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INTEGRAÇÃO DO MERCADO IMOBILIÁRIO E SEGUNDA RESIDÊNCIA – BRASIL METROPOLITANO

the real estate market integration and the second home - the metropolitan Brazil

Resumos

A integração do mercado de terras nas regiões metropolitanas é um dos aspectos responsáveis pela expansão dos assentamentos de segunda residência no Brasil. Essa expansão dos domicílios designados de DOU (Domicílios de Uso Ocasional), do ponto de vista relativo, é concentrada nos municípios periféricos, uma vez que os polos metropolitanos são considerados centros de controle fundiário e imobiliário desse segmento habitacional. A análise revela a tendência do monopólio exercido a partir dos polos metropolitanos, o que resulta em problemas de ordem econômica e social para os municípios com maiores concentrações de domicílios de uso ocasional.

Região metropolitana; Segunda residência; Mercado imobiliário


The integration of the land market in metropolitan regions is one of the aspects responsible for the expansion of second home settlements in Brazil. This expansion of domiciles known as DOU (Domiciles of Occasional Use), from the relative point of view, is concentrated in the peripheral municipalities, once the metropolitan cores are considered controlling centers of land and real estate of this type of habitation. The analysis reveals the trend of monopoly exerted from the metropolitan cores, which results in problems of economic and social order for the municipalities with major concentrations of domiciles of occasional use.

Metropolitan region; Second home; Housing market


La integración del mercado de tierras en las áreas metropolitanas es uno de los aspectos responsables de la expansión de los asentamientos de segunda residencia en Brasil. Esta expansión de los hogares designados DOU – Domicílios de Uso Ocasional (Los hogares de Uso Casual), del punto de vista relativo, se concentra en los municipios periféricos, dado que los polos metropolitanos son considerados centros de control inmobiliario y de la tierra de este tipo de residencia. El análisis revela la tendencia del monopolio ejercido desde los centros metropolitanos, lo que resulta en problemas de orden económico y social en los municipios con mayor concentración de hogares de uso ocasional.

Región Metropolitana; Segunda residencia; Mercado inmobiliario


INTRODUÇÃO

Um espaço metropolitano é, ao mesmo tempo, um espaço de polarização e um espaço de intensos fluxos de pessoas, mercadorias e serviços na direção da metrópole que exerce força de atração em um conjunto de municípios na escala regional. A polarização é comprovada pela concentração de firmas, empregos e serviços nos polos metropolitanos. A mobilidade, por seu turno, pode ser demonstrada pelos deslocamentos cotidianos para trabalho e estudo, como comprova, no caso brasileiro, a pesquisa do IBGE (BRASIL, 2010BRASIL. IBGE. Censo demográfico 2010 – educação e deslocamento. Resultado da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.), sobre deslocamentos para trabalho e estudo. A análise histórica da polarização e da mobilidade guarda relação com as taxas de incremento demográfico dos espaços metropolitanos brasileiros que demonstram uma trajetória comum, que é iniciada com o maior incremento populacional no polo metropolitano, seguido do maior incremento relativo, via migração, nos municípios periféricos, movimento adjetivado por Santos (2004)SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 2004., para o caso de São Paulo, de involução metropolitana. As oito regiões metropolitanas (São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Belém, Salvador e Fortaleza) institucionalizadas pela Lei Complementar número 14, de 8 de junho de 1973 (BRASIL, 1973BRASIL. Lei complementar número 14, de 8 de junho de 1973. Brasília. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil. Acesso em 10/08/2010.
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), obtiveram incremento demográfico da ordem de 3,8% ao ano entre 1970 e 1980, 1,99% ao ano entre 1980 e 1991, 2% ao ano entre 1991 e 2000 e 0,98% ao ano entre 2000 e 2010. Essa curva de crescimento, contudo, não revela a diferenciação das taxas de incremento entre o polo e os demais municípios. A partir de 1980, a contribuição dos polos metropolitanos começa a declinar. Como destacaram Baeninger & Peres (2011)BAENINGER, R. & Peres, Roberta Guimarães. Metrópoles brasileiras no século 21: evidências do censo demográfico de 2010. Informe Gepec - número especial, Toledo, v. 15, p. 634-648, 2011., Belém, entre 1970 e 1980, obteve incremento de 3,95% e entre 1980 e 1991, 1,21%. No mesmo período, a periferia de Belém cresceu 9,26% e 5,36%. Na Região Metropolitana de Goiânia, o núcleo metropolitano obteve incremento de 6,54% e 2,31% entre 1970 e 1980 e 1980 e 1991. No mesmo período, a periferia da RMG obteve incremento demográfico de 7,48% e 10,94%, respectivamente. Esse movimento foi registrado na maioria das regiões metropolitanas brasileiras.

