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A cidade neoliberal e a soberania de dados: mapeamento do cenário dos dispositivos de dataficação em São Paulo

The neoliberal city and data sovereignty: mapping the scene of datafication devices in São Paulo

Resumo

O artigo visa relacionar o desenvolvimento da cidade de São Paulo estruturada no liberalismo econômico e, posteriormente, no neoliberalismo, com os processos atuais de extração de dados por meio de plataformas digitais e empresas big techs baseadas na dataficação. Argumentamos que a soberania de dados é um elemento indispensável à possibilidade de que os cidadãos e administração pública tenham controle sobre os dados pessoais gerados a partir da vida citadina e possam determinar o que a cidade pode vir a ser, considerando a ideia de direito à cidade (Harvey, 2014). Nosso objetivo é realizar um mapeamento exploratório do posicionamento de São Paulo nesse cenário. Para tal, foi feito um levantamento dos dispositivos de dataficação urbanos na cidade operacionalizados pela Prefeitura, mas também pela iniciativa privada. Esse mapeamento resultou em 35 dispositivos, sendo 30 deles com influência direta em processos de mobilidade, consumo e trabalho. Concluímos que São Paulo insere-se no mercado de dados pessoais e que tais processos interferem em diversos elementos da vida urbana, mas que a soberania ainda não é um elemento considerado na tomada de decisão para adoção de tais dispositivos.

Palavras-chave:
Soberania de dados; Cidade neoliberal; Dataficação; Tecnologia urbana; Big tech

Abstract

This article aims to relate the development of São Paulo structured on economic liberalism and, later, on neoliberalism, with the current processes of data extraction through digital platforms and big tech companies based on datafication. We argue that data sovereignty is an indispensable element in the possibility that citizens and public administration have control over personal data generated from city life and can determine what the city may become, considering the idea of right to the city (Harvey, 2014). Our goal is to carry out an exploratory mapping of São Paulo's position in this scene. To this goal, a survey was made of the urban datafication devices in the city operated by the City Hall, but also by the private enterprises. This mapping resulted in 35 devices, 30 of which have a direct influence on processes of mobility, consumption, and work. We concluded that São Paulo is part of the personal data market and that such processes interfere in several elements of urban life, but that sovereignty is not yet an element considered in the decision-making process for the adoption of such devices.

Keywords:
Data sovereignty; Neoliberal city; Datafication; Urban technology; Big tech

Introdução

A técnica, como argumenta Milton Santos, é a forma pela qual se relacionam homem e meio, no entanto, “esse fenômeno é frequentemente analisado como se a técnica não fosse parte do território, um elemento de sua constituição e da sua transformação” (Santos, 2020, p. 29). Atualmente, o objeto técnico é dotado de caraterísticas que o difere dos seus precedentes, sendo assim chamado de objeto técnico-científico-informacional, e a transformação que incide sobre o território resulta no que o autor chama de “meio técnico-científico-informacional”. A característica que se sobressai é a complexa convergência entre o local e o global, uma vez que a técnica, universal na sua forma atual, interage com o espaço local, que é historicamente constituído.

É em um contexto de maior complexidade do objeto técnico que se manifesta a dataficação, uma prática ainda emergente, mas com contornos já sólidos que redesenham a vida urbana. A dataficação se concretiza, em parte, pelos dispositivos dataficados urbanos, definidos aqui como hardwares e softwares que servem à conversão de fluxos urbanos de pessoas em dados para fins de armazenamento, processamento e análise. O termo dataficação surgiu na literatura especializada no livro “Big Data: A Revolution That Will Transform How We Live, Work, and Think” (Mayer-Schönberger & Cukier, 2013) no qual os autores distinguem digitalização e dataficação, sendo esse último o processo pelo qual se torna possível quantificar e analisar o comportamento humano. Entre as contribuições posteriores ao conceito destacam-se os trabalhos de Van Dijck (2014Van Dijck, J. (2014). Datafication, dataism and dataveillance: Big Data between scientific paradigm and ideology. Surveillance & Society, 12(2), 197-208.), que argumenta que a dataficação consiste na conversão dos fluxos da vida em fluxos de dados, de Mejias & Couldry (2019Mejias, U., & Couldry, N. (2019). Datafication. Internet Policy Review, 8(4), 1-10.), que convergem nesse entendimento e ainda argumentam que se trata de uma nova forma de extração comandada pelas corporações globais que são também as principais beneficiárias desse fenômeno, e de Couldry e Yu (2018), que afirmam que há uma naturalização no uso de dados por empresas, governos e sociedade civil.

No território, a dataficação pode ser explicada por processos históricos que a viabilizam, como as políticas de austeridade neoliberais, com privatizações, desregulamentação das práticas corporativas, desarticulação das organizações trabalhistas e apelo à competitividade e individualidade (Gilbert, 2013Gilbert, J. (2013). What Kind of Thing is ‘Neoliberalism’?. New formations: a journal of culture/theory/politics, 80-81, 7-22.; Harvey, 2014Harvey, D. (2014). Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana (vol. 4). São Paulo: Martins Fontes.). Especificamente em São Paulo, tal incorporação mostra-se intimamente relacionada ao desenvolvimento urbano desigual, como a segregação socioespacial, a gentrificação e a desigualdade econômica (Fix, 2011Fix, M. A. B. (2011). Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil. (Tese de doutorado). Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.). A convergência desses processos leva à entrada de capital estrangeiro baseada nos preceitos neoliberais, como a desregulamentação e a defesa do livre comércio global, o que compromete a soberania nacional, especialmente quando referente a um fenômeno recente e ainda com muitas questões abertas, como a dataficação, no qual as big techs encabeçam a extração massiva de dados pessoais da população com controle ainda pífio tanto da sociedade quanto da legislação, mesmo com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Dessa forma, o objetivo do presente estudo é identificar como São Paulo se posiciona nesse novo cenário que articula práticas neoliberais à crescente presença de plataformas digitais baseadas na coleta e análise de dados. Para atendê-lo realizou-se um levantamento exploratório de dispositivos de dataficação urbanos presentes em São Paulo no intervalo de 2017 a 2020. Tal levantamento faz parte de uma pesquisa de doutorado, ainda em andamento, que tem como objetivo identificar os fluxos de dados no setor público da cidade de São Paulo decorrentes da dataficação urbana. O mapeamento do conjunto de objetos técnicos, públicos e privados, justifica-se uma vez que eles são os instrumentos operativos básicos da coleta de dados e, atualmente, são usados a serviço de uma cidade mercantilizada, sob o domínio do interesse do capital. Considerando tais pressupostos, tais dispositivos foram classificados considerando se dependem da coleta de dados para operação ou não. Além disso, também são objetivos deste artigo: 1- compreender como se dá a relação do neoliberalismo com o mercado de dados; 2- verificar qual o papel da soberania de dados nesse processo.

