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Internacionalizar é preciso, produzir por produzir não é preciso

IDÉIAS EM DEBATE

Internacionalizar é preciso, produzir por produzir não é preciso

Sandro CabralI Sérgio Giovanetti LazzariniII

IDoutor pelo Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Universidade federal da Bahia NPGA/ EAUFBA. Professor da EAUFBA. Endereço. EAUFBA, Av. Miguel Calmon, s/n. Vale do Canela. Salvador/Ba. CEP: 40110-903. E-mail: scabral@ufba.br

IIPhD em Administração pela Washington University in St. Louis. Professor Titular do Instituto de Ensino e E-mail: sergiogl1@insper.edu.br

Inicialmente, parabenizamos o editor da O&S, Professor José Antônio Gomes de Pinho, por abrir o espaço para a discussão em alto nível das questões que permeiam a produção acadêmica nacional.

Lendo atentamente as contribuições dos Professores Mário Aquino Alves, Peter Spink e Rafael Alcadipani, publicadas na edição anterior da O&S, concordamos integralmente sobre um ponto: a quantidade e qualidade da produção científica, medidas no plano individual, tendem a ser mutuamente excludentes. Em outras palavras, a obtenção de produtos de grande impacto e relevância exige precisão na escolha do tema, um enorme tempo para verificação do estado da arte na literatura, cuidadosa e consistente pesquisa empírica, além de paciência para enfrentar o longo período de maturação, revisão e eventual publicação do artigo.

Se, por um lado, o sistema de avaliação baseado em desempenho contribuiu para o desenvolvimento dos programas de pós-graduação brasileiros, por outro, gera efeitos adversos, não pela sua existência em si, mas pela maneira como os instrumentos de avaliação estão calibrados. De fato, ao serem avaliados por um sistema que discrimina o impacto de sua produção junto à comunidade de maneira distorcida, não raro, os pesquisadores adotam a estratégia de maximização dos pontos Qualis. Conforme frisado pelo Professor Alcadipani, tem-se uma geração de pesquisadores forjada sob a égide da publicação como um fim em si mesmo, ignorando a relevância de sua obra.

A lógica instrumental é praticada, inclusive, por aqueles que a combatem ardorosamente em suas próprias publicações, na linha do que "faça o que digo, não faça o que faço". Afinal, mais vale, sob as lentes produtivistas que buscam o milagre da multiplicação de pontos, publicar em periódicos de menor rigor no processo seletivo do que investir tempo e dedicação para alçar vôos mais altos. Sai de cena o Homo economicus e entra o Homo Lattes (alcunha difundida pelo Professor Paulo Calmon da UnB, registre-se).

Comungamos, no entanto, de visão um pouco distinta em relação à dinâmica do processo de internacionalização proposta pelos Professores Aquino e Spink. Acreditamos que não somente é possível, como absolutamente necessário, dialogar com nossos pares no exterior, logo atingindo uma audiência mais ampla, sem virar as costas para os pro- blemas nacionais e sem deixar de comunicar o impacto de nossas conclusões localmente.

Obviamente, para que possamos interferir no debate internacional, propondo novas teorias, novas abordagens de investigação e novas explicações para fenômenos organizacionais, infelizmente, mas ao que aparenta, é preciso que nos comuniquemos na língua inglesa, ao menos que: a) o esperanto torne-se, de facto, o idioma universal; ou b) o português passe a ser dominado não somente por acadêmicos "íbero-romanos", como também anglo-saxões, árabes e chineses, caso contrário, simplesmente não seremos lidos. Triste, porém verdadeiro. Para nós, a publicação internacional não significa um ato compulsório de submissão a uma agenda estrangeira, como se ela fosse algo ardilosamente concebido para perpetuar uma estrutura de dominação centro-periferia. Pensamos justamente ser algo inverso, ou seja, quando somos lidos e compreendidos, enviamos um sinal forte e inequívoco de afirmação e soberania de nossa academia. Ao nos inserirmos no debate, passamos do papel de compradores para a posição de fornecedores de produção intelectual.

