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ATIVIDADE FÍSICA, OBESIDADE ABDOMINAL E COMPRA DE MEDICAMENTOS EM ADULTOS: ESTUDO TRANSVERSAL RETROSPECTIVO COM USUÁRIOS DA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE

PHYSICAL ACTIVITY, ABDOMINAL OBESITY AND MEDICATION CONSUMPTION AMONG ADULTS: CROSS-SECTIONAL RETROSPECTIVE STUDY WITH USERS OF BRAZILIAN PUBLIC HEALTHCARE SYSTEM

Resumos

O objetivo do estudo foi verificar associações entre prática de atividades físicas, obesidade abdominal e compra de medicamentos por usuários do sistema público de saúde da cidade de Bauru/SP. A amostra foi composta por adultos com idade acima de 50 anos e através de entrevista foram coletadas informações sobre compra de medicamentos, prática de atividades físicas, condição econômica e tabagismo. Índice de massa corporal e perímetro abdominal compuseram marcadores de obesidade geral e abdominal. Como principais resultados encontrou-se que a compra de medicamentos foi maior entre mulheres, pessoas com mais de 65 anos, não-fumantes e naqueles com obesidade abdominal. De forma inversa, indivíduos ativos apresentaram menor compra de medicamentos quando comparados aos sedentários. Por fim, quando inatividade física e a obesidade abdominal foram agregadas em uma única variável, pessoas apenas inativas fisicamente e inativas fisicamente com obesidade abdominal apresentaram chances aumentadas de comprar medicamentos no último mês.

Atividade motora; Obesidade; Uso de medicamentos


The aim of the study was to determine associations between physical activity, abdominal obesity and purchase of medicines by users of the Brazilian public healthcare system of the city of Bauru/SP. The sample was composed of adults aged 50 years and through face-to-face interview were collected information about drug utilization, physical activity, economic status and smoking habits. Body mass index and abdominal perimeter composed markers of general and abdominal obesity. The main results found that the purchase of drugs was higher among women, people over 65, non-smokers and those with abdominal obesity. Inversely, active individuals bought fewer medicines when compared to physically inactive. Finally, when physical inactivity and abdominal obesity were aggregated into a single variable, only people physically inactive and physically inactive with abdominal obesity had increased chances of buying drugs in the last month.

Motor activity; Obesity; Drug utilization


INTRODUÇÃO

Na sociedade moderna, com as mudanças decorrentes da transição epidemiológica e demográfica, tornaram-se predominantes as doenças crônicas e suas complicações, que, muitas vezes, implicam anos de utilização dos serviços de saúde. Com isso, aumentaram de maneira significativa os gastos e a demanda por medicamentos (HELFER et al., 2012HELFER, A. P. et al. Capacidade aquisitiva e disponibilidade de medicamentos para doenças crônicas. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, DC, v. 31, n. 3, p. 225-232, mar. 2012.).

Em nosso país, a Constituição de 1988 estabelece a assistência à saúde como um direito fundamental de todos os cidadãos e um dever do Estado (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 20 mar. 2010.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Con...
). Além disso, a Lei Orgânica da Saúde (LOS) estabelece que o Sistema Único de Saúde (SUS) execute ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacológica, enfatizando, portanto, a importância do acesso aos medicamentos a população em geral (BRASIL, 1990).

O uso de medicamentos se transformou em elemento de referência para promover curas, prolongar a vida e retardar o surgimento de complicações associadas a várias doenças. Além disso, quando utilizado de forma correta, pode apresentar relação custo-efetividade favorável, uma vez que influencia de maneira significativa os resultados do cuidado médico como um todo (PEPE; CASTRO, 2000PEIXOTO, M. R. G. et al. Circunferência da cintura e índice de massa corporal como preditores da hipertensão arterial. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, São Paulo, v. 87, n. 4, p. 462-470, out. 2006. ).

