Acessibilidade / Reportar erro

Eficácia ergogênica da suplementação de cafeína sobre o desempenho de força? uma análise crítica

Ergogenic efficacy of caffeine supplementation on strength performance? a critical analysis

Resumos

Fatores que melhoram as adaptações ao treino de força, especialmente os nutricionais, têm sido alvo de interesse de praticantes de treino de força. Devido aos já conhecidos mecanismos de ação da cafeína, pesquisas vêm sendo desenvolvidas com o intuito de investigar o potencial ergogênico da cafeína sobre o desempenho de força. Tais estudos, entretanto, são escassos, e seus resultados, controversos. Assim, o objetivo desta revisão foi trazer à tona os potenciais mecanismos de ação pelos quais a cafeína poderia exercer seu efeito ergogênico sobre o desempenho de força, avaliando o possível papel ergogênico da suplementação de cafeína sobre esta atividade. De forma geral, devido à grande heterogeneidade existente nos desenhos experimentais, ao variado nível de habituação ao consumo de cafeína, às divergências dos testes físicos empregados e na dieta precedente ao teste físico, não podemos atestar a favor da eficácia ergogênica deste suplemento nutricional sobre o desempenho de força.

Cafeína; Suplementos Dietéticos; Força Muscular


Factors that improve the adaptations to strength training, especially the nutritional, have been the subject of interest from individuals practicing strength training. Due to known mechanisms of action of caffeine, studies have been undertaken in order to investigate the ergogenic potential of caffeine on strength performance. Such studies, however, are scarce, and their results controversial. Thus, the aim of this review was to bring out the potential mechanisms of action by which caffeine could exert its ergogenic effect on strength performance, evaluating the possible ergogenic role of caffeine on this activity. In general, due to the heterogeneity in experimental designs, to the varied level of habituation to the consumption of caffeine, to the differences in the physical test employed and diet preceding the physical test, we cannot attest the ergogenic effectiveness of this nutritional supplement on strength performance.

Caffeine; Dietary Supplements; Muscle Strength


INTRODUÇÃO

Uma das drogas mais consumidas no mundo, a cafeína é um alcalóide derivado da xantina (1,3,7-trimetilxantina). Esta substância é encontrada naturalmente em diversos produtos consumidos frequentemente na dieta como o guaraná, o mate, o chocolate, o café, alguns refrigerantes e chás (Tabela 1). Ela também pode ser encontrada em alguns medicamentos como agente antagonista do efeito calmante de certos fármacos (CLARKSON, 1993CLARKSON, P. M. Nutritional ergogenic aids: caffeine. International Journal of Sports Nutrition, Amherst, v. 3, n. 1, p. 103-111, 1993.).

Tabela 1 -
Conteúdo de cafeína de alimentos comuns, bebidas e preparações sem receita médica.

Quando ingerida, a cafeína produz concentrações pico no plasma de 6-8 µg/mL (30-49 µmol/L) com doses típicas de 5 a 6 miligramas por quilograma de peso corporal (mg/kg), dentro de 40 a 60 minutos após a sua ingestão. Ela é rapidamente absorvida através do trato gastrointestinal e move-se através das membranas celulares com a mesma eficiência a qual é absorvida e distribuída aos tecidos (FREDHOLM,1995FREDHOLM, B. B. Astra Award Lecture: adenosine, adenosine receptors and the actions of caffeine. Pharmacology & Toxicology, Palo Alto, v. 76, n. 2, p. 93-101, 1995.). Devido à sua solubilidade em lipídios, a cafeína atravessa a barreira hematoencefálica com facilidade e sua meia-vida plasmática varia de 3 a 10 horas (FREDHOLM et al., 1999FREDHOLM, B. B.; BÄTTIG, K.; HOLMÉN, J.; NEHLIG, A.; ZVARTAU, E. E. Actions of caffeine in the brain with special reference to factors that contribute to its widespread use. Pharmacological Reviews, Bethesda, v. 51, n. 1, p. 83-133, 1999.). Seu metabolismo ocorre através do sistema citocromo P450 oxidase a uma variedade de metabólitos xantina, com cerca de 1-3% sendo excretado na urina na forma de cafeína livre (TARNOPOLSKY, 1994TARNOPOLSKY, M. A. Caffeine and endurance performance. Sports Medicine, Auckland, v. 18, n. 2, p. 109-125, 1994.).

