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A Pesquisa como Prática Social: um Estudo sob a Perspectiva Bourdieusiana

Research as a Social Practice: a Study under Bourdieu’s Perspective

Resumos

Este trabalho buscou compreender a prática de pesquisa em ciências agrárias, realizada dentro de uma organização pública de pesquisa no Brasil, sob a perspectiva bourdieusiana. Neste sentido, resgatou-se a constituição histórica da prática, contemplando o contexto político e científico de sua criação. Em seguida, foram investigadas características distintivas entre seus agentes e manifestação de disputas com intuito de influenciar a pesquisa. A partir disso, identificaram-se os capitais em jogo e as estratégias de manutenção e subversão da ordem estabelecida no campo. Como estratégia metodológica utilizou-se duas leituras sobre o campo, a primeira privilegiou aspectos objetivos, como os dispostos em documentos, normas e estrutura. A segunda enfocou aspectos subjetivos, retirados das opiniões e visões dos agentes. A partir de uma abordagem circular de pesquisa, verificou-se a grande influência de outros campos no ordenamento da prática e uma hierarquia de capitais calcada principalmente no acúmulo de redes sociais, recursos burocráticos (cargos), financeiros e científicos.

Pesquisa Científica; Prática Social; Bourdieu; Campo; Jogos Sociais


The purpose of this study is to understand the practice of agricultural scientific research conducted by a public research organization in Brazil, from the perspective of Pierre Bourdieu’s reflexive sociology. It also examines the historic constitution of the practice, covers the political and scientific context of its creation, and investigates the distinguishing features between its agents and the manifestation of disputes that intend to influence the research. As a methodological strategy for identifying the capital at stake and the maintenance and subversion strategies of the established order in the field, two readings are applied. The first focuses on objective aspects, as presented in various documents, rules, and structures, while the second focuses on subjective aspects drawn from the views and opinions of the agents. Based on the circular approach, it was found that there was a significant influence from other fields when ordering the practice as well as a hierarchy of capital, particularly in the accumulation of social networking, bureaucratic (positions), financial, and scientific resources.

Scientific Research; Social Practice; Bourdieu; Field; Social Games


Introdução

Os estudos sobre a prática científica têm progredido a partir das últimas décadas do século XX. Alguns destes estudos concluíram que fazer ciência não se configura apenas na manipulação técnica e neutra dos fatos científicos. Envolve uma construção social cotidiana destes fatos em situações marcadas por jogos complexos de relações políticas e simbólicas. Constituído ao longo de uma história, esse jogo social que envolve a tessitura dos fatos científicos se utiliza de recursos retóricos, de estratégias de formação de alianças, da mobilização de capitais, da manutenção de uma ordem ou mesmo da sua subversão, de um conjunto de disposições e lógicas próprias de ação e até mesmo das circunstâncias (FLECK, 1986FLECK, L. La genesis y el desarrollo de un hecho científico. Madrid: Alianza Universidad, 1986.; KUHN, 1975KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975.; BOURDIEU, 1983BOURDIEU, P. O campo científico. In: ORTIZ, R. (Org.).Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. cap. 4, p. 122-155. (Coletânea grandes cientistas sociais, 39).; BLOOR, 1976BLOOR, D. Knowledge and social imagery. London: Routledge, 1976.; LATOUR; WOOLGAR, 1997LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.; LYNCH, 1985LYNCH, M. et al. Art and artifact in laboratory science: a study of shop work and shop talk in a research laboratory. London: Routledge & Kegan Paul, 1985.; KNNOR-CETINA, 2001KNNOR-CETINA, K. Laboratory studies: historical perspectives. In:KNNOR-CETINA, K. International encyclopedia of the social & behavioral science. Amsterdam: Elsevier, 2001. p. 8232-8238.). O estudo das organizações produtoras de ciência e tecnologia possui uma grande relevância social, dada a centralidade que estas instituições ocupam na estrutura hodierna de produção de verdades socialmente legitimadas. Além disso, as reflexões sobre a ciência como prática social abrem novas perspectivas para a investigação de fenômenos peculiares relacionados como o fazer ciência na sociedade contemporânea.

No Brasil, algumas iniciativas neste sentido são valiosas, como é o caso do estudo sobre Manguinhos (unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz, localizada em Manguinhos no Rio de Janeiro) realizado por Cukierman (1998)CUKIERMAN, H. L. Journey (s) to Santos. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 5, n. 1, p. 35-56, 1998. e de outros mais recentes como os de Adriano Premebida (2008)PREMEBIDA, A. As biotecnologias e a politização da vida. 2008. 283 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008., sobre a produção e difusão de novas biotecnologias. Nesta direção, este estudo se propôs a compreender a pesquisa como prática social, tendo como objeto de investigação o campo que envolve a prática de pesquisa em ciências agrárias, dentro de uma organização pública brasileira. Criada na segunda metade do século XX, esta organização vive uma drástica renovação em seu quadro de pessoal, se depara com novas demandas sociais e com o ressurgimento de intensos debates paradigmáticos. Esse momento único por que passa possibilita uma observação privilegiada do jogo social que envolve e orienta a construção de sua prática científica. Neste sentido, utilizou-se a abordagem bourdieusiana para nortear as reflexões desenvolvidas neste trabalho: i) sobre algumas disposições para tessitura da pesquisa, herdadas pelo seu contexto de criação; ii) sobre as posições em campo e os principais capitais em jogo, ou seja, os que possibilitam maior influência sobre a pesquisa; e iii) sobre as estratégias de manutenção e subversão da ordem hierárquica destes capitais.

A proposta teórica de Bourdieu (1983BOURDIEU, P. O campo científico. In: ORTIZ, R. (Org.).Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. cap. 4, p. 122-155. (Coletânea grandes cientistas sociais, 39)., 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.; 1999BOURDIEU, P. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (Org.). PierreBourdieu: escritos de educação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 71-79.; 2004BOURDIEU, P. Usos sociais da ciência. São Paulo: Unesp, 2004.) contribui com uma compreensão ampla sobre a pesquisa como prática social, considerando tanto a estrutura (histórica, física, cultural, de regras, normas, metas, planos, programas, cargos e hierarquias) estruturada pelo pensamento de seus agentes, quanto essa mesma estrutura influenciando a subjetividade e a ação dos mesmos na prática de pesquisa. Além disso, a noção de posições trabalhada por Bourdieu (2008)BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2008. contempla uma particularidade da prática a ser estudada, qual seja um campo de lutas fortemente influenciado pelas forças do meio científico e político, possuindo como pano de fundo os conflitos existentes na agricultura brasileira. Sua noção de disposição permite resgatar a riqueza histórica da prática de pesquisa e sua influência na forma como é organizada e atualizada em sua práxis. A ideia de tomada de posição oferece ao estudo a possibilidade de conferir as escolhas entre estratégias de manutenção e subversão da ordem instituída para a pesquisa. Por fim, a abordagem praxeológica de Bourdieu possibilita também a superação de uma abordagem atomística da prática de pesquisa, ao considerar a complexidade do jogo social historicamente constituído que a envolve.

Para dar conta destes objetivos, foram realizadas duas leituras do campo social que envolve a pesquisa em estudo, conforme orienta Everett (2002)EVERETT, J. Organizational research and praxeology of Pierre Bourdieu. Organizational Research Methods, v. 5, n. 1, p. 56-80, 2002., a partir de uma abordagem qualitativa de pesquisa. A primeira leitura privilegiou os aspectos objetivos dispostos em documentos, normas, sites, na conformação do espaço físico e nas relações entre os agentes, observados e identificados ao longo de dois meses. A segunda leitura enfocou os aspectos subjetivos que envolvem a constituição da prática, investigados a partir das opiniões dos agentes em entrevistas ou nos grupos focais realizados por mais um mês, totalizando três meses de campo. Por fim, foram realizadas análises de conteúdo do material coletado nas duas leituras, compreendendo-as dialeticamente dentro de um movimento estruturado e estruturante.

Desta forma, pretendeu-se contribuir para os estudos sobre a prática científica a partir da análise sobre a forma particular que a pesquisa assume em uma organização pública brasileira com a esperança de também contribuir para processos reflexivos da instituição na definição de futuros caminhos. Este artigo pretende inicialmente realizar breve resgate das noções de habitus, campo e capitais presentes na praxeologia bourdieusiana, para em seguida realizar uma análise da prática em questão, localizando as principais disposições presentes, bem como algumas distinções entre os seus agentes e os capitais em jogo. Por fim, descreve-se a dinâmica do jogo a partir das estratégias em uso.

A praxeologia bourdieusiana

A prática social ocupa um lugar central na obra de Bourdieu (1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.; 2008BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2008.). Ele a compreende inserida em um campo social de conflito, marcado por posições distinguidas pelo conjunto de capitais acumulados pelos seus agentes. Para Bourdieu, a prática também se encontra inserida em um espaço de disposições, ou seja, um espaço constituído historicamente e que, portanto, traz em si uma memória que predispõe os agentes da prática a agir e pensar de determinada maneira. Por fim, esse campo social da prática também é um lugar de tomadas de posições, ou seja, de escolhas que são realizadas dentro de uma espécie de jogo social. O sujeito em Bourdieu é o indivíduo que age sobre sua realidade, constituindo-a, sendo, portanto, um agente. Entretanto esse agente é, ao mesmo tempo, influenciado por uma estrutura social, que molda seus esquemas mentais de percepção e divisão da realidade (BOURDIEU, 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.; 2002BOURDIEU, P. Sobre o poder simbólico. In: BOURDIEU, P. O poder simbólico. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. cap. 1, p. 7-16.). Este autor situa sua construção teórica no contexto específico e localizado da prática, a partir do desenvolvimento de três principais elementos: o campo, o capital e o habitus, que só podem ser plenamente compreendidos de forma relacional.

