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Análise de vigas mistas de aço e concreto pertencentesa pisos de baixa altura em situação de incêndio: ênfase à influência dos modelos constitutivos do concreto

Resumos

A incorporação do perfil de aço na laje de concreto, como ocorre nos pisos mistos de baixa altura (slim floor), garante revestimento contrafogo ao aço, melhorando o desempenho da viga de aço frente às ações da corrosão e do incêndio. Com a finalidade de avaliar o desempenhotérmico e estrutural desse sistema construtivo foram desenvolvidos modelos numéricos de vigas mistas de aço e concreto parcialmente revestidas com o uso do pacote computacional DIANA. No que diz respeito aos modelos constitutivos dos materiais, não foi possível representaras relações apresentadas no EUROCODE 4 e na ABNT NBR 14323:2013, por incompatibilidade dessas com o DIANA, sendo então adotadosmodelos alternativos. Em seguida, foram construídos modelos numéricos à temperatura ambiente e em temperatura elevada, contemplandoas opções disponíveis e convenientes para as relações constitutivas do aço e do concreto. Também foram avaliados parâmetros como: (a) onível de interação entre o aço e concreto, bem como (b) a melhor configuração para os parâmetros térmicos do concreto a fim de se obter umaresposta mais realista do comportamento das vigas pertencentes ao sistema slim floor em situação de incêndio.

análise termoestrutural; slim floor; vigas parcialmente revestidas; incêndio


The partial encasement of the steel beam in the concrete slab, as occurs on the slim floor constructional system, provides thermal protection which improves the behavior of the beam when exposed to fire. In order to evaluate the thermal and structural performance of the slim floor system, numerical models considering partially encased beams were developed using the FEM-based computational code DIANA. With respect to the constitutive models of the materials, it wasn't possible to represent the formulation presented in EUROCODE 4 or ABNT NBR 14323:2013, being replaced by alternative models. Numeric models were created at room and elevated temperature, which used some of the available options for the constitutive models of concrete and steel. Also, some parameters were analyzed such as: (a) the interaction rate between the steel and concrete and (b) the optimal combination of the thermal parameters, in order to obtain a more realistic response of the slim floor beams in fire.

termostructural analysis; slim floor; partially encased beams; fire


Análise de vigas mistas de aço e concreto pertencentesa pisos de baixa altura em situação de incêndio: ênfase à influência dos modelos constitutivos do concreto

F. M. Rocha; J. Munaiar Neto

Departamento de Engenharia de Estruturas, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, SP, Brasil. fabio.rocha@usp.br, jmunai ar@sc.usp.br

ABSTRACT

The partial encasement of the steel beam in the concrete slab, as occurs on the slim floor constructional system, provides thermal protection which improves the behavior of the beam when exposed to fire. In order to evaluate the thermal and structural performance of the slim floor system, numerical models considering partially encased beams were developed using the FEM-based computational code DIANA. With respect to the constitutive models of the materials, it wasn't possible to represent the formulation presented in EUROCODE 4 or ABNT NBR 14323:2013, being replaced by alternative models. Numeric models were created at room and elevated temperature, which used some of the available options for the constitutive models of concrete and steel. Also, some parameters were analyzed such as: (a) the interaction rate between the steel and concrete and (b) the optimal combination of the thermal parameters, in order to obtain a more realistic response of the slim floor beams in fire.

Keywords: termostructural analysis, slim floor, partially encased beams, fire.

1. Introdução

No que diz respeito às estruturas metálicas, sabe-se que o aço sem revestimento quando exposto a altas temperaturas tem suas propriedades mecânicas rapidamente reduzidas devido à sua elevada condutividade térmica enquanto material. Tal característica impõe dificuldades para se conseguir um bom desempenho para esse tipo de construção em temperatura elevada.

Em meados do século XIX, os elementos estruturais formados a partir da associação do aço e do concreto começaram a ser utilizados em resposta à proteção ao fogo e à corrosão que o concreto, quando associado ao aço, conferia a estrutura (Ramos [1]). Hoje, as estruturas mistas de aço e concreto têm grande importância e reconhecimento, pois resulta em sistema estrutural que consegue aproveitar as vantagens de ambos os materiais de maneira eficiente. Nesse contexto, destacam-se os pisos mistos de aço e concreto de baixa altura, também conhecidos como slim floor, conforme ilustrado na figura 1. Essa solução construtiva consiste na incorporação de parte do perfil metálico na laje de concreto, diminuindo a altura da viga e aumentando a altura útil do pavimento. A incorporação parcial do perfil na laje garante revestimento à viga metálica, tornando o sistema slim floor uma boa solução também no que diz respeito ao projeto de estruturas em situação de incêndio, dispensando em alguns casos revestimentos contra o fogo.