Originalmente, os mecanismos de ação propostos para o efeitos ergogênicos da cafeína incluíam um aumento da oxidação de gorduras, poupando a utilização de glicogênio endógeno (IVY et al., 1979IVY J. L.; COSTILL, D. L.; FINK, W. J.; LOWER, R. W. Influence of caffeine and carbohydrate feedings on endurance performance. Medicine and Science in Sports and Exercise, Hagerstown, v. 11, n. 1, p. 6-11, 1979.; ESSIG; COSTILL; VAN HANDEL, 1980ESSIG, D.; COSTILL, D.; VAN HANDEL, P. Effects of caffeine ingestion on utilization of muscle glycogen and lipid during leg ergometer exercise. International Journal of Sports Medicine, Stuttgart, v. 1, n. 2, p. 86-89, 1980.), e um efeito direto no sistema nervoso central, atuando como um antagonista da adenosina e aumentando a vigilância e atenção (FREDHOLM et al., 1999FREDHOLM, B. B.; BÄTTIG, K.; HOLMÉN, J.; NEHLIG, A.; ZVARTAU, E. E. Actions of caffeine in the brain with special reference to factors that contribute to its widespread use. Pharmacological Reviews, Bethesda, v. 51, n. 1, p. 83-133, 1999.). Tais mecanismos apoiaram por anos a utilização da cafeína como recurso ergogênico durante exercícios de natureza aeróbia. Entretanto, estudos mais recentes têm demonstrado que a suplementação de cafeína também pode melhorar o desempenho físico em exercícios de alta intensidade e curta duração, bem como em exercícios de força (WARREN et al., 2010WARREN, G. L.; PARK, N. D.; MARESCA, R. D.; McKIBANS, K. I.; MILLARD-STAFFORD, M. L. Effect of caffeine ingestion on muscular strength and endurance: a meta-analysis. Medicine and Science in Sports and Exercise, Hagerstown, v. 42, n. 7, p. 1375-1387, 2010.). Embora ainda haja a necessidade de maiores esclarecimentos sobre os possíveis mecanismos para tal melhora nessas atividades, pressupõe-se que a cafeína atue diretamente no músculo esquelético, aumentando a liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático (TARNOPOLSKY; CUPIDO, 2000TARNOPOLSKY, M. A.; CUPIDO, C. Caffeine potentiates low frequency skeletal muscle force in habitual and nonhabitual caffeine consumers. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 89, n. 5, p. 1719-1724, 2000.) e/ou reduzindo o acúmulo de potássio no interstício da célula muscular (MOHR; NIELSEN; BANGSBO, 2011MOHR, M.; NIELSEN, J. J.; BANGSBO, J. Caffeine intake improves intense intermittent exercise performance and reduces muscle interstitial potassium accumulation. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 111, n. 5, p. 1372-1379, 2011.).

No que diz respeito aos efeitos da suplementação de cafeína sobre o desempenho de força, embora alguns estudos já tenham observados efeitos positivos desse suplemento nutricional (GOLDSTEIN et al., 2010GOLDSTEIN, E; JACOBS, P. L.; WHITEHURST, M.; PENHOLLOW, T.; ANTONIO, J. Caffeine enhances upper body strength in resistance-trained women. Journal of the International Society of Sports Nutrition, Woodland Park, v. 14, n. 7, p. 18-23, 2010.; DUNCAN; OXFORD, 2011DUNCAN, M. J.; OXFORD, S. W. The effect of caffeine ingestion on mood state and bench press performance to failure. Journal of Strength Conditioning Research, Champaign, v. 25, n. 1, p. 178-185, 2011.), outros estudos não tiveram sucesso em reproduzir tais achados (JACOBS; PASTERNAK; BELL, 2003JACOBS, I.; PASTERNAK, H.; BELL, D. G. Effects of ephedrine, caffeine, and their combination on muscular endurance. Medicine and Science in Sports and Exercise, Hagerstown, v. 35, n. 6, p. 987-994, 2003.; ASTORINO; ROHMANN; FIRTH, 2008ASTORINO, T. A.; ROHMANN, R. L.; FIRTH, K. Effect of caffeine ingestion on one-repetition maximum muscular strength. European Journal of Applied Physiology, Berlin, v. 102, n. 2, p. 127-132, 2008.). Em virtude disso, o objetivo dessa revisão é sintetizar os achados da literatura acerca do efeito ergogênico da suplementação de cafeína sobre o desempenho de força, buscando explicar seus potenciais mecanismos de ação e o motivo da controvérsia quanto à sua eficácia neste tipo de atividade, bem como determinar as condições nas quais a cafeína pode beneficiar o desempenho de força.

