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Cesco, Andréa; Abes, Gilles Jean; Bergmann, Juliana Cristina Faggion (Orgs.). Tradução Literária: Veredas e desafios. São Paulo: Rafael Copetti, 2016, 137 p.

Cesco, Andréa; Abes, Gilles Jean; Bergmann, Juliana Cristina Faggion. Tradução Literária: Veredas e desafios. São Paulo: Rafael Copetti, 2016. 137

O livro Tradução literária: veredas e desafios é resultado dos trabalhos apresentados no “I Colóquio de Tradução Literária: Veredas e Desafios”, organizado na Universidade Federal de Santa Catarina, no dia 02 de setembro de 2015, pelos professores Andréa Cesco, Giles Jean Abes e Juliana Bergman. É o segundo lançamento da coleção Transtextos, que tem por objetivo publicar obras sobre tradução em língua portuguesa. O título nos remete ao assunto principal do livro, abordado de forma prática, pela visão do tradutor, colocando em debate as diferentes formas do fazer tradutório.

Os professores Andréa Cesco, Giles Jean Abes e Juliana Bergman, organizadores do livro, dividem o livro em duas partes: as “Epopeias da Prosa” e as “Epopeias da Poesia”, destacando a grandiosidade e a importância da arte tradutória. Os organizadores também evidenciam o diálogo existente ao longo dos textos entre teoria e prática, e como ambas se entrelaçam de modo a revelar a experiência do ato tradutório.

A primeira parte do livro, Epopeias da Prosa, inicia com o artigo “Um fabulário constituído por suas traduções”, de Mamede Jarouche, professor de literatura árabe na USP e conhecido como tradutor das Mil e uma noites. O texto de forma geral trata do livro Kalila e Dimna, livro este que se desataca por suas histórias morais e a forma que elas foram sendo modificadas ao passarem por diversas traduções conforme adaptações na cultura meta.

Jarouche descreve o grande número de manuscritos existentes do livro Kalila e Dimna, faz a análise das características da tradução de Pahlevi e salienta que é a mais utilizada, servindo como texto fonte para outras traduções, como a síria e árabe.

Jarouche também proporciona ao leitor uma breve contextualização histórica do mundo antigo oriental, possibilitando compreender a modificação dos prefácios na tradução e o ato de traduzir que através da concepção da imitação serve de instrumento para o enriquecimento da cultura a qual o texto se insere.

O segundo texto “A tradução do chiste em Número Zero, de Umberto Eco”, de Ivone Benedetti, que é escritora e tradutora de obras de autores como Umberto Eco, Sartre, Voltaire, Foucault, Vargas Llosa, Padura, e outros, analisa a figura do chiste em um dos últimos romances de Umberto Eco, Número Zero, no qual o escritor italiano tece uma crítica à imprensa e aos mecanismos utilizados para passar as informações à sociedade. Primeiramente, Benedetti fala da importância do tradutor literário conhecer os mais variados assuntos, para que assim aquele conhecimento o auxilie nas escolhas tradutórias. A autora relaciona a figura do chiste ao conceito de isotopia e mostra como esses dois elementos articulados funcionam na literatura exemplificando com o poema de Jacques Prévert (“Mea Culpa”). No livro de Umberto Eco, Ivone analisa as passagens humorísticas ao longo do romance com exemplos de topônimos, como “Rossi” e “Bianchi” que possuem uma isotopia com a cor, porém a tradução em língua portuguesa não possibilitava o mesmo efeito, sendo a opção deixar os nomes igual ao texto-fonte. Diferente do que ocorre na tradução de uma paráfrase da frase de Júlio César Veni, Vidi, Vice em que no italiano é muito parecida sonoramente (Venni, Vidi e Vinci). Eco escreve a seguinte frase Alle id io non vidi, no qual a rima e a formação da frase possibilitam a relação isotópica. A tradutora, então propõe a seguinte frase “Idos não vividos”, que mantém duas relações isotópicas, uma com o texto-fonte (data de morte de César) e outra com o texto meta (poema de Machado de Assis) (p.37). Através desse percurso, Ivone Benedetti abre o diálogo entre teoria e prática e mostra a dificuldade em se traduzir figuras humorísticas, principalmente pelo fato do humor mudar de cultura para cultura e também ao longo do tempo.

A primeira parte do livro fecha com o ensaio de Caetano Galindo, professor da Universidade Federal do Paraná, intitulado: “Tradução e Escrita, Original e derivado: o caso de City on Fire”. Galindo destaca uma face do tradutor que por vezes se revela escondida, a do revisor. Ainda que a tradução seja revista por uma equipe, o primeiro revisor sempre será o tradutor, o qual faz este trabalho para realizar os ajustes necessários. Caetano ainda recupera a idéia de que a tradução é um ato de leitura. Ao entrar pelas veredas da tradução, Galindo nos mostra as trincheiras do processo editorial e as articulações de um trabalho que passa por várias pessoas até se obter o produto final. O autor mostra ainda como é trabalhar com um texto vivo, o qual não possui um “original” estabelecido, podendo ainda este “original” sofrer alterações conforme a necessidade do autor. Galindo mostra ainda que o ofício do tradutor vai além de escolhas estético-filológicas e passa ao momento de criação podendo o tradutor sugerir alterações no texto-fonte quando percebe equívocos de verossimilhança e/ou conexões internas, criando assim uma relação de corresponsabilidade/coautoria do tradutor para com a obra (p.45). Feita essa premissa, o autor passa a mostrar como ocorreu a tradução de Cidades em Chamas, um livro que antes mesmo de ser lançando já possuía uma crítica e que enquanto os tradutores ainda trabalhavam o autor modificava o texto. Esse não estabelecimento do texto fonte trouxe consequências nas escolhas tradutórias. Além disso, o tradutor mostrou as ferramentas que a editora disponibilizou para os tradutores, como por exemplo, um fórum online, em que o autor entrava semanalmente para responder as dúvidas.

