Acessibilidade / Reportar erro

Círculo de diálogo - uma ferramenta para a Linguística Aplicada lidar com crenças, emoções, conflitos e paradoxos

Dialogue Circle - a Tool for Applied Linguistics to Deal with Beliefs, Emotions, Conflicts, and Paradoxes

Resumo

Estudos sobre crenças em Linguística Aplicada têm se desenvolvido com base na abordagem metodológica contextual e discursiva, que requer novos instrumentos de pesquisa e métodos de análise de dados para contemplar as histórias, experiências e emoções dos participantes. (CRUZ, 2017CRUZ, L. T. Entre o dizer e o fazer: implicações das crenças de professores em formação sobre o ensino de LI em escolas públicas. 2017. Tese (Doutorado em Língua e Cultura) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.; HAUS, 2018HAUS, C. Ensino de pronúncia sob a perspectiva do inglês como língua franca: crenças e práticas de professores de inglês do Celin-UFPR. 2018. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018.; KALAJA et al., 2018KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Revisiting research on L2 learner beliefs: looking back and looking forward. In: GARRET, P.; COTS, J. M. (Ed.). The Routledge handbook of language awareness. New York: Routledge, 2018. p. 222-237.) Com base nisso, este trabalho apresenta um recorte de uma pesquisa de doutorado que investigou as crenças de doze acadêmicos do curso de Licenciatura em Letras-Inglês da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Curitiba, professores de inglês em formação inicial, sobre a pronúncia de inglês. Este trabalho tem como objetivo apresentar o círculo de diálogo, concebido nos domínios da Justiça Restaurativa, como uma ferramenta de pesquisa que atua diante das dificuldades estabelecidas pelas interrelações existentes entre crenças e emoções. Ao final de cada ciclo, em posse do objeto de fala, os participantes responderam à pergunta: “Como você se sentiu nesse círculo de diálogo?”. Os dados apontam para uma avaliação positiva dos participantes sobre essa ferramenta, com destaque para aspectos como: respeito à fala, valorização das ideias através da atenção dos ouvintes, possibilidade de falar sem ser interrompido, contato com histórias e opiniões diferentes e contato com as próprias crenças, que até aquele momento eram inconscientes. Os dados também apontam a necessidade de uma reeducação voltada ao comportamento nas diferentes interações sociais em que atuamos. Trata-se de um trabalho que pode enriquecer a pesquisa, o ensino e os relacionamentos humanos em diferentes âmbitos.

Palavras-chave:
crenças; pronúncia; metodologia de pesquisa; círculos de diálogo

Abstract

Studies about beliefs in Applied Linguistics have been developed based on contextual and discursive methodological approaches, which require new research instruments and data analysis methods to consider the participants’ histories, experiences, and emotions (CRUZ, 2017CRUZ, L. T. Entre o dizer e o fazer: implicações das crenças de professores em formação sobre o ensino de LI em escolas públicas. 2017. Tese (Doutorado em Língua e Cultura) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.; HAUS, 2018HAUS, C. Ensino de pronúncia sob a perspectiva do inglês como língua franca: crenças e práticas de professores de inglês do Celin-UFPR. 2018. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018.; KALAJA et al., 2018KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Revisiting research on L2 learner beliefs: looking back and looking forward. In: GARRET, P.; COTS, J. M. (Ed.). The Routledge handbook of language awareness. New York: Routledge, 2018. p. 222-237.). Based on that, this work presents a narrowed portion of a doctoral research that investigated beliefs of twelve undergraduate students of the undergraduate degree in English Language from Universidade Federal do Paraná, campus Curitiba, future English teachers, about English pronunciation. This work aims to present the circle of dialogue, from the domains of Restorative Justice, as a research instrument that contributes in the face of the difficulties established by the interrelations between beliefs and emotions. At the end of each circle, holding the talking piece, the participants answered the question: “How did you feel in this circle of dialogue?”. The results indicate a positive evaluation of the participants about the instrument, mostly related to aspects such as: respect to the speech, appreciation of ideas by receiving the listeners’ attention, possibility of speaking without interruptions, contact with different opinions and histories, and contact with the participants’ own beliefs, which were unconscious up to that point. The data also suggest that behavior reeducation is needed in different social interactions we act in. This is a work that may enrich research, teaching, and human relations in different contexts.

Keywords:
beliefs; pronunciation; research methodology; circles of dialogue

1 Introdução

Este trabalho é um recorte extraído de uma pesquisa de doutorado que investiga as crenças de doze acadêmicos do curso de Licenciatura em Letras Inglês da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em Curitiba (UTFPR-CT), sobre a pronúncia de Língua Inglesa (LI). A pesquisa foi concebida a partir do interesse pessoal da pesquisadora, consolidado ao longo de seus 29 anos em sala de aula de LI, atuando em contextos de ensino de inglês para crianças, adolescentes e adultos, em escolas de idiomas, no ensino fundamental, médio e superior.

Como resultado desse interesse, alguns questionamentos da pesquisadora, frutos de observação e interação com alunos, motivaram a realização da pesquisa e fomentaram seu interesse sobre as crenças dos participantes a respeito da pronúncia. Alguns deles se constituem em:

  • por que alguns alunos relacionam sua identidade à pronúncia que têm em LI?

  • como os acadêmicos do curso de Licenciatura em Letras Inglês vão realizar processos de avaliação da habilidade oral em suas práticas docentes, considerando essa relação pronúncia/ identidade?

  • que parte do mercado de trabalho de ensino de LI está alinhada com essa relação?

  • em que momento a pronúncia passou a ter caráter ideológico e político para esses futuros professores?

  • como isso se deu?

Ainda que considerados pertinentes e impulsionadores para a pesquisadora, esses questionamentos não representam as perguntas de pesquisa do trabalho, tampouco se constituem como compromisso para busca de respostas que satisfaçam tais indagações. Eles mormente funcionaram como combustível para a investigação. As perguntas de pesquisa, por sua vez, são as seguintes: (1) quais conceitos e categorias de metáfora compõem as crenças dos alunos de Letras Inglês?; (2) quais crenças predominam no espaço de crenças dos acadêmicos e quais compõem ponto de interseção entre os dois grupos?; (3) quais crenças encontradas nos dados das entrevistas dialogam com as crenças conhecidas através dos círculos de diálogo?; (4) que conceitos sobe pronúncia estão fortemente presentes nos dados destes alunos?; e (5) que indícios das características de crenças há na fala dos acadêmicos?

Assim, a pesquisa foi realizada com o objetivo de processar metaforicamente as crenças de acadêmicos do nível intermediário e do nível avançando de aprendizagem de LI e, a partir disso, construir inventários metafóricos de crenças dos mesmos acadêmicos de Letras Inglês, por grupos, e um inventário transversal. Além disso, a pesquisa também discutiu as crenças dos participantes de forma a dialogar com conceitos relacionados à pronúncia, entre eles, a figura do falante nativo, o conceito de inteligibilidade, e os pares de adjetivos certo/errado e bom/ruim aplicados ao julgamento da pronúncia. Assim, a pesquisa deu destaque às características atribuídas às crenças: sociais e individuais, dinâmicas e emergentes, socialmente construídas, experienciais, mediadas, inconscientes, dialógicas e principalmente paradoxais e contraditórias. (BARCELOS, 2006BARCELOS, A. M. F. Cognição de professores e alunos: tendências recentes na pesquisa de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. In: BARCELOS, A. M. F.; VIEIRA-ABRAHÃO, M. H. (Org.). Crenças e ensino de línguas: foco no professor, no aluno e na formação de professores. Campinas: Pontes , 2006. p. 15-41.; BARCELOS, 2015BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015.;BARCELOS; KALAJA, 2006BARCELOS, A. M. F.; KALAJA, P. Conclusion: exploring possibilities for future research on beliefs about SLA. In: KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F. (Ed.). Beliefs about SLA: new research approaches. Vol. 7. Middletown: Springer, 2006. p. 231-238.; BARCELOS; KALAJA, 2011BARCELOS, A. M. F.; KALAJA, P. Introduction to beliefs about SLA revisited. System, Amsterdam, v. 39, n. 3, p. 81-289, 2011.; KRAMSCH, 2006KRAMSCH, C. J. Metaphor and the subjective construction of beliefs. In: KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F. (Ed.). Beliefs about SLA: new research approaches. Middletown: Springer , 2006. p. 109-128. v. 7.; WOLTERS, 2019WOLTERS, A. M. A criação restaurada: base bíblica para uma cosmovisão reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2019.)

Na seção 2, apresentarei brevemente o conceito de crenças em Linguística Aplicada (LA) e farei menção a abordagens metodológicas de pesquisa desse conceito. Na terceira seção, trarei o conceito de emoções e sua vinculação com o conceito de crenças. Na seção 4, apresentarei o círculo de diálogo como uma ferramenta metodológica capaz de contribuir com pesquisas realizadas a partir da abordagem contextual. (BARCELOS, 2001BARCELOS, A. M. F. Metodologia de pesquisa das crenças sobre a aprendizagem de línguas: estado da arte. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 71-92, 2001.; 2006BARCELOS, A. M. F. Cognição de professores e alunos: tendências recentes na pesquisa de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. In: BARCELOS, A. M. F.; VIEIRA-ABRAHÃO, M. H. (Org.). Crenças e ensino de línguas: foco no professor, no aluno e na formação de professores. Campinas: Pontes , 2006. p. 15-41.) Nessa mesma seção, abordarei os elementos que constituem o círculo de diálogo e sua forma de funcionamento. Na quinta seção, contextualizarei este trabalho, apresentando dados da pesquisa que o originou. Na seção 6, mostrarei indicativos do círculo de diálogo como uma ferramenta de pesquisa que permite a exposição de ideias divergentes e que acolhe tanto situações de conflito como as emoções dos participantes da pesquisa. Na seção 7, farei considerações sobre o uso dessa ferramenta em pesquisas da área de LA e trarei uma recomendação para o uso da ferramenta fora do ambiente de pesquisa, como uma forma de favorecer as relações humanas.