A noção de campo

O campo, segundo Bourdieu (2004)BOURDIEU, P. Usos sociais da ciência. São Paulo: Unesp, 2004., é um microcosmo de relações sociais no qual a prática está inserida. Esse microcosmo é um universo restrito de características próprias, mas que também se relaciona com outros campos, podendo estar submetido às normas sociais vigentes nesses outros campos ou refratando-as em certa medida. Neste sentido, sua capacidade de refração está associada ao grau de autonomia que possui. A natureza dessa autonomia depende da intensidade das pressões externas (seja sob a forma de leis, normas ou mesmo de rituais de entrada e consagração), e das resistências, ou “mecanismos que o campo aciona para se libertar dessas imposições [...] e reconhecer [...] suas próprias determinações internas”( BOURDIEU, 2004BOURDIEU, P. Usos sociais da ciência. São Paulo: Unesp, 2004., p. 21). Assim, quanto mais autônomo for um campo, maior sua capacidade de refratar as pressões externas, seja porque estas pressões são fracas, seja porque o campo desenvolve mecanismos eficientes na refração destas pressões. Por outro lado, quanto menor for a sua capacidade de refração, mais o campo se torna heterônomo. A heteronomia se manifesta no campo quando problemas de outros microcosmos sociais, principalmente problemas políticos, o impactam diretamente alterando suas próprias regras (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, P. Usos sociais da ciência. São Paulo: Unesp, 2004.; THIRY-CHERQUES, 2006THIRY-CHERQUES, H. R. Pierre Bourdieu: a teoria na prática.Revista de Administração Pública, v. 40, n. 1, p. 27-55, 2006.).

Bourdieu compara o campo a um jogo de tabuleiro, que possui um espaço designado, um conjunto de regras consensuadas, o interesse dos jogadores em participar do jogo e um sentido de jogo que orienta os jogadores em suas estratégias e jogadas. Como espaço designado ao jogo, o campo é o lugar específico da prática onde os agentes estabelecem as relações objetivas entre si, buscando se distinguir dos demais a partir do acúmulo de um conjunto de capitais que os posicionam no jogo e em relação a seus adversários. Assim, o campo é o espaço estruturado destas posições, podendo ser analisado como a estrutura objetiva destas posições (BOURDIEU, 1993). O conjunto de regras do jogo equivale à ordem consensuada do campo, ou seja, a doxa. A doxa é uma ortodoxia, uma visão correta sobre o mundo, “um ponto de vista particular das posições dominantes [do campo], que se apresenta [...] como ponto de vista universal” (BOURDIEU, 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996., p. 120). Sendo imposta por eles, “ao cabo de lutas contra visões concorrentes” (BOURDIEU, 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996., p. 119). Ela comanda a representação que os agentes fazem da prática e as suas próprias ações no jogo sob a forma de categorias de percepção, esquemas de pensamento e de classificação sobre a realidade. Neste sentido, ela valoriza o conjunto de capitais acumulados pelas posições dominantes do campo. Como por exemplo, a ideia de ciência como a única forma válida de saber, associada à noção de que para fazer ciência é necessário ser pesquisador e que para ser pesquisador é preciso ter títulos e cargos que habilitam o agente para a função.

A natureza da imposição da doxa aos participantes de um determinado campo assume um caráter simbólico. Ela é inculcada pelos agentes dominantes por meio de uma ‘autoridade pedagógica’ (AuP), ou seja, um grupo de especialistas que falam em nome da doxa, caracterizando-se por fazerem parte da ortodoxia. A AuP realiza um ‘trabalho pedagógico’ (TP), ou seja, um trabalho que realiza a inculcação e controle da ordem, se utilizando para isso de sistemas simbólicos (cargos, sistemas gerenciais, normas, títulos, Estado, língua) para punir ou premiar os agentes submetidos ao TP. A capacidade de influência, ou dominação, da doxa, advém principalmente de um bom TP que faça com que as posições dominadas confiram a ela a legitimidade sobre o campo (BOURDIEU; PASSERON, 1982BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.; BOURDIEU, 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.). Essa legitimidade também é auferida à doxa, por meio do que Althusser denomina ‘ideologia’, mas que o autor compreende comoIllusio, ou seja, um investimento realizado pelo jogador para poder entrar no jogo, que forja o interesse de estar preso ao jogo, fazendo-o acreditar que ele vale a pena ser jogado (BOURDIEU; EAGLETON, 1996BOURDIEU, P.; EAGLETON, T. A doxa e a vida cotidiana: uma entrevista. In: ZIZEK, S. (Org.). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. p. 265-278; BOURDIEU, 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.; 2002). Ela confere ao agente o sentimento de pertença ao campo que faz com que ele o leve a sério. O sentido do jogo é, neste caso, a habilidade que o agente desenvolve ao jogar, respondendo às exigências da doxa e tendo em vista apenas as alternativas de jogadas permitidas pelohabitus. Assim, aqueles que possuem o sentido do jogo estão mais preparados para perceber essas alternativas. Entretanto, não percebem o jogo como socialmente construído, mas como uma prática natural. AIllusio é, portanto, ‘estar envolvido e participar’ do jogo. É o poder mágico que faz que os jogos sociais sejam esquecidos enquanto jogos, fruto da cumplicidade ontológica entre as estruturas mentais dos agentes e as estruturas objetivas do espaço social (BOURDIEU, 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.). É por meio da noção de Illusio que se explica o convívio entre as diversas classes sociais, unificadas em uma mesma estrutura de sentido que possibilita a realização da prática. Pois ela amansa os dominados possibilitando o consenso sobre as regras do jogo, de forma que a doxa seja imposta por um poder simbólico, ou seja, por um poder invisível capaz de impor significações legitimadas. Um poder de constituir a realidade a partir de um enunciado que se faz valer pela mobilização, mais do que pela força, “que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, P. Sobre o poder simbólico. In: BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. p. 7-15., p. 7; BOURDIEU; EAGLETON, 1996BOURDIEU, P.; EAGLETON, T. A doxa e a vida cotidiana: uma entrevista. In: ZIZEK, S. (Org.). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. p. 265-278).

Mas no campo, Bourdieu também considera as ações de resistência. Neste sentido, os agentes podem estar no campo de três formas: i) participando da doxa, ou seja, da opinião comum; ii) participando da ortodoxia, ou seja, do grupo de especialistas que falam em nome da doxa; e iii) participando da heterodoxia, ou seja, do grupo de especialistas que buscam subverter a doxa, questionando a valoração dos capitais e a distribuição dos bens simbólicos. Neste sentido, o campo é também um espaço de lutas, onde os agentes tomam posições tentando conservar ou transformar a doxa e a hierarquia de capitais nela vigente. As tomadas de posição são estratégias não calculistas de manutenção ou subversão da doxa. Neste sentido, buscam conservar ou mudar o princípio de valoração dos capitais no campo. Sendo estratégia de manutenção da doxa, ela irá reforçar o discurso ortodoxo e o valor dos capitais possuídos pelo agente dominante, mantendo as posições dominadas e dominantes existentes no campo. Sendo estratégia de subversão da doxa, ela irá tentar modificar a doxa e seu princípio hierárquico de valoração dos capitais. Neste caso, o agente participa da heterodoxia e irá reforçar a valoração de seus capitais. A possibilidade de transformação do campo é dependente da relação entre a heterodoxia e os leigos (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, P. Sobre o poder simbólico. In: BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. p. 7-15.).

A noção de capitais

Os capitais funcionam como mecanismo de diferenciação, sua distribuição é desigual no campo, de forma que sua estrutura é hierarquizada. Neste sentido, a “posição relativa na estrutura é determinada pelo volume e pela qualidade do capital que o agente acumula” (BOURDIEU, 1992BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992., p. 72). Para analisar as posições dentro de um campo é necessário compreender o conjunto de capitais que distinguem ou classificam os agentes. O conceito de capital em Bourdieu contempla práticas de acumulação por meio de operações de investimento e se reproduz de acordo com a habilidade de investimento de quem o possui, bem como se transmite por herança (BOURDIEU, 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.). Entretanto, não se restringem ao capital econômico (constituído pela acumulação de recursos financeiros e de fatores de produção), possuem variações como o capital social, o capital científico, o capital cultural e o capital simbólico, cada um deles possui um conjunto de características específicas, as quais destacam:

  1. Capital Social: Caracteriza-se pelo acúmulo de recursos relativos ao pertencimento de ‘uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento’. Nesta rede de relações, os participantes estão reunidos ‘por ligações permanentes e úteis’. O volume de capital social está associado à extensão da rede de relações que o agente pode mobilizar, bem como do volume de outros tipos de capital (econômico, cultural ou simbólico) que cada membro da rede possui (BOURDIEU, 1998BOURDIEU, P. O capital social: notas provisórias. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (Org.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 67-69., p. 67).