A segunda parte do livro, Epopeias da poesia, abre com o artigo intitulado “Da hesitação ao ato: traduzir ‘L’Abeille’, de Paul Valéry”, escrito por Álvaro Faleiros, tradutor de autores como Mallarmé e Appolinaire e Roberto Zoluar, tradutor de poesia francesa e estudioso de Paul Valéry, ambos professores da USP. Nesse trabalho os autores mostram através das cartas como foi o processo de traduzir os poemas de Paul Valéry, entre eles “L’Abeille”, que seria uma espécie de complemento de “Les pas”. Em seguida, os autores fazem uma breve contextualização do poema, mostrando suas características e o conceito de hesitação que parece permear todo o poema. Na primeira carta apresentada por Álvaro Faleiros, temos dois conceitos que permearam as escolhas tradutórias que são “forma-poema” e “forma-língua” até passar para as decisões sobre rima perfeita, aliterações e problemas sintáticos como os modos verbais (p.73). Na segunda carta, escrita por Roberto Zular, o autor entrelaça o aspecto da morte com o ato de hesitação, ambos presentes na tradução, pois de certo modo o “original” precisa morrer para nascer a tradução. A carta centra na tensão que a poesia provoca e a necessidade em manter as dimensões sintático-semântica e rítmica-acentual, para que assim se obtenha uma ética do traduzir conforme fala Meschonnic, ao não hierarquizar os parâmetros. Os autores mostram ainda que no Brasil existe uma tendência à isomorfia nas traduções, o que influência diretamente nas escolhas tradutórias. Roberto Zular afirma em sua carta que por tentar seguir tão “fielmente” a forma que a poesia se mostra, acaba-se por desprezar o efeito geral que ela produz (p.86). Por fim, os autores ressaltam que o tradutor vive em um jogo de tensões e relaxamento para manter a essência da poeticidade, sendo o fim do processo o que eles chamam de “transversar” em duplo sentido, o da potência e o da escolha. Movimento esse que leva a pensar em uma metapoética.

O segundo texto intitulado “Traduzir as fórmulas Homéricas”, de Christian Werner, professor da USP e tradutor de autores como Homero e Hesíodo, trata da questão prática para se traduzir as fórmulas homéricas que por vezes não seguem o padrão grego e os tradutores decidem ou variar a fórmula conforme o contexto ou simplificá -las. Werner demonstra que alguns tradutores como Odorico Mendes, Carlos Alberto Nunes e Trajano Vieira solucionaram algumas fórmulas (p.94). Outro ponto abordado é o estranhamento causado por esse recurso, que não é muito utilizado em nossa literatura. Apesar de tradutores como Odorico Mendes e Donaldo Schuler não serem adeptos a este tipo de estranhamento, Christian fala da importância em mantê-lo e lembra que este estranhamento ocorria também na época grega. Outra questão relevante do texto é o da linguagem homérica representada pelas fórmulas que se transformam em uma espécie de performance, visto que ela é um recurso expressivo que oferece ao leitor pistas sobre a história a ser narrada. A aproximação ao vernáculo para traduzir as fórmulas gregas, possibilitou ao leitor da tradução compreender as suas funções ao longo do texto. Entre elas manter o ritmo, a comicidade e a interpretação do próprio texto que pode ser ou não reforçada pelo tradutor. Por fim, Werner traz exemplos de fórmulas usadas em Grande Sertão Veredas por Riobaldo (p.110).

O texto que fecha as Epopeias da Poesia é “Caminhar e Correr: a tradução do ritmo nas poesias de Cesare Pavese e Pier Paolo Pasolini”, de Maurício Santana Dias, professor da USP e tradutor de Pirandello, Pasolini, Leopardi entre outros. Em seu texto, Maurício Santana Dias mostra o processo de tradução da obra desses dois importantes escritores italianos. Ao contrastar Pavese e Pasolini, Maurício Santana Dias demonstra que apesar das afinidades por temas narrativos, o modo como ambos os autores tratam a linguagem é diferente e estariam no campo das metáforas, do ritmo e da forma de compreender a sociedade. Ao discutir o ritmo, ponto central de seu texto, Maurício Santa Dias aponta como o controle do uso da linguagem por Pavese e a liberdade da linguagem por Pasolini influenciam a interpretação de suas poesias (p.119). E é essa forma de usar a linguagem que faz com que os leitores percebam a diferença rítmica e conceitual da sociedade entre Pavese e Pasolini. Por fim, o autor recupera os estudos de Meschonnic para enfatizar a importância de se traduzir o ritmo, visto que é a partir deste elemento que se constrói o modo de significar.

Após esta breve exposição, pode-se dizer que o livro Tradução Literária: Veredas e Desafios é de grande contribuição aos Estudos da Tradução no Brasil, por articular teoria e prática sob diversas perspectivas. Além disso, o livro é uma importante ferramenta para os estudiosos de tradução literária, pois possibilita refletir sobre estratégias tradutórias e sobre diferentes desafios que são recorrentes no campo da tradução. Portanto, Tradução literária: veredas e desafios é um livro que se apresenta como um valioso instrumento que auxilia o tradutor e uma fonte relevante de pesquisa para os interessados em tradução no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2016
  • Aceito
    19 Jul 2016
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