Para o estudo mais apurado desses casos, além de ensaios em fornos, são utilizadas análises numéricas, que levam em conta o elemento estrutural completo com todos os seus parâmetros, viabilizando análises mais detalhadas dos elementos estruturais de interesse, no que diz respeito a tensões, deformações e temperaturas, simulando de maneira suficientemente precisa as condições desejadas de uma dada estrutura em situação de incêndio.

Como grande parte da seção estudada é constituída de concreto, se optou pelo uso do pacote computacional DIANA, o qual tem sido amplamente utilizado na modelagem de estruturas de concreto armado em razão de seus complexos modelos constitutivos, os quais consideram inclusive a propagação de fissuras.

2. Metodologia

Tendo em vista a compreensão do comportamento estrutural das vigas mistas pertencentes ao sistema slim floor, o presente trabalho contempla um estudo essencialmente numérico sobre o tema, sendo as análises realizadas pelo método dos elementos finitos no pacote computacional DIANA. Para análises em contexto termoestrutural no DIANA, o modelo numérico é composto basicamente de dois domínios: um primeiro, para a análise do fluxo térmico (no pacote computacional chamado de fluxo de potencial), bem como um segundo para a análise estrutural (que pode ser não linear, levando em conta os efeitos da variação de temperatura). Esses dois domínios são sobrepostos, de modo que os resultados provenientes da análise térmica são transferidos como dados para a estrutural. A seguir são mostrados os aspectos de interesse da estratégia de modelagem numérica desenvolvida, apresentada em Rocha [2], bem como as considerações realizadas para o desenvolvimento do modelo tridimensional completo em elementos finitos, para a realização das análises térmicas e termoestrutural.

2.1 Considerações referentes aos elementos finitos adotados

A partir do modelo numérico para a análise estrutural de vigas de pavimentos mistos de baixa altura desenvolvido em Ramos [1], também no pacote computacional DIANA, foram realizadas modificações pertinentes para o desenvolvimento de uma análise termoestrutural acoplada. No modelo aqui desenvolvido foi utilizado o elemento sólido CHX60, com 20 nós e interpolação quadrática para deslocamento, com três graus de liberdade por nó. Na região de contato do perfil metálico com o concreto foi utilizado o elemento de interface CQ48I, com 16 nós e também interpolação quadrática em deslocamentos, com três graus de liberdade por nó.

Como as análises termoestruturais do DIANA funcionam a partir da sobreposição dos domínios estrutural e térmico, foram escolhidos elementos finitos térmicos compatíveis com os estruturais descritos anteriormente. Dessa forma, foram definidos os elementos térmicos HX8HT e IQ8HT, conforme Figura 2, para a representação dos elementos (viga de aço e laje de concreto) e da interface, respectivamente. Adicionalmente, também foi utilizado o elemento finito de superfície BQ4HT por meio do qual ocorrem as trocas de calor com o ambiente em chamas, com base nos mecanismos de convecção radiação. É importante ressaltar que os elementos térmicos possuem interpolação linear, lembrando que seus nós estarão compatibilizados com os nós de extremidade dos elementos finitos da análise estrutural. Dessa forma, os nós intermediários dos elementos finitos estruturais ficam sem função na análise térmica.


A validação da estratégia de modelagem se fez, inicialmente, por meio de análises térmicas, com modelos em duas e três dimensões. Posteriormente, foi reproduzido e aperfeiçoado o modelo estrutural apresentado em Ramos [1] e, em uma última etapa, foi realizada análise termoestrutural sequencial e comparada com os resultados disponíveis da bibliografia.

Na validação do modelo térmico, foi avaliada a diferença do desempenho de modelos com elementos finitos de interpolação quadrática e linear, bem como com diferentes graus de refinamento da malha de elementos finitos para os casos apresentados em Regobello [3], Dong & Prasad [4] e Lawson et al. [5].