  2. Capital Científico: São duas formas de capital científico que conferem poder no campo: uma forma caracteriza-se como político e institucional, e está associada à ocupação de um cargo gerencial, seja ele a direção de departamentos ou a participação em comitês de decisão, conferindo poder sobre os meios de produção (contratos, prestação de serviços, créditos) e reprodução (poder de nomear, de avaliar e de fazer carreiras). Outra forma caracteriza-se por um poder de prestígio pessoal adquirido pela capacidade técnica de inventor reconhecida entre os pares. As duas espécies possuem ‘leis de acumulação diferentes’. Enquanto o capital científico puro é adquirido por contribuições legitimadas ao progresso da ciência que atribuem a ele um crédito simbólico, o capital científico da instituição se adquire pelo uso de estratégias políticas. As duas formas são difíceis de acumulação conjunta e também se diferem na forma de transmissão. O capital científico ‘puro’ é ‘fragilmente objetivado’ e ‘relativamente indeterminado’. Está associado aos dons pessoais do agente e possui algo de carismático. Desta forma, sua transmissão é difícil e requer um longo trabalho de formação e colaboração, que permite uma ‘consagração’ dos pesquisadores ‘formados ou não por ele’. O capital científico ‘institucionalizado’ é uma espécie de capital burocrático e possui regras de transmissão semelhante a qualquer outra da mesma espécie. Deve assumir a aparência de ‘eleição pura’ por meio de concursos nos quais a definição do posto está de alguma forma pré-ajustada ao perfil do candidato desejado. O autor salienta que, na admissão de novos pesquisadores ao grupo, ocorre conflitos nos quais os detentores de capital ‘institucionalizado’ tendem proceder segundo a lógica da nomeação burocrática, enquanto os detentores de capital ‘puro’ utilizam a lógica ‘carismática do inventor’ (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, P. Usos sociais da ciência. São Paulo: Unesp, 2004., p. 36-37).

  3. Capital Cultural: Essa noção surgiu a partir da necessidade do autor de entender a desigualdade escolar de crianças provenientes de diversas classes sociais. Implica uma ruptura com perspectivas que atribuem o sucesso ou o fracasso escolar a uma aptidão natural. Atribui o desempenho escolar à distribuição de capital cultural entre classes. Desta forma, esse capital compreende não apenas o conhecimento, mas também o conjunto de informações e habilidades correspondentes a uma qualificação intelectual produzida e transmitida pela família e pela escola. São de três tipos: em estado incorporado, na forma de disposições duráveis do corpo fruto da socialização prolongada que permite um jeito específico de falar, de se vestir e de se comportar; em estado objetivado, sob a forma de bens como livros, máquinas, entre outros. E por fim, em estado institucionalizado, ou seja, apresentando uma forma de objetivação muito específica, como o título acadêmico, por exemplo, que oferece garantia de uma instituição sobre propriedades originais e específicas (BOURDIEU, 1999BOURDIEU, P. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (Org.). PierreBourdieu: escritos de educação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 71-79., p. 73-74).

  4. Capital Simbólico: A acumulação de todos os demais capitais visa a posse de um tipo específico de capital simbólico. Este corresponde a uma propriedade específica de qualquer tipo de outro capital que é reconhecida e compreendida pelos agentes do campo como de grande valor. Esse valor dado pelos agentes advém de categorias de percepção sobre o que é bom ou o que é ruim, que foram inculcadas nos agentes dentro do campo conformando uma propriedade de ‘fazer ver’ e ‘fazer crer’ que o capital simbólico em questão confere prestígio e uma marca de distinção ao agente dentro do campo. Desta forma, o capital simbólico permite ao agente que ele ocupe uma posição de grande influência dentro do campo, reforçada a todo instante pelos signos que reafirmam a posse desse capital. Devido a esta capacidade de legitimar a posição dominante do seu detentor frente aos demais agentes do campo, impondo e reforçando seu valor, o capital simbólico torna-se o principal instrumento de violência simbólica. Neste sentido, pode ser facilmente convertido em outras espécies de capital (BOURDIEU, 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996., p. 107-114, 2002BOURDIEU, P. Sobre o poder simbólico. In: BOURDIEU, P. O poder simbólico. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. cap. 1, p. 7-16., p. 14).

Essas formas de capital são as principais abordadas pelo referido autor. Entretanto, campos específicos podem se organizar por meio de outros princípios de diferenciação, propiciando o surgimento de outros tipos de capitais mais restritos a estruturação desses campos (EMIRBAYER; JOHNSON, 2008EMIRBAYER, M.; JOHNSON, V. Bourdieu and organizational analysis.Theory and Society, v. 37, n. 1, p. 1-44, 2008.). Então, além destes capitais citados, existem outros mais, na quantidade em que forem identificados e constituírem valor de distinção em campos específicos.

Um exemplo disso é o estudo de Cantu (2009)CANTU, R. Uma abordagem das elites da burocracia econômica como espaço social. In: SEMINÁRIO NACIONAL SOCIOLOGIA POLÍTICA, 1., 2009, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: UFPR, 2009. Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/evento/SociologiaPolitica/GTsONLINE/GT2/EixoII/abordagem-elites-RodrigoCantu.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2009.
http://www.humanas.ufpr.br/evento/Sociol...
sobre o campo social da gestão econômica do governo. Ele evidencia a presença do capital político como um princípio diferenciador. Entretanto, o campo apresenta especificidades, quais sejam: ele apresenta uma distribuição desigual de recursos políticos entre os indivíduos, além disso, a distribuição do capital é realizada por diferentes propriedades, seja pela militância, pela carreira burocrática ou competência técnica. Ele identifica tanto agentes de maior capital político, quanto um conjunto de pessoas que, embora pertencente ao mesmo campo, é relativamente destituído de recursos políticos, entretanto, estas pessoas deteriam um maior ‘capital burocrático’. Ele define esse capital como composto por ‘competências incorporadas, diplomas e reconhecimento profissional’ e aponta que sua aquisição é realizada a parir de distintos tipos de trajetória profissional.

A análise da estrutura do campo social compreende o estudo de diferenciadas formas de aquisição e de transmissão dos capitais, bem como de como os agentes organizam a sua carteira de capitais considerando suas posições em planos superpostos e como se utilizam de diferentes estratégias para manter ou subverter o princípio hierarquizante (doxa) destes capitais dentro do campo (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, P. Sobre o poder simbólico. In: BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. p. 7-15.). Outra importante análise realizada pelo autor é sobre as disposições incorporadas no campo que vão gerar formas distintas de estar nesse campo, como por exemplo, formas de comer, de se vestir e de se comportar (BOURDIEU, 1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.).

A noção de habitus

Bourdieu estuda a estrutura objetiva de posições a partir de sua gênese, isto é, da incorporação de estruturas preexistentes. Neste sentido, o campo não é apenas um espaço de posições e de tomadas de posições, é também um espaço de disposições para pensar e agir. Assim, para a plena compreensão sobre a noção de campo, é necessário compreender como essas disposições, aliadas à conjuntura específica do campo, conformam a prática (BOURDIEU; WACQUANT, 1992BOURDIEU, P.; WACQUANT, L. J. D. An invitation to reflexive sociology. Chicago: The University of Chicago, 1992.).

A noção de habitus é antiga, tendo sido utilizada por Aristóteles no emprego da palavra grega hexis, compreendida como um “estado adquirido e [...] estabelecido no carácter moral que orienta os nossos sentimentos e desejos numa situação e [...] a nossa conduta” (WACQUANT, 2009WACQUANT, L. Esclarecer o Habitus. Educação & Linguagem, v. 10, n. 16, p. 63-71, 2009., p. 65). Segundo este autor, este conceito foi recuperado por Bourdieu a partir da década de 1960, a partir da necessidade de compreender as relações entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos sociais em seus estudos na Argélia. Neste sentido, ele a delineia objetivando romper com a dualidade objetivismo e subjetivismo, constituindo-a como uma noção mediadora que possibilitaria entender de que modo a sociedade estaria depositada na mente e no corpo das pessoas sob a forma de disposições duráveis para pensar e agir de determinada forma (WACQUANT, 2000). Assim, Bourdieu a conceitua como:

[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as ‘experiências passadas’, funciona ‘a cada momento como uma matriz de percepções’, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (BOURDIEU, 1983BOURDIEU, P. O campo científico. In: ORTIZ, R. (Org.).Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. cap. 4, p. 122-155. (Coletânea grandes cientistas sociais, 39)., p. 65, grifo nosso).

Ele enfatiza que as experiências passadas, ou melhor, a história dos agentes configura-se em uma ‘matriz de percepções’ que orienta as ações destes agentes na conformação de práticas. Ele também ressalta que o habitusconfigura-se uma competência adquirida na prática e pela prática e que opera no inconsciente coletivo modificando-se em tempo e em lugares distintos, pois apesar de durável está sujeito a ação social, que pode transformá-lo ou desmantelá-lo em função do advento de novas forças externas ao campo. Contudo, a partir da reprodução das práticas, o habitus tende a adquirir uma inércia, se reproduzindo mesmo em campos distintos de onde foi gerado (KENWAY; MCLEOD, 2004KENWAY, J.; MCLEOD, J. Bourdieu’s reflexive sociology and spaces of points of view: whose reflexivity, which perspective? British Journal of Sociology of Education, v. 25, n. 4, p. 525-544, 2004.; WACQUANT, 2000). Por conta desta inércia, as disposições geradas na história coletiva de ação dos agentes conferem à prática certa independência em relação às decisões atuais que sinalizam mudanças, haja vista que o passado está atuante na prática, funcionando como capital acumulado e conferindo legitimidade às ações presentes, desta forma o habitus “produz história com base na história e assim assegura a permanência no interior da mudança” (BOURDIEU,1990BOURDIEU, P. The logic of practice. Cambridge: Polity, 1990., p. 56).