2 Crenças

Estudos sobre crenças na aprendizagem de língua estrangeira (LE)1 1 Adoto o termo língua estrangeira (LE) como uma forma ampla de me referir a uma nova língua sendo ensinada e aprendida, ciente da existência de outros termos que carregam diferentes concepções de língua aplicados a diferentes contextos, como os originados dos pressupostos de Kachru (1985), com os círculos dos World Englishes (WE), das proposições de Jenkins (2000; 2006) e do New Englishes de Crystal (2003): o English as International Language (EIL), inglês como língua internacional (ILI); o English as Additional Language (EAL), inglês como língua adicional (ILA); e, o English as an Intranational Language (EIntraL), inglês como língua intranacional (ILIntra). têm sido considerados importantes na área de LA porque, de alguma forma, existe uma relação entre o conceito de crenças e as ações das pessoas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem de LE. Nesse espectro, considerando a existência de tal relação entre o que se crê e o que se faz, investigar crenças equivale a possibilidade de: (1) acessar conhecimento sobre o comportamento dos aprendizes de línguas, podendo inclusive levar ao entendimento de suas estratégias (HORWITZ, 1987HORWITZ, E. K. Surveying student beliefs about language learning. In: WENDEN, A.; RUBIN, J. (Org.) Learner strategies in language learning. London: Prentice-Hall International,1987. p. 119-129.; OXFORD, 1990OXFORD, R. L. Styles, strategies, and aptitude: connections for language learning. In: PARRY, T. S.; STANSFIELD, C. W. (Ed.). Language aptitude reconsidered. Hoboken: Prentice Hall, 1990. p. 67-125.; WENDEN, 1987WENDEN, A. How to be a successful language learner: insights and prescriptions from L2 learners. In: WENDEN, A.; RUBIN, J. (Ed.). Learner strategies in language learning. London: Prentice Hall, 1987. p. 103-117.); (2) verificar a forma como a ansiedade dos alunos de LE pode ser influenciada por suas crenças e agir sobre a aprendizagem (HORWITZ, 1987HORWITZ, E. K. Surveying student beliefs about language learning. In: WENDEN, A.; RUBIN, J. (Org.) Learner strategies in language learning. London: Prentice-Hall International,1987. p. 119-129.); (3) entender a escolha e o uso de abordagens pelo professor (COTTERALL, 1995COTTERALL, S. Readiness for autonomy: investigating learner beliefs. System, Amsterdam, v. 23, n. 2, p. 195-205, 1995.; WENDEN, 1991WENDEN, A. Learner strategies for learner autonomy. London: Prentice Hall , 1991.); (4) compreender melhor a relação professor-aluno (BARCELOS, 2000BARCELOS, A. M. F. Understanding teachers’ and students’ language learning beliefs in experience: a Deweyan approach. 2000. Tese (Doutorado em Ensino de Inglês como Segunda Língua) - The University of Alabama, Tuscaloosa, 2000.; BARCELOS, 2003BARCELOS, A. M. F. As crenças de professores a respeito das crenças sobre aprendizagem de línguas de seus alunos. In: GIMENEZ, T. (Org.). Ensinando e aprendendo inglês na universidade: formação de professores em tempos de mudança. Londrina: ABRAPUI, 2003. p. 55-65.; GRADEN, 1996GRADEN, E. C. How language teachers’ beliefs about reading instruction are mediated by their beliefs about students. Foreign Language Annals, Washington, v. 29, n. 3, p. 387-395, 1996.; HORWITZ, 1987HORWITZ, E. K. Surveying student beliefs about language learning. In: WENDEN, A.; RUBIN, J. (Org.) Learner strategies in language learning. London: Prentice-Hall International,1987. p. 119-129.; KERN, 1995KERN, R. G. Students’ and teachers’ beliefs about language learning. Foreign Language Annals , Hoboken, v. 28, n. 1, p. 71-92, 1995.; KUMARAVADIVELU, 1991KUMARAVADIVELU, B. Language-learning tasks: teacher intention and learner interpretation. ELT Journal, Oxford, 1991.; OXFORD, 1990OXFORD, R. L. Styles, strategies, and aptitude: connections for language learning. In: PARRY, T. S.; STANSFIELD, C. W. (Ed.). Language aptitude reconsidered. Hoboken: Prentice Hall, 1990. p. 67-125.); (5) estabelecer um diálogo entre a divergência existente na relação teoria e prática no processo de aprendizagem de LE (BARCELOS, 2007BARCELOS, A. M. F. Reflexões acerca da mudança de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. Revista Brasileira de Linguística Aplicada , Belo Horizonte, v. 7, n. 2, p. 109-138, 2007.); e (6) conhecer o ensino e a aprendizagem enquanto atividades relacionais, além de cognitivas, que dizem respeito às emoções e crenças daqueles que estão envolvidos nesses processos. (BARCELOS; ARAGÃO, 2018BARCELOS, A. M. F.; ARAGÃO, R. C. Emotions in language teaching: a review of studies on teacher emotions in Brazil. Chinese Journal of Applied Linguistics, Berlin, v. 41, n. 4, p. 506-531, 2018.)

Como indicam os trabalhos de Pajares (1992PAJARES, M. F. Teachers’ beliefs and educational research: cleaning up a messy construct. Review of educational research, London, v. 62, n. 3, p. 307-332, 1992.), Gimenez (1994GIMENEZ, T. N. Learners becoming teachers: an exploratory study of beliefs held by prospective and practicing EFL teachers in Brazil. 1994. Tese (Doutorado) - University of Lancaster, Lancaster, 1994.) e Barcelos (2001BARCELOS, A. M. F. Metodologia de pesquisa das crenças sobre a aprendizagem de línguas: estado da arte. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 71-92, 2001.), o conceito de crenças já foi conhecido por outros nomes, como mini teorias de aprendizagem de língua de alunos (HOSENFELD, 1978HOSENFELD, C. Students’ mini theories of second language learning. Association Bulletin, [s. l.], v. 29, n. 2, 1978.), conhecimento metacognitivo (WENDEN, 1986WENDEN, A. Helping language learners think about learning. ELT Journal, Oxford , v. 40, n. 1, p. 3-12, 1986.), cultura de aprender línguas (ALMEIDA FILHO, 1993ALMEIDA FILHO, J. C. P. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. Campinas: Pontes, 1993.; BARCELOS, 1995BARCELOS, A. M. F. A cultura de aprender língua estrangeira (Inglês) de alunos formandos de Letras. 1995. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995.) e cultura de aprendizagem. (RILEY, 1997RILEY, P. The guru and the conjurer: aspects of counselling for self-access. In: BENSON, P.; VOLLER, P. (Org.) Autonomy and independence in language learning. New York: Longman, 1997. p. 114-131.) Segundo Pajares (1992PAJARES, M. F. Teachers’ beliefs and educational research: cleaning up a messy construct. Review of educational research, London, v. 62, n. 3, p. 307-332, 1992.), o conceito de crenças foi inicialmente consolidado com base nos princípios da Psicologia (NISBETT; ROSS, 1980NISBETT, R.; ROSS, L. Human inference: strategies and shortcomings of social judgment. Englewood Cliffs: Prentice, 1980.; ROKEACH, 1968ROKEACH, M. Beliefs, attitudes, and values: a theory of organization and change. San Francisco: Jossey-Bass, 1968.), da Psicologia Cognitiva (NESPOR, 1987NESPOR, J. The role of beliefs in the practice of teaching. Journal of Curriculum Studies, Abingdon-on-Thames, v. 19, p. 317-32, 1987.) e da Educação. (CALDERHEAD; ROBSON, 1991CALDERHEAD, J.; ROBSON, M. Images of teaching: student teachers’ early conceptions of classroom practice. Teaching & Teacher Education, Amsterdam, v. 7, p. 1-8, 1991.; ERNEST, 1989ERNEST, P. The knowledge, beliefs and attitudes of the mathematics teacher: a model. Journal of Education for Teaching, London, v. 15, p. 13-34, 1989.; GOODMAN, 1988GOODMAN, J. Constructing a practical philosophy of teaching: a study of preservice teachers’ professional perspectives. Teaching & Teacher Education , Amsterdam, v. 4, p. 121-137, 1988.; PAJARES, 1992PAJARES, M. F. Teachers’ beliefs and educational research: cleaning up a messy construct. Review of educational research, London, v. 62, n. 3, p. 307-332, 1992.) A partir desses princípios, de forma resumida, as crenças são fundamentadas em um pressuposto existencial, permitem alteração da realidade, são compostas por carga afetiva e avaliativa e são apoiadas na memória episódica das pessoas. Conforme Barcelos (2015BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015.), em sua conceitualização complementar à de Barcelos (2006BARCELOS, A. M. F. Cognição de professores e alunos: tendências recentes na pesquisa de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. In: BARCELOS, A. M. F.; VIEIRA-ABRAHÃO, M. H. (Org.). Crenças e ensino de línguas: foco no professor, no aluno e na formação de professores. Campinas: Pontes , 2006. p. 15-41.), as crenças são:

dinâmicas e emergentes, socialmente construídas e contextualmente situadas, potencialmente paradoxais e dialógicas, isto é: elas são sociais e individuais, compartilhadas, diversas e uniformes; e constituem um sistema dinâmico complexo que é inter-relacionado, integrado, não linear, multidimensional e multifacetado.2 2 No original: “dynamic and emergent, socially constructed and contextually situated, potentially paradoxical and dialectal, that is: They are social and individual, shared, diverse and uniform; and constitute a complex dynamic system that is interrelated, embedded, nonlinear, multidimensional and multilayered”. (BARCELOS, 2015BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015., p. 304-305, tradução nossa)

O que difere esta definição daquela apresentada em Barcelos (2006BARCELOS, A. M. F. Cognição de professores e alunos: tendências recentes na pesquisa de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. In: BARCELOS, A. M. F.; VIEIRA-ABRAHÃO, M. H. (Org.). Crenças e ensino de línguas: foco no professor, no aluno e na formação de professores. Campinas: Pontes , 2006. p. 15-41.) é o acréscimo do aspecto dialógico às características das crenças e a apresentação do sistema que elas constituem. De acordo com Pajares (1992PAJARES, M. F. Teachers’ beliefs and educational research: cleaning up a messy construct. Review of educational research, London, v. 62, n. 3, p. 307-332, 1992.), o sistema de crenças, juntamente com outros assuntos, forma o grupo de aspectos que devem ser especialmente considerados nas pesquisas que tratam desse construto. Esses outros assuntos tratam da formação das crenças, de sua natureza e tipo, das mudanças que elas sofrem e da ação que exercem sobre diferentes contextos.

As características das crenças são facilmente percebidas em momentos de interação social em que a fala revela o sistema de crenças e as torna conhecidas do próprio falante. Com isso, a integração das experiências resultantes da fala revela as formas de pensar e o sistema conceitual daqueles que interagem. Nessa perspectiva, o sistema de crenças é tido como sendo potencialmente paradoxal, dinâmico, complexo, não linear, integrado, multifacetado e multidimensional. (BARCELOS, 2015BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015.)

O Diagrama 1 representa o sistema que as crenças constituem e a interação de suas características, destacando o entrelaçamento das características das crenças, fortemente beneficiado pelas interações de fala. (MARTINS, 2020MARTINS, A. M. S. G. F. Crenças de acadêmicos de letras sobre a pronúncia de língua inglesa a partir da metáfora conceitual: lentes que revelam um paradoxo. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2020.)

