Acessibilidade / Reportar erro

Morte digna: percepção de médicos de hospital de ensino

Resumo

Com o objetivo de identificar a percepção de morte digna de médicos de hospital de ensino, propõe-se estudo transversal, com amostra por conveniência (100 médicos), utilizando a versão reduzida da escala de percepção de morte digna. Todos os fatores do instrumento foram considerados de alta necessidade, enfatizando-se boa relação com a família (98,9%), manutenção da esperança e do prazer (97,8%) e não ser um fardo para os demais (92,3%). Mulheres priorizaram boas relações com a família e equipe; médicos com mais de 45 anos, não ser um fardo para os demais; e os sem religião, não ser um fardo e ter controle sobre o futuro. A percepção de morte digna dos médicos valorizou aspectos sociais, como afetividade e convivência, ao priorizar esses três fatores, além de demonstrar que idade, sexo e religiosidade a influenciam.

Aprovação CEP-UFSC CAAE 71111317.4.0000.0121

Morte; Direito a morrer; Pessoalidade; Cuidados paliativos

Abstract

In order to identify the perception of good death by physicians who work at a teaching hospital, a cross sectional study with a convenience sample (100 physicians) is proposed, using the reduced version of the perceived dignified death scale (Brazilian reduced version of Good Death Inventory). All factors of the instrument were considered as highly needed, emphasizing good relationship with the family (98.9%), maintenance of hope and pleasure (97.8%) and not being a burden to others (92.3%). Women prioritized good relationships with family and team; doctors over 45 years old, not being a burden to others; and those without religion, not being a burden to others and having control over the future. The perception of good death presented by physicians valued social aspects such as affectivity and acquaintanceship, by prioritizing these three factors, in addition to showing that age, sex and religiosity influence this perception.

Approval CEP-UFSC CAAE 71111317.4.0000.0121

Death; Right to die; Personhood; Palliative care

Resumen

Con el objetivo de identificar la percepción de muerte digna por parte de médicos de un hospital de enseñanza, se propone un estudio transversal, con muestra de conveniencia (100 médicos), utilizando la versión reducida de la escala de percepción de muerte digna. Todos los factores del instrumento fueron considerados como de alta necesidad, con destaque para buena relación con la familia (98,9%), mantenimiento de la esperanza y placer (97,8%) y no ser una carga para los demás (92,3%). Las mujeres priorizaron buenas relaciones con la familia y el equipo; médicos con más de 45 años, no ser una carga para los demás; y los sin religión, no ser una carga para los demás y tener control sobre el futuro. La percepción de muerte digna por parte de los médicos valoró aspectos sociales como afectividad y convivencia, al priorizar estos tres factores, además de demostrar que edad, sexo y religiosidad la influencian.

Aprobación CEP-UFSC CAAE 71111317.4.0000.0121

Muerte; Derecho a morir; Personeidad; Cuidados paliativos

Com a transição demográfica em decurso no mundo, e mais recentemente no Brasil, a expectativa de vida geral tem aumentado, ampliando também a prevalência de doenças crônicas 11. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 483, de 1º de abril de 2014. Redefine a rede de atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e estabelece diretrizes para a organização das suas linhas de cuidado. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 50-2, 2 abr 2014 [acesso 6 maio 2019]. Seção 1. Disponível: http://bit.ly/2ToAgkh
http://bit.ly/2ToAgkh...
incuráveis, como câncer e enfermidades degenerativas. A medicina, cada vez mais especializada e focada em tecnologias duras, tem contribuído para que indivíduos acometidos por essas enfermidades vivam por mais tempo.

Neste contexto, os cuidados paliativos têm ocupado o centro das atenções nas políticas de saúde em todo o mundo. Considerando o volume de pacientes que necessitam desses cuidados, a Organização Mundial da Saúde 22. World Health Organization. Strengthening of palliative care as a component of integrated treatment throughout the life course. J Pain Palliat Care Pharmacother [Internet]. 2014 [acesso 6 maio 2019];28(2):130-4. DOI: 10.3109/15360288.2014.911801
https://doi.org/10.3109/15360288.2014.91...
solicitou aos países-membros, em 2014, o compromisso de desenvolver serviços com boa relação custo-benefício, educação continuada na formação de profissionais de saúde e produção científica para assegurar a excelência em medicina paliativa.

No Brasil, já em 2002 o Ministério da Saúde 33. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 19, de 3 de janeiro de 2002. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 4 jan 2002 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/2TrRD3v
http://bit.ly/2TrRD3v...
lançou diretrizes sobre cuidados paliativos e tratamento da dor, estabelecendo que essa assistência deve ser realizada de forma coordenada nos três níveis de atenção à saúde para garantir a integralidade e o acompanhamento contínuo. Em 2005 foi fundada a Academia Nacional de Cuidados Paliativos 44. O que são cuidados paliativos. Academia Nacional de Cuidados Paliativos [Internet]. 2017 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/2tmRnbp
http://bit.ly/2tmRnbp...
, que atua com o Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina na regulamentação profissional e que estabeleceu critérios de qualidade e legislação pertinentes. Em 2009, os cuidados paliativos foram incluídos no Código de Ética Médica como princípio fundamental 55. Pessini L, Hossne WS. Terminalidade da vida e o novo Código de Ética Médica. Bioethikos [Internet]. 2010 [acesso 6 maio 2019];4(2):127-9. Disponível: http://bit.ly/2FRXkQj
http://bit.ly/2FRXkQj...
.

Seja em âmbito nacional ou internacional, o objetivo dessas medidas é facilitar o acesso a cuidados paliativos de qualidade, visando melhorar a qualidade de vida e controlar sintomas físicos, emocionais, espirituais e sociais 22. World Health Organization. Strengthening of palliative care as a component of integrated treatment throughout the life course. J Pain Palliat Care Pharmacother [Internet]. 2014 [acesso 6 maio 2019];28(2):130-4. DOI: 10.3109/15360288.2014.911801
https://doi.org/10.3109/15360288.2014.91...

3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 19, de 3 de janeiro de 2002. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 4 jan 2002 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/2TrRD3v
http://bit.ly/2TrRD3v...
-44. O que são cuidados paliativos. Academia Nacional de Cuidados Paliativos [Internet]. 2017 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/2tmRnbp
http://bit.ly/2tmRnbp...
. Para cuidados mais adequados, argumenta-se que preservar a dignidade do paciente é um dos princípios éticos mais básicos 66. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de cuidados paliativos. Rio de Janeiro: Diagraphic; 2009..

O conceito de dignidade foi construído e modificado historicamente 77. Nunes LAR. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 3ª ed. São Paulo: Saraiva; 2009.. Na Antiguidade, por exemplo, estava ligado a posição e reconhecimento social; por sua vez, o estoicismo o posicionava como fator diferenciador entre seres humanos e demais criaturas, principalmente quanto à liberdade individual de construir e guiar o próprio destino. Atualmente a dignidade pertence ao âmbito dos direitos fundamentais de toda pessoa humana, ideia que se configura como valor supremo e consta na Constituição Federal brasileira de 1988 88. Brasil. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 191-A, p. 1-32, 5 out 1988 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/2p1MWjW
http://bit.ly/2p1MWjW...
, onde é considerada um dos fundamentos da República.

Quando o paciente está sob cuidados paliativos é crucial assegurar sua dignidade, inclusive no momento da morte, sendo necessário considerar que a forma como o indivíduo percebe que é visto pelos demais se relaciona à sua própria percepção de dignidade 99. Chochinov HM, Hack T, Hassard T, Kristjanson LJ, McClement S, Harlos M. Dignity in the terminally ill: a cross-sectional, cohort study. Lancet [Internet]. 2002 [acesso 6 maio 2019];360(9350):2026-30. DOI: 10.1016/s0140-6736(02)12022-8
https://doi.org/10.1016/s0140-6736(02)12...
,1010. Chochinov HM. Dignity and the eye of the beholder. J Clin Oncol [Internet]. 2004 [acesso 6 maio 2019];22(7):1336-40. DOI: 10.1200/jco.2004.12.095
https://doi.org/10.1200/jco.2004.12.095...
. No sentido de prover melhor cuidado a esses enfermos e promover fim de vida digno, vários estudos têm procurado estabelecer o que é “morte digna” 1111. Miyashita M, Sanjo M, Morita T, Hirai K, Uchitomi Y. Good death in cancer care: a nationwide quantitative study. Ann Oncol [Internet]. 2007 [acesso 6 maio 2019];18(6):1090-7. DOI: 10.1093/annonc/mdm068
https://doi.org/10.1093/annonc/mdm068...