O modelo foi desenvolvido levando em consideração os dois eixos de simetria do perfil, resultando na geometria mostrada na figura 3. São restringidos os deslocamentos na direção normal das superfícies de simetria.


2.2 Considerações referentes aos materiais

Devido às limitações do código computacional DIANA para a realização de análises termoestruturais acopladas, no modelo estrutural foi avaliada a influência de diferentes modelos constitutivos para a representação do concreto, os quais também foram avaliados nas análises termoestruturais e validados a partir dos resultados experimentais apresentados em Lawson et al. [5].

Como dito anteriormente, certas dificuldades ocorreram na representação dos modelos constitutivos utilizados em Ramos [1] em temperatura elevada, devido à indisponibilidade de funções e parâmetros específicos especialmente quando tais modelos resultavam dependentes da temperatura. A seguir são apresentadas considerações de interesse referentes aos modelos constitutivos utilizados para representar o aço e o concreto quando exposto à elevação de temperatura.

2.2.1 Considerações relacionadas ao aço

No modelo de referência à temperatura ambiente apresentado em Ramos [1], o aço foi considerado com o critério de plastificação de von Mises e modelo constitutivo elastoplástico perfeito, com patamar de escoamento em 410 MPa. Porém, sabe-se que o EUROCODE 4 Part 1.2 [6] apresenta um modelo próprio para a relação "tensão versus deformação" para diversos níveis de temperatura, conforme mostra a figura 4, sendo esse o modelo escolhido para a representação do aço no DIANA nas análises termoestruturais.


Diferentemente do que ocorre em pacotes computacionais como ANSYS e ABAQUS, em que se utiliza um modelo multilinear compontos discretizados dessa curva, no DIANA não há essa possibilidade de modelagem quando associado a diversos níveis de temperatura. Por essa razão, tal modelo constitutivo foi representado a partir de um modelo de material com encruamento, em que se especificava a tensão no material relativa a cada nível de deformação plástica e de temperatura. Para esse caso, se escolheu também o critério de plastificação de von Mises. A entrada de dados para o modelo com encruamento é feita a partir das deformações plásticas equivalentes, representadas pelo parâmetro κ, obtido como mostram as Figuras 5a) e 5b), bem como pela Equação (1).


Na equação 1, valem:

κa deformação plástica na temperatura θ;

ε a deformação total na temperatura θ;

σ a tensão do material na temperatura θ;

Ea,θ o módulo de elasticidade do aço na temperatura θ.

2.2.2 Considerações relacionadas ao concreto

Assim como no caso do aço, o EUROCODE 4 Part 1.2 [6] possui considerações próprias no tocante aos modelos constitutivos para o concreto, tanto tracionado quanto comprimido, mas novamente é impossível a representação dessas relações "tensão versus deformação" em temperatura elevada dentro dos modelos de fissuração Total Strain Fixed Crack, pois não é possível criar essas relações por meio de modelos multilineares discretizados.

Dessa forma, procurou-se utilizar os mesmos modelos constitutivos apresentados em Ramos [1], mas em função da temperatura adotando os fatores de redução das resistências à tração e à compressão conforme apresentado no EUROCODE 4 Part 1.2 [6], e os fatores de redução do módulo de elasticidade apresentados na ABNT NBR 14323:2013 [7]. Para a representação do comportamento do concreto tracionado foi escolhido o modelo exponencial, Figura 6a, por meio do qual existe a possibilidade de especificar valores da resistência e da energia de fraturamento à tração para diversas temperaturas diferentes. Também foi testado o modelo elastoplástico perfeito, apresentado na figura 6b.


Já para a representação do concreto à compressão, dentro dos modelos tipo Total Strain Fixed Crack, o código DIANA disponibiliza diversas relações constitutivas como é mostrado na figura 7. Sendo assim, foi escolhido primeiramente o modelo parabólico (figura 7g), utilizado no modelo à temperatura ambiente desenvolvido em Ramos [1]. Mas no caso de temperaturas elevadas, a entrada de dados do DIANA não permite que o parâmetro G(energia de fraturamento à compressão) seja variável com a temperatura, sendo adotado o valor constante à temperatura ambiente. A princípio, essa consideração não resultaria em representação totalmente correta do concreto comprimido em situação de incêndio, de forma que a energia de fratura também varia em função da temperatura.