Diagrama 1
Entrelaçamento de características das crenças

Considerando as características das crenças e o sistema que elas formam, as escolhas metodológicas adotadas para pesquisas sobre crenças são um outro assunto frequentemente discutido e organizado por vários autores.

Elas têm nomenclaturas e princípios norteadores distintos, e as abordagens metodológicas mais conhecidas são chamadas de convencional e discursiva (KALAJA, 1995KALAJA, P. Student beliefs (or metacognitive knowledge) about SLA reconsidered. International Journal of Applied Linguistics, Hoboken, v. 5, n. 2, 1995. p. 191-204.); normativa, metacognitiva e contextual (BARCELOS 2003BARCELOS, A. M. F. As crenças de professores a respeito das crenças sobre aprendizagem de línguas de seus alunos. In: GIMENEZ, T. (Org.). Ensinando e aprendendo inglês na universidade: formação de professores em tempos de mudança. Londrina: ABRAPUI, 2003. p. 55-65.); psicocognitiva, sociocultural e ecológica (BERNAT et al., 2009BERNAT, E.; CARTER, N.; HALL, D. Beliefs about language learning: exploring links to personality traits. University of Sydney Papers in TESOL, Sydney, v. 4, n. 4, p. 115-148, 2009.); tradicional e contextual. (KALAJA et al., 2016KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Key issues relevant to the studies to be reported: beliefs, agency and identity. In: KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M.; RUOHOTIE-LYHTY, M. Beliefs, agency and identity in foreign language learning and teaching. London: Palgrave Macmillan, 2016. p. 8-24.) Essa última, a contextual, compreende linhas de pesquisa descritas por Kalaja et al. (2018KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Revisiting research on L2 learner beliefs: looking back and looking forward. In: GARRET, P.; COTS, J. M. (Ed.). The Routledge handbook of language awareness. New York: Routledge, 2018. p. 222-237.) como as viradas discursiva, dialógica, sociocultural e ecológica. Nesse sentido, as autoras apontam o uso de diferentes instrumentos de coleta e de procedimentos de análise dos dados como um item necessário para os estudos de crenças, assim como sugerem que as pesquisas representem os participantes com suas histórias e experiências, o que caracteriza o aspecto contextual do trabalho ao qual este texto se refere.

Na próxima seção, farei menção ao conceito de emoções e à sua inter-relação de reciprocidade com o conceito de crenças.

3 Emoções

Uma razão para tratar de emoções neste trabalho está no fato de emoções representarem um elemento importante nos estudos de crenças, ao passo que ambos os construtos estão interconectados. (ARAGÃO, 2011ARAGÃO, R. Beliefs and emotions in foreign language learning. System, Amsterdam, v. 39, n. 3, p. 302-313, 2011.; BARCELOS, 2015BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015.) Apoiada em estudos da Psicologia, Barcelos (2015BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015.) indica que as emoções e as crenças de uma pessoa estão ligadas de formas complexas, e que uma exerce influência sobre a outra, em uma relação de reciprocidade. Outro motivo pelo qual apresento uma seção específica para o conceito de emoções é a relação existente entre emoções e pronúncia, que também se constitui como um conceito relevante para a pesquisa que deu origem a este trabalho.

Em contexto de ensino e aprendizagem da LI, a pronúncia é reconhecida como sendo responsável por modificar as emoções dos alunos de uma forma que nenhum outro aspecto é capaz de fazer. De acordo com Scovel (2000SCOVEL, T. Learning new languages: a guide to second language acquisition. Boston: Heinle & Heinle, 2000.), a pronúncia é capaz de modificar as emoções, que por sua vez são entendidas como a “força mais influente na aquisição de línguas” (p. 140) e que, juntamente com outras variáveis afetivas, constituem a área menos entendida no processo de ensino de aprendizagem de LE. As emoções podem agir sobre a identidade, as crenças e o comportamento dos atores do processo de ensino e aprendizagem de LE. Ainda, de acordo com Dewey (1933DEWEY, J. How we think. Lexington: D. C. Heath, 1933.), crenças relacionadas às emoções, chamadas de pet beliefs, são reconhecidas como aquelas com as quais as pessoas enfrentam mais dificuldade de desvinculação. Outro assunto capaz de apresentar tal dificuldade é o que trata de crenças sobre identidade, que também representam resistência para o desapego.

Dentro da abordagem contextual de pesquisa sobre crenças há linhas de pesquisa conhecidas como viradas discursiva, sociocultural dialógica e afetiva. A virada afetiva também é conhecida por virada emocional, e foi propulsionada pelos trabalhos de Pavlenko (2005PAVLENKO, A. Emotions and multilingualism. Cambridge: Cambridge University Press , 2005.) e Dewaele (2010DEWAELE, J. M. Emotions in multiple languages. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010.). Essa virada abarca pesquisas em que crenças são investigadas juntamente com emoções, especialmente através do conceito de ansiedade. Tal parceria é justificada por Aragão (2011ARAGÃO, R. Beliefs and emotions in foreign language learning. System, Amsterdam, v. 39, n. 3, p. 302-313, 2011.), com base na relação de fortalecimento e de enfraquecimento das crenças por parte das emoções. Além disso, o autor destaca que as emoções também podem influenciar a medida de atenção que um aluno pode dedicar a uma determinada crença. Apesar de se tratar de estudos recentes na LA, a dimensão afetiva das crenças tem sido gradativamente mais considerada em estudos da área. (KALAJA et al., 2018KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Revisiting research on L2 learner beliefs: looking back and looking forward. In: GARRET, P.; COTS, J. M. (Ed.). The Routledge handbook of language awareness. New York: Routledge, 2018. p. 222-237.)

Da mesma forma que o conceito de crenças é cercado por dificuldades de definição de seu construto, o conceito de emoções também é apresentado como sendo de difícil definição. Estudos que tratam das emoções de professores e de seu bem-estar (MERCER et al., 2016MERCER, S.; OBERDORFER, P.; SALEEM, M. Helping language teachers to thrive: using positive psychology to promote teachers’ professional well-being. In: GABRYS-BARKER, D.; GALAJDA, D. Positive psychology perspectives on foreign language learning and teaching. Middletown: Springer , 2016. p. 213-229.) e que dizem respeito às emoções deles sobre o ensino e sobre seus alunos (RUOHOTIE-LYHTY et al., 2017RUOHOTIE-LYTHY, M.; KORPPI, A.; MOATE, J.; NYMAN, T. Seeking understanding of foreign language teachers’ shifting emotions in relation to pupils. Scandinavian Journal of Educational Research, Amsterdam, v. 62, n. 2, p. 272-286, 2017.) têm apresentado o conceito de emoções como sendo complexo e difícil de se definir, de forma que se pode dizer que há tantas definições de emoções quanto há diferentes tipos delas. Interagir com elas e nominá-las também não é uma tarefa fácil, ao passo que as pessoas nem sempre conseguem colocar suas emoções em palavras. Contudo, três termos têm sido mais usados para tratar desse conceito: afeto (ARNOLD; BROWN, 1999ARNOLD, J.; BROWN, H. D. A map of the terrain. In: ARNOLD, J. (Ed.). Affect in language learning. Cambridge: Cambridge University Press,1999. p. 1-24.), emoções (MATURANA, 2001MATURANA, H. R. Biologia do conhecer e epistemologia. In: MATURANA, H. R. Cognição, ciência e vida cotidiana. Organização e tradução de Cristina Magro e Victor Paredes. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 19-124.) e sentimentos. (KALAJA, 2003KALAJA, P. Research on students’ beliefs about SLA within a discursive approach. KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F. (Ed.). Beliefs about SLA: new research approaches. Middletown: Springer , 2003. p. 87-108.)

Para Barcelos e Aragão (2018BARCELOS, A. M. F.; ARAGÃO, R. C. Emotions in language teaching: a review of studies on teacher emotions in Brazil. Chinese Journal of Applied Linguistics, Berlin, v. 41, n. 4, p. 506-531, 2018.), as emoções são organizadas em três perspectivas: a pós-estruturalista, a da biologia da cognição e a da teoria sociocultural. Na perspectiva pós-estruturalista, as “emoções são essenciais para uma compreensão melhor das identidades dos professores e da transformação de seus eus”.3 3 No original: “Emotions are then essential to a better understanding of teachers’ identities and the transformation of their selves”. (BARCELOS; ARAGÃO, 2018BARCELOS, A. M. F.; ARAGÃO, R. C. Emotions in language teaching: a review of studies on teacher emotions in Brazil. Chinese Journal of Applied Linguistics, Berlin, v. 41, n. 4, p. 506-531, 2018., p. 508, tradução nossa) Na perspectiva da biologia da cognição, elas “representam várias formas de ser em relação às dinâmicas do ambiente ao redor”.4 4 No original: “represent various ways of being in relation to the dynamics of the immediate environment (BARCELOS; ARAGÃO, 2018BARCELOS, A. M. F.; ARAGÃO, R. C. Emotions in language teaching: a review of studies on teacher emotions in Brazil. Chinese Journal of Applied Linguistics, Berlin, v. 41, n. 4, p. 506-531, 2018., p. 508, tradução nossa) Na perspectiva da teoria sociocultural, as “emoções são entendidas conforme elas se relacionam com o comportamento e a atividade humana”.5 5 emotions are understood as they relate to human behavior and activity”. (BARCELOS; ARAGÃO, 2018BARCELOS, A. M. F.; ARAGÃO, R. C. Emotions in language teaching: a review of studies on teacher emotions in Brazil. Chinese Journal of Applied Linguistics, Berlin, v. 41, n. 4, p. 506-531, 2018., p. 508, tradução nossa) Assim, as emoções atuam como agentes sobre a identidade; são capazes de modificar crenças e, portanto, agir sobre o comportamento dos alunos; ao passo que também são acessadas através dos relacionamentos entre as pessoas. Trata-se de uma inter-relação entre crenças, emoções e identidade que, juntamente com a complexidade do próprio construto de crenças, torna as pesquisas científicas dessa área tarefas difíceis. (ARAGÃO, 2011ARAGÃO, R. Beliefs and emotions in foreign language learning. System, Amsterdam, v. 39, n. 3, p. 302-313, 2011.; BARCELOS, 2015BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015.)

No que diz respeito à análise de dados sobre crenças, a articulação entre eles e as emoções dos participantes podem, per si, ser entendida como um fenômeno importante para a melhor compreensão dos dados. (ARAGÃO; CAJAZEIRA, 2017; BARCELOS, 2015BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015.; BARCELOS; ARAGÃO, 2018BARCELOS, A. M. F.; ARAGÃO, R. C. Emotions in language teaching: a review of studies on teacher emotions in Brazil. Chinese Journal of Applied Linguistics, Berlin, v. 41, n. 4, p. 506-531, 2018.) Ao ser vinculada com a linguagem, a comunicação, o sistema conceitual humano (LAKOFF; JOHNSON, 2003LAKOFF G.; JOHNSON, M. Metaphors we live by. Chicago: University of Chicago Press, 2003.) e as experiências (DEWEY, 2008DEWEY, J. The later works of John Dewey, Volume 4, 1925-1953: 1929: The quest for certainty. SIU Press, 2008) vividas pelos participantes tem-se um fenômeno de associação entre diferentes vozes que constituem o sistema de crenças das pessoas.