Potenciais mecanismos de ação

Muito do interesse sobre os mecanismos os quais a cafeína exerce seus efeitos ergogênicos decorre de estudos conduzidos na década de 70. Os primeiros estudos conduzidos por David Costill e colaboradores mostraram que a cafeína ingerida antes do exercício é capaz de elevar significantemente a concentração plasmática de ácidos graxos livres e sua oxidação (COSTILL; DALSKY; FINK, 1978COSTILL, D. L.; DALSKY, G. P.; FINK, W. J. Effects of caffeine ingestion on metabolism and exercise performance. Medicine and Science in Sports and Exercise, Hagerstown, v. 10, n. 3, p. 155-158. 1978.). Apoiando tais achados, Essig, Costill e Van Handel (1980)ESSIG, D.; COSTILL, D.; VAN HANDEL, P. Effects of caffeine ingestion on utilization of muscle glycogen and lipid during leg ergometer exercise. International Journal of Sports Medicine, Stuttgart, v. 1, n. 2, p. 86-89, 1980. relataram em seu estudo uma mudança na utilização do substrato energético durante o exercício, em específico, da predominância do metabolismo de carboidratos para o metabolismo de gorduras após o consumo de cafeína, também acompanhado por um aumento dos níveis sanguíneos de ácidos graxos livres.

Posteriormente, mostrou-se que a cafeína aumenta significantemente a liberação de adrenalina e noradrenalina, explicando o aumento da concentração sanguínea de ácidos graxos nos estudos acima citados (ROBERTSON et al., 1978ROBERTSON, D.; FRÖLICH, J. C.; CARR, R. K.; WATSON, J. T.; HOLLIFIELD, J. W.; SHAND, D. G.; OATES, J. A. Effects of caffeine on plasma renin activity, catecholamines and blood pressure. The New England Journal of Medicine, Massachusetts, v. 298, n. 4, p. 181-186, 1978.). Dessa forma, durante muito tempo acreditou-se que o principal mecanismo de ação da cafeína se dava pelo seu efeito adrenérgico, aumentando a concentração plasmática de ácidos graxos livres com sua consequente oxidação, poupando os estoques endógenos de glicogênio. Porém, a teoria por trás deste mecanismo perdeu parte de sua força após o estudo de Mohr e et al. (1998)MOHR, T.; VAN SOEREN, M.; GRAHAM, T. E.; KJAER, M. Caffeine ingestion and metabolic responses of tetraplegic humans during electrical cycling. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 85, n. 3, p. 979-985, 1998.. Em específico, os autores recrutaram pacientes com tetraplegia, e os submeteram a testes até a exaustão com estimulação elétrica funcional, com ou sem a ingestão de cafeína; e verificaram uma melhora da capacidade física nestes pacientes com a ingestão deste suplemento nutricional (MOHR et al., 1998MOHR, T.; VAN SOEREN, M.; GRAHAM, T. E.; KJAER, M. Caffeine ingestion and metabolic responses of tetraplegic humans during electrical cycling. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 85, n. 3, p. 979-985, 1998.). Conhecidamente, pacientes tetraplégicos possuem concentrações de adrenalina e noradrenalina quase inexistentes no plasma quando comparados a indivíduos saudáveis, possivelmente causadas pela lesão medular, levando a uma interrupção das vias as quais o cérebro utiliza para controlar o fluxo simpático (MATHIAS et al., 1975MATHIAS, C. J.; CHRISTENSEN, N. J.; CORBETT, J. L.; FRANKEL, H. L; GOODWIN, T. J.; PEART, W. S. Plasma catecholamines, plasma renin activity and plasma aldosterone in tetraplegic man, horizontal and tilted. Clinical Science and Molecular Medicine, London, v. 49, n. 4, p. 291-299, 1975.). Com isso, os dados observados por Mohr et al. (1998)MOHR, T.; VAN SOEREN, M.; GRAHAM, T. E.; KJAER, M. Caffeine ingestion and metabolic responses of tetraplegic humans during electrical cycling. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 85, n. 3, p. 979-985, 1998. levaram pesquisadores de todo o mundo a crer que outros mecanismos, tais como centrais (sobre o sistema nervoso central) ou mesmo diretamente sobre o tecido muscular, também poderiam reger as ações ergogênicas da cafeína.