Essa dinâmica demográfica metropolitana pode ser traduzida pela constante necessidade por terra para dar suporte às diversas atividades sociais e econômicas (indústrias, comércio varejista e atacadista, serviços e, especialmente, habitação) traduzidas em diferentes usos do solo e localizações. Os ambientes metropolitanos são, tradicionalmente, ambientes de pressão fundiária e imobiliária. Isso porque a polarização provoca a estratificação da renda, seguida da estratificação do consumo, incluindo, nessa lógica, um novo consumo de espaço que é, nada mais, do que a reprodução do espaço. Harvey (1980)HARVEY, D. A justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980., em análise sobre o valor de uso e o valor de troca, estudou os diferentes e divergentes interesses dos atores (usuário da moradia, corretores imobiliários, proprietários, incorporadores, instituições financeiras e governamentais) envolvidos no mercado da moradia.

O mercado imobiliário, cujos negócios gravitam entre o circuito fundiário (solo não edificado) e o circuito imobiliário (solo edificado) compreende um conjunto de atividades que vão além do mercado da habitação, a exemplo das atividades industriais e centros de negócios que demandam terra para suas distintas atividades. O mercado imobiliário busca, a partir do conhecimento da geometria (forma, posição, dimensão) metropolitana dispor essas atividades nas áreas periféricas das metrópoles, motivo pelo qual, o setor atacadista ou mesmo equipamentos de consumo coletivo como shoppings, localizarem-se nas vias (rodovias) de acesso ao centro das metrópoles. A demanda por moradia se inscreve nesse contexto e o mercado imobiliário absorve parte do capital excedente, direcionando-os para a periferia que, não raro, dispõe de volumosos estoques de áreas urbanas e rurais dos municípios periféricos. Essa estratégia objetiva dos objetivos superar, para utilizar a expressão de Ribeiro (1999)RIBEIRO, L. C. de Queiroz. Dos cortiços aos condomínios fechados – as formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, IPPUR, UFRJ, 1999., aqueles limites do capital imobiliário que passam, justamente, pela garantia de espaço para a demanda solvável concentrada, no caso aqui analisado, nos polos metropolitanos. Esse argumento também faz par com a ideia de Harvey (2011)HARVEY, D. O enigma do capital e as crises do capitalismo. Lisboa: Bizancio, 2011., para quem a produção de espaço é uma das formas de absorver os excedentes de capital.

A tabela 1 ilustra a leitura que correlaciona o mercado imobiliário ao incremento demográfico. As trinta e nove regiões metropolitanas concentravam, em 2010, 46,69% dos domicílios brasileiros. Do total de domicílios, 2.532.065 são domicílios particulares vagos e 1.402.388 domicílios particulares de uso ocasional. A maior parte dos domicílios não ocupados vagos encontra-se nos polos metropolitanos e a maior fração, dado o processo de verticalização dos polos, refere-se a domicílios localizados em condomínios verticais. Interessante que as pesquisas sobre o déficit habitacional sinalizam que os espaços metropolitanos concentravam os maiores déficits habitacionais. Em 2011, pesquisa realizada por Furtado; Lima Neto & Krause (2013)FURTADO, Bernardo Alves; LIMA NETO, Vicente Correia; KRAUSE, Cleandro. Estimativas do déficit habitacional brasileiro (2007-2011) por municípios (2010). Nota Técnica nº 1. IPEA: Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/130517_notatecnicadirur01.pdf>. Acesso em: 20 maio 2013.
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apontou um déficit habitacional no Brasil de 5.409.210 domicílios, o que inclui os domicílios caracterizados como precário, coabitação, excedente de aluguel e adensamento (excedente) de aluguel. Esse total é inferior ao total de domicílios particulares vagos (6.097.778) e de uso ocasional (3.933.271), que foi, em 2010, de 10.031.049 domicílios.

Tabela 1
Regiões metropolitanas brasileiras - domicílios por espécie, 2010

O excedente de domicílios não ocupados e o crescente déficit habitacional reforça a compreensão do monopólio imobiliário e fundiário nos ambientes metropolitanos brasileiros. A tabela 2 informa as quatro regiões metropolitanas brasileiras com maiores déficits habitacionais absolutos. O total de domicílios vagos e de uso ocasional supera o volume do déficit nas quatro regiões metropolitanas com maior déficit habitacional no Brasil. Em Belo Horizonte, por exemplo, o total de domicílios não ocupados (303.009) é mais que o dobro do déficit habitacional registrado em 2010.

Tabela 2
Relação entre déficit habitacional e domicílios particulares não ocupados, Regiões Metropolitanas selecionadas, 2010

Enfim, nas duas últimas décadas, as regiões metropolitanas brasileiras passaram por dois processos que indicam, por um lado, a centralidade da questão fundiária e, por outro, a ação integrada dos atores do mercado imobiliário. O primeiro processo foi o deslocamento da população para as áreas periféricas dos polos metropolitanos, movimento que adquiriu diferentes repercussões espaciais, composto por loteamentos populares e condomínios horizontais fechados para primeira residência. Não se trata apenas, como ocorreu na década de 1970 e 1980 em algumas regiões metropolitanas, de garantir a reprodução da força de trabalho. Agora também é necessário atender a demanda solvável localizada nas capitais, movimento que provocou inflação dos lotes e áreas nos municípios periféricos, fazendo com que a população mais pobre se deslocasse para áreas ainda mais distantes das áreas centrais do espaço metropolitano. A paisagem urbana dos municípios periféricos passa a reproduzir, de forma inequívoca, a fragmentação espacial, formando, de igual modo, enclaves de alta renda na periferia. O segundo processo pode ser traduzido pelo estímulo para fragmentação das áreas dos municípios periféricos para fins de segunda residência, fato similar em todas as regiões metropolitanas brasileiras. Esse movimento atende aos estrados de média e alta renda, e provocam impactos econômicos e ambientais para o conjunto dos municípios das respectivas regiões metropolitanas. É o segundo processo, representado pela expansão dos domicílios de segunda residência, que será objeto de análise.