Estudos realizados por Bertoldi et al. (2004)BERTOLDI, A. D. et al. Utilização de medicamentos em adultos: prevalência e determinantes individuais. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 228-238, abr. 2004. e Silva et al. (2012) revelam que características antropométricas e comportamentais são determinantes do estado de saúde, sendo assim, torna-se importante saber se esses fatores também estão associados ao aumento da utilização e dos gastos com medicamentos na população brasileira. Nesse sentido, Bielemann, Knuth e Hallal (2010)BIELEMANN, R.; KNUTH, A.; HALLAL, P.C. Atividade fisica e redução de custos por doenças crônicas ao Sistema Único de Saúde. Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde, Pelotas, v. 15, n. 1, p. 9-14, Jan./Mar. 2010., com base em estimativas de risco relativo para o desenvolvimento de algumas doenças, identificaram a possibilidade de redução entre 12% dos medicamentos e 50% das hospitalizações para as doenças do aparelho circulatório, através da prática de exercícios físicos regulares. Corroborando, outro estudo indicou que indivíduos com maior intensidade de atividades físicas apresentam menor consumo de medicamentos comparativamente aos sedentários (BERTOLDI; HALLAL; BARROS, 2006). Adicionalmente, Bertoldi et al. (2004) encontraram que a prevalência de uso de medicamentos aumenta em grupos de maior IMC, especialmente entre mulheres.

Todavia, embora existam políticas de Estado que buscam facilitar o acesso aos medicamentos pela população usuária do SUS, diferentes prescrições contêm fármacos não acessíveis à grande parte dos pacientes, impedindo o cumprimento dos tratamentos prescritos (ACURCIO; GUIMARÃES, 1999ACURCIO, F. A. A.; GUIMARÃES, M.D.C. Utilização de medicamentos por indivíduos HIV positivos: uma abordagem qualitativa. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 33, n. 1, p. 73-84, fev. 1999.; TEIXEIRA; LEFEVRE, 2001PEPE, V. L. E.; CASTRO, C.G.S.O. A interação entre prescritores, dispensadores e paciente: informação compartilhada como possível benefício terapêutico. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 815-822, jun./set. 2000.).

Dessa maneira, considerando que em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, em geral, não existem sistemas informatizados que integrem dados acerca dos medicamentos (BERTOLDI et al., 2008) e que padrões de uso são diferentes entre regiões e se modificam no decorrer do tempo em função das mudanças do processo saúde/doença e das políticas de saúde implementadas (COSTA et al., 2011COSTA, K. S. et al. Utilização de medicamentos e fatores associados: um estudo de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 27, n. 4, p. 649-658, abr. 2011.), são necessárias investigações locais que permitam identificar, monitorar e produzir informações sobre uso de medicamentos pela população.

Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi verificar possíveis associações entre prática regular de atividades físicas, obesidade abdominal e demais fatores relacionados com compra de medicamentos por adultos usuários do sistema público de atenção básica a saúde da cidade de Bauru/SP.

MÉTODOS

Tipo de estudo, população e amostra

O estudo em questão é do tipo transversal com componente retro-analítico e foi realizado na cidade de Bauru. O município situa-se a 320 km da capital do estado de São Paulo, possui cerca de 380 mil habitantes e se destaca como um dos pólos de desenvolvimento da região centro-oeste, especialmente para o setor de serviços, comércio e indústrias de pequeno e médio porte. A amostra foi composta a partir da população acima de 50 anos e usuária dos serviços de atenção básica de 17 Unidades Básicas de Saúde do município. Deste universo, inicialmente foram identificadas as cinco maiores UBS locais, sendo cada UBS localizada em uma região da cidade (norte, sul, leste, oeste e centro). O tamanho amostral foi definido utilizando uma equação para parâmetros populacionais, considerando que 60% da população brasileira usa predominantemente os serviços oferecidos pelo SUS (KILSZTAJN et al., 2003KILSZTAJN, S. et al. Serviços de saúde, gastos e envelhecimento da população brasileira. Revista Brasileira de Estudos de População, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 93-108, jan./jun. 2003.); erro amostral arbitrário de 3,8%; efeito de design de 50%; intervalo de confiança de 95%. Por estes critérios, o cálculo amostral determinou que deveriam ser avaliados 958 indivíduos (mínimo de 192 pacientes a serem sorteados por UBS selecionada). Para efeito de estudo, 963 pacientes foram avaliados.