Para elucidar tais problemáticas este artigo divide-se em um tópico inicial sobre o neoliberalismo que aborda as proposições teóricas, aspectos urbanos e mercado de dados. Posteriormente, apresenta-se a conceituação de soberania e a emergência da ideia de soberania de dados para atender ao novo contexto informacional. Em seguida, apresenta-se a metodologia de pesquisa e quais critérios direcionaram o levantamento e seleção dos dispositivos. Por fim, segue a sessão de avaliação dos resultados, identificando categorias de classificação dos dispositivos e sua relação com a bibliografia já apresentada, por fim, a conclusão, consolidando as contribuições da pesquisa, mas indicando suas limitações e possibilidades para outros pesquisadores.

São Paulo: a cidade (neo)liberal

Nesta pesquisa, compreendemos o neoliberalismo sob três esferas. Na primeira consideramos as características e valores que pesquisadores reúnem na tentativa de explicar o neoliberalismo e suas implicações econômicas, sociais e políticas. Na segunda tratamos das especificidades do neoliberalismo no território urbano. E na terceira, apresentamos a convergência entre neoliberalismo e práticas de vigilância e o mercado de dados pessoais. Essas camadas se sobrepõem e complementam mutuamente.

Uma das concepções teóricas do neoliberalismo é desenvolvida por Brown (2020Brown, W. (2020). Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente (vol. 2). São Paulo: Editora Filosófica Politeia.) que une a interpretação marxista de neoliberalismo como a atualização do liberalismo e com foco nos processos econômicos baseados na luta de classes com a superexploração da força de trabalho, com a tradição foucaultiana que entende o neoliberalismo como uma nova racionalidade política que interfere na concepção de uma nova mentalidade e moralidade dos sujeitos, ampliando os significados da política neoliberal. Considerando essa análise, a autora define cinco frentes nas quais o neoliberalismo efetivamente manifesta-se: no campo epistemológico, com o desmantelamento da ideia de social; no campo político, com a privatização do Estado social; no campo legal, recorrendo à defesa da liberdade em contraste com a igualdade; no campo ético, exaltando a autoridade dos valores tradicionais; e no campo cultural, com a sobreposição da individualidade (Brown, 2020, p. 48-49).

A análise de Gilbert (2013Gilbert, J. (2013). What Kind of Thing is ‘Neoliberalism’?. New formations: a journal of culture/theory/politics, 80-81, 7-22., p. 11-12) tem pontos em comum, destacando a criação de sujeitos no aspecto cultural, com a disseminação de uma cultura individualista, empreendedora, consumista e competitiva. Partindo dessa concepção, o autor elenca algumas das características da política neoliberal, como: privatizações, centralização das instituições democráticas, desregulamentação do trabalho, reduções dos tributos, restrições à organização dos trabalhadores e incentivo à competitividade. De acordo com ele, há um equilíbrio sutil entre espoliação e esperança que sustenta o neoliberalismo atualmente.

Muito do programa neoliberal pode ser entendido em termos da eficácia e precisão com que ele cria precisamente o resultado de uma economia e uma sociedade em que alimentar seus filhos e mantê-los fora da pobreza relativa continua sendo uma tarefa realizável, mas altamente exigente para a maioria dos atores: produz ativamente insegurança e 'precariedade' em toda a população trabalhadora, sem permitir que o nível de desespero generalizado ultrapasse limiares críticos (Gilbert, 2013Gilbert, J. (2013). What Kind of Thing is ‘Neoliberalism’?. New formations: a journal of culture/theory/politics, 80-81, 7-22., p. 14, tradução nossa).

No espaço urbano as políticas neoliberais manifestam-se promovendo justamente esse equilíbrio que se baseia na mentalidade de que o esforço individual explica as “conquistas” sociais e econômicas no nível do sujeito ou da família, mas não em uma perspectiva coletiva. A questão da propriedade privada é central na manifestação espacial do neoliberalismo explicando a especulação imobiliária, financeirização e despossessão que já estavam presentes no contexto do liberalismo, mas que se institucionalizam no neoliberalismo no sentido de que o Estado passa a ser um agente fundamental na promoção dessas práticas (Fix, 2011Fix, M. A. B. (2011). Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil. (Tese de doutorado). Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas., Rolnik, 2015Rolnik, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo.; Santos, 2019Santos, M. (2019). Metrópole Corporativa Fragmentada: o caso de São Paulo (2a ed.). São Paulo: EDUSP.). Assim, as cidades tornam-se mercadoria, seus cidadãos, consumidores, e os centros urbanos disputam investimento privados por meio de uma lógica de “score” (Morozov & Bria, 2020Morozov, E., & Bria, F. (2020). A cidade Inteligente: Tecnologias urbanas e democracia (vol. 1). São Paulo: Editora UBU.; Watson, 2009Watson, V. (2009). Seeing from the South: Refocusing Urban Planning on the Globe’s Central Urban Issues. Urban Studies, 46(11), 2259-2275. https://doi.org/10.1177/0042098009342598
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; Harvey, 2014Harvey, D. (2014). Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana (vol. 4). São Paulo: Martins Fontes.).

O resultado das políticas neoliberais nas cidades inclui o crescimento da informalidade e da precarização, tanto na esfera do trabalho como na do consumo. A especulação imobiliária, financeirização e despossessão funcionam de forma articulada dificultando o acesso das famílias de baixa renda à propriedade privada, à moradia digna e aumentando o endividamento. Por sua vez, a soma de privatização e austeridade fiscal leva à maior dificuldade de acesso aos serviços e infraestrutura pública urbana, como saúde, educação, lazer e transporte por parte da população de menor renda que é lançada à própria sorte, o que retoma a ideia de individualidade e alimenta a competitividade entre sujeitos.