A SEGUNDA RESIDÊNCIA COMO ASSENTAMENTO URBANO

Os conceitos têm a propriedade de auxiliar o pesquisador na compreensão crítica de determinada realidade. Muitos conceitos, tal é o caso do conceito de segunda residência, pretendem qualificar processos sociais e formais espaciais. A dimensão que o conceito adquire é, por vezes, proporcional à dimensão do processo analisado, tal como podemos deduzir da Dantas (2009)DANTAS, E. W. C. Maritimidade nos trópicos – por uma geografia do litoral. Fortaleza: Edições UFC, 2009.. O conceito de segunda residência, como ponto de partida para esse estudo, resultou do reconhecimento da importância da temática que aparece a partir das definições do IBGE, com o designativo de domicílios de uso ocasional.

Domicílio de uso ocasional - É o domicílio particular permanente que na data de referência servia ocasionalmente de moradia. Ou seja, são aqueles usados para descanso de fins de semana, férias ou outro fim, mesmo que, na data de referência, seus ocupantes ocasionais estivessem presentes. (BRASIL, 2010BRASIL. IBGE. Censo demográfico 2010 – educação e deslocamento. Resultado da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.)

Na literatura brasileira, o conceito de segunda residência é frequentemente discutido a partir de duas perspectivas. A primeira perspectiva é aquela ligada ao turismo, cujo foco maior são as motivações e as origens dos deslocamentos. A segunda perspectiva é aquela ligada a geografia urbana e ao imobiliário turístico, linha explorada, especialmente, na interpretação das áreas litorâneas do nordeste brasileiro.

Tulik (2001)TULIK, Olga. Turismo e meios de hospedagem – casas de temporada. São Paulo: Roca, 2001. é responsável por um estudo pioneiro na análise da temática. A autora considera a segunda residência como um alojamento turístico, o que indica, em linhas gerais, a possibilidade de entender, igualmente, o proprietário da segunda residência como turista. Esse argumento é encontrado em diversos trabalhos, tornando-se uma espécie de conceito guarda-chuva. Assis (2012)ASSIS, L. F. Entre o turismo e o imobiliário: velhos e novos usos das segundas residências sob o enfoque da multiterritorialidade - Camocim/CE. Tese de doutorado. Departamento de Geografia. USP, 2012., ao assumir esse ponto de partida, argumenta que essa modalidade de habitação implica em um novo estilo de vida. Essa perspectiva de análise restringe a amplitude da análise geográfica, especialmente quando consideramos a diversidade dos ambientes metropolitanos e o fato de que esse novo estilo de vida advém, antes de tudo, de uma demanda de sociabilidade urbana, nos moldes anunciado por Lefebvre (1991)LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno.São Paulo: Ática, 1991..

Ainda na análise da literatura, foi criado um conceito par, adjetivado de turismo residencial, para reforçar uma linha de raciocínio que vincula a segunda residência ao turismo, perspectiva muito comum nos trabalhos publicados na Espanha e em Portugal. O problema que se coloca, novamente, é o da universalidade do conceito de turismo residencial que não é capaz de explicar, pelo menos no caso brasileiro, a diversidade de situações espaciais. Ademais, como indicam Goeldner et all (2012)GOELDNER, R., Ritchie, J.R.B. &Mcintosh, R. Turismo – princípios, práticas e filosofias. 8ª edição. Porto Alegre: Book-man, 2002., a frequência e a permanência são elementos fundamentais na definição do turista. Se a segunda residência for compreendida como turismo residencial, então o proprietário pode receber a denominação de turista, independente do contexto espacial ou mesmo do raio de deslocamento. Um morador de determinado polo metropolitano que possua uma chácara em um município próximo e que se deslocada semanalmente para essa propriedade, será, por essa linha de raciocínio, considerado um turista. Fonseca e Lima (2012)FONSECA, M. A. & Lima, R. Segunda residência: conceito, características e significados. In:FONSECA, Maria Aparecida (Org.). Segunda residência, lazer e turismo. RN, Natal, EdUFRN, 2012. p.11-18. expõem com clareza as diferenças entre o turista e o usuário (proprietário ou locatário) da segunda residência:

Os usuários de segundas residências diferem dos turistas propriamente ditos na medida em que o retorno frequente a uma dada localidade possibilita a criação de um vínculo territorial que se expressa de distintas formas: 1- vínculo afetivo e psicológico com o lugar, sendo esta uma das distinções mais importantes entre o usuário da segunda residência e o turista; 2 – vínculos de vizinhança e sociabilidade com outros usuários de segundas residências e moradores locais. (2012, p.13)