Além da relação constitutiva parabólica, com energia de fraturamento constante (Gc), foram testadas mais duas representações: o modelo de Thorenfeldt e o elastoplástico perfeito, mostrados nas figuras 7c e 7b, respectivamente. Vale destacar que o modelo de Thorenfeldt foi o escolhido por sua formulação não apresentar dependência com relação ao parâmetro Gc, mas sim apenas com relação à resistência à compressão e ao módulo de elasticidade do concreto. Por fim, o modelo elastoplástico perfeito foi escolhido por apresentar uma formulação mais simples, que resultaria em um menor custo computacional, avaliando se essa escolha causaria perdas significativas de precisão nos resultados.

No que diz respeito às propriedades térmicas do concreto, tais como a condutividade térmica e o calor específico, nota-se que a adoção dos valores recomendados pelo EUROCODE 4 Part 1.2 [6] resulta em comportamentos muito a favor da segurança. Dessa forma, nesse trabalho foram avaliados alguns parâmetros da análise térmica que possuem grande variabilidade e possam interferir significativamente nos resultados da análise termoestrutural.

No caso da condutividade térmica, o EUROCODE 4 Part 1.2 [6] apresenta duas formulações para a sua variação com a temperatura, figura 8a, sendo uma para limite superior e outra para limite inferior, e sugere que seja usado o limite superior, pois esses dados foram obtidos para o caso de estruturas mistas de aço e concreto. Já em relação ao calor específico do concreto, o EUROCODE 4 Part 1.2 [6] indica que há um pico no calor específico entre as temperaturas de 100 e 200°C devido à absorção do calor pela água incorporada ao concreto, conforme figura 8b. Esse pico é definido a partir do teor de umidade do concreto que pode variar de 4 a 10%, representando um pico de 2200 J/kg°C e 5600 J/kg°C, respectivamente. Ainda, segundo o EUROCODE 4 [6], se não houver informações sobre o teor de umidade do concreto deve-se adotar o pico relativo a um teor igual a 4%.


Vale ressaltar que as recomendações normativas em relação à condutividade térmica e ao calor específico (pico relativo a 4% de umidade e limite superior para a condutividade) resulta, em alguns casos, em temperaturas no concreto maiores que as identificadas experimentalmente, resultando em um comportamento termoestrutural conservativo, em que a falha da estrutura ocorrerá em tempo menor que real.

Sendo assim, nas análises subsequentes, para a condutividadetérmica do concreto foi adotada uma curva intermediária, obtida a partir da média entre os limites superior e inferior, enquanto para o pico do calor específico foi adotado um valor relativo a um teor de umidade igual a 7%. A partir dos resultados, foi possível avaliar se tais escolhas se adéquam melhor aos resultados termoestruturais experimentais utilizados como referência e apresentados em Lawson et al. [5].

2.2.3 Considerações sobre a interface aço/concreto

A região de contato entre o perfil metálico e o concreto de revestimento foi modelada com o auxílio dos elementos de interface, que foram utilizados nas análises térmicas e estruturais. No caso do modelo térmico, segundo Makeläinen & Ma [8], é adotada uma resistência térmica na interface igual a 50 W/m²K. Para os modelos estruturais e termoestruturais, foi utilizado o modelo linear elástico com os módulos de rigidezes normal e transversal (D11 e D22) iguais a 0,1 e 0,01 N/mm³, respectivamente, valores esses sugeridos em Ramos [1].

2.3 Condições de contorno e carregamentos

Na análise térmica as condições de contorno são definidas nas regiões em que pode ou não haver troca de calor. Nos modelos desenvolvidos, a face superior da seção transversal é considerada em contato com o meio sem chamas e modelada de forma que só haja troca de calor por convecção, com o coeficiente αc igual a 9 W/m°C (esse valor já considera a troca de calor por radiação), conforme sugerido pelo NBR 14323:2013.

A face inferior da seção é considerada exposta ao fogo, e segundo a norma brasileira e europeia deve levar conta os mecanismos de convecção e radiação separadamente. No caso da troca de calor por convecção para superfícies em contato com o meio em chamas a norma sugere que seja utilizado o coeficiente αc igual a 25 W/m°C. Já para a radiação as normas sugerem que seja usada a emissividade igual a 0,7, independente do tipo de material em contato com o fogo. Porém, as análises que serão apresentadas mais adiante mostram que a adoção desses valores conduzem a resultados consideravelmente a favor da segurança. De forma alternativa, é sugerida a abordagem utilizada em Makeläinen & Ma [8] e Ellobody [9], na qual são consideradas emissividades iguais a 0,6 e 0,4, para o perfil metálico e para a laje, respectivamente.

