translator’s Journey through the Aeneid apresenta as percepções de Alessandro Fo, poeta e tradutor italiano contemporâneo, acerca do seu percurso no processo de tradução da Eneida. Fo retrata sua prática tradutória, evidenciando as incertezas e realçando os desafios em reproduzir a poesia épica virgiliana de forma precisa. Fo procura demonstrar as peculiaridades estilísticas de Virgílio e conservar o aspecto de “estrangeirização” do poema em sua tradução. O poeta ressalta que seu objetivo final é manter a fidelidade semântica, formal e técnica de Virgílio, mas salienta que o sentimento de perda no ato de traduzir é um fenômeno inevitável. Ele afirma que a tradução “é uma batalha perdida”, restando ao tradutor apenas limitar as perdas, principalmente em se tratando de Virgílio, o degli altri poeti onore e lume, como atesta Dante.

Finalmente, arrematando as criteriosas e proveitosas discussões deste volume, Josephine Balmer traça um esboço de perspectivas para o futuro da tradução virgiliana. Ao refletir sobre as transformações poéticas de Virgílio, sua mensagem para os futuros tradutores de Virgílio é clara: Let Go Fear. Balmer aponta nesse posfácio o que ela nomeia “feminização” da recepção virgiliana, ponderando sobre a voz feminina a se tornar frequente nos estudos virgilianos, a exemplo da aclamada Eneida de Ruden (2008).

Em síntese, esta obra consegue apresentar um amplo e inventivo acervo de trabalhos caros aos Estudos da Tradução e a qualquer pesquisador de Virgílio. Desde os estudos mais alinhados ao papel cultural e ideológico das traduções de Virgílio, até a figura do tradutor e sua associação ao poeta romano, o volume apresenta diversas vozes, com perspectivas e concepções instigantes. A diversidade cultural, as distintas convicções e estratégias aqui compartilhadas marcam a heterogeneidade e, ao mesmo tempo, a unidade deste volume. Como Braund & Torlone asseguram, a investigação da hermenêutica ideológica aplicada à recepção garante a expressividade da obra, dada a originalidade de um volume voltado ao estudo das traduções virgilianas como um fenômeno cultural e ideológico, de âmbito nacional e transnacional.

Referências

  • Braund, Susanna; Torlone, Zara Martirosova (Ed.). Virgil and his Translators New York: Oxford University Press, 2018, 544 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2020
  • Aceito
    23 Nov 2020
  • Publicado
    Jan 2021
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