Considerando a hipótese de que o mecanismo de ação da cafeína seria periférico, Tarnopolsky e Cupido (2000)TARNOPOLSKY, M. A.; CUPIDO, C. Caffeine potentiates low frequency skeletal muscle force in habitual and nonhabitual caffeine consumers. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 89, n. 5, p. 1719-1724, 2000. investigaram os efeitos da ingestão aguda de cafeína (6 mg/kg) sobre a contração voluntária máxima e torque tetânico durante um protocolo de eletroestimulação de baixa freqüência (20Hz) e de alta frequência (40Hz), ambos até a fadiga. Sabidamente, protocolos de baixa frequência resultam em fadiga devido a uma piora do acoplamento excitação-contração, principalmente devido a uma piora na liberação de cálcio do receptor de rianodina do retículo sarcoplasmático (WESTERBLAD et al., 1991WESTERBLAD, H.; LEE, J. A.; LANNERGREN, J.; ALLEN, D. G. Cellular mechanisms of fatigue in skeletal muscle. The American Journal of Physiology, Bethesda, v. 261, n. 2, p. 195-209, 1991.). Em contrapartida, protocolos de alta frequência resultam em uma fadiga paralela a uma redução da amplitude da onda M, sugerindo que a fadiga neste tipo de protocolo provém do acúmulo de potássio no interior dos Túbulos T, dificultando a propagação do sinal elétrico ao longo da célula muscular. Os autores demonstraram que a suplementação aguda de cafeína aumentou o torque tetânico durante o protocolo de eletroestimulação de baixa frequência, mas não no de alta-frequência. Embora não tenha sido mensurado diretamente, tais dados sugerem que a cafeína de fato possui efeitos periféricos, especialmente sobre a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático. Uma maior liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático implicará num maior acoplamento deste íon ao sítio da troponina, possibilitando à miosina se ligar aos sítios livres de actina de forma mais efetiva, e portanto, à contração muscular ocorrer de forma otimizada. A partir da maquinaria contrátil operando efetivamente, o desempenho de força pode ser favorecido.

Mais recentemente, por meio da técnica de microdiálise, Mohr, Nielsen e Bangsbo (2011)MOHR, M.; NIELSEN, J. J.; BANGSBO, J. Caffeine intake improves intense intermittent exercise performance and reduces muscle interstitial potassium accumulation. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 111, n. 5, p. 1372-1379, 2011. mostraram que a suplementação de cafeína proporcionou um menor acúmulo de potássio no interstício da célula muscular em comparação à condição placebo, tanto após protocolos de extensão de joelho de baixa intensidade quanto de alta intensidade. Tais dados também corroboram com o mecanismo de ação periférico da cafeína (conforme o estudo anteriormente citado), e mostram que além do efeito sobre a regulação do cálcio no retículo sarcoplasmático, a cafeína também pode exercer um efeito estimulador sobre a atividade da bomba sódio-potássio, facilitando a propagação do potencial elétrico ao longo dos Túbulos T até o retículo sarcoplasmático, onde haverá a liberação dos íons cálcio e o efeitos supramencionados sobre a maquinaria contrátil e subsequente desempenho de força.

Apesar dos bem documentados efeitos periféricos da cafeína citados acima, sua ação direta sobre o sistema nervoso central vem sendo argumentada como indiscutível. Estudos que apoiam tais argumentos já demonstraram que a cafeína age como um antagonista dos receptores de adenosina A1 e A2A (FREDHOLM, 1995FREDHOLM, B. B. Astra Award Lecture: adenosine, adenosine receptors and the actions of caffeine. Pharmacology & Toxicology, Palo Alto, v. 76, n. 2, p. 93-101, 1995.). Além disso, o consumo regular de cafeína tem sido associado com a regulação destes receptores de adenosina nos tecidos vasculares e neurais do cérebro (FREDHOLM et al., 1999FREDHOLM, B. B.; BÄTTIG, K.; HOLMÉN, J.; NEHLIG, A.; ZVARTAU, E. E. Actions of caffeine in the brain with special reference to factors that contribute to its widespread use. Pharmacological Reviews, Bethesda, v. 51, n. 1, p. 83-133, 1999.). A cascata de eventos celulares resultante do bloqueio destes receptores de adenosina, incluindo a liberação de dopamina e noradrenalina, tem sido apontada como importante mecanismo regulatório para explicar alguns dos efeitos ergogênicos da cafeína por meio da promoção da vigília e sensação de alerta, e diminuindo a percepção de esforço durante o exercício. Tal redução da percepção de esforço e dor durante o exercício seriam mecanismos centrais que potencialmente explicam uma melhora do desempenho de força com a suplementação de cafeína.