12. Miyashita M, Morita T, Sato K, Hirai K, Shima Y, Uchitomi Y. Good death inventory: a measure for evaluating good death from the bereaved family member’s perspective. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];35(5):486-98. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2007.07.009
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...

13. Wanssa MCD. Morte digna e lugar onde morrer: percepção de pacientes oncológicos e de seus familiares [tese] [Internet]. Porto: Universidade do Porto; 2012 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/389RVQP
http://bit.ly/389RVQP...
-1414. Chochinov HM. Dignity-conserving care: a new model for palliative care. Jama [Internet]. 2002 [acesso 6 maio 2019];287(17):2253-60. DOI: 10.1001/jama.287.17.2253
https://doi.org/10.1001/jama.287.17.2253...
. Nesse conceito estão incluídos controle de sintomas, não ser um fardo para outros, ter boa relação com familiares e equipe de saúde, escolher o local da morte e manter a dignidade e seu controle no processo de morrer 1111. Miyashita M, Sanjo M, Morita T, Hirai K, Uchitomi Y. Good death in cancer care: a nationwide quantitative study. Ann Oncol [Internet]. 2007 [acesso 6 maio 2019];18(6):1090-7. DOI: 10.1093/annonc/mdm068
https://doi.org/10.1093/annonc/mdm068...

12. Miyashita M, Morita T, Sato K, Hirai K, Shima Y, Uchitomi Y. Good death inventory: a measure for evaluating good death from the bereaved family member’s perspective. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];35(5):486-98. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2007.07.009
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...

13. Wanssa MCD. Morte digna e lugar onde morrer: percepção de pacientes oncológicos e de seus familiares [tese] [Internet]. Porto: Universidade do Porto; 2012 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/389RVQP
http://bit.ly/389RVQP...
-1414. Chochinov HM. Dignity-conserving care: a new model for palliative care. Jama [Internet]. 2002 [acesso 6 maio 2019];287(17):2253-60. DOI: 10.1001/jama.287.17.2253
https://doi.org/10.1001/jama.287.17.2253...
.

Para isso, a escala de percepção de morte digna (EPMD) 1212. Miyashita M, Morita T, Sato K, Hirai K, Shima Y, Uchitomi Y. Good death inventory: a measure for evaluating good death from the bereaved family member’s perspective. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];35(5):486-98. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2007.07.009
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
,1313. Wanssa MCD. Morte digna e lugar onde morrer: percepção de pacientes oncológicos e de seus familiares [tese] [Internet]. Porto: Universidade do Porto; 2012 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/389RVQP
http://bit.ly/389RVQP...
, elaborada no Japão, validada e simplificada no Brasil, tem sido utilizada em pesquisas que demonstram que essa percepção pode variar de acordo com a população estudada, membros da família enlutados 1111. Miyashita M, Sanjo M, Morita T, Hirai K, Uchitomi Y. Good death in cancer care: a nationwide quantitative study. Ann Oncol [Internet]. 2007 [acesso 6 maio 2019];18(6):1090-7. DOI: 10.1093/annonc/mdm068
https://doi.org/10.1093/annonc/mdm068...
,1212. Miyashita M, Morita T, Sato K, Hirai K, Shima Y, Uchitomi Y. Good death inventory: a measure for evaluating good death from the bereaved family member’s perspective. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];35(5):486-98. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2007.07.009
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
,1515. Scheffer M, coordenador. Demografia médica no Brasil 2018 [Internet]. São Paulo: FMUSP; 2018 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/3ag1Shp
http://bit.ly/3ag1Shp...
, profissionais de saúde 1616. Haishan H, Hongjuan L, Tieying Z, Xuemei P. Preference of Chinese general public and healthcare providers for a good death. Nurs Ethics [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];22(2):217-27. DOI: 10.1177/0969733014524760
https://doi.org/10.1177/0969733014524760...
e estudantes 1717. Morais IM, Nunes R, Cavalcanti T, Soares AKS, Gouveia VV. Percepção da “morte digna” por estudantes e médicos. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 6 maio 2019];24(1):108-17. DOI: 10.1590/1983-80422016241112
https://doi.org/10.1590/1983-80422016241...
,1818. Meffert C, Stößel U, Körner M, Becker G. Perceptions of a good death among German medical students. Death Stud [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];39(5):307-15. DOI: 10.1080/07481187.2014.951496
https://doi.org/10.1080/07481187.2014.95...
.

Compreendendo a importância de assegurar morte digna a pacientes sob cuidados paliativos e de legitimar esse conceito entre profissionais de saúde, propõe-se avaliar a percepção de médicos que atuam em hospital público de ensino sobre o tema. Associa-se essa percepção ao perfil demográfico, ao sentimento de perceber-se saudável e à experiência prévia com morte de familiar ou paciente. Espera-se que esta avaliação possa guiar o planejamento da educação e o exercício da profissão médica no país, resultando em cuidado paliativo seguro e eficiente ao propiciar também morte digna 66. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de cuidados paliativos. Rio de Janeiro: Diagraphic; 2009..

Método

Trata-se de estudo transversal, com amostra por conveniência inicial de 100 médicos e/ou médicos professores, de um total de 300 (33,3% – 100/300), que atuam em assistência e/ou ensino no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/Ufsc). Utilizou-se formulário-padrão com questionário demográfico, perguntas relacionadas ao tema e a versão reduzida da EPMD. Da amostra inicial, nove médicos foram excluídos por preenchimento incompleto do instrumento, totalizando 91 (30,3% – 91/300) participantes. Para caracterização da amostra, foram consideradas as variáveis independentes sexo (feminino e masculino), idade (expressa em números absolutos), crença em uma religião (sim, não; se sim, qual) e a resposta a cada uma das três perguntas relacionadas a experiências prévias: “você se considera saudável?”, “você teve alguma perda familiar recente?” e “você lidou recentemente com a morte de paciente seu?”.

A versão reduzida da EPMD foi desenvolvida e validada por Wanssa 1313. Wanssa MCD. Morte digna e lugar onde morrer: percepção de pacientes oncológicos e de seus familiares [tese] [Internet]. Porto: Universidade do Porto; 2012 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/389RVQP
http://bit.ly/389RVQP...
, após ser adaptada para o contexto brasileiro por Wanssa e colaboradores em 2012, tendo como base a escala original elaborada por Miyashita e colaboradores 1111. Miyashita M, Sanjo M, Morita T, Hirai K, Uchitomi Y. Good death in cancer care: a nationwide quantitative study. Ann Oncol [Internet]. 2007 [acesso 6 maio 2019];18(6):1090-7. DOI: 10.1093/annonc/mdm068
https://doi.org/10.1093/annonc/mdm068...
em língua japonesa. É composta por 24 cofatores (COF) associados à morte digna, que se distribuem igualmente em seis fatores de acordo com o domínio específico (manutenção da esperança e do prazer; boa relação com a equipe profissional de saúde; controle físico e cognitivo; não ser um fardo para os demais; boas relações com a família e controle do futuro 1919. Wanssa MCD. Op. cit. p. 170.). A resposta a cada cofator é expressa e ponderada em escala tipo Likert (1=totalmente desnecessário; 2=desnecessário; 3=algo desnecessário; 4=mais ou menos necessário; 5=algo necessário; 6=necessário; 7=totalmente necessário).

O formulário-padrão foi aplicado por três das cinco autoras e/ou por membros do Comitê de Cuidados Paliativos do HU/Ufsc, com a anuência da direção-geral do hospital. Os participantes foram recrutados em seu local de trabalho para responder à pesquisa entre novembro de 2017 e março de 2018.