No século XXI, os projetos neoliberais de cidades do Sul Global passam a incorporar cada vez mais dispositivos tecnológicos no espaço urbano, processo iniciado pelo incentivo ao videomonitoramento como solução de segurança, encabeçado pelos Estados Unidos e sua política antiterrorista. De acordo com Graham (2016Graham, S. (2016). Cidades Sitiadas: o novo urbanismo militar. São Paulo: Boitempo.) é essa mentalidade baseada na segurança militarizada e criação, maniqueísta, de inimigos da segurança que justifica a vigilância preventiva e maior controle sobre o espaço. Difunde-se uma lógica no senso comum na qual aqueles que não têm o que temer e esconder devem abrir mão da própria privacidade que “geraria um nível de insegurança social desnecessária” (Silveira, 2017Silveira, S. A. (2017). Tudo sobre tod@s: redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais. São Paulo: Edições Sesc São Paulo., p. 37) para que o Estado possa prevenir as violências e imoralidades desses “inimigos” (Graham, 2016). Ao destrinchar a legislação brasileira referente às câmeras de videomonitoramento em espaços públicos, Kanashiro (2008Kanashiro, M. M. (2008). Surveillance Cameras in Brazil: exclusion, mobility regulation, and the new meanings of security. Surveillance and Inequality, 5(3), 270-289. https://doi.org/10.24908/ss.v5i3.3424
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) identificou que o aparato jurídico brasileiro passou a refletir o discurso estadunidense não apenas com a permissão do uso de câmeras de segurança, mas a obrigatoriedade delas em diferentes espaços. Ainda segundo a pesquisadora, o uso extensivo de câmeras de videomonitoramento em São Paulo promoveu a privatização da segurança, mas também a segregação socioespacial de populações vulneráveis, indicando pela primeira vez como o uso do aparato tecnológico podia ser relacionado ao aumento da desigualdade, gentrificação e exclusão social.

A presença do aparato tecnológico no espaço urbano foi intensificada devido à presença do conglomerado militar-tecnológico (Graham, 2016Graham, S. (2016). Cidades Sitiadas: o novo urbanismo militar. São Paulo: Boitempo.) que se soma à presença cada vez mais extensiva de agentes privados capazes de determinar as dinâmicas urbanas por meio das privatizações ou da tácita permissão estatal de dispositivos privados nos espaços públicos (Firmino & Duarte, 2016Firmino, R. J., & Duarte, F. (2016). Private video monitoring of public spaces: The construction of new invisible territories. Urban Studies, 53(4), 741-754. https://doi.org/10.1177/0042098014567064
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).

A adesão à ideia de smart city, urbanismo inteligente ou mesmo incorporação fragmentada de tecnologias digitais nas cidades baseia-se: 1- na política econômica neoliberal que pressupõe a austeridade que empurra as cidades à privatização, às parcerias público-privadas e às concessões de serviços; à desregulamentação dos atores privados; e à redução de impostos (Greenfield, 2013Greenfield, A. (2013). Against the smart city. New York City: Do projects.); 2- a dataficação, que consiste na massiva coleta, armazenamento e processamento de dados para quantificar as interações sociais e; 3- o dataísmo, que consiste em “a belief in the objectivity of quantification and in the potential of tracking all kinds of human behavior and sociality through online data” (Van Dijck, 2014Van Dijck, J. (2014). Datafication, dataism and dataveillance: Big Data between scientific paradigm and ideology. Surveillance & Society, 12(2), 197-208., p. 201). Nas cidades, a adesão à dataficação justifica-se na argumentação de que a coleta massiva de dados, ou urbanismo inteligente, permite a maior eficiência dos serviços e processos e contribui na tomada de decisão da gestão pública (Firmino & Duarte, 2016Firmino, R. J., & Duarte, F. (2016). Private video monitoring of public spaces: The construction of new invisible territories. Urban Studies, 53(4), 741-754. https://doi.org/10.1177/0042098014567064
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). No entanto, Greenfield (2013) argumenta que esse modelo de adesão às tecnologias visa, exclusivamente, o benefício dos gestores enquanto “os cidadãos, em geral, estão ausentes dessas visões, exceto como geradores de dados e, talvez, como consumidores indiferenciados desse “derradeiro estilo de vida urbano” (tradução nossa, não p.).

A coleta de dados permite a quantificação dos processos e ações sociais que atualmente é celebrada na política neoliberal (Morozov & Bria, 2020Morozov, E., & Bria, F. (2020). A cidade Inteligente: Tecnologias urbanas e democracia (vol. 1). São Paulo: Editora UBU.), no entanto, esse resultado só é possível com o crescente mercado de dados pessoais, rompendo as barreiras da privacidade construída lentamente no século XX baseada nos ideais do liberalismo, como a individualidade. O mercado de dados surge atrelado às práticas do mercado financeiro (Silveira, 2017Silveira, S. A. (2017). Tudo sobre tod@s: redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais. São Paulo: Edições Sesc São Paulo.) de forma que a transferência dessa prática às cidades, também dominadas pela financeirização há décadas, não é uma surpresa.

Os dados pessoais permitem formar padrões e perfis de comportamento e de consumo, os quais, por sua vez, asseguram a formulação de estratégias de atração e de aprisionamento das atenções para a condução das escolhas em guias de modulação para nossa atuação. (Silveira, 2017Silveira, S. A. (2017). Tudo sobre tod@s: redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais. São Paulo: Edições Sesc São Paulo., p. 46).

Além disso, o mercado de dados consolidou seus maiores beneficiários, as plataformas globais. Partindo de origens distintas, o que define uma plataforma é a capacidade de oferecer interfaces digitais para um conjunto de atividades ou para alguns segmentos do mercado. A partir dessas interfaces se estruturam serviços que acabam por controlar tanto a oferta quanto a demanda de produtos e serviços (Srnicek, 2017Srnicek, N. (2017). Platform capitalism. New York: John Wiley & Sons.). A presença das plataformas digitais no espaço urbano é notória quando falamos da Uber e de aplicativos como Waze, que alteram os deslocamentos, o comportamento e o cotidiano da vida nas localidades, bem como do mecanismo de busca do Google que captura os humores das populações das diversas localidades, a partir da observação algorítmica de suas preocupações, necessidades e desejos sem que haja clareza sobre o conteúdo dos algoritmos em decorrência da proteção aos segredos industriais que mantêm esses códigos inacessíveis pela sociedade e governos (Silveira, 2017Silveira, S. A. (2017). Tudo sobre tod@s: redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais. São Paulo: Edições Sesc São Paulo.). Assim, grande parte dos dispositivos de dataficação urbanos são extratores de dados que alimentam essas plataformas globais e geram fluxos de informações que transferem valor dos grandes centros urbanos do Sul para o Norte, comprometendo a soberania das cidades.

A soberania diante da modulação das condutas à reconfiguração das cidades

Em abril de 2017, a consultoria Statista divulgou dados obtidos das plataformas que permitem estimar as dimensões da conversão dos fluxos da vida em dados (Van Dijck, 2014Van Dijck, J. (2014). Datafication, dataism and dataveillance: Big Data between scientific paradigm and ideology. Surveillance & Society, 12(2), 197-208.). A rede social Facebook, até 2016, armazenava 300 milhões de gigabytes de dados de seus usuários. Isso corresponde a 126 livros digitais para cada integrante ativo da rede de relacionamento social o que implica o armazenamento de 153 megabytes em informações para cada usuário. No mesmo ano, o Google recebeu 59.141 solicitações de pesquisa em um único dia (Statista, 2017).