Um outro possível efeito central o qual poderia mediar um efeito ergogênico da cafeína durante tarefas relacionadas com a capacidade de produção de força é um aumento da capacidade de recrutamento de unidades motoras. Este conceito, chamado de percentual de ativação de unidades motoras, é calculado a partir da capacidade de um estímulo sobreposto em aumentar a força durante contrações máximas. Kalmar e Cafarelli (2004)KALMAR, J. M.; CAFARELLI, E. Central fatigue and transcranial magnetic stimulation: effect of caffeine and the confound of peripheral transmission failure. Journal of Neuroscience Methods, Philadelphia, v. 138, n. 1-2, p. 15-26, 2004., por exemplo, utilizaram estimulação magnética transcraniana para eliciar potenciais de ação e mostraram que o consumo de cafeína (6 mg/kg) estava associado à um aumento da amplitude do potencial de ação durante um protocolo de exercício até a exaustão, indicando uma melhora na excitabilidade cortical. Considerando-se que a capacidade de produção de força muscular é significantemente influenciada pela excitabilidade cortical até os músculos (GANDEVIA, 2001GANDEVIA, S. C. Spinal and supraspinal factors in human muscle fatigue. Physiological Reviews, Bethesda, v. 81, n. 4, p. 1725-1789, 2001.), é sensato hipotetizar que respostas positivas por parte do Sistema Nervoso Central à suplementação de cafeína poderiam neutralizar o input inibitório das vias aferentes musculares, atenuando a queda no drive central para os músculos em contração (ST CLAIR GIBSON; LAMBERT; NOAKES, 2001ST CLAIR GIBSON, A.; LAMBERT, M. L.; NOAKES, T. D. Neural control of force output during maximal and submaximal exercise. Sports Medicine, Auckland, v. 31, n. 9, p. 637-650, 2001.).

Efeitos sobre o desempenho de força

Conforme já mencionado, nos últimos anos a comunidade científica tem aumentado consideravelmente o interesse pelos efeitos da suplementação de cafeína sobre o desempenho físico durante exercícios de alta intensidade, mais especificamente sobre o desempenho de força (WARREN et al., 2010WARREN, G. L.; PARK, N. D.; MARESCA, R. D.; McKIBANS, K. I.; MILLARD-STAFFORD, M. L. Effect of caffeine ingestion on muscular strength and endurance: a meta-analysis. Medicine and Science in Sports and Exercise, Hagerstown, v. 42, n. 7, p. 1375-1387, 2010.). Apesar disso, os estudos investigando os efeitos desse suplemento nutricional sobre a resistência de força (número máximo de repetições executadas mediante uma determinada carga - Tabela 2) e a força máxima (uma repetição máxima - 1 RM - maior carga possível levantada numa única repetição - Tabela 3) são escassos, bem como seus resultados, controversos.

Tabela 2 -
Efeitos da suplementação de cafeína sobre a resistência de força.

Tabela 3-
Efeitos da suplementação de cafeína sobre a força máxima.

Jacobs, Pasternak e Bell (2003)JACOBS, I.; PASTERNAK, H.; BELL, D. G. Effects of ephedrine, caffeine, and their combination on muscular endurance. Medicine and Science in Sports and Exercise, Hagerstown, v. 35, n. 6, p. 987-994, 2003. provavelmente foram os primeiros a investigar os efeitos da suplementação de cafeína sobre a resistência de força. Nesse estudo, 13 homens treinados em força concluíram 3 super-séries (um exercício imediatamente precedido de outro) nos exercícios leg press e supino, em intensidades de 80 e 70% 1-RM até a exaustão, respectivamente, após a ingestão aguda de cafeína (4 mg/kg) ou placebo 90 minutos pré-exercício. Os autores não observaram quaisquer diferenças no volume total de exercício realizado entre os tratamentos.

Subsequentemente, ao que parece ser o primeiro estudo investigando os efeitos da suplementação aguda de cafeína sobre a força máxima, Beck et al. (2006)BECK, T. W.; HOUSH, T. J.; SCHMIDT, R. J.; JOHNSON, G. O.; HOUSH, D. J.; COBURN, J. W.; MALEK, M. H. The acute effects of a caffeine-containing supplement on strength, muscular endurance, and anaerobic capabilities. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 20, n. 3, p. 506-510, 2006. verificaram que um suplemento comercial contendo cafeína (2,4 mg/kg), ingerido 1 hora antes do exercício, aumentou significantemente a 1-RM (+2,1 kg) no exercício supino em homens treinados em força. No entanto, não foram observadas alterações no desempenho de força de membros inferiores (1-RM em extensão de joelho ou resistência de força para este mesmo exercício). Além disso, é importante ressaltar que não se pode afirmar que não houve interação da cafeína com os outros componentes do suplemento (guaraná, extrato de chá verde/preto, vitamina C e outros). No ano seguinte, utilizando uma dose de cafeína superior aos estudos já mencionados, Green et al. (2007)GREEN, J. M.; WICKWIRE, P. J.; MCLESTER, J. R.; GENDLE, S.; HUDSON, G.; PRITCHETT, R. C.; LAURENT, C. M. Effects of caffeine on repetitions to failure and ratings of perceived exertion during resistance training. International Journal of Sports Physiology and Performance, Champaign, v. 2, n. 3, p. 250-259, 2007. avaliaram o efeito da suplementação aguda de 6 mg/kg de cafeína sobre o número de repetições realizadas até a exaustão nos exercícios supino e leg press durante 3 séries a uma carga de 10-RM. Interessantemente, os autores verificaram que a suplementação de cafeína proporcionou um significante aumento no número de repetições realizadas no leg press em comparação à condição placebo (12,5 ± 4,2 vs. 9,9 ± 2,6). Porém, não foram observados efeitos sobre o número de repetições realizadas no exercício supino.