Variáveis contínuas foram expressas em mediana e percentis, e as categóricas em números absolutos e porcentagem. Para análise de associação, as variáveis independentes foram dicotomizadas. Observou-se distribuição não normal a partir da aplicação do teste de Shapiro-Wilk, complementado pela avaliação de assimetria e curtose e pela análise de curvas e histogramas 2020. Paes AT. Por dentro da estatística: o que fazer quando a distribuição não é normal? Einstein: Educ Contin Saúde [Internet]. 2009 [acesso 20 dez 2019];7(1 Pt 2):3-4. Disponível: https://bit.ly/2HloOP8
https://bit.ly/2HloOP8...
. A variável “idade” foi dividida em dois grupos (≤44 e ≥45 anos), tendo como base a média de idade dos médicos catarinenses (44,2 anos) 1515. Scheffer M, coordenador. Demografia médica no Brasil 2018 [Internet]. São Paulo: FMUSP; 2018 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/3ag1Shp
http://bit.ly/3ag1Shp...
.

Os escores de cada fator foram determinados pela somatória dos valores atribuídos na escala Likert de sete pontos a cada um de seus quatro COF. Assim, eles variaram de no mínimo quatro pontos até o máximo de 28 (média do intervalo de valores dos escores=16). Para análise de associação entre os fatores e as variáveis independentes, os escores totais foram dicotomizados a partir da média (16) entre baixa necessidade (4 a 16) e alta necessidade (17 a 28) para morte digna.

O teste U de Mann-Whitney foi aplicado para avaliar associação entre fatores/COF e variáveis independentes 2121. Sullivan GM, Artino AR Jr. Analyzing and interpreting data from Likert-type scales. J Grad Med Educ [Internet]. 2013 [acesso 20 dez 2019];5(4);541-2. DOI: 10.4300/JGME-5-4-18
https://doi.org/10.4300/JGME-5-4-18...
. Foi considerado nível de significância estatística de 5%, com intervalo de confiança de 95%, e a análise foi realizada no programa Statistical Package for the Social Sciences para Windows, versão 25.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Ufsc e seguiu as diretrizes do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Resoluções 510/2016 2222. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 98, p. 44, 24 maio 2016 [acesso 17 jan 2020]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/367aLXb
https://bit.ly/367aLXb...
e 466/2012 2323. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 12, p. 59, 13 jun 2013 [acesso 17 jan 2020]. Disponível: https://bit.ly/2KeJPu8
https://bit.ly/2KeJPu8...
, que regulamentam pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil. O termo de consentimento livre e esclarecido foi fornecido e assinado por todos que aceitaram participar do estudo.

Resultados

Perfil demográfico, sentir-se saudável e experiência recente com morte de familiar ou paciente

Em amostra por conveniência composta por 91 médicos de hospital público de ensino, 51,6% dos respondentes eram homens e 48,4%, mulheres, predominando o grupo com idade igual ou superior a 45 anos (53,8% vs. 46,2%) e de pessoas com religião (75,8% vs. 24,2%); entre estas, a maioria se autodeclarou católica (60,8%), seguida por outras religiões não especificadas (24,6%), espíritas (13%) e evangélicos (1,4%). A maior parte considerou-se saudável (93,4%) e declarou não ter tido perda recente de familiar ou paciente (60,4%).

Fatores e cofatores da versão reduzida da EPMD vs. variáveis independentes

Os participantes consideraram todos os seis fatores como de alta necessidade para a morte digna, sendo o mais importante “boas relações com a família” (98,9%), seguido por “manutenção da esperança e do prazer” (97,8%), “não ser um fardo para os demais” (92,3%), “boa relação com a equipe profissional de saúde” (91,2%), “controle do futuro” (90,1%) e “controle físico e cognitivo” (78%) (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição percentual de fatores para morte digna e sua necessidade (Florianópolis/SC, Brasil, 2019)

Considerando separadamente cada cofator da versão reduzida da EPMD, as medianas variaram de 7 (totalmente necessário) a 3 (algo desnecessário). Os COF com as maiores medianas foram “contar com pessoas que possam ouvi-lo(a)”; “desfrutar tempo suficiente com a família”; “não ser tratado como objeto ou criança”; e “dizer adeus às pessoas queridas”. Com a menor mediana foi “não demonstrar sua fraqueza física e mental à família”.

Sexo

As medianas (M) foram maiores no grupo de mulheres na avaliação dos fatores 2 e 5 (respectivamente, M-mulheres=23,5, desvio-padrão (DP)=3,459, M-homens=21, DP=4,188, e M-mulheres=26, DP=2,317, M-homens=24, DP=2,416). Verificou-se associação significativa entre sexo feminino e maior necessidade dos fatores “boa relação com a equipe profissional de saúde” (fator 2, p=0,009) e “boas relações com a família” (fator 5, p=0,015). A Tabela 2 expressa os resultados do teste U de Mann-Whitney (nível de significância p<0,05; intervalo de confiança 95%).

Tabela 2
Relação entre fatores para morte digna e perfil demográfico, ser saudável e experiência prévia (Florianópolis/SC, Brasil, 2019)

Observaram-se valores superiores da mediana no sexo feminino na relação entre o perfil demográfico e os COF 17 e 23 (respectivamente, M-mulheres=6, DP=1,363, M-homens=5, DP=1,781, e M-mulheres=6, DP=1,311, M-homens=5,49, DP=1,249). As mulheres consideraram mais necessários os COF “ter um médico ou enfermeiro com quem conversar sobre medos da morte” (COF 17, p=0,016) e “acreditar que foram utilizados todos os tratamentos disponíveis” (COF 23, p=0,031) (Tabela 3). Os demais COF não apresentaram associação significativa com nenhuma das variáveis.

Tabela 3
Relação entre cofatores para morte digna e perfil demográfico, ser saudável e experiência prévia (Florianópolis/SC, Brasil, 2019)

Idade

Pessoas com idade igual ou maior que 45 anos (M≥45=24, DP=3,907) consideraram mais necessário do que as mais jovens (M≤44=22, DP=3,608) “não ser um fardo para os demais” (fator 4, p=0,033). “Contar com pessoas que possam ouvi-lo(a)” teve associação significante com o grupo de até 44 anos de idade (COF 5, p=0,046; média≤44=6,6, DP=0,798 vs. média≥45=6,33, DP=0,899, com valor da M=7 para ambos os grupos etários), enquanto o grupo acima de 45 anos considerou mais necessário “não ser um fardo para membros da família” (COF 8, p=0,015; M≥45=6, DP=1,685 vs. M≤44=5, DP=1,55) e “não trazer problemas para os demais” (COF 24, p=0,017; M≥45=6, DP=1,58 vs. M≤44=5, DP=1,473).

Religião

Os participantes que não possuem religião consideraram mais necessário “não ser um fardo para os demais” (fator 4, p=0,028) e “controle do futuro” (fator 6, p=0,001) do que os que tinham crença religiosa (respectivamente, M sem religião=25, DP=2,819 vs. M com religião=22, DP=3,97, e M sem religião=24, DP=3,23 vs. M com religião=21, DP=3,953).

Também houve associação significativa entre a falta de religião e os COF “estar preparado para morrer” (COF 9, p=0,029); “ser mentalmente capaz de tomar decisões, ser lúcido(a)” (COF 11, p=0,034); e “controlar o tempo de vida, como por meio da eutanásia” (COF 18, p=0,003). As medianas foram maiores no grupo sem religião para esses três COF (respectivamente, M=7, DP=0,944; M=7, DP=1,601; M=6, DP=1,826 para os sem religião vs. M=6, DP=1,39; M=6, DP=1,313; M=4, DP=1,753 para os com religião).

Sentir-se saudável

Não houve associação estatisticamente significante entre a variável “sentir-se saudável” e cada um dos seis fatores. Entretanto, pessoas que se consideraram saudáveis perceberam como necessário “estar calmo(a), relaxado(a)” (COF 12, p=0,008), com valor da mediana superior aos que não se consideraram saudáveis (respectivamente, M sim=6, DP=0,808 vs. M não=5,5, DP=1,941). Não houve associação entre fatores ou COF da versão reduzida da EPMD e a variável independente “perda familiar recente”.

Morte recente de paciente

Participantes que lidaram recentemente com a morte de um paciente consideraram mais necessária “boa relação com a equipe profissional de saúde” (fator 2, p=0,006). Além disso, essa variável mostrou associação positiva com “ter uma enfermeira com quem se sinta confortável” (COF 19, p=0,035), com valor da média superior (média sim=5,78, DP=1,312 vs. média não=5,07, DP=1,654), porém com a mesma mediana (M sim e M não=6)

Quanto à alta ou baixa necessidade para morte digna, a análise bivariada relacionada aos fatores e às variáveis independentes não mostrou diferença estatisticamente significante (teste qui-quadrado ou teste de Fisher).