Shoshana Zuboff afirma que o capitalismo atual “reivindica a experiência humana como matéria-prima gratuita para práticas comerciais ocultas de extração, previsão e vendas” (Zuboff, 2021, p. 1). Os dados coletados servem para formar perfis de comportamento, consumo e de práticas culturais e políticas. Eles alimentam os sistemas de Inteligência Artificial, uma vez que os dados servem para treinar algoritmos de aprendizado de máquina e aprendizado profundo para classificar perfis, formar padrões e realizar predições. Os fenômenos ocorrem como se realizassem o que foi escrito por Deleuze, ainda nos anos 1990, “o que conta não é a barreira, mas o computador que detecta a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma modulação universal” (Deleuze, 1992, p. 225).

Os dados são extraídos da cidade pelas plataformas a partir dos diversos dispositivos de comunicação, celulares, computadores, roteadores, assistentes pessoais inteligentes, entre outros, e armazenados em servidores fora da localidade e, até mesmo, do país, como o Google, que conta com sete data centers nos Estados Unidos e um na Finlândia, onde concentram os dados coletados em todos os demais países nos quais estão presentes. A política de Privacidade do Google expõe de modo inconfundível que “suas informações podem ser processadas em servidores localizados fora do país em que você vive. As leis de proteção de dados variam dependendo do país, sendo que algumas oferecem mais proteção que outras”1 1 Política de Privacidade do Google. 2021. Recuperado em 10, agosto, 2021, de https://policies.google.com/privacy?hl=pt-BR. .

O que significa para os residentes de uma cidade que seus dados sejam extraídos, alocados, cruzados e projetados em experimentos de modelagem probabilística fora do seu controle e da própria legislação do seu país? Como os dados controlados pelas plataformas fora da jurisdição em que vivem os cidadãos estão sendo alocados para gerar condutas nos espaços urbanos é uma pergunta que exigiria uma maior transparência da operação dessas grandes corporações de tecnologia. As perguntas sobre o poder e controle dos dados e seus dispositivos remetem à questão da soberania.

A noção de soberania alterou-se profundamente desde o momento em que Jean Bodin, em 1576, publicou “Os Seis Livros da República”, até a atualidade. Bodin definiu o poder soberano como perpétuo e indivisível, sendo o poder absoluto de uma República (Bodin, 1967). Assim, a soberania com Bodin será comprometida com o poder absolutista. Maquiavel (1983Maquiavel, N. (1983). O Príncipe: Escritos políticos (3a ed.). São Paulo: Abril Cultural.) já havia tratado do tema da soberania em seus escritos, mas não havia buscado construir uma teoria da soberania, como fizera Bodin. Com ele, um longo e persistente debate foi se desenvolvendo na Teoria Política em torno das características fundamentais do poder do Estado, em que a noção de soberania aparece e se consolida como indispensável. Será tratado por Hobbes, Locke, Rousseau, Montesquieu, Hegel, entre outros.

O termo soberania será desvinculado do absolutismo e permanecerá como o poder que o Estado deve possuir sobre um dado território e sobre uma população. Mas as teorias democráticas lançaram a necessidade de o poder soberano residir nas decisões da maioria do povo, fonte da soberania dos Estados democráticos. Além disso, a noção de soberania vai adquirir outras dimensões, não exclusivamente vinculadas ao Estado.

Durante o século XX, a questão da soberania como algo decidido exclusivamente no terreno do poder político é abalada pelas perspectivas que advogam a interdependência econômica e fenômenos como a globalização que passam a afetar e a criar novas definições do termo. Segundo Steven Globerman (1978Globerman, S. (1978). Canadian science policy and technological sovereignty. Canadian Public Policy/Analyse De Politiques, 4(1), 34-45., p. 43), em 1967, o Conselho de Ciência do Canadá apresentou o termo soberania tecnológica como algo indispensável para aumentar e controlar a capacidade de criar tecnologias como elemento da soberania nacional.

As transformações sociotécnicas e econômicas advindas da emergência das tecnologias de informação e comunicação (TICs), o avanço das máquinas cibernéticas, a expansão da Internet, serão a base do surgimento de novas abordagens da soberania e do uso da expressão soberania digital. Quando os Estados Unidos aprovam o Communications Decency Act de 1996 para controlar a pornografia e outros conteúdos na Internet, John Perry Barlow lança “A Declaration of the Independence of Cyberspace” que, além de popularizar a expressão "ciberespaço" retirada da ficção Neuromancer, de Willian Gibson, defendeu a ideia de que o espaço virtual poderia ter sua existência desconectada dos Estados:

Governments of the Industrial World, you weary giants of flesh and steel, I come from Cyberspace, the new home of Mind. On behalf of the future, I ask you of the past to leave us alone. You are not welcome among us. You have no sovereignty where we gather (Barlow, 1996Barlow, J. P. (1996). A Declaration of the Independence of Cyberspace. Recuperado 11 de maio, 2021 de https://www.eff.org/cyberspace-independence.
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, não p.).

Essa proposição é criticada por diversos pesquisadores. No Brasil, a dissertação “Poder no Ciberespaço” conclui que quem controla a infraestrutura física da Internet pode controlar os fluxos informacionais (Silveira, 2000Silveira, S. A. (2000). Poder no ciberespaço: o Estado-nação, a regulamentação e o controle da Internet (Dissertação de mestrado). Departamento de Ciência Política, Universidade de São Paulo, São Paulo.). Portanto, tanto Estados nacionais como corporações que provêm acesso à internet teriam capacidade de submeter os territórios ao seu domínio, gerenciamento ou autoridade.

O crescimento das corporações tecnológicas e seus modelos de patenteamento de algoritmos e softwares, bem como a crescente concentração das atenções em alguns polos ou nós da internet, vai descortinando novas faces do poder comunicacional e tecnológico que concentra simultaneamente fluxos econômicos em países inventores e controladores das tendências tecnológicas. Assim, ativistas e desenvolvedores de software livre vão descolar o termo soberania da ideia de Estado, tratando a soberania como a faculdade e o poder das sociedades e populações locais de utilizarem tecnologias, principalmente softwares, que possam controlar e exercer sobre eles o poder último de definição de seus usos, de suas mudanças, de condicionar seus efeitos nas comunidades e indivíduos (Bria, 2017Bria, F. (2017). Public policies for digital sovereignty. In T. Scholz, N. Schneider (eds.), Ours to Hack and to Own: The Rise of Platform Cooperativism, A New Vision for the Future of Work and a Fairer Internet. (1a ed. p. 218-222). New York/London: OR Books.; Pinto, 2018Pinto, R. A. (2018). Soberania Digital ou Colonialismo Digital? Novas tensões relativas à privacidade, segurança e políticas nacionais. Sur - Revista Internacional de Direitos Humanos, 15(27), 15-28.).