Diante da vinculação entre os conceitos de crenças e emoções; da complexidade que ambos apresentam em suas definições; da importância deles para estudos que contribuam com o processos de ensino e aprendizagem de uma LE; da necessidade de implementação de novas ferramentas de pesquisa que possam contribuir com estudos em LA; e na tentativa de contribuir para o aumento da diversidade de ferramentas de pesquisa, apresento, na seção 4, o círculo de diálogo. Trata-se de uma ferramenta que oferece ambiente seguro para a fala e escuta acolhedora para o relato das opiniões, emoções e histórias de aprendizagem, que juntamente com a motivação, a necessidade, a habilidade, o estilo de aprendizagem e o contexto cultural, compreendem a diversidade. (RICHARDS; BURNS, 2012RICHARDS, J. C.; BURNS, A. (Ed.). The Cambridge guide to pedagogy and practice in second language teaching. Cambridge: Cambridge University Press , 2012.)

4 Círculo de diálogo

Conforme sugerem Kalaja et al. (2018KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Revisiting research on L2 learner beliefs: looking back and looking forward. In: GARRET, P.; COTS, J. M. (Ed.). The Routledge handbook of language awareness. New York: Routledge, 2018. p. 222-237.), os estudos de crenças podem ser mais beneficiados com aplicação de diferentes instrumentos de geração de dados e procedimentos de análise desses dados. Entre outros aspectos, as autoras apontam que as histórias e experiências dos participantes devem ganhar destaque nas pesquisas contextuais sobre crenças. É nessa perspectiva que este trabalho apresenta o círculo de diálogo como uma alternativa para proporcionar ambiente seguro e tranquilo para o compartilhamento de experiências e histórias por parte dos participantes, em pesquisas que investigam crenças em LA. Então, introduzo a seguir a origem dessa ferramenta, sua descrição e um relato sobre sua função e importância em uma pesquisa de doutorado que trata de crenças de acadêmicos do curso de Licenciatura em Letras Inglês da UTFPR-CT, sobre a pronúncia de LI, da qual foi feito o recorte para este trabalho.

4.1 Elementos constituintes do círculo de diálogo

O modelo de círculo de diálogo que apresento aqui tem origem no Círculo de Construção de Paz (CCP), uma das ferramentas de trabalho usadas nas práticas de Justiça Restaurativa (JR), que surgiu nos Estados Unidos nos anos 1970, através de projetos-piloto desenvolvidos por comunidades menonitas que se dedicavam a aplicar sua fé e visão de paz ao campo da justiça criminal. Hoje, práticas da JR como o círculo de diálogo são consideradas uma combinação de elementos-chave de noções de direitos humanos com abordagens tradicionais sobre conflito. Com isso, em diferentes países, inclusive no Brasil, tais práticas alcançaram contextos de escolas, universidades, locais de trabalho e instituições religiosas. (ZEHR, 2015ZEHR, H. Justiça Restaurativa. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena . 2015.) Ao ser usada em diferentes ambientes, a JR também passou a ser conhecida por diferentes nomes, podendo ser chamada de prática restaurativa ou abordagem restaurativa, como é reconhecida em ambiente escolar. A característica do círculo de diálogo que me faz afirmar que essa ferramenta contribui com as pesquisas contextuais está no respeito com que a ferramenta acolhe diferentes pontos de vistas dos participantes. Isso gera um ambiente seguro para compartilhamento de suas ideias e dos conflitos nos quais estão inseridos. Esse acolhimento é proporcionado pela boa articulação entre os elementos que constituem o círculo de diálogo, especialmente as noções de escuta ativa e de confidencialidade. Ambas representam valores que dão suporte para a ferramenta.

Os elementos do círculo de diálogo são o coordenador ou facilitador, as cerimônias, as orientações, o bastão de fala e o processo decisório consensual. O coordenador ou facilitador tem a tarefa de contribuir para que os participantes acessem seus próprios conhecimentos e o conhecimento coletivo disposto nos círculos de diálogo. Conforme Pranis (2010PRANIS, K. Processos circulares de construção de paz. São Paulo: Palas Athena, 2010.), o papel do coordenador ou facilitador não é de neutralidade como normalmente se vê em outros modelos de resolução de conflito. Em vez disso, o coordenador ou facilitador pode expor aos participantes seus pensamentos, suas ideias e suas histórias. Porém, em hipótese alguma essa pessoa pode tentar convencer os participantes sobre conceitos trazidos em suas falas. Essa pessoa também não tem a função de encontrar soluções para o grupo. O coordenador ou facilitador é o único que pode falar, se necessário, sem o bastão de fala, o objeto que define a pessoa que tem o direito e o momento de fala no círculo.

Em se tratando das partes do círculo de diálogo, a cerimônia de abertura dá início ao círculo e estabelece o tempo e o espaço dessa ferramenta. Nesse momento, o coordenador ou facilitador do círculo acolhe os participantes e com uma leitura de sua preferência, ajuda os participantes a se acomodarem, deixando o ritmo estressante da vida para se encaixarem ao ritmo do círculo, que celebra a presença dos participantes em clima de otimismo. (PRANIS, 2010PRANIS, K. Processos circulares de construção de paz. São Paulo: Palas Athena, 2010.) As orientações são construídas de forma colaborativa quando o coordenador ou facilitador solicita que os participantes falem sobre o que esperam uns dos outros no círculo. Suas expectativas, então, são transformadas em orientações que devem considerar alguns valores que apoiam o círculo, como a escuta respeitosa e ativa, o compromisso de confidencialidade, a voluntariedade, o respeito ao objeto da palavra, a fala em primeira pessoa e o não julgamento, conforme orienta Pranis (2010PRANIS, K. Processos circulares de construção de paz. São Paulo: Palas Athena, 2010.). O bastão de fala é um objeto de escolha do coordenador ou facilitador, que define qual participante do círculo tem o direito de falar nas diferentes rodadas de conversa. Com isso, o bastão de fala automaticamente determina que os outros participantes pratiquem a escuta respeitosa e ativa da fala daquele que o segura. Por meio do bastão, o círculo ganha um ritmo desacelerado de conversa, de forma que as participações de cada integrante podem ser refletidas e sentidas de modo cuidadoso. Por ordenar as falas ao estabelecer quem tem o direito de se expressar nos diferentes momentos, o bastão também atua como um inibidor de discussões alteradas, ou seja, respeitando o bastão de fala, os participantes não são interrompidos e todos podem desenvolver seu raciocínio de forma tranquila até terminarem de verbalizar seus pontos de vista. Aquele que está de posse do bastão também pode escolher por não falar nada e assim promover um tempo de silêncio para o círculo. Esse elemento do círculo de diálogo traz um conceito importante para o desenvolvimento de ambiente seguro e respeitoso: a equalização das falas. Através dessa equalização todos os participantes e suas falas são considerados igualmente importantes. Assim, à medida que cada participante segura o bastão de fala, os outros o ouvem intencionalmente. Ao passar o bastão adiante, aquele novo participante que o segura se torna o foco da atenção de todos. Com isso, cada participante pode se expressar sobre o tópico ou pergunta expostos pelo facilitador, bem como sobre as ideias dos participantes que já estiveram com o bastão de fala. O processo decisório consensual nem sempre é necessário em um círculo de diálogo. Ele tem o objetivo de estabelecer decisões para o relacionamento entre as partes envolvidas no círculo, o que pode não ser pertinente a todos os casos. As situações em que esse elemento é exigido estão diretamente relacionadas a contextos claros de conflito. Nesses casos, o processo decisório consensual acontece entre a última rodada de conversa e a cerimônia de encerramento. As decisões tomadas ali precisam ser fundamentadas com base no compromisso dos participantes de compreender as necessidades e interesses de todos, não apenas as suas. O recorte de pesquisa que relato neste trabalho não usou esse elemento nos círculos de diálogos que aplicou.

Na próxima seção, apresento a pesquisa original da qual o recorte foi extraído. Trata-se de uma pesquisa de doutorado que investiga as crenças de doze acadêmicos do curso de Licenciatura em Letras Inglês da UTFPR-CT, sobre a pronúncia de LI.

5 A pesquisa

Conforme sugestão de Barcelos e Kalaja (2006BARCELOS, A. M. F.; KALAJA, P. Conclusion: exploring possibilities for future research on beliefs about SLA. In: KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F. (Ed.). Beliefs about SLA: new research approaches. Vol. 7. Middletown: Springer, 2006. p. 231-238.), a aplicação do processamento metafórico dos dados foi motivada pela perspectiva de Kalaja et al. (2018KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Revisiting research on L2 learner beliefs: looking back and looking forward. In: GARRET, P.; COTS, J. M. (Ed.). The Routledge handbook of language awareness. New York: Routledge, 2018. p. 222-237.), que abordam a necessidade de estudos de crenças fazerem uso de novos conceitos e ferramentas de análise.

Para geração de dados, foram usados dois instrumentos: entrevistas semiestruturadas (FONTANA; FREY, 2000FONTANA, A.; FREY, J. H. The interview: from structured questions to negotiated text. Handbook of qualitative research, London, v. 2, n. 6, p. 645-672, 2000.) e círculos de diálogo. (PRANIS, 2010PRANIS, K. Processos circulares de construção de paz. São Paulo: Palas Athena, 2010.; ZEHR 2015ZEHR, H. Justiça Restaurativa. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena . 2015.) As entrevistas foram realizadas com cada participante individualmente e organizadas em vinte perguntas que pediam relato sobre sua aprendizagem de LI, suas emoções em situações de fala e de aprendizagem da pronúncia, suas opiniões sobre boa pronúncia e formas de desenvolvê-las, sobre a pronúncia parecida com a de um falante nativo e sobre a importância da pronúncia. Foram feitos dois círculos de diálogo, um com os acadêmicos do 5º período e outro com os do 8º período. As rodadas de conversa que constituíram os círculos de diálogo traziam dados das entrevistas e nelas os participantes foram solicitados a opinar ou comentar aqueles dados.