Desta forma, o conceito de habitus busca situar a prática dos agentes dentro de uma perspectiva histórica de experiências acumuladas pela trajetória coletiva e individual, que a conforma em uma relação dialética entre a agência do indivíduo e a estrutura social do campo (BOURDIEU; WACQUANT, 1992BOURDIEU, P.; WACQUANT, L. J. D. An invitation to reflexive sociology. Chicago: The University of Chicago, 1992.). Assim, para compreender a prática de pesquisa no campo selecionado, utilizando-se da praxeologia bourdieusiana, se faz mister iniciar esta análise pela compreensão das disposições herdadas em sua gênese.

Perspectivas históricas e contextualização das disposições

O campo social da prática de pesquisa investigada, um subcampo, se considerarmos a amplitude do campo científico, foi criado na segunda metade do século XX, justificando a escolha do corte histórico que orientará parte desta reflexão. Nessa época, o Brasil era governado pela ditadura militar que havia assumido o controle do país a partir de um golpe de Estado em 1964. A sociedade brasileira nas décadas de 1950 e 1960 vivia um momento de intensas disputas internas. Se por um lado o país havia passado por um crescimento econômico e urbano-industrial, por outro, havia uma crescente parcela da população urbana e rural que ainda vivia em precárias condições de vida, evidenciando a concentração de renda na classe proprietária e nos segmentos mais instruídos da classe média, característica histórica do Brasil até então. Diante desse contexto, trabalhadores rurais e urbanos iniciaram um processo de organização e reivindicação de reformas, tencionando a coexistência de posições políticas-ideológicas divergentes na sociedade, que disputavam os destinos do país (LYRA, 2012LYRA, F. Os últimos anos antes do golpe militar. Disponível em: <http://www.outraspalavras.net/2012/04/04/os-ultimos-anos-antes-do-golpe-militar/>. Acesso em: 28 maio 2012.
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; REIS FILHO, 2001REIS FILHO, D. A. O colapso do colapso do populismo ou a propósito de uma herança maldita. In: FERREIRA, J. (Org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 344.). Os discursos sobre o meio rural na sociedade brasileira se dividiam em torno de dois eixos: i) por um lado, os que defendiam um desenvolvimento pautado na ‘industrialização e da modernização da agricultura’ com vistas principalmente a atender o mercado externo, e de outro, os que defendiam um desenvolvimento, pautado pela priorização da ‘questão agrária’ que intencionava diminuir as desigualdades sociais na posse de terra e de outros recursos necessários para produção agrícola (DELGADO, 2001DELGADO, G. C. Expansão e modernização do setor agropecuário no pós-guerra: um estudo da reflexão agrária. Estudos Avançados, v. 15, n. 43, p. 157-172, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid= S0103-40142001000300013&script=sci_arttext>. Acesso em: 23 dez. 2012.
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).

As principais teses do primeiro discurso citado, fundamentadas em estudos estatísticos e econômicos, alegavam a inexistência de uma questão agrária, visto que a estrutura fundiária e as relações trabalhistas no meio rural não se configuravam problema econômico relevante. Isto porque, com essa estrutura agrária a agricultura vinha cumprindo com suas funções de gerar riqueza para o país, contribuindo efetivamente para o desenvolvimento econômico do mesmo. Tendo em vista que liberava mão de obra para o setor industrial, sem diminuir a quantidade de alimentos produzida no campo, bem como criava mercado para o consumo dos produtos da indústria e contribuía expressivamente para a expansão das exportações, além de financiar parte da capitalização da economia (DELGADO 2001DELGADO, G. C. Expansão e modernização do setor agropecuário no pós-guerra: um estudo da reflexão agrária. Estudos Avançados, v. 15, n. 43, p. 157-172, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid= S0103-40142001000300013&script=sci_arttext>. Acesso em: 23 dez. 2012.
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apud DELFIM NETTO, 1963DELFIM NETTO, A. Problemas econômicos da agricultura brasileira. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1963. (Boletim, 46).).

O outro eixo de discurso contemplava argumentos advindos das classes de trabalhadores rurais e urbanos, apoiados por intelectuais e organizações de esquerda. Seus principais argumentos defendiam a promoção de reformas consideradas essenciais para diminuir as desigualdades sociais e melhorar as condições de vida da população nas cidades e no campo, fornecendo a sustentação necessária para o processo de desenvolvimento. Dentre as reformas propostas para o campo, destacam-se a inclusão das relações de trabalho no campo na legislação que regia o trabalho urbano, bem como a reforma da estrutura fundiária, considerada de extrema relevância para elevar os padrões de vida da população rural e integrá-la dignamente à sociedade brasileira (PRADO JR, 1979PRADO JÚNIOR, Caio. A questão agrária no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979.).

As reformas defendidas pela classe trabalhadora e por intelectuais de esquerda, com apoio cada vez maior do poder executivo, contrariavam interesses da oligarquia latifundiária e empresarial interna, bem como de banqueiros, investidores estrangeiros, imprensa, comerciantes, políticos, magistrados e da classe média. Para manter os capitais (econômicos, sociais, culturais e políticos) que sustentavam suas posições de dominância dentro da sociedade brasileira da época, estes atores se organizaram em torno da propaganda ideológica, disseminada pelos principais meios de comunicação, buscando desestabilizar o poder executivo, com apoio financeiro, logístico e ideológico dos Estados Unidos (DREIFUSS, 1981DREIFUSS, R. A. 1964, a conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1981.; LYRA, 2012LYRA, F. Os últimos anos antes do golpe militar. Disponível em: <http://www.outraspalavras.net/2012/04/04/os-ultimos-anos-antes-do-golpe-militar/>. Acesso em: 28 maio 2012.
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). Além disso, construíram uma ampla rede de apoio dentro das forças armadas por meio da crença forjada de luta contra a propagação do comunismo no mundo, de forma a eliminar completamente quaisquer discordâncias, reivindicações e manifestações de cunho trabalhista que propunham distribuir ativos e renda dentro do campo da democracia ocidental e cristã, do qual o Brasil fazia parte (DREIFUSS, 1981DREIFUSS, R. A. 1964, a conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1981.; FICO, 2004FICO, C. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar.Revista Brasileira de História, v. 24, n. 47, p. 29-60, 2004.).

Neste contexto, o golpe militar de 1964 estabeleceu um regime de governo alinhado politicamente à elite brasileira e aos interesses estrangeiros, principalmente estadunidenses, culminando em planos e programas de governo que não modificaram a acentuada concentração de renda e terras, mas culminaram em forte dependência econômica e tecnológica dos Estados Unidos e submissão à sua política. Este cenário favoreceu a adoção do modelo agroindustrial da revolução verde no Brasil, disseminado e patrocinado por grandes corporações multinacionais (DELGADO, 2001DELGADO, G. C. Expansão e modernização do setor agropecuário no pós-guerra: um estudo da reflexão agrária. Estudos Avançados, v. 15, n. 43, p. 157-172, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid= S0103-40142001000300013&script=sci_arttext>. Acesso em: 23 dez. 2012.
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).

Esse modelo de agricultura advinha do discurso modernizador, sem a intenção de distribuir ativos, terras e recursos. Propunha-se a contribuir para o aumento da produção e produtividade agrícola no mundo, por meio da disseminação de tecnologias atreladas ao modelo de agricultura vinculado a um complexo agroindustrial dominado por grandes corporações estrangeiras. O modelo de agricultura moderno previa a utilização intensa de recursos naturais, o uso maciço de insumos agrícolas, máquinas e sementes provenientes desse complexo agroindustrial que se estabelecia a montante e a jusante do processo produtivo (BRUM, 1988BRUM, A. J. A revolução verde. In: BRUM, A. J. Modernização da agricultura: trigo e soja. Petrópolis: Vozes, 1988. p. 44-50.).

A prática de pesquisa em análise surge nesse contexto político, para auxiliar a proposta de modernização da agricultura por meio de pesquisa e transferência de tecnologia para produtores do agronegócio. Assim, a gênese do campo ocorreu a partir da prevalência do discurso modernizador sem reformas, que orientou os programas nacionais de desenvolvimento e, consequentemente, norteou a lógica dominante da prática de pesquisa.

Vale aqui mencionar que esse contexto político de criação da prática de pesquisa em estudo possui vínculos com disposições ainda mais antigas, advindas da história de formação do povo brasileiro, fortemente atrelada a uma economia de exploração agrícola, madeireira e pecuária, associada a um processo de concentração de ativos em uma elite oligárquica empresarial e utilização de grande quantidade de mão de obra escrava. Estas disposições exerceram forte influência no processo de urbanização e industrialização brasileira, bem como no processo de modernização agrícola instaurado no país (RIBEIRO, 2006RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.). Mas vamos nos ater à segunda metade do século XX, época em que o campo investigado foi constituído.

A partir da década de 1990, intensificaram-se no Brasil os discursos em defesa da questão ambiental, que traziam ao debate os efeitos nefastos do ritmo de crescimento da produção e do consumo. Estes discursos buscavam conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a conservação e proteção dos ecossistemas do Planeta, consagrando o conceito de desenvolvimento sustentável e, com ele, o fortalecimento de diversos movimentos sociais brasileiros, alinhados a outros importantes movimentos internacionais (FERREIRA, 1998FERREIRA, L. C. A questão ambiental: sustentabilidade e políticas públicas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1998.). Conjugado com a crítica ao modelo modernizante de agricultura e articulando-se com as questões sociais e culturais a partir de uma proposta de combinar a conservação e preservação ambiental com o seu uso socialmente justo, o discurso ambiental se desdobrou em propostas de resgate e revalorização do conhecimento popular desenvolvido ao longo da história da prática agrícola no país, além de um desenvolvimento a partir da participação da população local na construção de projetos democráticos (COSTA NETO; CANAVESI, 2003COSTA NETO, C.; CANAVESI, F. Sustentabilidade em assentamentos rurais. O MST rumo à “reforma agrária agroecológica” no Brasil? In: ALIMONDA, H.Ecologia política: naturaleza, sociedad y utopia. Buenos Aires: Clacso, 2003. p. 203-215.). Neste período, os discursos ambientais e sociais se fortaleceram no âmbito da construção da prática de pesquisa, gerando novas propostas que ganharam força na disputa por recursos que viabilizassem suas execuções.