Por fim, é realizada uma nova abordagem que utiliza a emissividade igual a 0,5 para todos os materiais, sendo essa condição sugerida pela ABNT NBR 14323 [7]. Essas três hipóteses são comparadas, como pode ser vista na tabela 1, de forma a avaliar qual situação melhor se ajusta aos resultados experimentais apresentados em Lawson et al. [5]. Vale lembrar que em todos os casos foi considerado o incêndio-padrão da ISO 834 [10], enquanto que no meio sem contato com o fogo foi considerada temperatura constante igual a 20°C. As hipóteses da tabela 1 são nomeadas de acordo com o valor da emissividade considerada no concreto.

Para o modelo estrutural, as condições de contorno adotadas representam uma viga isostática simplesmente apoiada, onde são restringidos os deslocamentos nas direções X e Y (sendo Z o eixo longitudinal da viga) em um apoio. Além disso, são considerados dois planos de simetria em que são restringidos os deslocamentos normais a esses planos, conforme figura 3.

3. Resultados

Com a estratégia de modelagem definida, a validação do modelo térmico foi desenvolvida a partir de trabalhos de caráter numérico e experimental apresentados em Regobello [3], Lawson et al. [5] e Dong & Prasad [4]. A validação do modelo estrutural para os pavimentos mistos de baixa altura é apresentada em Ramos [1].

3.1 Validação do modelo termoestrutural

Havendo diversas formas de representar o concreto em situação de incêndio, no que diz respeito às relações constitutivas e demais parâmetros térmicos (condutividade térmica, calor específico e emissividade, mostrados na tabela 1), a validação do modelo termoestrutural foi desenvolvida com a finalidade de avaliar a combinação desses fatores visando a melhor representação do caso analisado.

Para isso, foram utilizados os resultados apresentados em Lawson et al. [5]. Esses dados são relativos a dois ensaios de flexão em vigas biapoiadas formadas com os perfis laminados assimétricos 280 ASB 100 e 300 ASB 154. Em ambos os casos foi utilizado o aço S355 e concreto C30. A configuração do ensaio e a geometria das seções transversais são apresentadas nas figuras 9a e 9b que seguem.


Os ensaios foram executados de forma sequencial, efetuando primeiro o carregamento mecânico da viga e, em seguida, a aplicação do efeito térmico. O aquecimento se desenvolveu até que fossem alcançados os critérios de parada especificados pela BS476: Part 20. No primeiro ensaio, o aquecimento parou após 107 minutos, quando foi atingido o deslocamento limite da viga igual a 225 mm, no caso, vão/20. O segundo ensaio prosseguiu até os 75 minutos, quando foi atingida a taxa de deslocamento limite, não especificada em Lawson et al. [5], mas estima-se ser da ordem de 15 mm/min.

Como já discutido no item 2.2.2 foram escolhidas três relações "tensão versus deformação" para a representação do concreto comprimido em situação de incêndio no DIANA. Na tabela 2 são apresentados os três casos analisados também em relação às relações constitutivas adotadas para o concreto tracionado e para o aço. Os casos analisados foram nomeados de acordo com o modelo constitutivo do concreto comprimido.

Primeiramente são mostrados nas figuras 10a e 10b os deslocamentos no meio do vão da viga em função do tempo de exposição ao incêndio-padrão nos ensaios 280 ASB e 300 ASB, considerando a primeira hipótese da tabela 1, com emissividade do concreto igual a 0,4, e os três casos da tabela 2.


A partir desses resultados pode-se notar que, apesar de os resultados numéricos apresentarem deslocamentos no meio do vão da ordem de 15 mm maiores que os medidos experimentalmente, durante quase todo o tempo de exposição, no ensaio com o perfil 280 ASB 100, essa estratégia de modelagem consegue representar bem o comportamento e a trajetória de deslocamentos das vigas analisadas em situação de incêndio, principalmente quando são utilizados os modelos parabólicos e de Thorenfeldt. É importante notar que o modelo elastoplástico perfeito apresentou deslocamentos menores, e, por sua vez, contra a segurança nos dois ensaios, não atingindo o ponto de aumento excessivo de deslocamento no caso do ensaio com o perfil 300 ASB.