Discussão

A percepção dos participantes desta pesquisa foi abrangente ao considerar os seis fatores da versão reduzida da EPMD como de alta necessidade para morte digna. Entre esses, os fatores com maior frequência foram “boas relações com a família” (98,9%), “manutenção da esperança e do prazer” (97,8%) e “não ser um fardo para os demais” (92,3%). O primeiro e o último também apresentaram associação com sexo, idade e religião.

“Boas relações com a família” demonstra a importância do apoio e convívio familiar e sua relação com a morte digna, sendo achado também de pesquisas anteriores realizadas na China 1616. Haishan H, Hongjuan L, Tieying Z, Xuemei P. Preference of Chinese general public and healthcare providers for a good death. Nurs Ethics [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];22(2):217-27. DOI: 10.1177/0969733014524760
https://doi.org/10.1177/0969733014524760...
, Coreia do Sul 2424. Yun YH, Kim KN, Sim JA, Kang E, Lee J, Choo J et al. Priorities of a “good death” according to cancer patients, their family caregivers, physicians, and the general population: a nationwide survey. Support Care Cancer [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];26(10):3479-88. DOI: 10.1007/s00520-018-4209-y
https://doi.org/10.1007/s00520-018-4209-...
e Alemanha 1818. Meffert C, Stößel U, Körner M, Becker G. Perceptions of a good death among German medical students. Death Stud [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];39(5):307-15. DOI: 10.1080/07481187.2014.951496
https://doi.org/10.1080/07481187.2014.95...
. Porém, nos estudos japoneses 2525. Miyashita M, Morita T, Sato K, Tsuneto S, Shima Y. A nationwide survey of quality of end-of-life cancer care in designated cancer centers, inpatient palliative care units, and home hospices in Japan: the J-Hope study. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];50(1):38-47. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2015.01.007
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
,2626. Hamano J, Morita T, Fukui S, Kizawa Y, Tunetou S, Shima Y et al. Trust in physicians, continuity and coordination of care, and quality of death in patients with advanced cancer. J Palliat Med [Internet]. 2017 [acesso 6 maio 2019];20(11):1252-9. DOI: 10.1089/jpm.2017.0049
https://doi.org/10.1089/jpm.2017.0049...
e estadunidenses 2727. Steinhauser KE, Christakis NA, Clipp EC, McNeilly M, McIntyre L, Tulsky JA. Factors considered important at the end of life by patients, family, physicians, and other care providers. Jama [Internet]. 2000 [acesso 6 maio 2019];284(19):2476-82. DOI: 10.1001/jama.284.19.2476
https://doi.org/10.1001/jama.284.19.2476...
, a presença familiar não foi considerada principal, e sim fatores como estar livre de dor, estar em paz com Deus 1212. Miyashita M, Morita T, Sato K, Hirai K, Shima Y, Uchitomi Y. Good death inventory: a measure for evaluating good death from the bereaved family member’s perspective. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];35(5):486-98. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2007.07.009
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
, ser valorizado enquanto pessoa 2525. Miyashita M, Morita T, Sato K, Tsuneto S, Shima Y. A nationwide survey of quality of end-of-life cancer care in designated cancer centers, inpatient palliative care units, and home hospices in Japan: the J-Hope study. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];50(1):38-47. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2015.01.007
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
e confiar no médico 2626. Hamano J, Morita T, Fukui S, Kizawa Y, Tunetou S, Shima Y et al. Trust in physicians, continuity and coordination of care, and quality of death in patients with advanced cancer. J Palliat Med [Internet]. 2017 [acesso 6 maio 2019];20(11):1252-9. DOI: 10.1089/jpm.2017.0049
https://doi.org/10.1089/jpm.2017.0049...
. Enquanto na cultura brasileira e de países asiáticos a família ocupa lugar central, nos Estados Unidos (EUA) e em outras populações ocidentais o individualismo é mais valorizado, o que justifica o fato de o controle físico e cognitivo no fim da vida ser mais importante para eles 2626. Hamano J, Morita T, Fukui S, Kizawa Y, Tunetou S, Shima Y et al. Trust in physicians, continuity and coordination of care, and quality of death in patients with advanced cancer. J Palliat Med [Internet]. 2017 [acesso 6 maio 2019];20(11):1252-9. DOI: 10.1089/jpm.2017.0049
https://doi.org/10.1089/jpm.2017.0049...
. Em contrapartida, nesta pesquisa o fator menos considerado de alta necessidade foi justamente o “controle físico e cognitivo”.

A influência cultural na percepção de morte digna vai desde a diferença quanto aos valores centrais à preferência pelo local da morte 2727. Steinhauser KE, Christakis NA, Clipp EC, McNeilly M, McIntyre L, Tulsky JA. Factors considered important at the end of life by patients, family, physicians, and other care providers. Jama [Internet]. 2000 [acesso 6 maio 2019];284(19):2476-82. DOI: 10.1001/jama.284.19.2476
https://doi.org/10.1001/jama.284.19.2476...
. Até em um mesmo país, grupos étnicos diferentes podem ter percepções e desejos distintos, como apontado por Steinhauser e colaboradores 2727. Steinhauser KE, Christakis NA, Clipp EC, McNeilly M, McIntyre L, Tulsky JA. Factors considered important at the end of life by patients, family, physicians, and other care providers. Jama [Internet]. 2000 [acesso 6 maio 2019];284(19):2476-82. DOI: 10.1001/jama.284.19.2476
https://doi.org/10.1001/jama.284.19.2476...
ao demonstrarem que americanos afrodescendentes dão mais importância a receber todos os tratamentos disponíveis – o que pode estar relacionado à baixa crença na cultura médica branca. Neste estudo, observou-se associação entre o sexo feminino e “boa relação com a família” e “com a equipe profissional de saúde”. Esse resultado corrobora o estudo de Meffert e colaboradores 1818. Meffert C, Stößel U, Körner M, Becker G. Perceptions of a good death among German medical students. Death Stud [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];39(5):307-15. DOI: 10.1080/07481187.2014.951496
https://doi.org/10.1080/07481187.2014.95...
, que mostra que mulheres estudantes de medicina dão maior valor a ter família para quem possam se expressar, reconciliar-se com pessoas e ter alguém que as ouça, COF relacionados ao fator de “boa relação com a família”.

Entender o papel do gênero na tomada de decisão e preferências no final da vida é importante para adequar a abordagem e a comunicação, visto que homens e mulheres têm percepções diferentes, pois, historicamente, vivem contextos e papéis distintos na sociedade e na família 2828. Gere J, Helwig CC. Young adults’ attitudes and reasoning about gender roles in the family context. Psychol Women Q [Internet]. 2012 [acesso 6 maio 2019];36(3):301-13. DOI: 10.1177/0361684312444272
https://doi.org/10.1177/0361684312444272...
. Vale ainda observar, no âmbito da saúde, que mulheres têm maior expectativa de vida, mas maior morbidade (física e mental) 2929. Mayor E. Gender roles and traits in stress and health. Front Psychol [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];6:779. DOI: 10.3389/fpsyg.2015.00779
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2015.00779...
, além de notadamente utilizarem mais serviços de saúde do que os homens 3030. Bertakis KD. The influence of gender on the doctor-patient interaction. Patient Educ Couns [Internet]. 2009 [acesso 6 maio 2019];76(3):356-60. DOI: 10.1016/j.pec.2009.07.022
https://doi.org/10.1016/j.pec.2009.07.02...
.