Em cada uma das cinco UBS selecionadas, após triagem inicial das agendas médicas (na qual eram computados todos os usuários que passaram pela UBS nos últimos seis meses), os pacientes que atendiam aos critérios de inclusão (idade > 50 anos, sem restrição médica à prática de atividades físicas e ter pelo menos uma consulta nos últimos seis meses) foram inseridos em uma lista com respectivo número de identificação do prontuário. Em seguida, a partir do número do prontuário, entre 250 e 500 pacientes foram selecionados por meio de sorteio, realizado utilizando o software estatístico Statistical Pachage for the Social Sciences (SPSS) versão 13.0. Os pacientes sorteados foram convidados a comparecer na UBS para realização de avaliação e aplicação de questionários, sendo que quando o número mínimo de indivíduos não foi atendido no primeiro sorteio, outros foram realizados, e quando alcançado o mínimo de 192 pacientes, foram encerradas as avaliações na UBS.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da UNESP - Campus de Bauru (Processo nº. 1047/46/01/10) e pela Comissão de Ética da Secretaria Municipal de Saúde de Bauru/SP e todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Compra de medicamentos

A compra de medicamentos foi analisada por meio de duas questões: "No último ano o (a) senhor (a) precisou comprar medicamentos de uso regular com o seu dinheiro?" e, caso sim, "E no último mês, quantos tipos de medicamentos foram adquiridos?". Foi então registrada a quantidade de medicamentos comprados pelo paciente. Não foi avaliada a compra de medicamentos sem receita médica bem como adquiridos com conhecidos ou motivos pelos quais precisaram comprar o medicamento ao invés de retirar no SUS.

Prática habitual de atividades físicas

As informações referentes à prática habitual de atividades físicas foram obtidas por meio de entrevista dirigida a partir da utilização do questionário de Baecke, Burema e Frijters (1982)BAECKE, J. A. H.; BUREMA, J.; FRIJTERS, J.E.R. A short questionnaire for the measurement of habitual physical activity in epidemiological studies. American Journal of Clinical Nutrition, Bethesda, v. 35, no. 6, p. 936-942, nov. 1982., validado para a população brasileira por Florindo e Latorre (2003)FLORINDO, A. A.; LATORRE, M.A. Validation and reliability of the Baecke questionnaire fot the evaluation of habitual physical activity in adult men. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, Niterói, v. 9, no. 3, p. 129-135, jun. 2003.. O protocolo é subdividido em três diferentes domínios de atividades físicas com respectivos escores: i) ocupacional; ii) esportivo; e, iii) lazer e locomoção. A soma do escore de cada domínio representa a atividade física habitual (AFH), conforme cálculo proposto no questionário original. Em seguida, a amostra foi subdividida em quartis de acordo com o escore total de cada indivíduo (CODOGNO, 2010CODOGNO, J. S. Diabetes mellitus tipo 2 e esquema terapêutico: impacto da prática de atividades físicas sobre o custo de tratamento ambulatorial em unidade básica de saúde na cidade de Bauru/SP. 2010. 81f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Motricidade)-Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2010.), como segue: quartil inferior (1º) - fisicamente inativos; quartis intermediários (2º e 3º) - moderadamente ativos; e, quartil superior (4º) - ativos.

Marcadores antropométricos de obesidade geral e abdominal

Obesidade geral foi identificada pelo uso do índice de massa corporal (IMC), calculado através da utilização dos valores de massa corporal e estatura (kg/m2), e a obesidade abdominal por valores de perímetro abdominal. Os procedimentos antropométricos foram realizados de acordo com os protocolos propostos por Lohman, Roche e Mertorell (1988). A presença de sobrepeso foi diagnosticada quando o IMC apresentou-se entre 25 e 29.9 kg/m2 e obesidade para > 30kg/m2 (OMS, 1998). Valores de perímetro abdominal superiores a 1,02 metros para homens e 0,88 metros para mulheres foram utilizados para determinar obesidade abdominal (PEIXOTO et al., 2006PANIZ, V. M. V. et al. Acesso a medicamentos de uso contínuo em adultos e idosos nas regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 267-280, fev. 2008.).

Condição econômica

Para determinação do poder aquisitivo utilizou-se o questionário da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2010), no qual a subdivisão se dá de A (mais alto) até E (mais baixo). A entrevista foi feita de maneira face-a-face e o instrumento avalia a quantidade de utensílios domésticos, cômodos da casa e escolaridade do avaliado para estimar condição econômica (estimada por meio de um escore produzido pelo instrumento levando em consideração a presença/quantidade dos itens acima citados). Para classificação dos pacientes em grupos por condição econômica adotou-se: condição econômica alta (categorias: A1, A2, B1 e B2) e baixa (categorias: C1 e C2, D e E).