Em relação aos estudos da geografia urbana e o imobiliário turístico, o ponto de partida indica atenção especial para as estratégias do mercado imobiliário e os impactos da fragmentação dos espaços, fato presente, sobretudo, nos estudos sobre o nordeste brasileiro. Dantas (2011)DANTAS, E. W. C. Mar à vista: estudo da maritimidade em Fortaleza. 2. ed. Fortaleza: Edições UFC, 2011., por exemplo, pesquisou como os financiamentos públicos, por meio do investimento em mobilidade e infraestrutura hoteleira urbana, colaboraram para a transformação do espaço litorâneo. Ferreira e Silva (2010)FERREIRA, A. & Silva, A. F. A estruturação do turismo e do imobiliário nas metrópoles nordestinas: conceitos básicos e antecedentes. In: DANTAS, E. W;FERREIRA, A. L. & CLEMENTINO, M. L. M. (org.). Turismo e imobiliário nas metrópoles. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010., ao se referirem ao imobiliário turístico, escreveram:

Tal fenômeno possui um duplo caráter inovador. Primeiro, por colocar em evidência novas práticas e novas estratégias existentes na incorporação imobiliária recente, com intensidades diferentes e com especificidades historicamente determinadas (no período de 2001 a 2007) em quatro metrópoles nordestinas – Salvador, Recife, Fortaleza e Natal. Segundo, por destacar mudanças significativas na escala de atuação e capitalização das empresas imobiliárias sobre esses territórios. (2010, p.118)

Não é por acaso que municípios litorâneos dos estados nordestinos despertem tanta atenção do capital privado, especialmente no que se refere aos resorts, como se nota no caso do Estado da Bahia e do Estado do Ceará. Esses empreendimentos, independente da latitude, tem em comum a incorporação de extensas áreas lineares que dificultam o acesso às praias, conformando um tipo arquitetônico pouco estimulador para o uso do espaço público das comunidades locais ou mesmo daqueles não incorporados ao circuito desse tipo de turismo.

É possível que as diferentes abordagens sobre a segunda residência resultem da compreensão da desconexão entre o processo de urbanização, processo contemporâneo, e a compreensão do turismo como atividade econômica indutora, quando não dotada de autonomia, desse tipo de assentamento urbano. Nesse ponto é necessário assinalar, como encontramos na literatura, que a segunda residência antecede a urbanização, especialmente se considerarmos que a vilegiatura (um dos processos sociais que motivaram o surgimento da segunda residência) é um processo de raízes históricas, como destacado por Boyer (2008)BOYER, M. Les villégiatures du siècle XVI au XXI siècle: panorama du tourisme. SEM editions, 2008. e Dantas (2009)DANTAS, E. W. C. Maritimidade nos trópicos – por uma geografia do litoral. Fortaleza: Edições UFC, 2009.. Contudo, a urbanização contemporânea, marcada pela evolução dos transportes (especialmente individual), redução da carga horária de trabalho e novas das práticas de lazer, redundaram em uma valorização diferencial desse tipo de assentamento urbano. A denominação da segunda residência como assentamento urbano é utilizada para destacaras relações entre a urbanização contemporânea e o lazer, uma vez que o que motiva esse padrão de assentamento urbano, inegavelmente, é a dinâmica urbana. Como assentamento urbano, a segunda residência é expressão da fragmentação do morar e da extensão do cotidiano, com ampliação dos grupos familiares em busca de lazer em espaços privativos. E a denominação se aplica, independentemente se o domicílio estiver localizado no espaço rural ou mesmo no espaço urbano. Mesmo localizando-se em áreas rurais, isso não significa que as relações de trabalho e com a terra, impliquem em alguma forma de subsistência ou mesmo atividades rurais tradicionais. Essas características, que envolvem relações específicas de apropriação e produção do espaço/tempo nos ambientes metropolitanos, tornam possível qualificar a segunda residência como um tipo de assentamento urbano.

A segunda residência, como expressão do processo de urbanização brasileiro, é produto de um conjunto de fatores variáveis no tempo e no espaço, dentre os quais, como destacamos em outro momento (ARRAIS, 2013ARRAIS, T. Alencar. Morar na metrópole – viver na praia ou no campo. Goiânia: Editora da UFG, 2013.http://www.editora.ufg.br/wp-content/themes/editoraufg/ebook/morar-metropole_viver-praia-campo_ed-ufg.pdf.
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), estão:

  1. Integração territorial, compreendida como a ampliação das trocas regionais, que demandou investimentos nas redes de transporte. A integração teve como pressuposto a ampliação das relações de consumo e produção, motivo pelo qual exigiu a mobilização de espaço e de mão de obra, ampliando as possibilidades de consumo e concentração de renda nas metrópoles;

  2. Oferta fundiária nas bordas dos centros metropolitanos, resultado da mudança do uso do solo e da ação do mercado imobiliário centralizado nas metrópoles. O processo de integração e a correlata fragmentação demandou espaço que, por sua vez, foi utilizado por diferentes atores como uma estratégia de acumulação. Não é desprezível, do ponto de vista da acumulação, a relação que a sociedade brasileira estabeleceu com a terra, cuja posse foi, historicamente, indicador de estabilidade econômica e prestígio social.