Outro fator fundamental na compreensão dos papéis de gênero é a diferença da comunicação e interação entre médico e paciente 3030. Bertakis KD. The influence of gender on the doctor-patient interaction. Patient Educ Couns [Internet]. 2009 [acesso 6 maio 2019];76(3):356-60. DOI: 10.1016/j.pec.2009.07.022
https://doi.org/10.1016/j.pec.2009.07.02...
,3131. Sharma RK, Prigerson HG, Penedo FJ, Maciejewski PK. Male-female patient differences in the association between end-of-life discussions and receipt of intensive care near death. Cancer [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];121(16):2814-20. DOI: 10.1002/cncr.29417
https://doi.org/10.1002/cncr.29417...
; mulheres, quando pacientes, tendem a questionar mais seus médicos 3232. Bertakis KD, Franks P, Epstein RM. Patient-centered communication in primary care: physician and patient gender and gender concordance. J Womens Health [Internet]. 2009 [acesso 6 maio 2019];18(4):539-45. DOI: 10.1089/jwh.2008.0969
https://doi.org/10.1089/jwh.2008.0969...
,3333. Hall JA, Roter DL. Patient gender and communication with physicians: results of a community-based study. Womens Health [Internet]. 1995 [acesso 6 maio 2019];1(1):77-95. Disponível: https://bit.ly/2tnyvck
https://bit.ly/2tnyvck...
e a ter consultas mais longas 3434. Saeed F, Hoeger M, Norton SA, Guancial E, Epsein RM, Duberstein PR. Preference for palliative care in cancer patients: are men and women alike? J Pain Symptom Manage [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];56(1):1-6. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2018.03.014
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
. Já na outra ponta da relação, as médicas parecem dedicar mais tempo ao aconselhamento psicossocial, realizar mais atendimentos preventivos e ter maiores índices de satisfação de seus pacientes 3030. Bertakis KD. The influence of gender on the doctor-patient interaction. Patient Educ Couns [Internet]. 2009 [acesso 6 maio 2019];76(3):356-60. DOI: 10.1016/j.pec.2009.07.022
https://doi.org/10.1016/j.pec.2009.07.02...
. Salienta-se, assim, a importância de considerar o gênero – e suas implicações sociais, perfil de comunicação, relação médico-paciente e preferências no fim de vida – na percepção de morte digna, para que a abordagem com os pacientes possa ser individualizada.

A idade também demonstrou ser variável significativa na associação aos fatores, uma vez que indivíduos veem a morte de maneiras distintas ao longo da vida 3535. Menezes RA, Barbosa PC. A construção da “boa morte” em diferentes etapas da vida: reflexões em torno do ideário paliativista para adultos e crianças. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [acesso 6 maio 2019];18(9):2653-62. DOI: 10.1590/S1413-81232013000900020
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201300...
. Além disso, mudanças epidemiológicas 3636. Omran AR. The epidemiologic transition: a theory of the epidemiology of population change. Milbank Q [Internet]. 2005 [acesso 6 maio 2019];83(4):731-57. DOI: 10.1111/j.1468-0009.2005.00398.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-0009.2005...
,3737. Pollock K, Seymour J. Reappraising “the good death” for populations in the age of ageing. Age Ageing [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];47(3):328-30. DOI: 10.1093/ageing/afy008
https://doi.org/10.1093/ageing/afy008...
e demográficas 11. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 483, de 1º de abril de 2014. Redefine a rede de atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e estabelece diretrizes para a organização das suas linhas de cuidado. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 50-2, 2 abr 2014 [acesso 6 maio 2019]. Seção 1. Disponível: http://bit.ly/2ToAgkh
http://bit.ly/2ToAgkh...
têm influenciado as causas de morte e, por consequência, a expectativa de vida 3737. Pollock K, Seymour J. Reappraising “the good death” for populations in the age of ageing. Age Ageing [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];47(3):328-30. DOI: 10.1093/ageing/afy008
https://doi.org/10.1093/ageing/afy008...
.

Em nosso estudo, observou-se associação entre idade maior do que 45 anos e “não ser um fardo para os demais”, enquanto os mais jovens (≤44 anos) consideraram mais importante “contar com pessoas que possam ouvi-lo”. Na Coreia do Sul, Yun e colaboradores 2424. Yun YH, Kim KN, Sim JA, Kang E, Lee J, Choo J et al. Priorities of a “good death” according to cancer patients, their family caregivers, physicians, and the general population: a nationwide survey. Support Care Cancer [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];26(10):3479-88. DOI: 10.1007/s00520-018-4209-y
https://doi.org/10.1007/s00520-018-4209-...
encontraram resultado semelhante, tanto na percepção de profissionais de saúde quanto na de pacientes com câncer e cuidadores. No caso, aqueles com mais de 50 anos de idade foram associados a “não ser um fardo para os demais”, enquanto os mais jovens consideraram a importância da presença da família.

Essas diferenças entre faixas etárias podem ser explicadas em parte pelo fato de que, para os mais jovens, a morte está distante tanto temporalmente quanto pelo menor número de experiências a ela relacionadas 1818. Meffert C, Stößel U, Körner M, Becker G. Perceptions of a good death among German medical students. Death Stud [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];39(5):307-15. DOI: 10.1080/07481187.2014.951496
https://doi.org/10.1080/07481187.2014.95...
. Idosos, de maneira geral, já tiveram mais contato com o fim de vida e passaram por problemas de saúde, o que os deixa mais próximos da finitude, mesmo que ainda de forma figurada e até inconsciente 1818. Meffert C, Stößel U, Körner M, Becker G. Perceptions of a good death among German medical students. Death Stud [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];39(5):307-15. DOI: 10.1080/07481187.2014.951496
https://doi.org/10.1080/07481187.2014.95...
,3838. Freud S. Thoughts for the times on war and death. In: Freud S. The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud. Londres: Hogarth Press; 1957. v. 14. p. 273-300..

Segundo Freud 3838. Freud S. Thoughts for the times on war and death. In: Freud S. The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud. Londres: Hogarth Press; 1957. v. 14. p. 273-300., para lidar emocionalmente com a morte, o ser humano cria formas de negar sua terminalidade, o que parece ser corroborado pela associação entre maior idade e “não ser um fardo para os demais” – fator que se refere ao desejo de manter-se autossuficiente, sem gerar problemas à família 1313. Wanssa MCD. Morte digna e lugar onde morrer: percepção de pacientes oncológicos e de seus familiares [tese] [Internet]. Porto: Universidade do Porto; 2012 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/389RVQP
http://bit.ly/389RVQP...
. Por outro lado, os mais jovens ressaltaram mais o contato e apoio familiar, o que parece estar relacionado à necessidade de auxílio sobre o impacto emocional que a morte provoca neste grupo etário.

Além da relação entre perfil demográfico e percepção de morte digna, também se constatou associação com a religiosidade, o que é contemplado na literatura 1818. Meffert C, Stößel U, Körner M, Becker G. Perceptions of a good death among German medical students. Death Stud [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];39(5):307-15. DOI: 10.1080/07481187.2014.951496
https://doi.org/10.1080/07481187.2014.95...
,2727. Steinhauser KE, Christakis NA, Clipp EC, McNeilly M, McIntyre L, Tulsky JA. Factors considered important at the end of life by patients, family, physicians, and other care providers. Jama [Internet]. 2000 [acesso 6 maio 2019];284(19):2476-82. DOI: 10.1001/jama.284.19.2476
https://doi.org/10.1001/jama.284.19.2476...
,3939. Cohen J, van Delden J, Mortier F, Lofmark R, Norup M, Cartwright C et al. Influence of physicians’ life stances on attitudes to end-of-life decisions and actual end-of-life decision-making in six countries. J Med Ethics [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];34(4):247-53. DOI: 10.1136/jme.2006.020297
https://doi.org/10.1136/jme.2006.020297...
,4040. Seale C. The role of doctors’ religious faith and ethnicity in taking ethically controversial decisions during end-of-life care. J Med Ethics [Internet]. 2010 [acesso 6 maio 2019];36(11):677-82. DOI: 10.1136/jme.2010.036194
https://doi.org/10.1136/jme.2010.036194...
e também na prática médica 3939. Cohen J, van Delden J, Mortier F, Lofmark R, Norup M, Cartwright C et al. Influence of physicians’ life stances on attitudes to end-of-life decisions and actual end-of-life decision-making in six countries. J Med Ethics [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];34(4):247-53. DOI: 10.1136/jme.2006.020297
https://doi.org/10.1136/jme.2006.020297...
,4040. Seale C. The role of doctors’ religious faith and ethnicity in taking ethically controversial decisions during end-of-life care. J Med Ethics [Internet]. 2010 [acesso 6 maio 2019];36(11):677-82. DOI: 10.1136/jme.2010.036194
https://doi.org/10.1136/jme.2010.036194...
. As pessoas sem crença religiosa mostraram-se mais preocupadas em “não ser um fardo para os demais” e “controlar o futuro”, revelando orientação materialista, guiada por princípios pessoais 1313. Wanssa MCD. Morte digna e lugar onde morrer: percepção de pacientes oncológicos e de seus familiares [tese] [Internet]. Porto: Universidade do Porto; 2012 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/389RVQP
http://bit.ly/389RVQP...
. Steinhauser e colaboradores 2727. Steinhauser KE, Christakis NA, Clipp EC, McNeilly M, McIntyre L, Tulsky JA. Factors considered important at the end of life by patients, family, physicians, and other care providers. Jama [Internet]. 2000 [acesso 6 maio 2019];284(19):2476-82. DOI: 10.1001/jama.284.19.2476
https://doi.org/10.1001/jama.284.19.2476...
também associaram tempo e local de morte e não ter religião em estudo com população de pacientes, familiares e médicos nos EUA. Na Alemanha, estudantes de medicina que não praticavam nenhuma religião consideraram mais importante não causar problemas aos outros; ser independente; viver como sempre; e controlar o tempo como por eutanásia 1818. Meffert C, Stößel U, Körner M, Becker G. Perceptions of a good death among German medical students. Death Stud [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];39(5):307-15. DOI: 10.1080/07481187.2014.951496
https://doi.org/10.1080/07481187.2014.95...
, COF que se relacionam a “não ser um fardo para os demais” e “controle do futuro”, como corroborado por este estudo.