A metodologia de pesquisa adotada para a investigação que deu origem a este trabalho se enquadra no paradigma interpretativista que prevê uma ligação entre a diversidade dos participantes e a reflexividade do pesquisador, bem como da pesquisa, conforme indica Flick (2009FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.). No que diz respeito às abordagens metodológicas encontradas em estudos de crenças, trata-se de um trabalho que se enquadra na abordagem contextual de Barcelos (2001BARCELOS, A. M. F. Metodologia de pesquisa das crenças sobre a aprendizagem de línguas: estado da arte. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 71-92, 2001.; 2006BARCELOS, A. M. F. Cognição de professores e alunos: tendências recentes na pesquisa de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. In: BARCELOS, A. M. F.; VIEIRA-ABRAHÃO, M. H. (Org.). Crenças e ensino de línguas: foco no professor, no aluno e na formação de professores. Campinas: Pontes , 2006. p. 15-41.) e pertence à virada dialógica, conforme indicação de Kalaja et al. (2018KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Revisiting research on L2 learner beliefs: looking back and looking forward. In: GARRET, P.; COTS, J. M. (Ed.). The Routledge handbook of language awareness. New York: Routledge, 2018. p. 222-237.). As bases lógicas da pesquisa foram estabelecidas pelo método dialético e os meios técnicos se apoiaram no método comparativo (GIL, 2008GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.), especialmente para a construção do inventário metafórico transversal das crenças dos participantes. As bases teóricas se beneficiam do interacionismo simbólico e do social construtivismo, por considerar o ponto de vista dos participantes e por valorizar seu papel ativo em relação ao objeto da pesquisa e na construção da realidade. Quanto à metodologia usada para categorização e subcategorização metafórica dos dados, foram usadas as orientações para processamento metafórico de Lakoff e Johnson (2003LAKOFF G.; JOHNSON, M. Metaphors we live by. Chicago: University of Chicago Press, 2003.), com destaque para o critério de flexibilização e para as ações de esconder e destacar conceitos.

A hipótese dessa pesquisa de doutorado previa uma situação paradoxal e de conflito entre o que os participantes dizem ser importante sobre a pronúncia e o que eles querem para suas próprias pronúncias - o que é referenciado no título deste trabalho. Essa hipótese começou a ser corroborada quando da realização das entrevistas com cada um deles. Nesse momento, ao interagirem com as primeiras perguntas, alguns pressupostos relacionados ao conceito de Inglês como Língua Franca (ILF) começaram a emergir nas falas dos participantes. Essas ideias mostram suas crenças relacionadas à inteligibilidade, variedade de pronúncia, dificuldade para se referir a uma pronúncia como sendo boa ou ruim e ao mesmo tempo dificuldade para descrever a pronúncia sem o uso desses adjetivos. Palavras como bom e ruim, certo e errado foram evitadas pelos participantes na tentativa de não classificar a pronúncia de um aprendiz, considerando que elas podem ser diferentes. Por outro lado, conforme as entrevistas se desenvolviam e os participantes ponderavam sobre suas opiniões e objetivos pessoais, o conceito de Inglês como Língua Estrangeira (ILE) também surgiu como integrante de suas crenças, indicando que o falante nativo não está morto. (PAIKEDAY; CHOMSKY, 1985PAIKEDAY, T. M.; CHOMSKY, N. The native speaker is dead! An informal discussion of a linguistic myth with Noam Chomsky and other linguists, philosophers, psychologists, and lexicographers. Toronto: Lexicography Inc., 1985.) O conceito de ILE também foi relacionado às estratégias que eles usam para desenvolver sua pronúncia e a aspiração que têm para si na condição de falantes não nativos da LI. Esse descompasso, a que chamo de conflito enfrentado pelos participantes, foi verbalizado em alguns momentos das entrevistas, além de ter sido notado em suas expressões faciais e corporais, suas pausas e visível desconforto durante as interações. É esse contexto de conflito e de afloramento de emoções dos participantes que receberam escuta acolhedora e espaço respeitoso para exposição das crenças de cada um deles nos círculos de diálogo.

Os excertos a seguir exemplificam os momentos de conflito e as emoções de alguns participantes ao entrar em contato com as características dinâmicas, emergentes, dialógicas, inconscientes, contraditórias e paradoxais de suas crenças. (BARCELOS, 2015BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015.; BARCELOS; KALAJA, 2006BARCELOS, A. M. F.; KALAJA, P. Conclusion: exploring possibilities for future research on beliefs about SLA. In: KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F. (Ed.). Beliefs about SLA: new research approaches. Vol. 7. Middletown: Springer, 2006. p. 231-238.; DUFVA, 2006DUFVA, H. Beliefs in dialogue: a Bakhtinian view. In: KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F. (Ed.). Beliefs about SLA: new research approaches. Middletown: Springer , 2006. p. 37-54. v. 7., ROKEACH, 1968ROKEACH, M. Beliefs, attitudes, and values: a theory of organization and change. San Francisco: Jossey-Bass, 1968.; WOLTERS, 2019WOLTERS, A. M. A criação restaurada: base bíblica para uma cosmovisão reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2019.)

Eu nunca pensei que a gente precisasse treinar essa musculatura para poder ter… não ter uma boa pronúncia, né, abre aspas, boa pronúncia. Mas para você conseguir produzir melhor. Eu acho que essa é a questão, produzir melhor, mas não ser o bom, né. (P3, entrevista semiestruturada - 00:11:16)

Eu acho que isso entrava um pouco na minha pronúncia, porque às vezes as pessoas pronunciam algumas coisas não devidamente, mas a gente entende. Mas eu não queria ser essa pessoa, eu queria ser a pessoa que iria pronunciar tudo devidamente, tudo de uma forma correta.6 6 A transcrição das entrevistas e dos círculos de diálogo deste trabalho preserva características da oralidade dos participantes. (P11, entrevista semiestruturada - 00:17:43)

O excerto extraído da entrevista semiestruturada feita com P3 é trazido aqui para exemplificar a recusa em tratar uma pronúncia como boa ou ruim. Por isso, esse participante recorre ao uso da expressão “abre aspas”. Essa escolha, porém, não exclui seu interesse em melhorar a própria pronúncia. É como se P3 não se permitisse considerar que uma pronúncia pode ser boa, o que automaticamente abriria a possibilidade de outra pronúncia ser ruim. Apesar disso, P3 reconhece que o treino pode tornar a pronúncia de uma pessoa melhor. Para P11, a escolha alternativa para descrever a pronúncia é a expressão “não devidamente” que equivaleria a errado, e “devidamente” que equivaleria a certo. Quanto à figura do falante nativo, P6 diz:

Ah, dá um orgulho, assim, na verdade. Eu gosto de ter a pronúncia o mais parecida com nativo possível, e eu sei que não é em todos os momentos. Não são todos os momentos que eu tenho a pronúncia parecida com nativo. (P6, entrevista semiestruturada - 00:10:50)

A fala de P6 é declaradamente a favor de uma pronúncia que se pareça com a de um falante nativo, o que atribui satisfação e orgulho ao seu desempenho em situações em que ele mesmo foi confundido com um falante nativo. Quanto a P7, a conversa a seguir apresenta seu conflito:

Pesquisadora: Você acha importante ter a pronúncia parecida com a do falante nativo?

P7: Hoje em dia eu es… tenho dúvida entre duas visões conflitantes

Pesquisadora: Você tem o quê?

P7: Duas visões conflitantes. Então, eu penso realmente na questão de língua franca, e eu também defendo que existe um inglês brasileiro. Então… até esses tempos alguém me perguntou: ah, mas que inglês você fala? Eu falo: ah, o inglês brasileiro. Que inglês você prefere? O inglês brasileiro. Porque eu não posso me distanciar, se eu falo inglês britânico, não, eu não tenho qualquer contato com a língua nativa, eu tenho contato com o que eu consigo… com o que eu falo aqui, né.

Pesquisadora: Então você acha que não é importante ter a fala parecida, né?

P7: Eu acho que é importante, mas eu também vejo que em certos contextos, algumas pessoas, especialmente quando você está dando aula, elas vão te pedir muito a fala igual à do nativo. Principalmente se você vai pedir emprego como professor de língua inglesa, você tem que dar aquela parecida com aquele nativo, você tem que ter um “hot” mais inglês, para chamar a atenção de que, talvez, você saiba falar um sotaque mais britânico. Então eu acho que nesse ponto, às vezes você precisa ensinar um pouco, principalmente dentro do curso de Letras, precisa ficar parecido com o nativo. Principalmente por causa do emprego, porque você parecer um nativo… às vezes você, nem precisa, você pode ter um, não saber tanto, mas você fazer aquela pronúncia do inglês britânico, as pessoas vão achar você muito mais importante. (P7, entrevista semiestruturada - 00:14:52)

Meu diálogo com P7 também é claro ao mostrar seus conflitos no que diz respeito aos conceitos de ILF e ILE. Esse participante também é consciente de que suas crenças são contraditórias e paradoxais, como ele mesmo verbaliza. A seguir, trechos de P11, que desde o início da entrevista defendeu que o mais importante é que a pronúncia seja inteligível. Essa participante também mostra que para si a vontade é de ter a pronúncia parecida com a de um nativo, como se vê em suas respostas às perguntas “Pra você, o que é ter uma boa pronúncia?” e “Como você considera a sua pronúncia?”

Ai, que difícil. Eu acho que uma boa pronúncia é aquela que faz com que a minha mensagem seja transmitida. Tipo, eu quero passar uma mensagem… claro que eu não tenho poder sobre o que a outra pessoa vai entender, mas em aspecto comunicativo, assim, eu acho que uma boa pronúncia é aquela que eu vou falar e a pessoa que está conversando comigo vai entender o que eu quis dizer. […]

Nossa. Gente, é uma autoanálise. Vamos lá, como que eu considero a minha pronúncia? Eu considero ‘ela’ boa, é comunicável, assim. Acho que a minha pronúncia é boa pelo fato de pessoas me entenderem, eu acho que ela é de uma certa forma agradável; agradável para mim, pelo menos, porque eu não me sinto desconfortável com a minha própria voz. Eu acho que é isso. Como eu falei da parte de ser entendido, eu acho que eu sou uma pessoa que se faz entendida quando eu preciso conversar com outras pessoas. Então eu acho que eu considero a minha pronúncia boa. (P11, entrevista semiestruturada - 00:15:29)

E eu não sei se existe uma pronúncia certa sobre isso. E eu não posso dizer que… e é a minha língua materna, então eu não acho que seja legal a gente falar que exista uma pronúncia certa ou errada. Mas realmente eu gosto que corrijam a minha pronúncia pra eu melhorar. Então eu não sei se eu tô sendo hipócrita, eu não sei, na verdade, se eu sou hipócrita de falar que eu não gosto que exista uma pronúncia certa ou errada. Mas eu gosto que corrijam a minha pronúncia, e eu corro muito atrás de dicionários pra saber como que as palavras são pronunciadas, pra não levar pra sala de aula uma pronúncia inadequada. Mas eu tenho em mente que existem vários tipos de pronúncia pra uma mesma palavra, até porque existem sotaques diferentes e dentro dos próprios sotaques existem pessoas que falam de maneiras diferentes. Então eu não sei se eu tô sendo hipócrita, eu gostaria de saber a opinião dos meus colegas de roda de conversa. Obrigada. (P11, círculo de diálogo - 00:11:48)

Esse, então, é o contexto em que este recorte de pesquisa se encontra. Nele, os participantes têm repertórios de aprendizagem diferentes uns dos outros, também têm preferências diferentes quanto à pronúncia de LI e lidam com situações de conflito consigo mesmos, no que se refere a suas crenças. Considerando esse ambiente, apresento, na sexta seção, os círculos de diálogo realizados como uma das ferramentas para geração de dados da pesquisa. A escolha por tal ferramenta se justifica primordialmente por se tratar de um instrumento acolhedor para diferentes crenças, emoções e conflitos.