A interpretação de soberania como autodeterminação, como capacidade de quem é capaz de determinar o seu próprio caminho apresentada como um poder coletivo não necessariamente estatal e até mesmo individual fortalece o uso da noção de soberania de dados. Com a eclosão, no início do século XXI, de modelos de negócios baseados na oferta de interfaces e serviços gratuitos para obter dados dos usuários, corporações digitais passaram a controlar diversas atividades culturais e inúmeros segmentos do mercado. O capitalismo de dados será uma realidade nomeada por Shoshana Zuboff de capitalismo de vigilância (2015Zuboff, S. (2015). Big other: surveillance capitalism and the prospects of an information civilization. Journal of Information Technology, 30(1), 75-89.) e definida por Nick Srnicek de capitalismo de plataforma (2017Srnicek, N. (2017). Platform capitalism. New York: John Wiley & Sons.). A reação a essa leitura da realidade em que os comportamentos e as ações são capturados por dispositivos que a convertem em dados a ser extraídos indica a necessidade de considerar a nova concepção de soberania.

A soberania de dados pode ser definida como o poder que uma comunidade, coletivo ou indivíduo tem de exercer o controle sobre a conversão de suas ações em informações, bem como de autorizar ou não o processamento, cruzamento, armazenamento e utilização desses dados. Assim, os fluxos de dados passam a ser uma questão de soberania como autodeterminação não somente individual, mas também coletiva. Nesse sentido, as cidades passam a ser espaços de reivindicação da soberania de dados.

Metodologia de levantamento de dispositivos de dataficação urbanos em São Paulo

Considerando o cenário da cidade de São Paulo com uma adesão crescente aos dispositivos de tecnologia de informação e comunicação, tanto na esfera pública quanto privada, e a ausência de levantamentos prévios que nos permitissem desenvolver esse estudo relacionando dados empíricos com os estudos de dataficação observou-se a necessidade de realizar esse mapeamento exploratório do cenário de forma a reconhecer como a cidade de São Paulo atualmente posiciona-se nessa tendência, verificando quais dispositivos presentes na cidade têm potencial técnico-informacional para interferir nos processos urbanos e comprometer a soberania.

O levantamento dos dispositivos de dataficação incluiu buscas nos repositórios dos sites da Prefeitura de São Paulo2 2 https://www.prefeitura.sp.gov.br/, recuperado em 10 de fevereiro, 2021. e da Capital3 3 http://www.capital.sp.gov.br/, recuperado em 10 de fevereiro, 2021. utilizando os termos “smart city”, “cidade inteligente” e “tecnologia”, sendo considerados todos os projetos noticiados pelo canal oficial da Prefeitura entre 2017 e 2020 e excluindo iniciativas de compra de equipamentos, eventos ou áreas não específicas do meio urbano, como saúde e educação. No caso do uso do termo tecnologia optou-se por uma nomenclatura mais genérica que viabilizasse resultados de diferentes segmentos da administração municipal, como educação, saúde, zeladoria, eventos, segurança pública, transporte, mobilidade e outros, sendo a seleção realizada em momento posterior de acordo com os critérios da pesquisa. Posteriormente, dos 33 dispositivos identificados nesse levantamento, considerando o intervalo de 2017-2020, que corresponde à gestão João Doria (2017-2018) e Bruno Covas (2018-2020), ambos do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), dez foram inclusos na tabela final, considerando o potencial de transformação na urbanidade e/ou mobilidade, além da constatação da coleta de dados dos cidadãos como elemento central à operação do dispositivo.

Foram inclusos ainda dispositivos resultantes de pesquisas em canais de comunicação da imprensa digital (Folha de S. Paulo, Estadão, Veja e G1), lojas oficiais de vendas de aplicativos (App Store e Play Store) e levantamentos acadêmicos4 4 Gebresselassie, M., & Sanchez, T.W. (2018). “Smart” Tools for Socially Sustainable Transport: A Review of Mobility Apps. Urban Sci, 2(2), 45, 1-10. https://doi.org/10.3390/urbansci2020045; Morozov & Bria (2020); entre outros. . Nessa pesquisa utilizaram-se termos como “aplicativo de transporte”; “aplicativo de entrega”; “mobilidade”; “hospedagem”; e “tecnologias digitais”. Os resultados foram filtrados visando identificar aplicativos de fato relacionados aos processos urbanos de transporte individual ou coletivo, plataformas e coleta de dados. Dessa forma, mais de 90 dispositivos foram convertidos em 25, considerando critérios de inclusão/exclusão como: disponibilidade na cidade de São Paulo; grau de adesão dos usuários; recorrência na literatura especializada; plataformas representativas analiticamente de uma categoria de serviço; e coleta e análise de dados como base à operação do dispositivo. Como resultado, obtivemos tabela com 35 dispositivos, sendo dez deles originados na gestão pública e 25 de empresas privadas, concessionárias (como SPTrans e CPTM) ou condomínios5 5 A característica fragmentada de “condomínios” dificulta a presença de tais dispositivos em análises do tipo. No entanto, dada a relevância e alcance do fenômeno, incluindo na literatura especializada, como Caldeira (2016), observou-se a importância de adicioná-lo como um grupo representativo. .

Tabela 1
Levantamento de dispositivos de dataficação urbanos

Os dispositivos foram classificados entre aqueles nos quais a coleta de dados poderia ser detectada ou não levando em consideração o modus operandi do aplicativo ou tecnologia em si. Dessa forma, os únicos dispositivos que não tem sua operacionalização baseada na coleta de dados são os aplicativos Metrô de São Paulo Oficial, que divulga apenas os dados referentes à operação das linhas metroviárias, e o Bilhete digital QR Code, desde que acessado em terminais nas estações, pois a opção no smartphone do passageiro também exigirá dados sensíveis como nome, telefone e CPF, e o Geosampa, que apesar de não se basear em coleta de dados pessoais reforça a lógica da dataficação no espaço urbano como fonte de conhecimento e tomada de decisão. Verifica-se assim, que as aplicações baseiam-se, quase que em sua totalidade, na coleta de dados dos usuários para operacionalização do serviço-base do dispositivo, reafirmando a lógica da dataficação.