Além da influência na percepção de morte digna, a religiosidade parece, de alguma forma, afetar a prática médica no que compete ao cuidado de pacientes em fim de vida. Cohen e colaboradores 3939. Cohen J, van Delden J, Mortier F, Lofmark R, Norup M, Cartwright C et al. Influence of physicians’ life stances on attitudes to end-of-life decisions and actual end-of-life decision-making in six countries. J Med Ethics [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];34(4):247-53. DOI: 10.1136/jme.2006.020297
https://doi.org/10.1136/jme.2006.020297...
indicam que médicos com crença religiosa têm mais dificuldade em aceitar decisões de não tratar, utilizar terapêuticas que possam acelerar a morte e administrar drogas potencialmente letais. Entretanto, na prática esses mesmos indivíduos exerciam algumas dessas ações, ou seja, o caráter ético e humanístico auxiliava a relativizar suas decisões, e talvez eles mesmos não encarassem suas crenças de forma imperativa.

Do mesmo modo, Seale 4040. Seale C. The role of doctors’ religious faith and ethnicity in taking ethically controversial decisions during end-of-life care. J Med Ethics [Internet]. 2010 [acesso 6 maio 2019];36(11):677-82. DOI: 10.1136/jme.2010.036194
https://doi.org/10.1136/jme.2010.036194...
evidenciou que médicos sem religião tinham mais probabilidade de concordar com eutanásia ou medidas que pudessem acelerar a morte. Desta forma, fica claro que a religião afeta a percepção de morte digna, além de influenciar o exercício clínico da medicina. Entretanto, apesar desse impacto 1818. Meffert C, Stößel U, Körner M, Becker G. Perceptions of a good death among German medical students. Death Stud [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];39(5):307-15. DOI: 10.1080/07481187.2014.951496
https://doi.org/10.1080/07481187.2014.95...
, deve-se considerar que as crenças religiosas parecem não afetar de forma imperativa o trabalho médico 3939. Cohen J, van Delden J, Mortier F, Lofmark R, Norup M, Cartwright C et al. Influence of physicians’ life stances on attitudes to end-of-life decisions and actual end-of-life decision-making in six countries. J Med Ethics [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];34(4):247-53. DOI: 10.1136/jme.2006.020297
https://doi.org/10.1136/jme.2006.020297...
.

A cultura médica e a experiência no exercício da profissão modificam a percepção de morte 4141. Cottrell L, Duggleby W. The “good death”: an integrative literature review. Palliat Support Care [Internet]. 2016 [acesso 6 maio 2019];14(6):686-712. DOI: 10.1017/s1478951515001285
https://doi.org/10.1017/s147895151500128...
e geram discrepâncias entre médicos e população geral, embora a literatura aponte que ambos compartilham a maioria das preferências e prioridades 2424. Yun YH, Kim KN, Sim JA, Kang E, Lee J, Choo J et al. Priorities of a “good death” according to cancer patients, their family caregivers, physicians, and the general population: a nationwide survey. Support Care Cancer [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];26(10):3479-88. DOI: 10.1007/s00520-018-4209-y
https://doi.org/10.1007/s00520-018-4209-...
,2727. Steinhauser KE, Christakis NA, Clipp EC, McNeilly M, McIntyre L, Tulsky JA. Factors considered important at the end of life by patients, family, physicians, and other care providers. Jama [Internet]. 2000 [acesso 6 maio 2019];284(19):2476-82. DOI: 10.1001/jama.284.19.2476
https://doi.org/10.1001/jama.284.19.2476...
,4141. Cottrell L, Duggleby W. The “good death”: an integrative literature review. Palliat Support Care [Internet]. 2016 [acesso 6 maio 2019];14(6):686-712. DOI: 10.1017/s1478951515001285
https://doi.org/10.1017/s147895151500128...
,4242. Payne SA, Langley-Evans A, Hillier R. Perceptions of a “good” death: a comparative study of the views of hospice staff and patients. Palliat Med [Internet]. 1996 [acesso 6 maio 2019];10(4):307-12. DOI: 10.1177/026921639601000406
https://doi.org/10.1177/0269216396010004...
. Para aprimorar a formação médica e adequar o exercício profissional às necessidades dos pacientes, é necessário entender e explorar essas diferenças, sendo esperado que os médicos tenham visão biomédica da morte 4141. Cottrell L, Duggleby W. The “good death”: an integrative literature review. Palliat Support Care [Internet]. 2016 [acesso 6 maio 2019];14(6):686-712. DOI: 10.1017/s1478951515001285
https://doi.org/10.1017/s147895151500128...
devido à formação acadêmica.

Segundo Payne, Langley-Evans e Hillier 4242. Payne SA, Langley-Evans A, Hillier R. Perceptions of a “good” death: a comparative study of the views of hospice staff and patients. Palliat Med [Internet]. 1996 [acesso 6 maio 2019];10(4):307-12. DOI: 10.1177/026921639601000406
https://doi.org/10.1177/0269216396010004...
, médicos dão maior importância a morte sem dor, enquanto os pacientes valorizam morrer enquanto dormem e tranquilamente. Outros autores 2525. Miyashita M, Morita T, Sato K, Tsuneto S, Shima Y. A nationwide survey of quality of end-of-life cancer care in designated cancer centers, inpatient palliative care units, and home hospices in Japan: the J-Hope study. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];50(1):38-47. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2015.01.007
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
observaram que médicos, cuidadores, familiares e pacientes concordaram em mais de 50% sobre sua percepção de morte digna. Entretanto, mais do que os médicos, os pacientes valorizaram estar mentalmente capaz, planejar seu funeral, sentir que a vida foi completa, não ser um fardo para os demais, ser capaz de ajudar os outros e estar em paz com Deus 2525. Miyashita M, Morita T, Sato K, Tsuneto S, Shima Y. A nationwide survey of quality of end-of-life cancer care in designated cancer centers, inpatient palliative care units, and home hospices in Japan: the J-Hope study. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];50(1):38-47. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2015.01.007
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
.

Em pesquisa na Coreia do Sul, enquanto pacientes com câncer priorizaram não ser um fardo para os demais e presença da família, os médicos consideraram mais importante sentir que a vida foi significativa (relacionado ao fator manutenção da esperança e do prazer) e presença da família 2424. Yun YH, Kim KN, Sim JA, Kang E, Lee J, Choo J et al. Priorities of a “good death” according to cancer patients, their family caregivers, physicians, and the general population: a nationwide survey. Support Care Cancer [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];26(10):3479-88. DOI: 10.1007/s00520-018-4209-y
https://doi.org/10.1007/s00520-018-4209-...
. Esses achados negam o caráter estritamente biomédico da percepção de morte por trazerem visão mais humanista, o que difere de pesquisas estadunidenses, nas quais o mais importante é estar livre de dor 2727. Steinhauser KE, Christakis NA, Clipp EC, McNeilly M, McIntyre L, Tulsky JA. Factors considered important at the end of life by patients, family, physicians, and other care providers. Jama [Internet]. 2000 [acesso 6 maio 2019];284(19):2476-82. DOI: 10.1001/jama.284.19.2476
https://doi.org/10.1001/jama.284.19.2476...
. Na amostra estudada, os resultados foram similares ao estudo coreano, o que provavelmente decorre da semelhança cultural da valorização da família. Dessa forma, pode-se inferir que crenças e costumes sociais influenciam mais a compreensão do indivíduo sobre morte digna do que a cultura profissional.