6 O círculo de diálogo como ferramenta para a LA

Os dois círculos de diálogo reportados aqui foram realizados na sala de reuniões do Departamento Acadêmico de Línguas Estrangeiras Modernas da UTFPR-CT. O círculo feito com os participantes do 5º período aconteceu no dia 10 de dezembro de 2019 e as rodadas de conversa duraram 27 minutos e 23 segundos.7 7 Não fazem parte deste período o tempo gasto com os agradecimentos e acolhida dos alunos, nem o tempo das cerimônias ou das orientações. O que aconteceu com os participantes do 8º período se deu no dia 4 de dezembro de 2019 e as rodadas de conversa duraram uma hora, 15 minutos e 18 segundos. A diferença de duração entre os dois círculos de diálogo se deve principalmente ao número menor de participantes no círculo do 5º período, porque dois deles não puderam comparecer. Também, porque os quatro participantes que estiveram ali se atrasaram para esse compromisso, o que diminuiu o tempo que eles tinham disponível essa tarefa.

Da mesma maneira que nas entrevistas semiestruturadas, durante a realização dos círculos de diálogo as crenças contraditórias e as opiniões diferentes dos participantes emergiram. Novamente, essas características na interação não são um problema para a aplicação do círculo de diálogo, ao contrário, elas representam um contexto que pode se beneficiar dessa ferramenta, originalmente pensada para solução de conflitos. Nesse sentido, apresento aqui trechos das falas dos participantes sobre o círculo de diálogo. Ao responderem à pergunta “Como você se sentiu ao participar do círculo de diálogo?”, os doze acadêmicos do curso de Licenciatura em Letras Inglês da UTFPR-CT fizeram comentários que reforçam a contribuição da ferramenta para o processo de pesquisa acadêmica. A boa funcionalidade do círculo de diálogo pode ser percebida na perspectiva dos participantes da pesquisa, como em:

Eu gostei. Pra falar a verdade, eu achei uma experiência bem madura, eu acho que de final de curso dá pra perceber que todas as pessoas aqui são bem maduras em relação às suas opiniões, aos seus conceitos, sempre conseguem basear, pelo menos um pouco, no que é conceito. Mesmo eu percebo as pessoas de outros períodos, as pessoas que não têm, como às vezes é bem imatura essa discussão, às vezes é tipo: eu tô certo, realmente. E eu não consigo levar em consideração o que a pessoa tá falando, eu tenho que estar certo, mas eu também não tenho nada aprofundado realmente pra dizer. Eu só digo que eu tô certo ou que tá errado. Então eu achei que foi bem madura essa discussão, e acho que seria o modelo de pesquisa que eu gostaria também de usar em algum momento, se fosse pra mim trabalhar essa questão. Eu acho que é um método bem maduro de se usar. (P7, círculo de diálogo - 01:08:56)

Dessa fala, destaco o aspecto de maturidade mencionado por P7 não apenas no que se refere à lida com os conteúdos, mas também às diferentes opiniões com que entraram em contato durante o tempo de interação que tiveram comigo. Esse mesmo aspecto também foi abordado por todos os acadêmicos do 8º período, que acrescentaram ainda o respeito pelas divergências e a complementariedade de ideias exercida durante o círculo, como se vê na fala de P9:

Eu gostei, eu acho que é muito interessante ver os outros pontos de vista e poder complementar a minha própria visão com as opiniões dos colegas, assim. Porque às vezes eu tenho uma opinião, mas dentro dessa opinião tem uma brecha que o que um colega falou pode completar aquilo que tava faltando pra eu entender melhor uma frase ou outra. É como o P7 falou, eu achei que foi uma discussão muito madura, mesmo que às vezes a gente tenha opiniões divergentes. Todo mundo aqui conseguiu sustentar as próprias opiniões e isso é muito legal, principalmente respeitar as opiniões alheias. Eu acho que isso é fundamental. (P9, círculo de diálogo - 01:09:45)

Aspectos que tratam da ordem nos momentos de fala e do respeito ao tempo destinado a cada participante, combinados com a escuta acolhedora e ativa também foram lembrados por eles como um fator que promove o compartilhamento de opiniões, independentemente do perfil que os participantes têm, como se vê no comentário de P12:

E eu achei bem legal que eu falei em todas as perguntas na primeira rodada, porque eu falo pouco, e eu achei bem interessante que eu falei. E eu gostei disso de cada um ter o seu turno pra falar, porque eu acredito que se não fosse assim eu não ia ter falado. E é isso. (P12, círculo de diálogo - 01:11:41)

Não se trata de uma ferramenta isenta de ajustes pessoais, como mostra a fala de P8, que precisou administrar sua ansiedade nos momentos em que não detinha o bastão de fala. Porém, essa mesma administração é o que torna as participações mais refletidas e respeitosas, como P8 destaca:

É uma briga constante entre a ansiedade de não querer ficar quieto e querer ouvir o colega falando, mas é uma experiência bem interessante. É bom ter um espaço pra você, tipo, levantar os seus posicionamentos, mais ainda porque a gente divergiu bastante em uma pergunta ou outra e tivemos uma discussão civilizada, até. E é algo que eu não tenho faz tempo, então foi um momento lindo de poder produzir alguma coisa realmente, tipo, eu não acredito e eu, sinceramente, não concordo em você ter uma roda de discussão na qual todo mundo ultimamente concorda com tudo, porque você não teve uma discussão, você teve uma roda de conversa amigável entre xis pessoas e eu não acho que isso seja produtivo, ter… todo mundo seguir a mesma ideia, seguir a mesma ideologia, seguir o mesmo viés não acaba causando discussão alguma. Então é bom ter esse espaço restringido, pra ninguém se matar diretamente, só lá fora. Porém, ainda poder expressar as suas opiniões, né. Eu gostei. (P8, círculo de diálogo - 1:12:00)

Administrar a ansiedade também exigiu esforço de P11, como se vê em sua fala “Eu me senti desafiada no começo, porque pra mim é muito difícil ficar quieta […] mas eu acho que foi muito legal porque me ensinou que eu posso sim ficar quietinha quando eu tenho que ficar quietinha”. (P11, círculo de diálogo - 01:13:10) Um outro benefício que o círculo de diálogo proporcionou está relacionado à satisfação dos participantes ao perceberem como estão abastecidos de conhecimentos teóricos e seguros de suas próprias opiniões e conceitos diante de outras pessoas. Além de permitir geração de dados de uma forma segura para a expressão verbal de todos os participantes, a experiência do círculo de diálogo também ofereceu a cada um deles uma percepção sobre si e sobre sua formação acadêmica, como expressaram enfaticamente P10 e P11:

eu acho que a gente deveria tá orgulhoso. Todo mundo conseguiu embasar, sustentar. Eu nem tinha reparado o quanto a gente evoluiu nesse sentido, e tô feliz que a teoria ainda tá fresca na mente, ainda bem, né, tá acabando o curso agora. Eu acho um ótimo modelo pra pesquisa […] obrigado pela experiência. (P9, círculo de diálogo - 1:10:44)

É que a gente não percebe, porque a gente já se acostumou com o que a gente é agora. Nossa, mas eu pensando em mim em 2016, eu era a maior manezona. E eu acho que eu nunca ia pensar nessas coisas que eu falei, todo mundo falou aqui, porque a gente também não tinha estudado nada sobre isso, né […] E aí a gente foi estudando, e com o tempo eu fiquei… foi abrindo e expandindo a nossa cabeça. E eu senti isso, também, que o Manoel disse que a gente cresceu muito, e eu achei isso muito legal, ter essa oportunidade. Não foi com todo mundo da sala, mas com parte da nossa sala, ver como a gente evoluiu. Então eu me senti feliz. (P11, círculo de diálogo - 1:14:06)

Outro sentimento superado durante a realização do círculo de diálogo foi a vergonha, conforme narra P3 ao responder à pergunta que pedia para dizer como tinha se sentido durante a aplicação da ferramenta de pesquisa:

Bom, eu me senti um pouco envergonhada porque conforme os anos vão passando, eu acho que eu tenho ficado um pouco mais introspectiva, eu tenho ficado um pouco mais fechada em relação às minhas opiniões. Porque vários fatores que acontecem na graduação, a gente tem que apresentar trabalho, tem que ouvir críticas. Então, às vezes é um pouco difícil pra mim falar sobre o que eu acredito, achando que eu vou ser julgada, apesar de todos termos concordado com o julgamento. O que me fez sentir bastante confortável, mas mesmo assim eu ainda tenho um pouco de relutância em dizer aquilo que eu acredito. Mas foi uma boa experiência e se precisar de novo, eu estarei aqui de novo. (P3, círculo de diálogo - 00:24:27)

A percepção de P1 também fez referência à vergonha. Ao receber o bastão de fala das mãos de P3, P1 comenta sobre o mesmo sentimento e acrescenta suas experiências trazidas da psicoterapia para se referir a seus sentimentos:

Eu me senti meio nessa mesma situação, principalmente porque eu acho que uma coisa, um questionamento que a gente fica quando a gente entra pra academia é: será que tá certo o que eu tô pensando? A gente se questiona bastante, né, eu diria. Muitos pensamentos aparecem e mudam e são questionados. E você expor assim, no meio de uma roda, você também vai começar a se questionar em relação aos outros pensamentos. Então, como a minha terapeuta sempre fala: mudança gera desconforto. Então é um desconforto fazer esse tipo de coisa, mas também é uma coisa que é boa porque acrescenta bastante. (P1, círculo de diálogo - 00:25:13)

Conforme indicam P1 e P3, minha argumentação sobre o círculo de diálogo ser um lugar seguro de fala não se restringe a assuntos específicos sobre os quais os participantes estão sendo questionados. Esse lugar seguro abre espaço para narrativas de suas histórias e experiências que se referem a outras temáticas, além daquelas em foco. A avaliação de P2 também reforça esse entendimento, como se vê no excerto abaixo, quando esse participante faz menção ao clima de sala de aula como sendo um espaço em que as críticas são inibidoras:

Eu achei legal, particularmente gosto de rodas de diálogos, assim, eu acho que no dia a dia acadêmico a gente tem pouca oportunidade de expor a nossa ideia e não ser completamente julgado. É muito complicado, assim, debate em sala de aula porque as coisas sempre ficam acaloradas e a gente acaba se retraindo mesmo, não tem como. Que nem a P1, eu também entrei aqui eu era muito mais… expunha mais as minhas ideias, mas eu comecei a ficar cada vez mais calado porque às vezes a gente não vê motivo em fazer aquilo, enfim. Eu acho uma boa oportunidade, acho bem legal. (P2, círculo de diálogo - 00:25:51)

Especificamente a respeito de crenças, o círculo de diálogo foi entendido por P4 como uma forma de tomar consciência de suas crenças, confirmando uma de suas características, a ponto de também perceber seus aspectos dinâmico, emergente e social:

Eu achei legal também de expor as minhas crenças. A roda faz com que você pense nas suas crenças e acabe desconstruindo e construindo novas ideias e conceitos, principalmente de língua que é algo tão difícil de ter uma discussão sobre. A gente às vezes vai entrando só em um cursinho, em coisas assim, e vai aprendendo da forma que dá, vai pegando dicas na internet, mas acaba não discutindo as crenças que a gente tem, internalizadas, e o que vai constituindo, enfim. É uma boa oportunidade de refletir sobre as nossas crenças e tentar ver o que se encaixa melhor pro nosso aprendizado. Eu gostei bastante. (P4, círculo de diálogo - 00:26:31)

Para encerrar esta seção, reforço a necessidade e a importância de fazermos uso de ferramentas que permitam acessar as opiniões, emoções e conflitos dos participantes, de forma que nesse momento eles se sintam seguros e confortáveis. Tais aspectos podem se constituir em um elemento facilitador para as pesquisas da área. O círculo de diálogo pensado especificamente para cada contexto, assunto e participantes pode ser essa ferramenta para a pesquisa de abordagem contextual, que se dispõe a dialogar com as experiências dos participantes e seus sentimentos, como mostraram os dados apresentados neste trabalho. Essa abordagem se torna necessária à medida que reconhecemos o fato de as crenças estarem conectadas com as emoções e com a identidade das pessoas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem. (ARAGÃO, 2011ARAGÃO, R. Beliefs and emotions in foreign language learning. System, Amsterdam, v. 39, n. 3, p. 302-313, 2011.; BARCELOS, 2015BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015.) As complexidades e dificuldades enfrentadas na pesquisa, por conta desse entrelaçamento, podem ser acolhidas e administradas no círculo de diálogo.

7 Considerações finais

Estudos sobre crenças em LA tem crescido amplamente, inclusive no Brasil, desde o seu início nos anos 1990. Com o crescimento dessas investigações, o construto de crenças foi debatido e diferenciado do construto de conhecimento (PAJARES, 1992PAJARES, M. F. Teachers’ beliefs and educational research: cleaning up a messy construct. Review of educational research, London, v. 62, n. 3, p. 307-332, 1992.), e as diferentes abordagens metodológicas de pesquisa encontradas na literatura da área passaram a ser organizadas e comentadas por autores reconhecidos nacional e internacionalmente, como mostram os trabalhos de Kalaja (1995KALAJA, P. Student beliefs (or metacognitive knowledge) about SLA reconsidered. International Journal of Applied Linguistics, Hoboken, v. 5, n. 2, 1995. p. 191-204.), Barcelos (2003BARCELOS, A. M. F. As crenças de professores a respeito das crenças sobre aprendizagem de línguas de seus alunos. In: GIMENEZ, T. (Org.). Ensinando e aprendendo inglês na universidade: formação de professores em tempos de mudança. Londrina: ABRAPUI, 2003. p. 55-65.), Bernat et al. (2009BERNAT, E.; CARTER, N.; HALL, D. Beliefs about language learning: exploring links to personality traits. University of Sydney Papers in TESOL, Sydney, v. 4, n. 4, p. 115-148, 2009.) e Kalaja et al. (2016KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Key issues relevant to the studies to be reported: beliefs, agency and identity. In: KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M.; RUOHOTIE-LYHTY, M. Beliefs, agency and identity in foreign language learning and teaching. London: Palgrave Macmillan, 2016. p. 8-24.; 2018KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Revisiting research on L2 learner beliefs: looking back and looking forward. In: GARRET, P.; COTS, J. M. (Ed.). The Routledge handbook of language awareness. New York: Routledge, 2018. p. 222-237.). Nos últimos tempos, a abordagem contextual tem prevalecido entre as escolhas metodológicas dos pesquisadores que visam a análise de dados que considera as experiências, as histórias e o contexto dos participantes e que reconhece a relação entre as crenças, os sentimentos e a identidade desses participantes. (ARAGÃO, 2011ARAGÃO, R. Beliefs and emotions in foreign language learning. System, Amsterdam, v. 39, n. 3, p. 302-313, 2011.; BARCELOS, 2015BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015.) Entendendo a dificuldade de desenvolver pesquisa ponderando a influência das emoções dos participantes sobre os dados e consequentemente sobre o processo de geração desses dados, este trabalho se dedicou a relatar uma experiência metodológica apoiada no uso do círculo de diálogo, ferramenta originalmente aplicada a JR e que tem servido a diferentes áreas do conhecimento. Através do círculo de diálogo, diversas vozes, eventualmente em conflito, têm sido ouvidas como precisam.

Na experiência de pesquisa reportada aqui, o círculo de diálogo amplamente usado na JR atuou como ferramenta que se distingue por oferecer um ambiente de conversa com características que fortalecem o processo de geração de dados, a saber: (1) ambiente seguro para expressão de opiniões e que promove ordem; (2) ambiente respeitoso para acomodar diferentes opiniões; e (3) ambiente revelador dos diferentes “eus” dos participantes e que contribui com a sua autoestima. No contexto promovido pelo círculo de diálogo, o ambiente foi especialmente favorecido pela oportunidade que cada participante teve de ser honesto consigo mesmo no que diz respeito às suas ideias, suas experiências, histórias e emoções, sem deixar de ser honesto e respeitoso com os outros que interagiram no mesmo círculo de diálogo. O objeto de fala, que integra e proporciona ordem ao círculo de diálogo, se apresentou como regulador do tempo e como indicador dos papeis possíveis para os participantes desse processo: aquele que fala (todos têm oportunidades iguais de serem o centro das atenções, independentemente de seu perfil, de sua eloquência ou de qualquer outro aspecto), e aqueles que ouvem ativamente (todos prestigiam a fala e o conteúdo de cada participante, concordando ou não com aquilo que ouvem). Com isso, o objeto de fala promove equalização das falas, que se convertem em elemento importante para as interações sociais.

Como resultado da análise feita a respeito da aplicação do círculo de diálogo em pesquisa sobre crenças, na área de LA, este trabalho mostrou sua importância no processo de geração de dados e revelou uma realidade que expõe dificuldades de interação dos participantes quando estão em seus contextos de sala de aula. Ao falar sobre como se sentiram durante a realização do círculo de diálogo, os participantes fizeram referência ao dia a dia de sala de aula, revelando que as conversas acaloradas e interrompidas pelos colegas provocam mudança em sua disposição para compartilhar opiniões. Nesse sentido, além de sua aplicação em pesquisas, endosso o uso dessa ferramenta em contextos de ensino, conforme indica Zehr (2015ZEHR, H. Justiça Restaurativa. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena . 2015.), de forma que seja incorporada à dinâmica da prática docente e não apenas para situações em que conflitos precisam ser resolvidos. Recomendo seu uso como uma ferramenta para o processo de reeducação de nossas interações sociais cotidianas. Ainda que não tenhamos, todos, consciência da necessidade desse processo de reeducação, vejo-o como urgente em nossas esferas de relacionamentos pessoais, familiares, acadêmicos e profissionais.