Uma avaliação dos dispositivos de dataficação urbanos mapeados

Observou-se a elevada capilaridade dos dispositivos mapeados, com presença em diferentes segmentos da vida cotidiana, iniciativas públicas e privadas e empresas nacionais e estrangeiras, sendo que tais fatores impedem a análise individual de cada um no âmbito deste artigo. No entanto, essa mesma característica gera reflexões sobre a difusão e expansão desse fenômeno, incluindo sua segmentação por área:

Figura 1
Classificação, por área, dos dispositivos de dataficação mapeados. Gráfico com a divisão setorial dos dispositivos mapeados, sendo mobilidade, segurança, entregas/trabalho, estadia, avaliação, conexão, mapas e outros.

Observa-se, assim, uma predominância dos aplicativos na categoria mobilidade, em um total de 15 dos 35 dispositivos levantados. Essa maioria, no entanto, não é inesperada, visto que as soluções de mobilidade estão entre aquelas mais presentes no cotidiano urbano e, especialmente, são foco de diferentes práticas, desde aplicativos de trajetos até modernização dos sistemas de transporte público, como por meio do Bilhete Único Digital. Menos esperada é a extensa presença dos dispositivos de segurança pública, destacando-se o fato de que todos eles são iniciativas público-privadas da Prefeitura de São Paulo. Dispositivos como biometria e câmeras de segurança de condomínios poderiam, ambos, ser classificados em segurança, mas optou-se por colocá-los em estadia devido à natureza dos agentes responsáveis, no entanto, como apontam Firmino e Duarte (2016Firmino, R. J., & Duarte, F. (2016). Private video monitoring of public spaces: The construction of new invisible territories. Urban Studies, 53(4), 741-754. https://doi.org/10.1177/0042098014567064
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), a ostensiva presença do monitoramento de agentes privados sobre o espaço público não deve ser desconsiderada como uma questão crescente que ganha anuência velada do poder público e transfere aos entes particulares a responsabilidade da segurança pública (Kanashiro, 2008Kanashiro, M. M. (2008). Surveillance Cameras in Brazil: exclusion, mobility regulation, and the new meanings of security. Surveillance and Inequality, 5(3), 270-289. https://doi.org/10.24908/ss.v5i3.3424
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), comprometendo a liberdade de mobilidade e permanência nos espaços públicos.

Destaca-se, por meio desses dados, a ampliação da lógica da cidade enquanto mercadoria, uma vez que dos 35 dispositivos mapeados, 25 deles são oriundos de empresas privadas que têm um comprometimento direto com o lucro. A privatização dos serviços urbanos não é uma constatação nova na literatura, no entanto, observa-se que a transformação digital na cidade caminha para potencializar essa característica mesmo em segmentos nos quais o poder público tinha uma participação significativa no direcionamento do curso dos eventos, como é o caso do transporte e mobilidade. Serviços como da Uber e do Waze já alteram expressivamente os fluxos do tráfego no espaço urbano (Macfarlane, 2019Macfarlane, J. (2019). When apps rule the road: The proliferation of navigation apps is causing traffic chaos. It's time to restore order. IEEE Spectrum, 56(10), 22-27. https://doi.org/10.1109/MSPEC.2019.8847586
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), deixando de ser prerrogativa do planejamento urbano a definição do tráfego considerando a capacidade das vias. Outro exemplo de como a gestão pública urbana perde ingerência no espaço urbano é o crescimento da adesão aos serviços da Grow Mobility Inc. e semelhantes, como os serviços de aluguel de patinetes que demandou uma alteração na legislação da capital paulista que tramitou às pressas, em 2019, visando atender um cenário não previsto pelos entes públicos, mas que resultou em uma nova forma de deslocamento no centro da cidade e, consequentemente, nos fluxos do trânsito. Mesmo a regulamentação de práticas como da Uber também passou por uma tramitação legislativa apenas após a operação dos serviços na cidade, levando a empresa a mobilizar usuários e motoristas em prol de uma lei mais favorável ao modelo de negócio da companhia sob a ameaça de deixar de operar no país.

Tais serviços, entretanto, transformam a espacialidade com a prerrogativa do privado, de forma que o deslocamento com Uber, com o carro individual seguindo o trajeto determinado pelo Waze ou mesmo de patinete elétrico é uma possibilidade apenas para um grupo e não influi na democratização do espaço urbano, pois mantém a lógica segregacionista, considerando a geografia, no sentido de que bairros afastados mantêm os mesmos desafios e dilemas relacionados ao transporte lento, precário e majoritariamente dependente do sistema público, mas também excludente no sentido de que a renda é um determinante para acesso aos novos meios de deslocamento na cidade baseados em dispositivos dataficados. Observa-se, como argumenta Harvey (2014Harvey, D. (2014). Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana (vol. 4). São Paulo: Martins Fontes.), que mesmo a qualidade de vida urbana torna-se uma mercadoria, pois o acesso aos serviços depende diretamente do poder de compra do usuário.

A adesão massiva aos dispositivos dataficados, sejam os privados no qual o próprio usuário faz essa escolha instalando a aplicação no celular ou os públicos, nos quais a vigilância estende-se sobre toda a população, também reflete uma adesão à lógica do dataísmo que exalta neutralidade e onisciência dos dados sem avaliação crítica e segmentada de quais dados, de fato, deveriam ser coletados (Van Dijck, 2014Van Dijck, J. (2014). Datafication, dataism and dataveillance: Big Data between scientific paradigm and ideology. Surveillance & Society, 12(2), 197-208.). No dataísmo há a ampliação do uso dos dados em todos os segmentos da vida, partindo do pressuposto que mais dados necessariamente implicam mais conhecimento ou melhores decisões. Para Silveira (2017Silveira, S. A. (2017). Tudo sobre tod@s: redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais. São Paulo: Edições Sesc São Paulo.) o que se observa é a tentativa, insistente, de reduzir o que é entendido como privacidade, esvaziando seu sentido e respaldo legal. Parte desse discurso sobrepõe o interesse público ao direito individual (Couldry & Yu, 2018Couldry, N., & Yu, J. (2018). Deconstructing datafications's brave new world. New media & society, 20(12), 4473-4491.) de forma que cada cidadão tenha como compromisso ético dispor dos seus dados pessoais visando o interesse comum de uma sociedade dataficada, que promete, entre outros resultados, o aumento do conhecimento e da inteligência social, o empoderamento por meio da informação e o bem-comum; no entanto, tais expectativas chocam-se com os resultados que efetivamente estão sendo desvelados pelos estudos críticos sobre a cidade dataficada (ver Greenfield, 2013Greenfield, A. (2013). Against the smart city. New York City: Do projects.; Firmino & Duarte, 2016Firmino, R. J., & Duarte, F. (2016). Private video monitoring of public spaces: The construction of new invisible territories. Urban Studies, 53(4), 741-754. https://doi.org/10.1177/0042098014567064
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; Graham, 2016Graham, S. (2016). Cidades Sitiadas: o novo urbanismo militar. São Paulo: Boitempo.). Como parte desse processo, verifica-se o debate público irrisório quanto à adoção dos sistemas dataficados públicos, que deveriam passar por um crivo social antes da implementação, e mesmo da legislação relativa aos aplicativos privados, uma vez que se desconsidera como tais mecanismos podem influenciar a vida urbana no longo prazo.