Apesar disso, por ser estudo transversal que aborda população específica de médicos, os dados desta pesquisa não podem ser extrapolados para a realidade geral dos profissionais brasileiros. Deve-se considerar, sobretudo, o caráter continental do país e as diferenças culturais entre as regiões. O viés de seleção também deve ser considerado por se tratar de amostra por conveniência. É possível que o caráter humanista da percepção de morte digna dos participantes tenha sido influenciado por exercerem seu trabalho em um hospital-escola, onde serviço e ensino estão integrados. Além disso, a recente mudança curricular na formação médica focada em abordagem humana e integral 4343. Moreira COF, Dias MSA. Diretrizes curriculares na saúde e as mudanças nos modelos de saúde e de educação. ABCS Health Sci [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];40(3):300-5. DOI: 10.7322/abcshs.v40i3.811
https://doi.org/10.7322/abcshs.v40i3.811...
também pode ter influenciado o resultado.

É essencial destacar que as pesquisas que tratam de morte digna utilizam métodos e/ou escalas diferentes, o que dificulta comparar os resultados, e abordam diferentes populações em países com culturas distintas. Por exemplo, há estudos que utilizaram versão da escala de Miyashita e colaboradores 1212. Miyashita M, Morita T, Sato K, Hirai K, Shima Y, Uchitomi Y. Good death inventory: a measure for evaluating good death from the bereaved family member’s perspective. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];35(5):486-98. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2007.07.009
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
adaptada ou reduzida por outros pesquisadores, gerando fatores e COF distintos.

Considerações finais

A literatura sobre morte digna é escassa, especialmente do ponto de vista da percepção médica e do contexto sul-americano e brasileiro. Este estudo contribui com a discussão ao demonstrar que os resultados obtidos se aproximam da visão de países asiáticos, ao mesmo tempo que se distanciam do individualismo característico dos EUA e do mundo ocidental de maneira geral.

Considerando a influência de valores pessoais, culturais e experiências prévias 1616. Haishan H, Hongjuan L, Tieying Z, Xuemei P. Preference of Chinese general public and healthcare providers for a good death. Nurs Ethics [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];22(2):217-27. DOI: 10.1177/0969733014524760
https://doi.org/10.1177/0969733014524760...
, é difícil encontrar conceito universal de morte digna. Por isso, os profissionais de saúde precisam compreender essa individualidade, levando em consideração valores que a influenciam e respeitando a pluralidade de desejos e preferências. A sociedade médica, as entidades reguladoras e o governo podem prover condições adequadas para que esta pluralidade seja viabilizada, garantindo a todos uma morte digna 2525. Miyashita M, Morita T, Sato K, Tsuneto S, Shima Y. A nationwide survey of quality of end-of-life cancer care in designated cancer centers, inpatient palliative care units, and home hospices in Japan: the J-Hope study. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];50(1):38-47. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2015.01.007
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
,4444. Smith AK, Periyakoil VS. Should we bury “the good death”? J Am Geriatr Soc [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];66(5):856-8. DOI: 10.1111/jgs.15321
https://doi.org/10.1111/jgs.15321...
.

A análise dos dados desta pesquisa demonstrou que a percepção de morte digna dos médicos valorizou aspectos sociais, como afetividade e convivência, ao priorizar os fatores “boa relação com a família”, “manutenção da esperança e do prazer” e “não ser um fardo para os demais”. Além disso, verificou-se que idade, sexo e religiosidade podem alterar a percepção sobre o tema, apontando para a importância de abordagem mais plural com pacientes próximos ao fim da vida, entendendo suas necessidades caso a caso.