  3. Aumento progressivo, mas não linear, da renda familiar, o que fez par com a evolução proporcional do número de domicílios de primeira residência, permitindo, em diferenciados contextos regionais, a drenagem da renda excedente para a segunda habitação. Dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) indicam que 74,8% dos domicílios brasileiros, em 2011, eram próprios (Brasil, 2012cBRASIL. Pesquisa nacional por amostra de domicílios – PNAD. Síntese de indicadores 2011. Rio de Janeiro: IBGE, 2012c.).

  4. Uma visão negativa da experiência urbana, reforçada pela percepção da violência urbana e dos problemas ambientais. Essa visão negativa coincidiu com as mutações do mundo do trabalho, resultantes do momento que Harvey (2000)HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2000. adjetivou de acumulação flexível e com a expansão do lazer de massa, que resultou em práticas diferenciadas de valoração lazer. Essa dimensão, como apontaram Urry (2001)URRY, John. O olhar do turista. São Paulo: Studio Nobel: SESC, 2001. e Dantas (2009)DANTAS, E. W. C. Maritimidade nos trópicos – por uma geografia do litoral. Fortaleza: Edições UFC, 2009., em diversos contextos espaciais e temporais, não pode ser desconsiderada na análise da expansão da segunda residência.

A ocorrência da segunda residência, como assentamento urbano, é compreendida como manifestação de um processo mais amplo, envolvendo, além de questões relacionadas ao lazer, o monopólio fundiário e imobiliário, uma vez que os proprietários operam o controle imobiliário/fundiários em municípios que, no caso da análise em questão, compõem as franjas metropolitanas brasileiras.

A SEGUNDA RESIDÊNCIA EM AMBIENTES METROPOLITANOS

No Brasil, em 2010, segundo dados do IBGE, havia3.932.990 domicílios de uso ocasional, o que correspondeu a 5,82% do total de domicílios brasileiros. Em 2000, os 2.685.701 domicílios de uso ocasional representavam 4,94% do total dos domicílios brasileiros (BRASIL, 2012BRASIL. IBGE. Censo demográfico 2010 – família e domicílios. Resultado da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.). No período entre 2000 e 2010, o total de domicílios brasileiros cresceu 8,04% e o total de domicílios de uso ocasional 6,82%. Trata-se de um crescimento significativo, seja do ponto de vista absoluto (incremento de 1.247.289 domicílios de uso ocasional), seja do ponto de vista relativo (6,82%no período). Considerando a espacialização desse incremento no território nacional, constatamos que 68% desses domicílios encontram-se nas zonas urbanas e 38% nas zonas rurais. A tabela 3 indica os padrões de ocorrência dos domicílios de segunda residência no território brasileiro. Podemos observar duas características básicas: a primeira é a presença de amenidades ambientais, especialmente praias, áreas serranas, rios, lagos etc. A segunda é a polarização exercida pelas áreas metropolitanas e cidades médias, que são, geralmente, os locais de primeira residência daqueles que possuem uma segunda residência.

A incidência absoluta dos domicílios de uso ocasional acompanha as manchas de povoamento, não por acaso São Paulo (901.351 domicílios de uso ocasionais), Minas Gerais (449.452 domicílios de uso ocasionais) e Rio de Janeiro (384.186 domicílios de uso ocasionais) sejam os três estados com maior número absoluto de domicílios de uso ocasional. A leitura relativa, no entanto, é a que melhor indica a intensidade do processo, com destaque para as áreas metropolitanas litorâneas. As áreas litorâneas metropolitanas, em razão da rede urbana regional e as características do turismo de segmento sol-praia, concentram parte significativa dos domicílios de uso ocasional. Na hinterlândia, a presença dos domicílios de uso ocasional refere-se a chácaras e/ou sítios isolados, ou mesmo condomínios fechados de chácaras.

Tabela 3
Padrões de concentração dos domicílios de uso ocasional no Brasil

As figuras 1 e 2 revelam a concentração da segunda residência em ambientes metropolitanos. Para análise comparativa dessas informações, contudo, algumas ressalvas são necessárias. A primeira refere-se ao número de domicílios e a dimensão das áreas das regiões metropolitanas Difícil comparar a Região Metropolitana de Natal, com 10 municípios e uma área de 2.811 Km2, com a Região Metropolitana de Goiânia, com 20 municípios e uma área de 7.397 Km2 ou mesmo com a RIDE-Distrito Federal, com 22 municípios e uma área de 55.350 Km2. A segunda ressalva guarda relação com a população total do polo e, por consequência, do número absoluto de domicílios particulares. Aqui também não há padrão comparativo entre, por exemplo, o município de São Paulo, com 11.253.503 habitantes e o município de Vitória, com 327.801 habitantes. Os polos metropolitanos, com algumas exceções, agrupam a maior parte dos domicílios de uso ocasional. A última ressalva relaciona-se com as características ambientais dos sítios urbanos, uma vez que as áreas serranas e/ou áreas rurais na hinterlândia brasileira apresentam padrões espaciais distintos daqueles registrados nas áreas litorâneas, seja pelas vias de acesso, pelo papel do turismo ou mesmo pela dimensão das áreas edificadas.