Concordando com o estudo acima mencionado, Hudson et al. (2008)HUDSON, G. M.; GREEN, J. M.; BISHOP, P. A.; RICHARDSON, M. T. Effects of caffeine and aspirine on light resistance training performance, perceived exertion, and pain perception. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 22, n. 6, p. 1950-1957, 2008. avaliaram os efeitos da mesma dosagem aguda de cafeína (6 mg/kg) sobre o número de repetições executadas até a exaustão durante 4 séries nos exercícios leg press e flexão de cotovelo mediante uma carga de 12-RM. Foi verificado que a cafeína foi eficaz em aumentar o número de repetições até a exaustão na primeira série do exercício de membro inferior (16,0 ± 1,9 vs. 13,5 ± 2,5) em comparação à condição placebo. Entretanto, não houve qualquer diferença estatística no desempenho de força de membro superior entre as condições placebo e cafeína. Recentemente, Duncan e Oxford (2011)DUNCAN, M. J.; OXFORD, S. W. The effect of caffeine ingestion on mood state and bench press performance to failure. Journal of Strength Conditioning Research, Champaign, v. 25, n. 1, p. 178-185, 2011.examinaram os efeitos da ingestão aguda de 5 mg/kg de cafeína sobre o desempenho físico de homens treinados em força durante um teste de resistência de força no supino a 60% 1-RM. Os autores verificaram que a suplementação de cafeína proporcionou um aumento de aproximadamente 10% no número de repetições realizadas até a exaustão em comparação à condição placebo.

A literatura também é composta de estudos que não apresentam quaisquer efeitos ergogênicos provenientes da suplementação com cafeína. Por exemplo, Astorino, Rohmann e Firth (2008)ASTORINO, T. A.; ROHMANN, R. L.; FIRTH, K. Effect of caffeine ingestion on one-repetition maximum muscular strength. European Journal of Applied Physiology, Berlin, v. 102, n. 2, p. 127-132, 2008. submeteram homens treinados em força a testes de força máxima e resistência de força nos exercícios supino e leg press após o consumo agudo de 6 mg/kg de cafeína e não observaram efeitos positivos da suplementação sobre o desempenho em qualquer um dos 4 testes físicos aplicados. Similarmente, Williams et al. (2008)WILLIAMS, A. D.; CRIBB, P. J.; COOKE, M. B.; HAYES, A. The effect of ephedra and caffeine on maximal strength and power in resistance-trained athletes. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 22, n. 2, p. 464-470, 2008. não observaram efeitos ergogênicos provenientes da suplementação de cafeína sobre a força máxima ou resistência de força nos exercícios supino e puxada pulley ao submeterem homens treinados em força à suplementação aguda de 4 mg/kg de cafeína.

Hendrix et al. (2010)HENDRIX, C. R.; HOUSH, T. J.; MIELKE, M.; ZUNIGA, J. M.; CAMIC, C. L.; JOHNSON, G. O.; SCHMIDT, R. J.; HOUSH, D. J. Acute effects of a caffeine-containing supplements on bench press and leg extension strength and time to exhaustion during cicle ergometry. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 24, n. 3, p. 859-865, 2010. investigaram se a ingestão aguda de aproximadamente 4,9 mg/kg de cafeína seria uma estratégia eficaz para aumentar a força máxima de indivíduos fisicamente ativos nos exercícios supino e leg press. Entretanto, não foram observadas quaisquer alterações no teste de 1-RM nestes exercícios com a suplementação. Por fim, Astorino et al. (2011)ASTORINO, T. A.; MARTIN, B. J.; SCHACHTSIEK, L.; WONG, K.; NG, K. Minimal effect of acute caffeine ingestion on intense resistance training performance. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 25, n. 6, p. 1752-1758, 2011. examinaram os efeitos da ingestão aguda de cafeína (6 mg/kg) sobre a resistência de força de homens treinados em força durante 4 séries, com 70 a 80% 1-RM, nos exercícios supino, leg press, remada bilateral e desenvolvimento de ombros. Os autores verificaram um efeito discreto, porém positivo, da suplementação de cafeína sobre o número de repetições realizadas até a exaustão no exercício leg press. Em contrapartida, nenhum efeito benéfico desse suplemento nutricional foi observado sobre o desempenho físico nos outros 3 exercícios.