Além destas disposições encontradas no contexto político e social da criação da prática, verificaram-se outras disposições relacionadas ao modus operandi da ciência desenvolvida no âmbito nacional. A história da ciência no Brasil está imbricada com a história de formação da sociedade brasileira. Isto porque ela é fruto e cúmplice da construção dessa sociedade e não pode ser refletida sem atribuir-lhe uma posição.

O campo científico que envolve a prática em estudo é o das ciências agrárias. O desenvolvimento do conhecimento agrário no Brasil é bastante antigo, com registros de seleção e melhoramento de plantas muito antes da colonização europeia. Com a chegada dos portugueses e da razão iluminista de intenções colonialistas, as ciências agrárias foram priorizadas tendo em vista o potencial botânico e agronômico do país para economia lusitana. A partir da segunda metade do século XX as novas investidas neocolonialistas impulsionaram as ciências agrárias no país a partir da interferência financeira de instituições privadas nas escolas de agronomia, universidades e institutos de pesquisa e extensão e das parcerias entre essas instituições privadas e empresas governamentais para a disseminação do modelo da revolução verde (FITZGERALD, 1994FITZGERALD, D. “Exporting American Agriculture: The Rockefeller Foundation in México, 1943-1953”. In: CUETO, M. (Ed.). Missionaries of Science: The Rockefeller Foundation and Latin America. Bloomington: Indiana University Press, 1994. p. 72-96.; FARIA; COSTA, 2006FARIA, L.; COSTA, M. C. Cooperação científica internacional: estilos de atuação da Fundação Rockefeller e da Fundação Ford. Dados, v. 49, n. 1, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582006000100007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 jul. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582006000100007.
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).

As escolas e as universidades de agronomia tiveram papel fundamental na formação dos pesquisadores do campo em estudo e na sustentação do seu discurso científico ortodoxo. Elas formaram uma extensa rede de cientistas que possibilitou a difusão e a consolidação do modelo. A configuração do meio científico brasileiro à época da gênese da prática assumiu a função de disseminar crenças e valores por meio das verdades científicas, fortalecendo as ações do governo que defendiam o modelo, atendendo aos interesses da elite oligárquica e de corporações transnacionais (BRUM, 1988BRUM, A. J. A revolução verde. In: BRUM, A. J. Modernização da agricultura: trigo e soja. Petrópolis: Vozes, 1988. p. 44-50.). A partir desse casamento entre a ciência e o Estado Militar, no qual ela assume a posição dominante, é que surge a prática de pesquisa em estudo.

Vale ressaltar que historicamente a ciência brasileira se insere dentro de um debate científico internacional, que nada possui de neutro, se caracterizando como um campo de lutas dos Estados por afirmação de poder sobre o saber científico universal. Um campo autolegitimado que garantiu a hegemonia do iluminismo francês e inglês, que por sua vez estabeleceu um fluxo de difusão desse saber científico – “dos centros de saber para as áreas periféricas” (KURY, 2004KURY, L. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (1780-1810). História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v. 11, supl. 1, p. 109-129, 2004., p. 125-6). Apesar das tentativas da ciência brasileira em legitimar a América portuguesa como lugar de produção científica, esse fluxo do saber ainda é predominante.

É esta ciência, que se autoproclama como única forma válida de conhecimento, neutra e universal, que legitima as ações do Estado, difunde um saber estrangeiro e constitui a ortodoxia do campo em estudo. Ela se torna o braço direito na disseminação do modelo da revolução verde na agricultura brasileira. Este modelo, por sua vez, insere a ciência e os pesquisadores nacionais no âmbito de uma estratégia corporativa multinacional que visa submeter a economia de Estados aos seus interesses econômicos (BEUS; DUNLAP, 1990BEUS, C. E.; DUNLAP, R. E. Agricultura convencional versus alternativa: as raízes paradigmáticas do debate. Rural Sociology, v. 55, n. 4, p. 594-616, 1990.;ALMEIDA, 1989ALMEIDA, J. P. Tecnologia “moderna” versus tecnologia “alternativa”: a luta pelo monopólio da competência tecnológica na agricultura. 1989. 275 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia Rural) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1989.; FROEHLICH, 2010FROEHLICH, J. M. A novelesca reforma curricular das ciências agrárias e a sustentabilidade: novas demandas, velhos problemas. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 5, n. 2, p. 3-15, 2010.).

O debate contemporâneo no campo das ciências agrárias em torno das questões econômicas, ambientais e sociais possui o movimento agroecológico como parte da heterodoxia. Este movimento se estabelece no Brasil no início da década de 1980 como metodologia e estrutura conceitual para o estudo de agroecossistemas, oferecendo grandes contribuições de estudos sobre sistemas de cultivos e sobre os conhecimentos tradicionais dos países periféricos (GLIESSMAN, 2000GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: UFRGS, 2000.). Costa Neto e Canavesi (2003COSTA NETO, C.; CANAVESI, F. Sustentabilidade em assentamentos rurais. O MST rumo à “reforma agrária agroecológica” no Brasil? In: ALIMONDA, H.Ecologia política: naturaleza, sociedad y utopia. Buenos Aires: Clacso, 2003. p. 203-215., p. 204) sustentam que a agroecologia se constituiu campo técnico científico, a partir de duas características distintivas das demais ciências contemporâneas correlatas a ela: i) a adoção da ideia de sistemas; e ii) a legitimação e “reconhecimento dos saberes tradicionais da agricultura não cientificamente especializada, praticada com base em influências socioculturais”. Neste sentido, ela converge com os discursos que tematizam aspectos socioculturais e ambientais para o desenvolvimento rural e se contrapõe ao discurso econômico e iluminista dominante. Desta forma, o debate na arena científica insere-se no debate político que se estabelece a partir de posições historicamente constituídas na sociedade brasileira.

Outra disposição relevante para a construção da prática em estudo é a forma de organização do Estado, considerando seu processo de formação e suas transformações ao longo da história. Bresser-Pereira (2001)BRESSER-PEREIRA, L. C. Do estado patrimonial ao gerencial. In: PINHEIRO, P. S.; SACHS, I.; WILHEIM, J. (Org.). Brasil: um século de transformações. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. p. 222-259.argumenta que o Estado brasileiro transitou por três momentos históricos em que se transformou e assumiu formas distintas: oligárquico-patrimonial, autoritário-burocrático e democrático-gerencial. Para o autor, o Estado no início do século XX caracteriza-se por ser oligárquico, ou seja, comandado por uma elite de políticos patrimonialistas de origem aristocrática decadente, que eram juristas, letrados e militares que obtinham seu poder e sua renda por meio do patrimônio do Estado, confundido com frequência com o patrimônio privado destes políticos. Para governar possuíam alianças com os senhores de terra e com os comerciantes urbanos. Quando essa elite começa a receber elementos de origem social mais baixa como membros do clero e do exército inicia-se uma configuração de Estado mais autoritário, calcado na burocracia.

O Estado autoritário-burocrático é caracterizado por Bresser-Pereira (2001)BRESSER-PEREIRA, L. C. Do estado patrimonial ao gerencial. In: PINHEIRO, P. S.; SACHS, I.; WILHEIM, J. (Org.). Brasil: um século de transformações. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. p. 222-259. como marcado por governos autoritários e centralizadores e pela presença dos militares do exército na aliança de poder, ainda composta pela oligarquia, principalmente a cafeeira, e pela elite política burocrata-aristocrática. Este tipo de Estado está presente, na classificação de Bresser, nos períodos entre 1930 e 1945 e entre 1964 e 1985. Neste contexto, a burocracia foi implantada para contrapor à prática de apropriação do Estado em benefício de interesses pessoais, típica do patrimonialismo, bem como alinhar o Estado a uma perspectiva capitalista cada vez mais dominante na sociedade. Essa burocracia assumia um papel relevante na coordenação de grandes empresas de bens e serviços, estatais ou privadas, dentro de um contexto em que o Estado assume um papel cada vez mais impulsionador da industrialização brasileira e de valorização da competência técnica. É neste período que nasce a prática de pesquisa em análise, fortemente ancorada nos preceitos meritocráticos e em processos burocráticos, entretanto ainda influenciada por disposições de um Estado patrimonialista. Por fim, o autor acrescenta o Estado democrático-gerencial (a partir de 1985). Esta fase é sustentada a partir da reforma desenvolvimentista de 1967, cuja característica marcante é a promoção de uma descentralização administrativa precursora das reformas gerenciais que se instauraram no país a partir de 1990. Neste Estado, ainda segundo o autor, surge uma sociedade pós-industrial que estabelece a competição nas fronteiras do conhecimento e uma economia capitalista globalizada que exige agilidade nos processos administrativos. Assim, este novo Estado buscou adaptações para flexibilizar seus procedimentos de gestão pública alinhando-os às novas exigências do sistema capitalista em evolução. Neste sentido, inicia-se uma reforma gerencial a fim de tornar o Estado um “agente efetivo e eficiente de regulação do mercado e de capacitação das empresas no processo competitivo internacional” (BRESSER-PEREIRA, 2001BRESSER-PEREIRA, L. C. Do estado patrimonial ao gerencial. In: PINHEIRO, P. S.; SACHS, I.; WILHEIM, J. (Org.). Brasil: um século de transformações. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. p. 222-259., p. 243).