Figura 1
Regiões metropolitanas e regiões integradas de desenvolvimento, total de domicílios de uso ocasional, 2010.
Figura 2
Total de domicílios de uso ocasional, regiões metropolitanas selecionadas, 2010.

Fonte: Brasil (2012)BRASIL. IBGE. Censo demográfico 2010 – família e domicílios. Resultado da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.


A primeira diferenciação no quadro geral das regiões metropolitanas brasileiras refere-se à presença das áreas litorâneas. Das 17 regiões metropolitanas descritas na figura 2, oito localizam-se na hinterlândia e nove no litoral. As localidades situadas na hinterlândia aglomeraram 339.994 domicílios de uso ocasional e as localidades litorâneas 713.994 domicílios de uso ocasional. Nas regiões metropolitanas localizadas na hinterlândia, registramos as menores participações proporcionais dos polos metropolitanos. Na Região Metropolitana da Baixada Santista e na Região Metropolitana da Grande Vitória, a participação dos polos foi de 6,94% e 8,87%, respectivamente. Das nove regiões metropolitanas litorâneas, apenas a Região Metropolitana de Florianópolis ea Região Metropolitana do Rio de Janeiro registraram participação do polo no total de domicílios de uso ocasional superior a 50%, fato explicado pela trajetória fundiária, especialmente em relação ao município do Rio de Janeiro. Os dados confirmam o processo, já reconhecido pela literatura, de incorporação de áreas dos municípios periféricos litorâneos para fins de segunda residência, exemplo que se aplica de forma mais sintomática nos municípios descritos na tabela 4.

Tabela 4
Participação dos domicílios de uso ocasional no total de domicílios particulares - municípios metropolitanos litorâneos selecionados, 2010

Considerando as regiões metropolitanas litorâneas, também existem muitas diferenciações na distribuição dos assentamentos de segunda residência que resultam do estoque de terras e da proximidade dos centros emissores, além das facilidades de mobilidade e do grau de exploração da atividade turística. Entre essas regiões metropolitanas, aquela em que esse processo ocorre com bastante intensidade é a Região Metropolitana da Baixada Santista. Em cinco dos nove municípios da referida região metropolitana, registramos, em 2010, mais de 50% de participação dos domicílios de uso ocasional em relação ao total de domicílios. A intensidade do processo resvala na média de moradores por domicílios. Os municípios de Bertioga (SP), Itanhaém (SP) e Mongaguá (SP), registraram, em 2010, uma média de moradores por domicílio inferior a 1,5 moradores, fato resultante do número expressivo de domicílios de uso ocasional. Exceção para Cubatão, os demais municípios da Região Metropolitana da Baixada Santista registraram quantidade de domicílios de uso ocasional maior que o número de domicílios particulares vagos.

Essas características, comuns em relação ao litoral, confirmam um dos aspectos históricos mais nocivos desse tipo de empreendimento que é o processo de expropriação de terras de comunidades tradicionais, especialmente pescadores. O espaço litorâneo brasileiro, distante de um espaço livre de territorialidades, foi composto por comunidades que utilizavam o mar para reprodução da vida, como demonstrado por Sampaio (2009)SAMPAIO, Camila Freira. O turismo e a territorialização dos resorts: a Praia Porto das Dunas como "enclave" em Aquiraz-CE. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual do Ceará. Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia, Fortaleza, 2009. em estudo sobre Aquiraz, município da Região Metropolitana de Fortaleza

A concentração dos assentamentos de segunda residência nas áreas litorâneas atesta a intensidade desse fenômeno que reúnem duas características básicas: concentração de renda nas metrópoles (potenciais centros emissores) e oferta imobiliária e fundiária nos municípios periféricos. No caso da oferta fundiária, é preciso assinalar a forte relação com o mercado de locação, fato bastante evidente na Baixada Santista, como nos demais sítios com grande ocorrência de segunda residência. Em relação aos estoques fundiários, especialmente nos municípios litorâneos do nordeste brasileiro, a apropriação do espaço ainda guarda forte relação com a construção de grandes resorts residenciais ou mesmo condomínios residenciais, fato presente em Aquiraz ou mesmo em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. Nota-se que essa dinâmica de ocupação resulta da oferta fundiária e da presença de meios de mobilidade. Por esse motivo, os municípios mais próximos dos polos foram aqueles primeiramente ocupados para segunda residência, fato que indica certa popularização desse tipo de assentamento urbano, como indicado por Rodrigues (1996)RODRIGUES, Adyr B. Turismo e espaço. São Paulo: Hucitec, 1996.. Em seguida, os municípios mais distantes passam a ser ocupados de forma mais ostensiva, fato registrado na Região Metropolitana de Fortaleza e na Região Metropolitana de Natal.