Tabagismo

Por meio de entrevista face-a-face, esta informação foi extraída do questionário desenvolvido pela American Heart Association (KAVEY et al., 2003). Neste instrumento há uma questão que aborda a presença do hábito de fumar (presença atual do hábito de fumar [nunca fumou, ex - fumante e fumante atualmente]) e a quantidade de cigarros consumida por dia. Para este estudo, foi utilizada a presença atual do hábito de fumar e a amostra foi subdividida em: Não fuma, ex - fumante e fumante.

PROCEDIMENTOS ESTATÍSTICOS

As variáveis categóricas foram expressas como prevalência e seus respectivos intervalos de confiança foram calculados. O teste qui-quadro (χ2) analisou a existência de associações entre compra de medicamentos, excesso de peso e inatividade física. Posteriormente, um modelo de regressão logística binária foi elaborado para avaliar estas mesmas associações sob o ajuste de outras variáveis. Este processo foi apresentado sob a forma de odds ratio (OR) com intervalos de confiança de 95% (ORIC95%). Foram considerados estatisticamente significativos p-valor ≤ 0,05 e todas as análises foram realizadas no software estatístico BioEstat (versão 5.0).

RESULTADOS

Da amostra total, 707 eram mulheres (73,4%) e 45% apresentavam idade superior a 65 anos (n= 433).

A compra de medicamentos, além daqueles distribuídos gratuitamente pelas Unidades Básicas de Saúde, foi referida por 337 pacientes (34,9% [IC95%: 31,9 - 38,1]), o qual foi maior entre as mulheres (p= 0,001), pessoas com mais de 65 anos (p=0,001), não-fumantes (p= 0,002) e nos indivíduos com obesidade abdominal (p=0,016). De forma inversa, pessoas classificadas como fisicamente ativas apresentaram menor compra de medicamentos quando comparadas as sedentárias (p=0,004) (Tabela 1).

Tabela 1
- Compra de medicamentos segundo as variáveis independentes envolvidas no estudo entre pacientes atendidos pelos SUS (n= 963, Bauru - SP).

Comparando o número de medicamentos comprados entre as diferentes variáveis para todos os pacientes da amostra, foi encontrado que: as mulheres compraram 44% mais medicamentos que homens; indivíduos de classe baixa 10% mais que os de classe alta; sedentários 38% mais que ativos; mais velhos (>65 anos) 49% mais que os mais jovens; e, os diagnosticados com obesidade abdominal 35% a mais que aqueles que não apresentaram este quadro.

Quando analisada associação entre compra de medicamentos com níveis de atividade física e obesidade abdominal num mesmo modelo (ajustado), foi observado que sujeitos classificados como moderadamente ativos (OR= 0.43 [0.29 - 0.63]) e ativos (OR= 0.46 [0.30 - 0.70]) apresentaram fator de proteção quanto a compra de medicamentos (Tabela 2).

Tabela 2
- Associação entre compra de medicamentos, nível de atividade física e obesidade abdominal em pacientes atendidos pelos SUS (n= 963, Bauru - SP).

Por fim, inatividade física e a obesidade abdominal foram agregadas em uma única variável independente e foi testada a associação com a compra de medicamentos (Tabela 3).

Tabela 3
- Associação entre compra de medicamentos e agregação de sedentarismo e obesidade abdominal em pacientes atendidos pelos SUS (n= 963, Bauru - SP).

Foi então verificado que sujeitos fisicamente inativos (OR= 1.88 [1.03 - 3.41]) e fisicamente inativos com obesidade abdominal (OR= 3.45 [2.02 - 5.90]) apresentaram chances aumentadas de comprar medicamentos quando comparados aos ativos e com perímetro abdominal dentro dos padrões ideais, mesmo depois de ajuste por fatores de confusão.

DISCUSSÃO

Este estudo identificou maiores taxas na aquisição de medicamentos entre mulheres, indivíduos mais velhos, com obesidade abdominal e menos ativos fisicamente. Como já descrito na metodologia, os indivíduos envolvidos na pesquisa eram oriundos de Unidades Básicas de Saúde do município de Bauru-SP e a compra de medicamentos referida se deu com recursos próprios, visto que, por motivos não especificados, os pacientes não tiveram acesso a determinados fármacos dentro das respectivas instituições públicas de saúde a que pertenciam.