Uma inspeção minuciosa dos achados referentes a este tema (utilizando ambas as Tabelas 2 e 3 para isto) nos mostrou que 7 dos 13 estudos existentes na literatura apresentam conclusões positivas a respeito da utilização da cafeína sobre o desempenho de força. Todavia, muitos destes estudos empregaram 2 ou mais testes físicos para avaliar o desempenho de força. Assim, ao subdividir estes estudos pelo número de testes aplicados, temos um total de 30 testes empregados nestes estudos, sendo 20 que avaliaram o efeito da cafeína sobre a resistência de força e 10 que avaliaram seu efeito sobre a força máxima. Dos 30 testes empregados, apenas 7 indicaram uma melhora no desempenho de força com a suplementação aguda de cafeína; 4 deles para membro superior e 3 deles para membro inferior. Dos 7 testes aplicados que apresentaram resultados positivos da suplementação de cafeína, 5 avaliaram a resistência de força, enquanto 2 avaliaram a força máxima. Dessa forma, poder-se-ia especular que a suplementação de cafeína parece ser um suplemento nutricional eficaz em melhorar a resistência de força, mas não a força máxima, principalmente de membros superiores. Porém, aproximadamente 23 dos 30 testes empregados não mostraram qualquer benefício da suplementação com este alcalóide sobre o desempenho de força, impossibilitando-nos concluir a favor da eficácia ergogênica da suplementação de cafeína sobre o desempenho de força.

Diversas são as razões para explicar esta grande frequência de observações que não apresentam melhora do desempenho de força com a suplementação de cafeína. Uma delas é a falta de controle da ingestão diária de cafeína dos participantes, no qual apenas cinco dos treze estudos realizaram esse controle. A importância deste tipo de controle interno já foi bem ilustrada pelo estudo de Bell e McLellan (2002)BELL, D. G.; MCLELLAN, T. M. Exercise endurance 1, 3, and 6h after caffeine ingestion in caffeine users and nonusers. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 93, n. 4, p. 1227-1234, 2002., onde foi observado que a magnitude do aumento no tempo até a exaustão após a suplementação de cafeína foi significantemente maior no grupo não habituado comparado ao grupo habituado ao consumo diário de cafeína na dieta (28 vs. 19%, respectivamente). Assim, é óbvio que a inclusão num mesmo estudo de ambos os indivíduos habituados e não habituados ao consumo diário de cafeína poderia gerar respostas heterogêneas sobre o desempenho físico, dificultando avaliar apropriadamente o efeito deste suplemento nutricional.

Além disso, a falta de padronização do nível de treinamento ou aptidão física dos participantes poderia ser outro fator explicando a ausência de conclusões positivas a respeito dos efeitos da suplementação de cafeína sobre o desempenho de força. A respeito disto, diversos são os estudos que incluíram indivíduos treinados em força, mas com diferentes tempos de experiência em treino. Astorino, Rohmann e Firth (2008)ASTORINO, T. A.; ROHMANN, R. L.; FIRTH, K. Effect of caffeine ingestion on one-repetition maximum muscular strength. European Journal of Applied Physiology, Berlin, v. 102, n. 2, p. 127-132, 2008., por exemplo, incluíram participantes treinados em força em seu estudo. Porém, uma inspeção acurada das características dos participantes deste estudo mostra que a experiência em treino de força dos mesmos variava de 1,5 até 12 anos. O mesmo quadro se repete em relação à grande maioria dos estudos discutidos. Além disso, é de suma importância notar que apenas 1 dos 13 estudos avaliados familiarizou adequadamente os participantes aos testes físicos empregados (JACOBS; PASTERNAK; BELL, 2003JACOBS, I.; PASTERNAK, H.; BELL, D. G. Effects of ephedrine, caffeine, and their combination on muscular endurance. Medicine and Science in Sports and Exercise, Hagerstown, v. 35, n. 6, p. 987-994, 2003.). Considerando-se que os testes utilizados para avaliar o efeito da cafeína sobre a produção de força (Testes de 1-RM e Resistência de Força) por si só já possuem um determinado coeficiente de variação (BROWN; WEIR, 2001BROWN, L. E.; WEIR, J. P. Asep procedures recommendation I: accurate assessment of muscular strength and power. Journal of Exercise Physiology (Online), Beaumont, v. 4, n. 3, p. 1-21, 2001.), a inclusão de indivíduos com diferentes níveis de treinamento num mesmo estudo e a falta de familiarização dos mesmos poderia aumentar ainda mais o coeficiente de variação destes testes. Se considerarmos a cafeína uma estratégia nutricional com uma baixa magnitude de efeito (isto é, se houver algum efeito), quanto maior o coeficiente de variação do teste, por exemplo, ocasionado pela diferenciada experiência em treino dos participantes, menor a probabilidade de que a análise estatística detecte o baixo efeito desta estratégia.