Dessa forma, pode-se concluir que o modelo parabólico é o que mais se aproxima dos resultados experimentais, mostrando que a consideração da energia de fratura na compressão constante em todo o tempo de exposição no modelo parabólico é aceitável. Porém, como dito anteriormente, os parâmetros térmicos utilizados nessas análises não estão completamente de acordo com as prescrições do EUROCODE 4 Part 1.2 [6], que sugere o uso de emissividade igual a 0,7 para toda a região exposta ao fogo, bem como limite superior para a condutividade térmica do concreto e pico do calor específico igual a 2200 J/kg°C. Na figura 11 são mostradas as curvas de deslocamento no meio do vão pelo tempo de exposição para as hipóteses E04 e E07 da tabela 1, para o ensaio 280 ASB.


Como esperado, o uso de parâmetros que favoreçam o aumento de temperatura no concreto resultou na perda da capacidade resistente da seção, levando à viga ao colapso ocorrendo em tempos inferiores aos previstos. Analisando os resultados que utilizaram o concreto comprimido com a curva parabólica, o deslocamento limite igual a 225 mm foi obtido aos 88 minutos para a hipótese E07, enquanto que para a hipótese E04 esse deslocamento só foi atingido aos 104 minutos, bem próximo dos 107 minutos (tempo final do ensaio). O mesmo comportamento foi obtido nas análises numéricas para o ensaio com o perfil 300 ASB.

Outra consideração importante acerca desses resultados é que no período inicial de aquecimento, até próximo de 50 minutos de exposição, o comportamento é similar para todos os casos mostrados na figura 11, sendo esse trecho inicial regido pelo alongamento térmico do material. Após esse período, a perda das propriedades mecânicas dos materiais começa a controlar o comportamento estrutural até o momento da falha.

O concreto, nas suas diversas utilizações práticas apresentam uma grande variabilidade no que diz respeito à resistência, ao módulo de elasticidade e a outros parâmetros, como a quantidade de água presente em seu estado endurecido. Tratando especificamente da quantidade de água, esse fator gera um pico na curva de calor específico, de forma que quanto maior o pico, menor serão as temperaturas obtidas no concreto.

Tendo em vista essas considerações, a hipótese E05 da tabela 1 foi elaborada adotando o pico do calor específico igual a 5600 J/ kg°C, valor máximo prescrito pela norma e referente à umidade de 10%. A emissividade foi mantida igual a 0,5, tanto para o açoquanto para o concreto. Na figura 12 são mostrados os resultados para todas as hipóteses da tabela 1, mas somente para o modelo constitutivo parabólico no ensaio 280 ASB.


Observando a figura 12, nota-se que apesar de os resultados para o caso E05 se aproximarem mais dos valores finais obtidos no ensaio, o seu comportamento após os 70 minutos de exposição não acompanha a trajetória dos deslocamentos nos resultados experimentais, cruzando a curva de referência e apresentando deslocamentos finais menores que os esperados. Para os outros modelos constitutivos esse comportamento também é observado, indicando a influência de um valor mais alto para o pico do calor específico e da importância de atribuir diferentes valores da emissividade para cada material, consideração que não é feita no EUROCODE 4 Part 1.2 [6].

Ao fim dessa etapa, pode-se concluir que o caso E04, com os parâmetros mostrados na tabela 1, são os que melhores representam o comportamento estrutural das vigas mistas de pavimentos mistos em situação de incêndio, sendo então o escolhido para as etapas subsequentes da análise.

3.2 Interação total em situação de incêndio

Outro ponto de interesse na análise de vigas mistas de aço e concreto em pavimentos mistos de baixa altura é o grau de interação entre o perfil metálico e o concreto de revestimento, tendo em vista que os métodos simplificados de cálculo, encontrados nas normas, avaliam a capacidade resistente da seção por meio da análise plástica com a consideração de interação total entre os materiais.