No que tange ao processo competitivo mundial e o papel do conhecimento neste contexto, Silva Júnior e Kato (2010)SILVA JÚNIOR, J. R.; KATO, F. B. G. Mundialização do capital, reforma do estado, pós-graduação e pesquisa no Brasil. Revista HISTEDBR, n. 37, p. 59-71, 2010. Disponível em: <http://www.fe.unicamp.br/histedbr/ viewarticle.php?id=170>. Acesso em: 22 jun. 2012.
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argumentam que as estratégias de grandes corporações transnacionais preveem um aumento significativo dos investimentos externos diretos, principalmente com vistas a exploração de tecnologias locais e a produção de conhecimento realizada além das fronteiras da corporação. Pois a base da competitividade destas organizações está na P&D. Neste sentido, os autores criticam as reformas propostas pelo Estado gerencial alegando que se dão no âmbito de um campo econômico onde prevalece a hegemonia destas grandes corporações, e com uma racionalidade mercantil que se tornou nefasta para o pensamento intelectual mais crítico, colocando as instituições de pesquisa a serviço da pauta de pesquisa destas organizações e levando-as a perderem sua autonomia.

A constituição de um arranjo jurídico (Lei de Inovação Tecnológica – nº 10.973 de 02/12/2004BRASIL. Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 mar. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ _ato2004-2006/2004/lei/l10.973.htm>. Acesso em: 23 set. 2012.
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, criação dos Fundos Setoriais em 1999, Lei do Bem – nº 11.196/2005BRASIL. Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. Institui o regime especial de tributação para a plataforma de exportação de serviços de tecnologia da informação - REPES, o regime especial de aquisição de bens de capital para empresas exportadoras - RECAP e o Programa De Inclusão Digital; dispõe sobre incentivos fiscais... e dá outras providências.Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 nov. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11196. htm>. Acesso em: 23 out. 2012.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
, Lei da Biossegurança e Lei Federal nº 11.079/04BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Diário Oficial da União, Brasília, Df, 31 dez. 2004. Disponível em: <www.amperj.org.br/store/.../leis/ L11079_ppp.doc>. Acesso em: 23 out. 2012.
www.amperj.org.br/store/.../leis/ L11079...
que legitima a licitação e contratação das Parcerias Público-Privada-PPP) permitiu a mercantilização das instituições de pesquisa nacionais “objetivada em conhecimento a serviço do capital nacional e estrangeiro”. As parcerias público-privada se tornam instrumentos diretamente relacionados aos serviços não exclusivos do Estado. Neste aspecto, a reforma articula uma política econômica universal com políticas sociais que “não promovem a reestruturação social no que tange a concentração de renda e patrimônio, dos conflitos no campo, da pobreza, da fome e do trabalho escravo” (SILVA JÚNIOR; KATO, 2010SILVA JÚNIOR, J. R.; KATO, F. B. G. Mundialização do capital, reforma do estado, pós-graduação e pesquisa no Brasil. Revista HISTEDBR, n. 37, p. 59-71, 2010. Disponível em: <http://www.fe.unicamp.br/histedbr/ viewarticle.php?id=170>. Acesso em: 22 jun. 2012.
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, p. 65), caracteriza-se assim como uma reforma, sem reformas sociais, apenas de cunho administrativo do Estado que favorece o capital privado. Neste sentido, os novos mecanismos de controle idealizados pela reforma repercutem nas organizações de pesquisa na forma de um produtivismo acadêmico de artigos científicos e tecnologias transferidas que não favorecem o pensamento crítico.

A partir desta contextualização, compreendem-se as disposições para pensar e agir que conformaram a tecelagem da prática de pesquisa estudada (Figura). Em primeiro lugar e de forma mais ampla deve-se considerar as disposições atreladas a uma sociedade cuja formação e especificidades estão fortemente associadas a grandes desigualdades sociais, com domínio oligárquico empresarial na exploração capitalista agrosilvopastoril, geralmente com vistas à exportação, como principal atividade econômica. Mais diretamente, tem-se a influência das disposições de um contexto político específico, que conformou a pesquisa localizando-a em uma prática discursiva que revela as orientações econômicas e produtivistas da agricultura, em detrimento do discurso que priorizava as reformas sociais, como a reforma da estrutura fundiária e as reformas trabalhistas no campo, por exemplo. Consideraram-se também influências relevantes advindas da conformação do campo científico no Brasil, que se sustentava na ciência positiva como forma de saber universal e neutro, inserida no fluxo de difusão do saber científico – do saber dos países centrais para as áreas periféricas. E por fim, as influências advindas das disposições emanadas pela formação e transformação do Estado brasileiro, servil da elite oligárquica empresarial dominante desde suas origens patrimonialistas até as reformas gerenciais, com vistas à adequação às novas exigências capitalistas de apropriação tecnológica.

Figura
Disposições que influenciam a constituição da prática, 2012

O campo da pesquisa: um espaço marcado por diferenças e disputas

Bourdieu (1996)BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. considera que as diferenças são elementos essenciais para a análise do campo social de uma prática, definindo o próprio espaço social como espaço de diferenças onde os agentes se distribuem, assumindo posições de acordo com princípios de diferenciação. Analisar essas posições é analisar o conjunto de características que distinguem esses agentes no campo e que constroem um conjunto de representações sobre este espaço social. Mas não apenas isso, analisar posições é também compreender as forças que visam imprimir um princípio organizador sobre a prática.

Observando o microcosmo de relações sociais que envolvem a pesquisa, principalmente em momentos de discussão sobre planejamento e foco, nota-se muito claramente que, entre os pesquisadores, há recorrentes antinomias políticas e paradigmáticas no que tange à orientação da pesquisa. Pode-se dizer que o contexto de criação deste campo deixou um legado de disposições associadas aos debates que dividiam a sociedade à época, mesmo que o golpe militar tenha intencionado encerrá-los.

Principalmente por se constituir no contexto histórico desenvolvimentista do governo militar no período de 1964-1984, o ordenamento da prática ou sua doxa, alinhou-se à concepção de agricultura moderna da Revolução Verde, em que a pesquisa agropecuária deve-se orientar para atender as demandas do mercado com vistas a aumentos de produção e produtividade, principalmente de commodities, a partir de uso intensivo de tecnologias associadas às concepções do agronegócio. Sua constituição jurídica como ente público neste contexto atrelava-a a políticas estatais que privilegiavam grandes empresários rurais e corporações transnacionais, a partir de pesquisas que possibilitaram a ocupação dos Cerrados com cultivo de grandes monoculturas de soja e pastagens, intensas em capital e tecnologia e voltadas para a atividade de exportação. O modelo de agricultura moderna que inspirou a constituição da prática atrelou a ela uma função difusionista de pacotes tecnológicos que intentava vincular o produtor rural ao complexo agroindustrial fornecedor de máquinas e insumos agrícolas.A Direção [...] estava convencida das enormes dificuldades que teria de enfrentar nos seus primeiros anos de vida [...] haveria, seguramente, que responder às cobranças naturais por resultados [...] A ideia foi no sentido de formular ‘sistemas de produção’ utilizando-se os conhecimentos disponíveis e divulgá-los, da melhor maneira possível, entre grupos de agricultores. Esses ‘sistemas de produção’ passaram a ser conhecidos como os ‘pacotes tecnológicos’[...] À época, era muito claro que o problema básico das instituições de pesquisa e de assistência técnica, dentro do seu campo de responsabilidade em relação ao desenvolvimento da agricultura, era o de fazer com que o produtor rural incorporasse as novas tecnologias aos processos produtivos. A Revolução Verde, em outros países, estava adotando programas e realizando ações com a utilização intensiva de fertilizantes e sementes de boa qualidade. Isso aumentava a cobrança (CABRAL, 2005CABRAL, J. I. Sol da manhã. Brasília, DF: Unesco, 2005., p. 113).

A pressão pela instalação do modelo de agricultura moderno vinha não apenas do governo militar, mas principalmente do campo das ciências agrárias, visto que a pesquisa agropecuária se encontrava envolvida pelas concepções do modelo principalmente a partir das redes de conhecimento científico onde circulavam as ideias dos avanços tecnológicos e da promessa de aumento da produção de alimentos para eliminar a fome no mundo. As escolas de agronomia inculcavam as ideias modernistas e formavam futuros pesquisadores já alinhados à ‘visão correta’ sobre o foco que deveria ser dado à pesquisa. O campo científico se posicionava a favor do modelo, se constituindo como estratégia fundamental para disseminar uma perspectiva de desenvolvimento capitalista, que levava a industrialização ao campo e iniciava ações de mundialização econômica. Fazer pesquisa para disseminar a revolução verde era ‘o sentido do jogo’. Nota-se também que, desde suas origens, o campo social da pesquisa pouco consegue refratar as influências advindas de outros campos, principalmente as oriundas do campo científico e do governo militar, mostrando-se assim sua natureza heteronômia.