De acordo com dados do IBGE, em Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF - 2008/2009), o gasto dos brasileiros com saúde aumentou de 7% para 7,2% do orçamento familiar, sendo a maior parte deste aumento relacionada a medicamentos (48,6%). Foram observadas, também, diferenças nos gastos com saúde por faixas de renda, onde as famílias com menor condição econômica demandaram 74,2% de seus gastos com saúde com compra de medicamentos. Entretanto, pesquisa brasileira sobre acesso a medicamentos em diferentes regiões do país constatou que, na região sul, melhor nível econômico esteve associado ao maior acesso a medicamentos de uso contínuo (PANIZ et al., 2008WORLD HEALTH ORGANIZATION. Obesity, preventing and managing the global epidemic: report of the WHO consultation on obesity. Geneva, 1998.), dado este também confirmado em nossos resultados.

De acordo com dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (2006)INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Medicamento: um direito essencial. São Paulo, 2006., o Brasil é o nono país do mundo em consumo de medicamentos per capita, mercado que movimenta 10 bilhões de dólares por ano. Entretanto, metade dos pacientes que necessitam de medicamento não pode comprá-lo ou tem dificuldade em encontrá-lo na rede pública de saúde, o que pode culminar em adoecimento ou abandono do tratamento.

A fim de traçar o perfil dos pacientes que necessitam de medicamentos não disponíveis na rede pública de saúde e por isso precisam comprar, nosso estudo encontrou que mulheres, indivíduos mais velhos, com obesidade abdominal e inativos fisicamente tiveram maiores índices relacionados a compra de medicamentos. Quanto ao sexo, o fato das mulheres comprarem mais medicamentos quando comparadas aos homens pode ser em parte explicado pela maior preocupação com a saúde e melhor conhecimento sobre doenças, fazendo com que procurem com mais frequência os serviços de saúde (FIGUEIREDO; SCHRAIBER, 2011FIGUEIREDO, W. S.; SCHRAIBER, L.B. Concepções de gênero de homens usuários e profissionais de saúde de serviços de atenção primária e os possíveis impactos na saúde da população masculina, São Paulo, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, p. 935-944, jan. 2011. Sup. 1.). Ademais, existem programas exclusivos de assistência à saúde da mulher, como prevenção de câncer do colo uterino, mama e reposição hormonal, que também geram maior demanda por uso de medicamentos (BERTOLDI et al., 2004).

Em relação à idade, mesmo entre sujeitos com mais de 50 anos, nossos resultados apontaram que indivíduos com idade superior a 65 anos adquiriram mais medicamentos, condição esta que frequentemente é atribuída à presença de doenças crônicas próprias do envelhecimento. Estima-se que em 2040 aproximadamente 25,2% da população brasileira será composta por idosos e, como consequência, projeta-se um aumento de 40,8% em gastos em saúde (INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE SUPLEMENTAR, 2010; KILSZTAJN et al., 2003), uma vez que o envelhecimento vem acompanhado por modificações morfológicas, as quais contribuem para um aumento do tecido adiposo e, consequentemente, aumento da gordura corporal / ocorrência de obesidade (HOUSTON; NICKLAS; ZIZZA, 2009).

Quanto à associação inversa entre prática de atividades físicas e compra medicamentos, e a associações positiva entre maior perímetro abdominal e maior compra de medicamentos, existe escassez de literatura nacional sobre o tema, limitando assim comparações. Por outro lado, mesmo considerando a possibilidade de existência de causalidade-reversa neste estudo (devido ao delineamento transversal utilizado), sabe-se que a prática regular de atividades físicas e dieta adequada estão relacionada a menores prevalência e incidência de doenças crônicas na população adulta (LACHAT et al., 2013LACHAT, C. Diet and physical activity for the prevention of noncommunicable diseases in low- and middle-income countries: a systematic policy review. PLoS Med, San Francisco, v. 10, no. 6, e1001465, jun. 2013.), resultando em menor utilização de medicamentos entre grupos mais ativos (BERTOLDI; HALLAL; BARROS, 2006; SILVA et al., 2012) e com indicadores de obesidade dentro dos padrões ideais (CODOGNO et al., 2011; CODOGNO; FERNANDES; MONTEIRO, 2012). Destaca-se que nesse estudo, a presença de inatividade física, mesmo sem a presença de obesidade, foi fator significativamente relacionado a compra de medicamentos. Este achado corrobora com outros que identificam o importante efeito da prática de atividades físicas sobre a redução de custos com medicamentos no SUS, mesmo entre portadores de diabetes mellitus (CODOGNO et al., 2011; CODOGNO; FERNANDES; MONTEIRO, 2012).