Referências

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 483, de 1º de abril de 2014. Redefine a rede de atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e estabelece diretrizes para a organização das suas linhas de cuidado. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 50-2, 2 abr 2014 [acesso 6 maio 2019]. Seção 1. Disponível: http://bit.ly/2ToAgkh
    » http://bit.ly/2ToAgkh
  • 2
    World Health Organization. Strengthening of palliative care as a component of integrated treatment throughout the life course. J Pain Palliat Care Pharmacother [Internet]. 2014 [acesso 6 maio 2019];28(2):130-4. DOI: 10.3109/15360288.2014.911801
    » https://doi.org/10.3109/15360288.2014.911801
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 19, de 3 de janeiro de 2002. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 4 jan 2002 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/2TrRD3v
    » http://bit.ly/2TrRD3v
  • 4
    O que são cuidados paliativos. Academia Nacional de Cuidados Paliativos [Internet]. 2017 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/2tmRnbp
    » http://bit.ly/2tmRnbp
  • 5
    Pessini L, Hossne WS. Terminalidade da vida e o novo Código de Ética Médica. Bioethikos [Internet]. 2010 [acesso 6 maio 2019];4(2):127-9. Disponível: http://bit.ly/2FRXkQj
    » http://bit.ly/2FRXkQj
  • 6
    Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de cuidados paliativos. Rio de Janeiro: Diagraphic; 2009.
  • 7
    Nunes LAR. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 3ª ed. São Paulo: Saraiva; 2009.
  • 8
    Brasil. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 191-A, p. 1-32, 5 out 1988 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/2p1MWjW
    » http://bit.ly/2p1MWjW
  • 9
    Chochinov HM, Hack T, Hassard T, Kristjanson LJ, McClement S, Harlos M. Dignity in the terminally ill: a cross-sectional, cohort study. Lancet [Internet]. 2002 [acesso 6 maio 2019];360(9350):2026-30. DOI: 10.1016/s0140-6736(02)12022-8
    » https://doi.org/10.1016/s0140-6736(02)12022-8
  • 10
    Chochinov HM. Dignity and the eye of the beholder. J Clin Oncol [Internet]. 2004 [acesso 6 maio 2019];22(7):1336-40. DOI: 10.1200/jco.2004.12.095
    » https://doi.org/10.1200/jco.2004.12.095
  • 11
    Miyashita M, Sanjo M, Morita T, Hirai K, Uchitomi Y. Good death in cancer care: a nationwide quantitative study. Ann Oncol [Internet]. 2007 [acesso 6 maio 2019];18(6):1090-7. DOI: 10.1093/annonc/mdm068
    » https://doi.org/10.1093/annonc/mdm068
  • 12
    Miyashita M, Morita T, Sato K, Hirai K, Shima Y, Uchitomi Y. Good death inventory: a measure for evaluating good death from the bereaved family member’s perspective. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];35(5):486-98. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2007.07.009
    » https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.2007.07.009
  • 13
    Wanssa MCD. Morte digna e lugar onde morrer: percepção de pacientes oncológicos e de seus familiares [tese] [Internet]. Porto: Universidade do Porto; 2012 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/389RVQP
    » http://bit.ly/389RVQP
  • 14
    Chochinov HM. Dignity-conserving care: a new model for palliative care. Jama [Internet]. 2002 [acesso 6 maio 2019];287(17):2253-60. DOI: 10.1001/jama.287.17.2253
    » https://doi.org/10.1001/jama.287.17.2253
  • 15
    Scheffer M, coordenador. Demografia médica no Brasil 2018 [Internet]. São Paulo: FMUSP; 2018 [acesso 6 maio 2019]. Disponível: http://bit.ly/3ag1Shp
    » http://bit.ly/3ag1Shp
  • 16
    Haishan H, Hongjuan L, Tieying Z, Xuemei P. Preference of Chinese general public and healthcare providers for a good death. Nurs Ethics [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];22(2):217-27. DOI: 10.1177/0969733014524760
    » https://doi.org/10.1177/0969733014524760
  • 17
    Morais IM, Nunes R, Cavalcanti T, Soares AKS, Gouveia VV. Percepção da “morte digna” por estudantes e médicos. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 6 maio 2019];24(1):108-17. DOI: 10.1590/1983-80422016241112
    » https://doi.org/10.1590/1983-80422016241112
  • 18
    Meffert C, Stößel U, Körner M, Becker G. Perceptions of a good death among German medical students. Death Stud [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];39(5):307-15. DOI: 10.1080/07481187.2014.951496
    » https://doi.org/10.1080/07481187.2014.951496
  • 19
    Wanssa MCD. Op. cit. p. 170.
  • 20
    Paes AT. Por dentro da estatística: o que fazer quando a distribuição não é normal? Einstein: Educ Contin Saúde [Internet]. 2009 [acesso 20 dez 2019];7(1 Pt 2):3-4. Disponível: https://bit.ly/2HloOP8
    » https://bit.ly/2HloOP8
  • 21
    Sullivan GM, Artino AR Jr. Analyzing and interpreting data from Likert-type scales. J Grad Med Educ [Internet]. 2013 [acesso 20 dez 2019];5(4);541-2. DOI: 10.4300/JGME-5-4-18
    » https://doi.org/10.4300/JGME-5-4-18
  • 22
    Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 98, p. 44, 24 maio 2016 [acesso 17 jan 2020]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/367aLXb
    » https://bit.ly/367aLXb
  • 23
    Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 12, p. 59, 13 jun 2013 [acesso 17 jan 2020]. Disponível: https://bit.ly/2KeJPu8
    » https://bit.ly/2KeJPu8
  • 24
    Yun YH, Kim KN, Sim JA, Kang E, Lee J, Choo J et al. Priorities of a “good death” according to cancer patients, their family caregivers, physicians, and the general population: a nationwide survey. Support Care Cancer [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];26(10):3479-88. DOI: 10.1007/s00520-018-4209-y
    » https://doi.org/10.1007/s00520-018-4209-y
  • 25
    Miyashita M, Morita T, Sato K, Tsuneto S, Shima Y. A nationwide survey of quality of end-of-life cancer care in designated cancer centers, inpatient palliative care units, and home hospices in Japan: the J-Hope study. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];50(1):38-47. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2015.01.007
    » https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.2015.01.007
  • 26
    Hamano J, Morita T, Fukui S, Kizawa Y, Tunetou S, Shima Y et al. Trust in physicians, continuity and coordination of care, and quality of death in patients with advanced cancer. J Palliat Med [Internet]. 2017 [acesso 6 maio 2019];20(11):1252-9. DOI: 10.1089/jpm.2017.0049
    » https://doi.org/10.1089/jpm.2017.0049
  • 27
    Steinhauser KE, Christakis NA, Clipp EC, McNeilly M, McIntyre L, Tulsky JA. Factors considered important at the end of life by patients, family, physicians, and other care providers. Jama [Internet]. 2000 [acesso 6 maio 2019];284(19):2476-82. DOI: 10.1001/jama.284.19.2476
    » https://doi.org/10.1001/jama.284.19.2476
  • 28
    Gere J, Helwig CC. Young adults’ attitudes and reasoning about gender roles in the family context. Psychol Women Q [Internet]. 2012 [acesso 6 maio 2019];36(3):301-13. DOI: 10.1177/0361684312444272
    » https://doi.org/10.1177/0361684312444272
  • 29
    Mayor E. Gender roles and traits in stress and health. Front Psychol [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];6:779. DOI: 10.3389/fpsyg.2015.00779
    » https://doi.org/10.3389/fpsyg.2015.00779
  • 30
    Bertakis KD. The influence of gender on the doctor-patient interaction. Patient Educ Couns [Internet]. 2009 [acesso 6 maio 2019];76(3):356-60. DOI: 10.1016/j.pec.2009.07.022
    » https://doi.org/10.1016/j.pec.2009.07.022
  • 31
    Sharma RK, Prigerson HG, Penedo FJ, Maciejewski PK. Male-female patient differences in the association between end-of-life discussions and receipt of intensive care near death. Cancer [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];121(16):2814-20. DOI: 10.1002/cncr.29417
    » https://doi.org/10.1002/cncr.29417
  • 32
    Bertakis KD, Franks P, Epstein RM. Patient-centered communication in primary care: physician and patient gender and gender concordance. J Womens Health [Internet]. 2009 [acesso 6 maio 2019];18(4):539-45. DOI: 10.1089/jwh.2008.0969
    » https://doi.org/10.1089/jwh.2008.0969
  • 33
    Hall JA, Roter DL. Patient gender and communication with physicians: results of a community-based study. Womens Health [Internet]. 1995 [acesso 6 maio 2019];1(1):77-95. Disponível: https://bit.ly/2tnyvck
    » https://bit.ly/2tnyvck
  • 34
    Saeed F, Hoeger M, Norton SA, Guancial E, Epsein RM, Duberstein PR. Preference for palliative care in cancer patients: are men and women alike? J Pain Symptom Manage [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];56(1):1-6. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2018.03.014
    » https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.2018.03.014
  • 35
    Menezes RA, Barbosa PC. A construção da “boa morte” em diferentes etapas da vida: reflexões em torno do ideário paliativista para adultos e crianças. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [acesso 6 maio 2019];18(9):2653-62. DOI: 10.1590/S1413-81232013000900020
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000900020
  • 36
    Omran AR. The epidemiologic transition: a theory of the epidemiology of population change. Milbank Q [Internet]. 2005 [acesso 6 maio 2019];83(4):731-57. DOI: 10.1111/j.1468-0009.2005.00398.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1468-0009.2005.00398.x
  • 37
    Pollock K, Seymour J. Reappraising “the good death” for populations in the age of ageing. Age Ageing [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];47(3):328-30. DOI: 10.1093/ageing/afy008
    » https://doi.org/10.1093/ageing/afy008
  • 38
    Freud S. Thoughts for the times on war and death. In: Freud S. The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud. Londres: Hogarth Press; 1957. v. 14. p. 273-300.
  • 39
    Cohen J, van Delden J, Mortier F, Lofmark R, Norup M, Cartwright C et al. Influence of physicians’ life stances on attitudes to end-of-life decisions and actual end-of-life decision-making in six countries. J Med Ethics [Internet]. 2008 [acesso 6 maio 2019];34(4):247-53. DOI: 10.1136/jme.2006.020297
    » https://doi.org/10.1136/jme.2006.020297
  • 40
    Seale C. The role of doctors’ religious faith and ethnicity in taking ethically controversial decisions during end-of-life care. J Med Ethics [Internet]. 2010 [acesso 6 maio 2019];36(11):677-82. DOI: 10.1136/jme.2010.036194
    » https://doi.org/10.1136/jme.2010.036194
  • 41
    Cottrell L, Duggleby W. The “good death”: an integrative literature review. Palliat Support Care [Internet]. 2016 [acesso 6 maio 2019];14(6):686-712. DOI: 10.1017/s1478951515001285
    » https://doi.org/10.1017/s1478951515001285
  • 42
    Payne SA, Langley-Evans A, Hillier R. Perceptions of a “good” death: a comparative study of the views of hospice staff and patients. Palliat Med [Internet]. 1996 [acesso 6 maio 2019];10(4):307-12. DOI: 10.1177/026921639601000406
    » https://doi.org/10.1177/026921639601000406
  • 43
    Moreira COF, Dias MSA. Diretrizes curriculares na saúde e as mudanças nos modelos de saúde e de educação. ABCS Health Sci [Internet]. 2015 [acesso 6 maio 2019];40(3):300-5. DOI: 10.7322/abcshs.v40i3.811
    » https://doi.org/10.7322/abcshs.v40i3.811
  • 44
    Smith AK, Periyakoil VS. Should we bury “the good death”? J Am Geriatr Soc [Internet]. 2018 [acesso 6 maio 2019];66(5):856-8. DOI: 10.1111/jgs.15321
    » https://doi.org/10.1111/jgs.15321

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2019
  • Revisado
    1 Nov 2019
  • Aceito
    2 Nov 2019
Conselho Federal de Medicina SGAS 915, lote 72, CEP 70390-150, Tel.: (55 61) 3445-5932, Fax: (55 61) 3346-7384 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: bioetica@portalmedico.org.br