O aspecto determinante da dataficação não é o uso posterior dos dados coletados, mas sim a coleta de dados em si que viabiliza a existência e consolidação de um mercado global de dados pessoais. Esse fenômeno, que se manifestou inicialmente no ambiente digital, chega à esfera offline, mas as big techs, como o Google, Microsoft e Amazon, se mantêm como as empresas que melhor conseguem explorar o universo da coleta de dados que, como destacam Snircek (2017), não é apenas mais uma vertente operacional dessas companhias, mas consiste na essência do modelo de negócio dessas plataformas.

No que diz respeito aos dispositivos dataficados públicos, eles demonstram alinhamento com a lógica dataficada do dataísmo caminhando no sentido de uma cidade digitalizada e mercantilizada. O que se observa em São Paulo é uma adesão fragmentada das tecnologias, sem um plano concreto que direciona as iniciativas da gestão pública, mas sim com adesão às opções disponibilizadas pelas companhias privadas. Um exemplo é o programa Dronepol6 6 Veja. (2017). Doria lança Dronepol, ação de monitoramento da cidade com drones. Recuperado 07 de maio, 2021, de https://veja.abril.com.br/blog/maquiavel/doria-lanca-dronepol-acao-de-monitoramento-da-cidade-com-drones/ que teve início em 2017 com a doação de cinco drones pela empresa chinesa Dahua Technology e PGIDB, em um custo estimado em R$ 650 mil, além da doação de suporte no valor de R$ 150 mil pela startup israelense Airobotics. Visto que foi uma doação, não houve debate público em torno da implementação do programa ou mesmo competição em um edital aberto.

Observa-se ainda que a coleta de dados urbanos pelas empresas, seja por suas tecnologias próprias ou por parcerias púbico-privadas (PPP), aumenta o conhecimento das companhias sobre as demandas urbanas, motivando a criação de novas práticas que serão, posteriormente, ofertadas ao poder público. Dois exemplos nesse sentido: a parceria entre Prefeitura, Governo do Estado e Microsoft para digitalização do programa Bom Prato durante a pandemia da Covid-19 na qual a empresa estadunidense ofertou seus serviços para coleta e armazenamento dos dados dos moradores sem-teto da Capital nos sistemas da corporação, com o cadastramento sendo executado por agentes públicos; a tecnologia Plus Codes, da Google, ofertada ao Governo do Estado de São Paulo, em edital sem concorrente, no qual o objetivo é usar a tecnologia de georreferenciamento da gigante de tecnologia para definir códigos geográficos em áreas rurais ou comunidades urbanas superpovoadas. No caso do Plus Codes, o Governo exalta que a parceria não implicará custos aos cofres públicos, no entanto, como argumentado por diferentes autores, o próprio dado é a matéria-prima de valor para essas empresas.

As cidades se colocam em uma posição perigosa de dependência que inevitavelmente voltará para cobrar a fatura. Afinal, o Google não está coletando dados apenas para ajudá-las a vender anúncios [...]. Mais precisamente, os dados são necessários apenas para acelerar o desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial e para ajudar o Google a automatizar processos que dependem de interação humana [...] (Morozov & Bria, 2020Morozov, E., & Bria, F. (2020). A cidade Inteligente: Tecnologias urbanas e democracia (vol. 1). São Paulo: Editora UBU., p. 67).

No caso dos programas da Prefeitura de São Paulo, verifica-se ainda a ostensiva presença de dispositivos de vigilância associados à área de segurança pública. O exemplo do City Câmeras é representativo, pois integra na mesma plataforma de imagens sistemas públicos e privados de videomonitoramento. No caso de São Paulo, podemos entender não apenas como anuência estatal, mas também incentivo a uma rede privada de vigilância ilegítima (Firmino & Duarte, 2016Firmino, R. J., & Duarte, F. (2016). Private video monitoring of public spaces: The construction of new invisible territories. Urban Studies, 53(4), 741-754. https://doi.org/10.1177/0042098014567064
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), uma vez que esse mecanismo passa a integrar uma política pública de segurança. Em dezembro de 2020 eram 3.521 câmeras conectadas7 7 Dados obtidos por meio de contato direto com a Secretaria de Municipal de Segurança Urbana da Prefeitura de São Paulo em 07 de maio, 2021. com o objetivo de “inibir a ação de criminosos e aumentar a segurança e o bem-estar da população”, além de “detectar, prevenir e reagir a situações de emergência, ocorrências e manutenção do espaço público”8 8 Prefeitura de São Paulo. Portal City Câmeras São Paulo. Recuperado em 07 de maio, 2021, de https://www.citycameras.prefeitura.sp.gov.br/ .

É significativa, tanto na operacionalização dos dispositivos públicos quanto dos privados, a perda de autonomia decisória e privacidade por parte da sociedade civil. Os dados coletados pelo poder público carecem de transparência quanto aos processos de coleta, processamento e armazenamento, pois diferentes etapas são desempenhadas por agentes privados, que muitas vezes também apresentam a tecnologia que anteriormente não era cotada pela gestão pública. Além disso, o próprio programa City Câmeras não conta com anonimizador, sendo possível identificar pessoas e veículos e acompanhar, em tempo real, a movimentação de trechos da cidade. Esse aspecto crítico à privacidade dos cidadãos soma-se à problemática da soberania de dados. Diferentes empresas armazenam os dados dos cidadãos em centros de tratamento fora do território brasileiro, incluindo em países nos quais a legislação local não aborda as prerrogativas da LGPD. Dois exemplos incluem a Uber que afirma que “a Uber opera e processa dados pessoais globalmente. Também podemos transferir dados para outros países além daqueles onde os usuários vivem ou usam os serviços da Uber”9 9 Uber. Aviso de Privacidade da Uber. Recuperado em 13 de novembro, 2021, de https://www.uber.com/legal/pt-br/document/?country=brazil⟨=pt-br&name=privacy-notice e também a 99:

O usuário entende e concorda que o seu uso e a prestação do serviço envolvem a coleta e utilização de informações e dados sobre o usuário [...], incluindo a transferência destas informações e dados para outros territórios, para fins de armazenamento, processamento e utilização pela 99, sua controladora e demais empresas do mesmo grupo econômico [...]10 10 99app. Termos de Uso Passageiro. Recuperado em 13 de novembro, 2021, de https://99app.com/legal/termos/passageiro/ .