Nas regiões metropolitanas localizadas na hinterlândia brasileira, o processo ocorre em intensidades e com um padrão espacial distinto daquele registrado nas áreas litorâneas. A primeira diferença refere-se ao padrão radiocêntrico da ocupação (os municípios periféricos, assim como o estoque fundiário e imobiliário gravitam para o polo em um raio de 360º, o que distingue da forma geométrica dos sítios litorâneos), em detrimentos do padrão linear do litoral. Uma fração desses domicílios de uso ocasional é caracterizada como chácaras de fins de semana (domicílios isolados) ou mesmo domicílios localizados em condomínios fechados de chácaras e/ou sítios de lazer. A disposição de áreas rurais com algum resquício de vegetação nativa, de relevo com caráter cênico ou mesmo cursos d’água, explica a popularidade desse tipo de empreendimento. Também podemos assinalar a tendência de conversão de pequenas chácaras ou mesmo glebas rurais em condomínios fechados horizontais. A presença de extensas áreas rurais, demonstrada pela área média maior dos municípios das áreas metropolitanas da hinterlândia em relação aos municípios das áreas metropolitanas litorâneas, implica em maior oferta fundiária, o que também inclui os condomínios fechado de chácaras. Essa dinâmica também ocorre nas áreas litorâneas, especialmente nos ambientes serranos, como atestado por Arrais (2013)ARRAIS, T. Alencar. Morar na metrópole – viver na praia ou no campo. Goiânia: Editora da UFG, 2013.http://www.editora.ufg.br/wp-content/themes/editoraufg/ebook/morar-metropole_viver-praia-campo_ed-ufg.pdf.
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, ao analisar o caso da Região Metropolitana de Fortaleza. Já na Região Metropolitana de Goiânia, Arrais (2013)ARRAIS, T. Alencar. Morar na metrópole – viver na praia ou no campo. Goiânia: Editora da UFG, 2013.http://www.editora.ufg.br/wp-content/themes/editoraufg/ebook/morar-metropole_viver-praia-campo_ed-ufg.pdf.
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estimou em 24 milhões de metros quadrados o total das áreas de condomínios fechados, parte significativa para segunda residência. Nessas áreas, a dimensão dos lotes pode variar de 1.200 m2 até 10.000 m2. Possivelmente tal padrão se repita em outras regiões metropolitanas da hinterlândia e mesmo no litoral. O lazer, associado ao meio ambiente, são os predicados mais frequentes no marketing imobiliário para esse segmento habitacional.

As regiões metropolitanas da hinterlândia descritas na figura 2 agrupavam 329.994 domicílios de uso ocasional no ano de 2010. Em relação à participação do polo, destacam-se os municípios de Goiânia, São Paulo e Belém, com 55,28%, 50,55% e 77,89% de domicílios de uso ocasional em relação ao total das respectivas regiões metropolitanas. A Região Metropolitana de Belo Horizonte registrou, em 2010, 23,34% dos domicílios e uso ocasional no polo metropolitano, menor porcentagem das regiões metropolitanas da hinterlândia selecionadas. Os dados revelam duas características. A primeira é a dimensão dessas regiões e o número de domicílios e o segundo é a dispersão dos domicílios em municípios pouco populosos, a exemplo da Região Metropolitana de Curitiba e da Região Metropolitana de Goiânia. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, exceção para o município de Porto Alegre, o predomínio é para aqueles municípios com população abaixo de 50.000 habitantes, em virtude de uma rede urbana mais densa.

Os dados secundários ilustram a relevância e os possíveis padrões espaciais de ocorrência dos assentamentos de segunda residência nas regiões metropolitanas brasileiras. Mas uma hipótese ainda precisa ser confirmada por pesquisas que demandarão esforços teóricos e estudos empíricos. Essa hipótese sugere que a demanda da segunda residência é determinada pelas características urbanas do mundo contemporâneo e não apenas pelo turismo, entendido como fenômeno dotado de autonomia. Qualificar o proprietário da segunda residência como turista residencial a priori funciona mais como uma espécie de escapismo do que como algo que sirva para elucidar processos contemporâneos. Essa hipótese, no caso brasileiro, ainda destaca que os polos metropolitanos são os principais estimuladores dessa demanda, operando no controle imobiliário e fundiário das áreas de maior ocorrência dos domicílios de segunda residência. Tal hipótese ganha relevância a partir da constatação dos mecanismos de funcionamento do mercado imobiliário/fundiário.

Figura 3
Valor do rendimento médio mensal das pessoas de 10 anos ou mais, com rendimento – municípios polos e municípios com maior participação relativa de segunda residência em regiões metropolitanas selecionadas, 2010.