No caso das vigas pertencentes ao sistema Slim Floor, as quais apresentam várias superfícies de contato do aço com o concreto e que possuem graus de interação diferenciados, a consideração de interação total em todas as superfícies leva a momentos resistentes maiores que os reais. Nas análises descritas anteriormente foram considerados esses diferentes graus de interação, sendo que na face superior da mesa superior do perfil foi considerada interação total, devido à execução de ranhuras nessa região durante o processo de fabricação; na face inferior da mesa superior foi considerada interação nula, devido às dificuldades na concretagem; e em todo resto da interface foi considerada interação parcial, por meio dos coeficientes D11=0,1 N/mm² e D22= 0,01 N/mm². Nas figuras 13 e 14 são apresentadas as curvas de deslocamento no meio do vão por tempo de exposição ao fogo para os ensaios realizados em Lawson et al. [5], utilizando a hipótese E04 da tabela 1, já validada na seção anterior.



Como esperado, nos dois casos foi possível observar um aumento na rigidez do elemento estrutural, sendo que ao final das análises os deslocamentos encontrados foram menores que nas análises com interação parcial. Apesar de os deslocamentos finais no caso com interação total estarem mais próximos dos resultados experimentais de referência, o comportamento estrutural muda, não apresentando a tendência de colapso nos minutos finais da análise, como ocorreu no caso de interação parcial, principalmente no ensaio com o perfil 300 ASB 153.

Na figura 15 é feita a comparação para o modelo 280 ASB quando considerada interação parcial e total nas interfaces entre o aço e o concreto, utilizando a hipótese E04. A partir daí pode-se observar que, em relação ao deslocamento no meio do vão, o grau de interação total entre os materiais só influencia após os 60 minutos de exposição para os modelos elastoplásticos, bem como após 90 minutos para os modelos parabólico e de Thorenfeldt.


Esses resultados mostram a grande influência do concreto e todos os seus parâmetros envolvidos na resposta termoestrutural das vigas dos sistemas Slim Floor, principalmente quando próximo ao colapso do elemento. Isso ocorre, pois no início do aquecimento o perfil metálico é o que mais contribui para a composição da capacidade resistente da seção mista. Conforme o aquecimento prossegue, a capacidade resistente do perfil diminui principalmente pelo rápido aquecimento da mesa inferior. Enquanto isso, a seção de concreto, que possui um aumento de temperatura mais brando que o aço, consegue manter uma parcela maior da sua resistência inicial, aumentando a sua contribuição na composição da capacidade resistente da seção em temperatura elevada.

4. Conclusões

Por meio dos modelos numéricos desenvolvidos no DIANA, pode-se concluir que, ainda que com as considerações feitas no âmbito dos modelos constitutivos, tais modelos conseguiram representar de forma satisfatória o comportamento das vigas mistas de aço e concreto pertencentes aos sistemas de pisos mistos de baixa altura em situação de incêndio. Mesmo considerando a energia de fraturamento na compressão constante em função da temperatura, o modelo parabólico foi o que melhor representou os resultados experimentais de referência.

Em relação aos parâmetros do concreto utilizados na analise térmica, foi visto que sua grande variabilidade pode causar mudanças significativas na resposta estrutural, de modo que se forem consideradas as prescrições normativas, os resultados se apresentam consideravelmente a favor da segurança, diminuindo em até 20 minutos o tempo de resistência ao fogo. Dessa forma é preciso avaliar criteriosamente certos aspectos, que variam desde a umidade do concreto, como o tipo de laje empregada, sendo que lajes com forma de aço incorporada possuem emissividade bem menor que o concreto, levando a temperaturas menores na seção. Por fim, com os resultados aqui apresentados em conjunto com aqueles apresentados em Rocha [2], pode-se concluir que a consideração da interação total em todas as regiões de contato do aço e o concreto resulta no aumento do tempo de resistência ao fogo do elemento estrutural, mas é importante lembrar que essa condição deve ser verificada na prática, adotando medidas como o uso de regiões com ranhuras ou o uso de conectores.

5. Agradecimentos

Os autores deste trabalho agradecem À FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e ao Departamento de Engenharia de Estruturas da Escola de Engenharia de São Carlos/USP pelo apoio direcionado à realização do presente trabalho.

6. Referências

Received: 02 Dez 2013

Accepted: 31 Jan 2014

Available Online: 13 Feb 2014

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2014
  • Data do Fascículo
    Fev 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2013
  • Aceito
    31 Jan 2014
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