Dessa forma, os dados dos usuários brasileiros podem ser transferidos a territórios fora da jurisdição nacional, inviabilizando a contestação e transparência quanto a como esses dados são processados, armazenados e usados, comprometendo assim a soberania de dados. Tanto os Estados Unidos, matriz da Uber, quanto a China, matriz da 99, têm políticas de dados incompatíveis com a LGPD. Nesse sentido, observa-se que 16 dos 25 dispositivos dataficados privados mapeados são tecnologias oriundas de outros países e, como visto, elas também estão presentes nas tecnologias usadas pela gestão municipal.

O que se observa é que essa forma de operação das corporações está protegida pela lógica neoliberal de preservação dos segredos industriais somada, no caso das big techs, à ofuscação técnica, pela qual se difunde a ideia de que o sigilo dos algoritmos é fundamental à competitividade das companhias, tornando esses processos opacos com anuência da sociedade e dos Estados. Como já argumenta Silveira (2017Silveira, S. A. (2017). Tudo sobre tod@s: redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais. São Paulo: Edições Sesc São Paulo.) há uma perda da privacidade dos indivíduos e resguardo ao sigilo das operações corporativas e governamentais.

No fim, o argumento de Greenfield (2013Greenfield, A. (2013). Against the smart city. New York City: Do projects.) de que a cidade digitalizada serve mais aos interesses da burocracia estatal e das grandes corporações ganha respaldo nessa breve análise na qual foi possível constatar que a incorporação tecnológica na cidade de São Paulo: 1 - carece de transparência junto à sociedade civil, independentemente de serem dispositivos públicos ou privados; 2 - aumenta a ingerência pública sobre os processos urbanos, ampliando a influência de companhias privadas e comprometendo a soberania municipal e tecnológica; 3 - atende interesses privados alinhados à lógica neoliberal e servindo à privatização e mercantilização do espaço urbano.

Considerações finais

O geógrafo Milton Santos nos alertou que é comum nas diversas ciências que os conjuntos técnicos e as tecnologias não sejam considerados como parte do território (Santos, 2020). No entanto, atualmente, as implicações dos dispositivos de dataficação e das plataformas digitais são componentes das alterações do ambiente urbano dada a sua inserção nos diversos segmentos da vida citadina. O fato de os dispositivos, públicos e privados. operarem a partir da coleta de dados reacende uma das questões centrais deste levantamento, o papel da soberania de dados para que os cidadãos e a própria municipalidade possam ter o controle e poder sobre as ações convertidas em dados por meio de dispositivos e plataformas.

Entendemos que a soberania de dados é intrínseca à realização do direito à cidade, uma vez que a falta de controle sobre a coleta, armazenamento e processamento dos dados fará com que munícipes e gestores não possam exercer, de forma plena, o direito a decidir o que a cidade virá a ser. Atualmente, esse pressuposto repousa nas mãos do capital financeiro privado e alinhado às políticas excludentes do neoliberalismo, principalmente das gigantes de tecnologia que, por meio da coleta de dados e construção de perfis, adquirem o poder de direcionar comportamentos, além de que, com a intensificação da privatização dos serviços, cada vez mais, o acesso dependerá de entidades privadas e da renda familiar.

Seja por meio do urbanismo inteligente ou da adesão à smart city, a questão é que a coleta de dados é parte intrínseca desse modelo em ascensão de gestão da cidade. O presente levantamento objetivou entender como esse cenário desenrola-se na cidade de São Paulo, considerando uma rede de dispositivos públicos e privados que fazem a interceptação de dados como meio central ao seu mecanismo ou ao fornecimento de serviços. Verifica-se que, ainda que São Paulo não possa ser classificada como uma smart city, a cidade avança na adesão às plataformas digitais no meio público baseadas na quantificação da vida urbana.

Entendemos as limitações de discutir em profundidade os 35 dispositivos mapeados no levantamento, no entanto, o objetivo apresentado foi o de entender como São Paulo posiciona-se nesse contexto, sendo verificado que a cidade caminha de encontro à ampliação da dataficação urbana para o funcionamento de serviços públicos e privados, o que demanda novos e mais estudos sobre a temática. O mercado de dados é uma das bases do neoliberalismo atual que tem diferentes implicações no ambiente urbano. Dessa forma, identificamos que há uma multiplicidade de áreas e temáticas que surgem ao considerar os dispositivos de dataficação urbana de forma que esse fenômeno não pode ser totalmente compreendido sem remeter a estudos nas mais diversas áreas do conhecimento.

A extração de dados realizada pelo Poder Público, a partir de dispositivos criados e controlados por corporações transnacionais, bem como pelas plataformas digitais e empresas de seu ecossistema, afeta a soberania uma vez que retira dos cidadãos e das instituições democráticas da cidade as possibilidades de autodeterminação e de controle de suas informações que foram extraídas e convertidas em elementos quantificados. Além de limitar o poder das pessoas e da cidade ao controlar suas expressões dataficadas, os dispositivos restringem e, muitas vezes, bloqueiam as possibilidades de desenvolvimento de soluções tecnológicas locais, em especial, de estruturas de inteligência artificial inventadas e aperfeiçoadas pelos viventes na cidade, mostrando-se, mais uma vez, incompatível com o direito à cidade. Dessa forma, questionamos a viabilidade da manutenção da sobreposição dos interesses privados aos interesses comunitários, uma vez que o mercado de dados e a incorporação tecnológica nas cidades consistem em uma reformulação sem precedentes dos processos sociais e urbanos. Aqui é possível ressaltar duas necessidades: a de tratar os dados como elementos também coletivos e necessários à vivência e à gestão do espaço urbano, e a de elevar a noção de soberania de dados como fundamental à construção de uma política urbana que não se renda ao neoliberalismo embalado pelas plataformas privadas.

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Editado por

Editor responsável:

Rodrigo Firmino

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2021
  • Aceito
    06 Dez 2021
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