A figura 3 ajuda na formulação da hipótese de que os polos metropolitanos operam o controle fundiário e imobiliário para a segunda residência nos municípios periféricos. Primeiramente não devemos deixar de notar que a posse de uma segunda residência é, sem duvida, um indicativo de prestígio social, especialmente em um país que ainda convive com um histórico déficit habitacional. No contexto litorâneo é necessário considerar a internacionalização dessa modalidade de habitação. Também as áreas de segunda residência apresentam como característica comum alto empate de capital para edificação e custeio, indiferente se isso ocorre no litoral ou na hinterlândia. A essa composição devemos acrescentar o fato nada trivial representado pela ausência dos proprietários nas localidades, o que resulta em problemas de diversas ordens para os municípios com elevada participação (relativa e absoluta) de domicílios de segunda residência, como a subutilização da infraestrutura e a reduzida compensação tributária, especialmente em relação ao Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). Ainda é necessário contabilizar a conversão das áreas rurais em áreas de condomínios fechados de chácaras, o que poderá, em médio prazo, comprometer a produção agrícola metropolitana. Esse cenário da paisagem faz par com as informações sobre a distribuição da renda na figura 3. Em todas as regiões metropolitanas da amostra observa-se algo em comum: ao mesmo tempo em que os polos concentram a maior renda, os municípios com maior incidência da segunda residência estão entre as menores rendas metropolitanas. As diferenças entre a maior renda (registrada no polo) e a menor renda (registrada nos municípios periféricos com maior incidência de segunda residência) podem variar de 33,01% (Região Metropolitana de Recife) até 75,47% (Região Metropolitana de Campinas). Nas 17 regiões metropolitanas descritas na figura 3, a porcentagem do valor do rendimento do município periférico em relação ao polo é superior a 50%. Nas demais regiões metropolitanas, como na Região Metropolitana de Recife e na Região Metropolitana de Curitiba, a participação da renda, em relação ao polo, decai para 33% e 42%, respectivamente. Para quem visita algumas dessas localidades, a imagem das residências com jardins, cercadas por muros de alvenaria, piscina, amplas áreas de lazer, acesso privativo às praias, lagos e/ou rios, pode induzir o observador a imaginar que exista um intenso fluxo de renda nessas localidades e que essa dinâmica refletiu diretamente na qualidade de vida das comunidades locais. Mas o fato, nada trivial, de os proprietários residirem em outras localidades, especialmente nos polos metropolitanos, ilustra a correspondência entre a drenagem de renda e o monopólio dessas áreas por parte dos espaços metropolitanos. Além disso, especialmente no nas áreas litorâneas, a arquitetura dos grandes empreendimentos camuflam conflitos históricos entre os modos tradicionais de pescadores e comunidades rurais com o capital imobiliário. O controle do solo, portanto, reflete no controle do uso e também da oferta das áreas de lazer, mesmo aquelas de acesso público.

CONCLUSÃO

A comparação entre as áreas metropolitanas litorâneas e as áreas metropolitanas da hinterlândia aponta para as metrópoles como centros de controle e gestão da segunda residência. E isso tem duas justificativas. A primeira é a concentração de renda e outra é a necessidade de lazer, de fuga do cotidiano, própria do modelo de desenvolvimento urbano. A imagem de paulistanos, a cada feriado, na Anchieta-Imigrantes, se locomovendo para a Baixada Santista bem ilustra a sazonalidade desse tipo de ocupação. Nas demais regiões metropolitanas, em intensidades menores, esse deslocamento é também visível

O que se coloca no horizonte, especialmente a partir dos estudos da geografia urbana, é a construção de uma agenda de pesquisa que reconheça a centralidade das estratégias do mercado imobiliário e os impactos negativos da segunda residência para os municípios periféricos. Para tanto, será preciso ampliar os estudos para áreas metropolitanas localizadas na hinterlândia brasileira, uma vez que a maior parte das pesquisas concentram-se nas áreas litorâneas brasileiras. Há certa invisibilidade desse processo nas áreas interioranas, fato resultante do padrão de ocorrência disperso. É necessário, igualmente, operar um esforço teórico que busque, a partir dos estudos consolidados nas áreas litorâneas, construir um aparato conceitual que de conta da diversidade cultural e espacial que envolve esse tipo de empreendimento nas áreas metropolitanas da hinterlândia. A ampliação da oferta da segunda residência responde, antes de tudo, por uma estratégia articulada dos atores ligados ao mercado imobiliário

Além dos esforços teóricos, é preciso discutir os impactos da fragmentação dos municípios periféricos, especialmente para as comunidades locais e para os governos municipais. O Estatuto das Cidades prevê a progressividade dos impostos sobre propriedade considerando sua subutização. Acreditamos que a segunda residência se enquadra no arcabouço legal da subutilização, fato que demanda regulamentação na escala municipal. Mas, em função da força política e econômica dos proprietários de segunda residência, como notado por Batista (2012)BATISTA, Joane L. D. V. Vilegiatura marítima e urbanização em Tibau-RN. In: FONSECA, Maria Aparecida (Org.). Segunda residência, lazer e turismo. Natal, RN: Ed.UFRN, 2012., ao analisar o caso de Tibau, no Rio Grande do Norte, o poder das comunidades locais, bem como dos governos municipais, ficam comprometidos naquilo que é essencial para construção de uma política urbana eficaz para a coletividade: o controle do território.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    Mar 2014
  • Aceito
    Abr 2014
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