Entretanto, em meados de 1980, com a retomada do debate em torno das questões agrárias e a partir do fortalecimento do discurso ambiental em 1990, revigorou-se a heterodoxia no campo que apresenta projetos que introduzem a reflexão sobre sustentabilidade, destoando dos escopos de pesquisas do modelo desenvolvimentista calcados unicamente no mercado e competindo por recursos que permitem suas operacionalizações. Projetos agroecológicos, projetos com vistas a sustentar práticas da agricultura familiar desvinculadas do agronegócio, projetos de preservação de sementes indígenas, de conservação ambiental, de apoio a assentamentos de reforma agrária, entre outros, foram gradativamente se inserindo no campo, gerando intensas discussões sobre qual deveria ser o foco das pesquisas no centro, se um foco amplo defendido pela heterodoxia ou um foco restrito defendido pela ortodoxia a partir da crítica ao desvio do foco ou a falta de foco das pesquisas e seus malefícios.

Princípios de diferenciação: os capitais em jogo

Para além destas antinomias herdadas historicamente, que distinguem simbolicamente os agentes no campo por meio dos escopos de seus projetos e contribuem na acumulação de uma espécie de capital social, há outros princípios de diferenciação que permitem influenciar a construção da pesquisa e sua doxa. Para Bourdieu (1996)BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996., estes princípios de diferenciação se traduzem em um conjunto de capitais que, dependendo da carteira de acumulação de cada agente, pode em maior ou menor intensidade, influenciar essa tecelagem da prática. Na prática em estudo, estes capitais estão relacionados à obtenção de um conjunto de recursos que viabilizam a execução das pesquisas podendo ser: i) de natureza científica como títulos, projetos em andamento, resultados científicos apresentados e reconhecimento entre os pares; ii) de natureza político-institucional, como cargos de chefia, supervisão e coordenação; iii) de natureza econômica, como recursos monetários; e iv) de natureza burocrática, como acesso a fortes e dóceis operários de campo, viveiros, máquinas, equipamentos, veículos, viagens, laboratórios e casas de vegetação.

Recursos de natureza científica viabilizam a acumulação de recursos monetários via aprovação de projetos em editais que financiam a realização das pesquisas. Já os recursos de natureza político-institucional, por meio da autoridade legitimada de comando, realizam a distribuição dos acessos aos recursos burocráticos, que em última instância são os que operacionalizam a produção da pesquisa. Esses recursos facilitam a acumulação de três tipos de capitais disputados no campo e já indicados por Bourdieu (1996BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.; 2004BOURDIEU, P. Usos sociais da ciência. São Paulo: Unesp, 2004.): o capital científico puro, o capital científico institucionalizado e o capital econômico. O jogo social que envolve a produção de pesquisas e geração de resultados no campo intenta a acumulação desses capitais de forma a aumentar o poder de influenciar a prática conforme as concepções político-científicas em jogo.

Produção de pesquisa: tomada de posições e estratégias em jogo

Os pesquisadores se distinguem entre si pela reunião de um conjunto de recursos diversos. Quanto ao acúmulo de capital científico, podem se posicionar como gestores, a partir da acumulação de fortes redes políticas e da conquista de cargos comissionados, ou como técnicos, a partir da acumulação de títulos, projetos de pesquisa e resultados publicados que predispõe à conquista de reconhecimento de sua contribuição científica e tecnológica pelos pares. Quanto a sua orientação político-científica, podem se posicionar como focados no aumento de produção e produtividade buscando legitimidade nas redes sociais do agronegócio detentoras de maior capital político e econômico na sociedade brasileira. Ou podem se distinguir como adeptos das questões socioambientais no campo. Neste sentido, buscam legitimidade social junto às organizações sociais como WWF, AS-PTA, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), às convenções internacionais e aos setores governamentais cujos discursos ambiental e social possuem forte sustentação na sociedade contemporânea, como MMA (Ministério do Meio Ambiente), MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) e IBAMA.

A elaboração do projeto de pesquisa prevê a concepção de um escopo alinhado a uma posição político-científico dentre as relatadas anteriormente. Inserido em um espaço social de forças que buscam influenciar a definição deste escopo, o pesquisador intenta acumular capitais que o permitam maior influência sobre a prática de pesquisa. A ortodoxia do campo, alinhada à concepção modernizante de agricultura, estabeleceu-se em posições gerenciais a maior parte da história da prática, possuindo em seu favor os mecanismos burocráticos e administrativos de reprodução da doxa por ela estabelecida, incluindo desde procedimentos operacionais até processos de planejamento, avaliação e controle. Entretanto, enquanto campo, as lutas para subverter essa ordem estão sempre presentes. Neste sentido, é interessante refletir sobre o processo de planejamento estratégico instituído pelo campo. Este, ao conceber planos diretores de médio prazo (4 anos), propõe a ser um orientador da prática de pesquisa ao definir uma missão, objetivos e metas que devem ser compartilhadas por toda equipe de agentes pesquisadores envolvidos. Assim, estabelece uma ordem legitimada, objetivada nos objetivos e metas da pesquisa que se tornam norteadores dos escopos dos projetos a serem desenvolvidos. Nestes momentos de definição dos ‘focos’ da pesquisa, observam-se verdadeiras batalhas discursivas em torno de palavras e até mesmo preposições. Mudanças no sentido da missão ou de objetivos podem fazer imensa diferença, tornando mais amplo ou mais restrito o ordenamento proposto. Sentidos mais amplos de missão favorecem a inclusão de concepções heterodoxas, caracterizando-se estratégias de subversão da ordem. Ao contrário, o discurso da necessidade de foco na missão constitui estratégias da ortodoxia de manter a ordem estabelecida no campo. Mas vale mencionar que apesar da força de influência do processo de planejamento e avaliação da pesquisa, os agentes aprendem com sua práxis a resistir e adaptar suas ideias de forma que sejam camufladas em meio a discursos e palavras chaves alinhadas à ordem estabelecida.

Esse [novo sistema de avaliação] mudou as regras do jogo, a gente já sabia dos atalhos para não ser penalizado [relativo à baixa produção de tecnologias transferidas] agora vamos ter que aprender de novo [a como ajustar o trabalho realizado às cobranças por metas de resultados relativas à tecnologia transferida](Fonte: agente entrevistado).

Tendo em vista a influência que os planos e metas exercem sobre os escopos de pesquisa, o processo de planejamento estratégico torna-se uma verdadeira arena de lutas, onde duas posições afloram perceptivelmente e se manifestam ao longo do tempo em qualquer discussão que envolva a reflexão sobre focos de pesquisa e objetivos da prática. As disputas entre essas posições pelo acúmulo de capital social, econômico, científico puro e científico institucionalizado intentam a reunião de fundos que permita influenciar a ordem do campo que delineia o escopo das pesquisas, facilita o sucesso de suas execuções e o alcance de resultados reconhecidos entre os pares. Vejamos com maiores detalhes os jogos sociais estabelecidos entre os agentes e suas influências na conformação da prática.

As relações entre pesquisadores e gestores

Os pesquisadores que possuem cargo gerencial acumulam grande volume de capital científico institucionalizado, uma espécie de capital burocrático. Apesar da existência de rituais de seleção pautados pela capacidade técnica e gestora do candidato, a obtenção de capital científico institucionalizado perpassa necessariamente pelo pertencimento ou sancionamento do candidato por uma rede social rica em influências políticas. O apoio por redes sociais fortes dentro da instituição é facilitado quando também se acumula uma espécie de capital simbólico, traduzido pela detenção de títulos acadêmicos, cargo de pesquisa, antiguidade na organização, reconhecimento de sua capacidade gestora e certa capacidade técnica. Por estar vinculado a uma rede social e política, dependem do conjunto de forças políticas que se estabelecem no controle do Estado e da prática, sendo orientados pela ordem emanada a partir dessas forças. A transmissão do capital científico institucionalizado aos agentes citados é realizada por nomeação burocrática advinda do ministro da agricultura ou do diretor presidente da instituição de pesquisa a qual a prática se vincula, daí pode-se afirmar a dificuldade de refração das influências advindas do governo.

O acúmulo do capital institucionalizado confere ao seu portador um poder legitimado de distribuir os meios de produção de pesquisa, como áreas de campos experimentais, salas e estruturas de laboratório, máquinas, insumos, serviços de compras de material, ‘pessoal de apoio’, cotas de viagem e outros. Entretanto, o poder de distribuição dos meios de produção é limitado por uma convenção interna ao campo que reconhece como legítima a ‘posse’ de meios de produção adquiridos com recursos financeiros captados pelos projetos de pesquisa, ou de posse desses projetos ou pessoas há muito tempo.

Aqui cabe uma observação importante sobre a captação de recursos via projetos de pesquisa. A atividade de elaboração e aprovação de um projeto de pesquisa, associada à captação de recursos para sua execução, foi conformada para garantir recursos complementares aos do Estado no financiamento da pesquisa, visto a insuficiência do aporte de recursos advindos dessa fonte. Assim, a atividade de captar recursos foi descentralizada para os pesquisadores técnicos, podendo os mesmos submeter seus projetos a várias fontes de financiamento, inclusive de organizações privadas. Com isso, os pesquisadores técnicos assumiram também a gestão dos recursos captados para os projetos, que se tornaram pequenos empreendimentos dentro da instituição, alguns bastante lucrativos necessitando de uma verdadeira microestrutura gerencial para distribuir recursos adquiridos pelo projeto e controlar seu andamento. Essa microestrutura é muitas vezes denominada pelos próprios agentes como pequenas empresas de pesquisa dentro da empresa de pesquisa ou de ‘pequenos feudos’, visto algumas similitudes. Esses ‘feudos’ caracterizam-se espaços de poder sobre a prática por meio de certa independência econômica e estrutural em relação ao centro de comando da pesquisa, conquistada a partir da captação de recursos junto a outras fontes de financiamento, o que fortalece os pesquisadores técnicos nos jogos sociais que estabelecem junto aos pesquisadores gestores. Por outro lado, subordina o escopo da pesquisa aos direcionamentos requeridos pelos editais lançados por estas outras fontes, favorecendo setores ricos em capital econômico, com capacidade de financiar parte das pesquisas, em detrimento de setores com menor capacidade de financiamento. Apesar dessa subordinação, observam-se microrresistências quando parte destes recursos também é utilizada para financiar outras ações não previstas pelo projeto, mas julgadas relevantes pelo próprio pesquisado em uma prática dinâmica e flexível. A gente monta no cavalo que passa arreado na nossa frente para conseguir realizar o que queremos fazer [...] (Fonte: agente entrevistado).