Paralelamente a isso, a agregação de obesidade abdominal e inatividade física mostrou-se um fator mais prejudicial do que quando ambas variáveis foram tratadas isoladamente. Este mesmo efeito também é observado quando é analisado o impacto da agregação de inatividade física e obesidade abdominal sobre os custos públicos com o fornecimento de medicamentos na atenção básica do SUS (CODOGNO et al., 2015), denotando que grande impacto econômico e social. Similarmente, pesquisa americana demonstrou que despesas associadas à inatividade física, sobrepeso e obesidade constituem parcela significativa do total das despesas médicas, sendo quase metade dos encargos totais gerados a partir da faixa etária de 40-64 anos sem doença crônica. Estes resultados ressaltam a importância de abordar esses fatores de risco em todos os segmentos da população, com ênfase particular para a idade adulta, quando inúmeras doenças crônicas se manifestam (ANDERSON et al., 2005ANDERSON, L.H. et al. Health care charges associated with physical inactivity, overweight, and obesity. Preventing Chronic Disease, Atlanta, v. 2, no. 4, p.1-12, 2005.).

Diante do exposto, nota-se que a dificuldade de acesso aos medicamentos é condicionante para o não cumprimento de prescrições medicamentosas. Apesar da implantação de políticas que visam facilitar o acesso aos medicamentos no Brasil, como os genéricos e as listas de medicamentos essenciais, diversas prescrições contêm medicamentos não acessíveis à grande parte da população, impedindo o cumprimento dos tratamentos prescritos (ACURCIO; GUIMARÃES, 1999; TEIXEIRA; LEFÉVRE, 2001).

Uma estratégia que tem sido utilizada por usuários do SUS é buscar assegurar o direito constitucional de acesso aos bens e serviços de saúde impetrando processos judiciais contra o Estado para a aquisição dos medicamentos prescritos (MESSEDER; OSORIO-DE-CASTRO; LUIZA, 2005LOHMAN, T. G.; ROCHE, A. F.; MERTORELL, R. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinectics Books, 1988.). Outra motivação citada por alguns autores é a percepção, por parte dos usuários, dos efeitos colaterais e reações adversas intensas o suficiente para levar o usuário a interromper o tratamento sem comunicar o médico (ACURCIO; GUIMARÃES, 1999; TEIXEIRA; LEFÉVRE, 2001; GONÇALVES et al., 1999).

Como alternativa para atenuar o problema sugere-se a adoção de estratégias para promover mudanças no estilo de vida e incentivo a aplicação de recursos terapêuticos não medicamentosos como coadjuvantes ao tratamento farmacológico. Estas recomendações se baseiam nos resultados observados na presente investigação, onde indivíduos que mantinham um estilo de vida mais ativo e aqueles que apresentam melhor controle nutricional, consequentemente tiveram menores despesas com a compra de medicamentos que não são fornecidos gratuitamente pelo sistema de saúde brasileiro.

Estes resultados, apesar de significativos, devem ser ponderados à luz de algumas limitações que o estudo apresenta. Entre estas, destaca-se o auto-relato dos dados referentes à compra de medicamentos, recurso muito comum em pesquisas de base-populacional em saúde realizadas em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento (devido ao baixo custo), bem como a restrição da amostra a adultos usuários do sistema público de saúde brasileiro, o que não permite a generalização dos resultados para a população como um todo, ou mais especificamente, aos usuários de planos privados de saúde.

Em conclusão, ser ativo fisicamente e ter valores dentro da faixa de normalidade para perímetro abdominal parecem ser importantes determinantes para diminuir a compra de medicamentos entre adultos usuários do SUS.

AGRADECIMENTO

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2014
  • Revisado
    05 Nov 2014
  • Aceito
    16 Mar 2015
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