Em adição, atualmente, é possível a publicação de temas localmente relevantes em periódicos internacionais de ponta. Com efeito, há um crescente interesse por parte da comunidade internacional em relação ao que acontece nos países emergentes. Assim, artigos de pesquisadores nacionais que adicionem contribuições ao conhecimento existente e que gozem de consistência metodológica possuem grandes chances de serem aceitos, bastando, para tal, que encontremos os veículos adequados. Evidentemente, há periódicos de nossa área de Administração que são menos afeitos a temáticas não-estadunidenses e que são pouco abertos a abordagens que fujam do padrão estabelecidos. Mas há, também, periódicos internacionais que, se não alcançam níveis estratosféricos de "fator de impacto", pelo menos são lidos por uma comunidade mais ampla e que pode se beneficiar de achados e desenvolvimentos teóricos realizados por pesquisadores brasileiros, como por exemplo, os periódicos da área de Critical Management Studies.

Em relação ao impacto local de nossa produção publicada no exterior, não precisamos cair na armadilha da clonagem de artigos para divulgar nossas conclusões no Brasil. Em primeiro lugar, o idioma inglês não é (ou não deveria ser) barreira que impeça a leitura de artigos por parte de pesquisadores e estudantes de mestrado e doutorado em administração no Brasil. Sendo bem honestos, mesmo nossas publicações em português são raramente (ou quase nunca) lidas por não-acadêmicos. A barreira nesse caso é de linguagem, não de idioma. Como superar tais empecilhos? Acreditamos que, para uma audiência mais ampla, a divulgação dos achados de nossas pesquisas pode ser feita de diversas maneiras, seja por meio de pequenos artigos na mídia, livros de ampla divulgação, entrevistas, palestras para empresários, formuladores de políticas públicas ou membros da sociedade civil, ou até mesmo em nossas aulas. O desafio consiste em encontrarmos a linguagem adequada para comunicar nossos resultados e opiniões. Para tal, no entanto, é preciso esforço de nossa parte não somente para realizar o esforço de tradução do "academês" para o português, mas, sobretudo, para buscar questões de pesquisa que sejam efetivamente relevantes e que interessem a um público mais amplo. Ao fazer isso, estaremos prestando contas à sociedade, acerca de nossa existência.

Dessa forma, é plenamente possível ao acadêmico brasileiro estabelecer um leque amplo de tipos de publicação, de escopo mais amplo e mais restrito, de alcance nacional e internacional. Se o pesquisador conseguir publicar um bom artigo internacional, para cada dez peças que produza em um dado período, já estará contribuindo para a disseminação do conhecimento além das nossas fronteiras e para o reconhecimento global da nossa academia.

Pensar que esse esforço "mataria" a academia nacional é, no mínimo, temerário. A academia espanhola, por exemplo, tem aumentado sobremaneira sua presença e impacto em congressos e periódicos, o que tem contribuído para atrair e reter, no país, pesquisadores cada vez melhores. Na China, um esforço engendrado pela professora Anne Tsui buscou alavancar as especificidades locais do país como ponto forte (ao invés de desvantagem) no esforço de internacionalização da academia. O Management and Organization Review, da International Association for Chinese Management Research, tem alcançado destaque nos meios acadêmicos internacionais, atraindo, como autores, diversos pesquisadores de renome.

A experiência demonstra que internacionalização é, sim, possível, sem que isso cause efeitos deletérios ao contexto nacional muito pelo contrário. Para tanto, basta desejo de mudar e liderança. Desejo de mudar para que a nossa geração de conhecimento não fique circulando entre nós mesmos ou que continuemos simplesmente importando o que é feito e referenciado lá fora, e ilustrando com casos ou dados locais. Liderança para fazer o que é necessário: incentivar uma maior disseminação da nossa pesquisa no exterior, e um maior apoio para que pesquisadores nacionais tenham tempo e motivação para trilhar esse caminho. Associações acadêmicas locais podem, por exemplo, patrocinar workshops rotativos no país e, assim, auxiliar os nossos pesquisadores a encontrarem bons veículos de divulgação internacional e a lidar com o árduo processo de submissão e revisão.

Repetimos: a soberania do pesquisador nacional depende da sua capacidade de participar, de alguma forma, do debate global. Caso contrário, ficará eternamente preso à tarefa de "provar" à sua comunidade que o mundo tem pouco a aprender com o que fazemos por aqui.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2011
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