Referências

  • ALMEIDA FILHO, J. C. P. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. Campinas: Pontes, 1993.
  • ARAGÃO, R. Beliefs and emotions in foreign language learning. System, Amsterdam, v. 39, n. 3, p. 302-313, 2011.
  • ARNOLD, J.; BROWN, H. D. A map of the terrain. In: ARNOLD, J. (Ed.). Affect in language learning. Cambridge: Cambridge University Press,1999. p. 1-24.
  • BARCELOS, A. M. F. A cultura de aprender língua estrangeira (Inglês) de alunos formandos de Letras. 1995. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995.
  • BARCELOS, A. M. F. As crenças de professores a respeito das crenças sobre aprendizagem de línguas de seus alunos. In: GIMENEZ, T. (Org.). Ensinando e aprendendo inglês na universidade: formação de professores em tempos de mudança. Londrina: ABRAPUI, 2003. p. 55-65.
  • BARCELOS, A. M. F. Cognição de professores e alunos: tendências recentes na pesquisa de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. In: BARCELOS, A. M. F.; VIEIRA-ABRAHÃO, M. H. (Org.). Crenças e ensino de línguas: foco no professor, no aluno e na formação de professores. Campinas: Pontes , 2006. p. 15-41.
  • BARCELOS, A. M. F. Metodologia de pesquisa das crenças sobre a aprendizagem de línguas: estado da arte. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 71-92, 2001.
  • BARCELOS, A. M. F. Reflexões acerca da mudança de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. Revista Brasileira de Linguística Aplicada , Belo Horizonte, v. 7, n. 2, p. 109-138, 2007.
  • BARCELOS, A. M. F. Understanding teachers’ and students’ language learning beliefs in experience: a Deweyan approach. 2000. Tese (Doutorado em Ensino de Inglês como Segunda Língua) - The University of Alabama, Tuscaloosa, 2000.
  • BARCELOS, A. M. F. Unveiling the relationship between language learning beliefs, emotions and identities. Studies in Second language learning and teaching, Poznan, n. 2, p. 301-325, 2015.
  • BARCELOS, A. M. F.; ARAGÃO, R. C. Emotions in language teaching: a review of studies on teacher emotions in Brazil. Chinese Journal of Applied Linguistics, Berlin, v. 41, n. 4, p. 506-531, 2018.
  • BARCELOS, A. M. F.; KALAJA, P. Conclusion: exploring possibilities for future research on beliefs about SLA. In: KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F. (Ed.). Beliefs about SLA: new research approaches. Vol. 7. Middletown: Springer, 2006. p. 231-238.
  • BARCELOS, A. M. F.; KALAJA, P. Introduction to beliefs about SLA revisited. System, Amsterdam, v. 39, n. 3, p. 81-289, 2011.
  • BERNAT, E.; CARTER, N.; HALL, D. Beliefs about language learning: exploring links to personality traits. University of Sydney Papers in TESOL, Sydney, v. 4, n. 4, p. 115-148, 2009.
  • CALDERHEAD, J.; ROBSON, M. Images of teaching: student teachers’ early conceptions of classroom practice. Teaching & Teacher Education, Amsterdam, v. 7, p. 1-8, 1991.
  • COTTERALL, S. Readiness for autonomy: investigating learner beliefs. System, Amsterdam, v. 23, n. 2, p. 195-205, 1995.
  • CRYSTAL, D. English as a global language. Cambridge: Cambridge University Press , 2003.
  • CRUZ, L. T. Entre o dizer e o fazer: implicações das crenças de professores em formação sobre o ensino de LI em escolas públicas. 2017. Tese (Doutorado em Língua e Cultura) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.
  • DEWAELE, J. M. Emotions in multiple languages. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010.
  • DEWEY, J. How we think. Lexington: D. C. Heath, 1933.
  • DEWEY, J. The later works of John Dewey, Volume 4, 1925-1953: 1929: The quest for certainty. SIU Press, 2008
  • DUFVA, H. Beliefs in dialogue: a Bakhtinian view. In: KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F. (Ed.). Beliefs about SLA: new research approaches. Middletown: Springer , 2006. p. 37-54. v. 7.
  • ERNEST, P. The knowledge, beliefs and attitudes of the mathematics teacher: a model. Journal of Education for Teaching, London, v. 15, p. 13-34, 1989.
  • FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
  • FONTANA, A.; FREY, J. H. The interview: from structured questions to negotiated text. Handbook of qualitative research, London, v. 2, n. 6, p. 645-672, 2000.
  • GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
  • GIMENEZ, T. N. Learners becoming teachers: an exploratory study of beliefs held by prospective and practicing EFL teachers in Brazil. 1994. Tese (Doutorado) - University of Lancaster, Lancaster, 1994.
  • GOODMAN, J. Constructing a practical philosophy of teaching: a study of preservice teachers’ professional perspectives. Teaching & Teacher Education , Amsterdam, v. 4, p. 121-137, 1988.
  • GRADEN, E. C. How language teachers’ beliefs about reading instruction are mediated by their beliefs about students. Foreign Language Annals, Washington, v. 29, n. 3, p. 387-395, 1996.
  • HAUS, C. Ensino de pronúncia sob a perspectiva do inglês como língua franca: crenças e práticas de professores de inglês do Celin-UFPR. 2018. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018.
  • HORWITZ, E. K. Surveying student beliefs about language learning. In: WENDEN, A.; RUBIN, J. (Org.) Learner strategies in language learning. London: Prentice-Hall International,1987. p. 119-129.
  • HOSENFELD, C. Students’ mini theories of second language learning. Association Bulletin, [s. l.], v. 29, n. 2, 1978.
  • JENKINS, J. The phonology of English as an international language. Oxford: Oxford University Press, 2000.
  • JENKINS, J. Current perspectives on teaching world Englishes and English as a lingua franca. TESOL quarterly, v. 40, n. 1, 2006. p. 157-181.
  • KACHRU, B. B. Standards, codification and sociolinguistic realism: the English language in the outer circle. In: QUIRK, R.; WIDDOWSON, H. G. (Eds.). English in the World: Teaching and learning the language and literatures. Cambridge: Cambridge University Press , 1985. p. 11-30.
  • KALAJA, P. Research on students’ beliefs about SLA within a discursive approach. KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F. (Ed.). Beliefs about SLA: new research approaches. Middletown: Springer , 2003. p. 87-108.
  • KALAJA, P. Student beliefs (or metacognitive knowledge) about SLA reconsidered. International Journal of Applied Linguistics, Hoboken, v. 5, n. 2, 1995. p. 191-204.
  • KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Revisiting research on L2 learner beliefs: looking back and looking forward. In: GARRET, P.; COTS, J. M. (Ed.). The Routledge handbook of language awareness. New York: Routledge, 2018. p. 222-237.
  • KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M. Key issues relevant to the studies to be reported: beliefs, agency and identity. In: KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F.; ARO, M.; RUOHOTIE-LYHTY, M. Beliefs, agency and identity in foreign language learning and teaching. London: Palgrave Macmillan, 2016. p. 8-24.
  • KERN, R. G. Students’ and teachers’ beliefs about language learning. Foreign Language Annals , Hoboken, v. 28, n. 1, p. 71-92, 1995.
  • KRAMSCH, C. J. Metaphor and the subjective construction of beliefs. In: KALAJA, P.; BARCELOS, A. M. F. (Ed.). Beliefs about SLA: new research approaches. Middletown: Springer , 2006. p. 109-128. v. 7.
  • KUMARAVADIVELU, B. Language-learning tasks: teacher intention and learner interpretation. ELT Journal, Oxford, 1991.
  • LAKOFF G.; JOHNSON, M. Metaphors we live by. Chicago: University of Chicago Press, 2003.
  • MARTINS, A. M. S. G. F. Crenças de acadêmicos de letras sobre a pronúncia de língua inglesa a partir da metáfora conceitual: lentes que revelam um paradoxo. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2020.
  • MATURANA, H. R. Biologia do conhecer e epistemologia. In: MATURANA, H. R. Cognição, ciência e vida cotidiana. Organização e tradução de Cristina Magro e Victor Paredes. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 19-124.
  • MERCER, S.; OBERDORFER, P.; SALEEM, M. Helping language teachers to thrive: using positive psychology to promote teachers’ professional well-being. In: GABRYS-BARKER, D.; GALAJDA, D. Positive psychology perspectives on foreign language learning and teaching. Middletown: Springer , 2016. p. 213-229.
  • NESPOR, J. The role of beliefs in the practice of teaching. Journal of Curriculum Studies, Abingdon-on-Thames, v. 19, p. 317-32, 1987.
  • NISBETT, R.; ROSS, L. Human inference: strategies and shortcomings of social judgment. Englewood Cliffs: Prentice, 1980.
  • OXFORD, R. L. Styles, strategies, and aptitude: connections for language learning. In: PARRY, T. S.; STANSFIELD, C. W. (Ed.). Language aptitude reconsidered. Hoboken: Prentice Hall, 1990. p. 67-125.
  • PAIKEDAY, T. M.; CHOMSKY, N. The native speaker is dead! An informal discussion of a linguistic myth with Noam Chomsky and other linguists, philosophers, psychologists, and lexicographers. Toronto: Lexicography Inc., 1985.
  • PAJARES, M. F. Teachers’ beliefs and educational research: cleaning up a messy construct. Review of educational research, London, v. 62, n. 3, p. 307-332, 1992.
  • PAVLENKO, A. Emotions and multilingualism. Cambridge: Cambridge University Press , 2005.
  • PRANIS, K. Processos circulares de construção de paz. São Paulo: Palas Athena, 2010.
  • RICHARDS, J. C.; BURNS, A. (Ed.). The Cambridge guide to pedagogy and practice in second language teaching. Cambridge: Cambridge University Press , 2012.
  • RILEY, P. The guru and the conjurer: aspects of counselling for self-access. In: BENSON, P.; VOLLER, P. (Org.) Autonomy and independence in language learning. New York: Longman, 1997. p. 114-131.
  • ROKEACH, M. Beliefs, attitudes, and values: a theory of organization and change. San Francisco: Jossey-Bass, 1968.
  • RUOHOTIE-LYTHY, M.; KORPPI, A.; MOATE, J.; NYMAN, T. Seeking understanding of foreign language teachers’ shifting emotions in relation to pupils. Scandinavian Journal of Educational Research, Amsterdam, v. 62, n. 2, p. 272-286, 2017.
  • SCOVEL, T. Learning new languages: a guide to second language acquisition. Boston: Heinle & Heinle, 2000.
  • WENDEN, A. Helping language learners think about learning. ELT Journal, Oxford , v. 40, n. 1, p. 3-12, 1986.
  • WENDEN, A. How to be a successful language learner: insights and prescriptions from L2 learners. In: WENDEN, A.; RUBIN, J. (Ed.). Learner strategies in language learning. London: Prentice Hall, 1987. p. 103-117.
  • WENDEN, A. Learner strategies for learner autonomy. London: Prentice Hall , 1991.
  • WOLTERS, A. M. A criação restaurada: base bíblica para uma cosmovisão reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2019.
  • ZEHR, H. Justiça Restaurativa. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena . 2015.
  • 1
    Adoto o termo língua estrangeira (LE) como uma forma ampla de me referir a uma nova língua sendo ensinada e aprendida, ciente da existência de outros termos que carregam diferentes concepções de língua aplicados a diferentes contextos, como os originados dos pressupostos de Kachru (1985KACHRU, B. B. Standards, codification and sociolinguistic realism: the English language in the outer circle. In: QUIRK, R.; WIDDOWSON, H. G. (Eds.). English in the World: Teaching and learning the language and literatures. Cambridge: Cambridge University Press , 1985. p. 11-30.), com os círculos dos World Englishes (WE), das proposições de Jenkins (2000JENKINS, J. The phonology of English as an international language. Oxford: Oxford University Press, 2000.; 2006JENKINS, J. Current perspectives on teaching world Englishes and English as a lingua franca. TESOL quarterly, v. 40, n. 1, 2006. p. 157-181.) e do New Englishes de Crystal (2003CRYSTAL, D. English as a global language. Cambridge: Cambridge University Press , 2003.): o English as International Language (EIL), inglês como língua internacional (ILI); o English as Additional Language (EAL), inglês como língua adicional (ILA); e, o English as an Intranational Language (EIntraL), inglês como língua intranacional (ILIntra).
  • 2
    No original: “dynamic and emergent, socially constructed and contextually situated, potentially paradoxical and dialectal, that is: They are social and individual, shared, diverse and uniform; and constitute a complex dynamic system that is interrelated, embedded, nonlinear, multidimensional and multilayered”.
  • 3
    No original: “Emotions are then essential to a better understanding of teachers’ identities and the transformation of their selves”.
  • 4
    No original: “represent various ways of being in relation to the dynamics of the immediate environment
  • 5
    emotions are understood as they relate to human behavior and activity”.
  • 6
    A transcrição das entrevistas e dos círculos de diálogo deste trabalho preserva características da oralidade dos participantes.
  • 7
    Não fazem parte deste período o tempo gasto com os agradecimentos e acolhida dos alunos, nem o tempo das cerimônias ou das orientações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2020
  • Aceito
    17 Out 2021
Faculdade de Letras - Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal de Minas Gerais - Faculdade de Letras, Av. Antônio Carlos, 6627 4º. Andar/4036, 31270-901 Belo Horizonte/ MG/ Brasil, Tel.: (55 31) 3409-6044, Fax: (55 31) 3409-5120 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: rblasecretaria@gmail.com