Retomando sobre o poder conferido pelo capital científico institucionalizado ao seu portador, acrescenta-se que ele se estende também aos meios de reprodução da ordem, ou seja, ao pesquisador que ocupa cargos de gestão cabe, além de distribuir recursos de produção, estabelecer regras e metas, nomear e instituir hierarquias formais entre agentes, avaliar desempenhos e instituir categorias de classificação dos agentes em relação ao seu mérito técnico por meio da distribuição de referências que representam ganhos financeiros ou mesmo no repasse econômico e simbólico de prêmios e ritos de consagração de mérito. O processo de avaliação é fundamental ferramenta para essa reprodução da ordem, disposição muito frequente advinda do campo acadêmico. No caso da prática em questão, o sistema de avaliação é um instrumento de poder simbólico, pois constitui representações sobre o mérito de cada agente. Além disso, verifica se a ordem institucional e as metas de produtividade, estabelecidas pela ortodoxia, foram efetivamente internalizadas e cumpridas. Pelo fato do sistema de avaliação estar atrelado ao sistema de promoção e premiação, a classificação simbólica dos agentes ocorre quase que automaticamente, favorecendo os mais ajustados à ordem. Por fim, o sistema de avaliação também é punitivo, quando favorece a estagnação salarial e marginalização do agente, se tornando também um instrumento de violência simbólica. Neste sentido, Bourdieu (1996)BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. corrobora que o domínio sobre a produção simbólica é estratégia de reprodução da ordem, pois ‘constitui espíritos’ a partir de um trabalho pedagógico que somente se torna eficaz quando atrelado a um instrumento de violência simbólica.

O sistema de avaliação, enquanto instrumento de poder simbólico, reprodução da ordem e violência simbólica possui sua força limitada nos jogos estabelecidos entre técnicos e gestores, a partir do contraponto que o acúmulo de capital financeiro e científico puro estabelece no campo. Nesse sentido, metas e méritos são negociados em meio a um ambiente de forças mais igualitárias. Eu trago recurso e projetos para a unidade [e por conta disso] posso negociar melhor minhas metas com a chefia (Fonte: agente entrevistado).

O acúmulo de capital econômico realizado por pesquisadores técnicos, por meio da captação de recursos via projetos de pesquisa, permite a execução de pesquisas, o alcance de resultados e o reconhecimento de capacidade técnica entre os pares, viabilizando assim a obtenção de outro capital relevante ao campo: o capital científico puro. O reconhecimento do mérito de contribuição científica e tecnológica pelos pares é um importante recurso de característica simbólica, que acumulado pelo agente torna-o especialmente influente sobre a conformação da prática. Porém, esse mérito está associado à elaboração e participação em projetos de pesquisa que tenham apresentado resultados utilizáveis socialmente e gerado publicações reconhecidas pelo campo científico. A apresentação de resultados rapidamente utilizáveis pela sociedade possui maior reconhecimento dentro do campo, pois comprovam a eficiência institucional e justificam sua existência e seu aporte público.

Ricos em capital econômico e em capital científico puro, os pesquisadores técnicos possuem grande influência sobre o campo social da prática. Primeiro porque contribuem financeiramente para a aquisição e manutenção da infraestrutura produtiva administrada pelos gestores, pois os recursos advindos do Estado não são abundantes e suficientes para garantia de execução da prática em toda sua potencialidade. Segundo porque a posse de capital científico puro possui um significado simbólico dentro do campo, capaz de influenciar os pares em decisões relevantes até mesmo na destituição de pesquisadores gestores, além de capitanear apoio em outras esferas do campo científico, propiciando acúmulo de capital social. Neste sentido, são aliados importantes para a gestão da pesquisa. Por outro lado, os pesquisadores gestores facilitam os trâmites burocráticos internos para a consecução das pesquisas, importante para acumulação de capital científico puro, sendo aliados importantes para pesquisadores interessados nesta acumulação.

Estes agentes relacionam entre si como em uma dança. Ao mesmo tempo em que precisam da outra posição para manter-se no campo, buscam estratégias que permitam maior liberdade e poder sobre a outra. Pesquisadores gestores buscam limitar o poder institucional que pesquisadores técnicos conquistam com aporte de grande volume de recursos, ameaçando o equilíbrio de influência sobre a prática. Para isso, dificultam burocraticamente o acesso aos meios de produção e se utilizam do sistema de avaliação para direcionar focos de pesquisa, metas e impor posições político-científicas. Enquanto que pesquisadores técnicos, ao se sentirem ameaçados pelo desequilíbrio de poder, utilizam seu aporte de capitais econômicos e sociais para negociar suas metas e escopos, podendo até usar sua influência sobre os pares para destituir a legitimidade dos gestores. Esse jogo quanto mais acirrado, mais enaltece recursos advindos de outros campos, como o apoio político, o recurso financeiro advindo de fontes privadas e o mérito científico, fragilizando a refração do campo às influências e ordenamentos desses outros espaços sociais: científico, governamental e da agricultura brasileira.

Considerações finais

O estudo sobre a prática de pesquisa analisada no âmbito de uma organização pública brasileira, a partir do conceito bourdieusiano de campo, reforça como a pesquisa está inserida dentro de uma arena de lutas e como sua constituição é influenciada pelo seu espaço social. Revela ainda que as influências dos campos científico, estatal, social e político são intensas, pois constituem disposições que influenciam a tecelagem da pesquisa na definição de seu escopo ou em sua execução, por meio de financiamentos, demandas sociais, indicações de cargos gerenciais, distribuição de recursos de produção, consagração de títulos e méritos, dentre outros Ao consumir as representações produzidas por estes outros campos, os agentes da prática torna o campo susceptível aos problemas de outros campos situando-o mais próximo da heteronomia, com pouca capacidade de refratar o influxo.

O contexto de criação da prática submete sua tecelagem a uma concepção de agricultura moderna e de utilidade social que se torna visão dominante dos agentes em jogo, entretanto, mudanças sociais e políticas vêm pressionando a ordem estabelecida no campo por meio do fortalecimento de escopos de projetos de cunho ambiental e social. O jogo que envolve a influência destas posições na concepção do escopo de pesquisa utiliza-se dos capitais científicos em sua forma pura e institucionalizada, bem como capitais sociais e econômicos. Neste sentido, os agentes podem se posicionar ora como técnicos, detentores de capital científico puro, ora como gerentes, detentores de capital científico institucionalizado. Estratégias de manutenção e subversão da ordem instituída no campo ocorrem intensamente no âmbito do ‘trabalho pedagógico’ de inculcação da doxa, realizado por ferramentas gerenciais de planejamento e avaliação. Nesse espaço observaram-se duas estratégias discursivas: i) a primeira visa defender o foco da prática como forma de manter historicamente as linhas de pesquisa até então instituídas; e ii) a segunda intenta subverter a ordem estabelecida por meio da defesa da amplitude das linhas de pesquisa. A utilização do cargo gerencial na distribuição de recursos de produção como cota de viagem, compras de insumos e equipamentos, campos experimentais, análises laboratoriais, operários de campo dentre outros, e de reprodução como planejamento de metas e avaliação de desempenho se são estratégias doxófas. Já a busca de fontes externas para provimento de recursos de produção de pesquisas, criando pequenas organizações de pesquisa em torno de projetos específicos, caracteriza-se como estratégias de subversão da ordem estabelecida.

Este estudo aponta para a necessidade de refletir sobre a influência de outros campos na criação de falsas antinomias e de falsos problemas que atravancam o desenvolvimento da prática, tornando-a dependente de campos externos. Neste sentido, o grande desafio se torna a operação de espaços internos de discussão e reflexão sobre a pesquisa realizada na organização, as posições paradigmáticas existentes, seus reais problemas e interesses. Estes espaços devem orientar-se para uma conciliação dos contrários, guiada pela consciência crítica dos interesses comuns aos agentes, superando o ímpeto nefasto de chamar o ordenamento de outros campos para reger suas lutas internas. A partir desse estudo, propõe-se para uma agenda de pesquisa a análise de outras possíveis posições no campo e suas influências sobre a prática, considerando os jogos sociais envolvidos. Identificar a heteronímia do campo social que envolve a pesquisa sinaliza para a necessidade de compreender o macrocosmo onde está inserida a prática de pesquisa analisada, buscando identificar possíveis estratégias que permitam uma relação mais autônoma entre a pesquisa e outros campos desse macrocosmo. Outro estudo relevante que pode derivar das análises aqui empreendidas diz respeito à observação mais acurada do novo desenho do sistema de avaliação de desempenho e seus reflexos no jogo social que envolve a pesquisa, buscando identificar estratégias subversivas e entrever as possibilidades de permanência e transformação desse novo sistema no campo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Out 2013
  • Aceito
    10 Dez 2014
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