É interessante comentar que 8 dos 13 estudos revisados submeteram os participantes a uma dieta padronizada e à abstinência de produtos contendo cafeína antes dos testes experimentais. Tal procedimento é geralmente executado como forma de controle interno. A falta deste tipo de controle proporcionaria a possibilidade de que os participantes realizassem os testes tendo ou não consumido diferentes concentrações de cafeína no dia dos testes, podendo este ser um fator a mascarar os efeitos da suplementação de cafeína. Apesar desta forma de controle interno diminuir a validade externa do estudo, nota-se que 5 dos 8 estudos que adotaram este procedimento verificaram efeitos positivos da cafeína sobre o desempenho de força. Dessa forma, os diferentes estados nutricionais que os participantes dos estudos foram submetidos pode ser outro fator prejudicando a visualização de efeitos positivos da cafeína.

Em conclusão, com base na análise crítica dos estudos revisados, é possível especular que os efeitos benéficos da cafeína sobre o desempenho de força possuem maior chance de serem encontrados em: 1) sujeitos que se abstém do consumo dietético de cafeína antes da suplementação; 2) sujeitos menos habituados ao consumo dietético de cafeína; 3) sujeitos bem treinados e familiarizados aos testes físicos; e 3) testes de resistência de força. Apesar disso, embora tais efeitos venham sendo investigados a pelo menos 10 anos, ainda existe muita dificuldade em estabelecer diretrizes conclusivas sobre sua eficácia neste tipo de atividade. Isso porque diversas limitações, as quais já foram comentadas, acometem a maioria dos estudos, tais como o heterogêneo nível de habituação dos participantes ao consumo de cafeína, o perfil de treinamento variado dos participantes (treinado ou não treinado), a falta de familiarização aos testes físicos empregados, as divergências no tipo de teste físico empregado e a ausência de padronização da dieta precedente ao teste físico. Em virtude do que foi mencionado, não é possível atestar positivamente a eficácia ergogênica da suplementação de cafeína sobre o desempenho de força. Ainda se fazem necessários estudos com um maior controle interno, que realizem familiarizações aos testes físicos adequadamente, e que selecionem indivíduos mais semelhantes quanto à ingestão de cafeína na dieta, peso corporal e nível de treinamento físico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a revisão realizada neste trabalho, observa-se que apesar de alguns estudos verificarem uma melhora no desempenho de força com a suplementação de cafeína, os resultados provenientes da grande maioria dos testes físicos empregados ao longo dos estudos avaliados não nos permitem concluir favoravelmente à eficácia ergogênica da cafeína sobre o desempenho de força. Diversos são os fatores para explicar a falta de maiores resultados positivos, tais como o variado nível de treinamento físico dos participantes submetidos às avaliações físicas e a falta de familiarização dos participantes às avaliações, a falta de padronização da dieta empregada antes das avaliações físicas, o variado consumo diário de cafeína e peso corporal (dado que este influenciará a dosagem absoluta de cafeína a ser ingerida) dos participantes de um mesmo estudo. Obviamente, o controle de todas estas variáveis num único estudo é, no mínimo, complicado. Entretanto, para que se possa concluir efetivamente sobre a eficácia deste suplemento nutricional sobre o desempenho de força, estudos futuros com um maior controle interno sobre tais variáveis se fazem necessários.

Importantemente, conforme verificado nas Tabela 2 e 3, apenas 2 dos 13 estudos (15,4%) revisados relataram a eficácia do desenho duplo-cego. Destes, um deles registrou uma taxa de 60% de acerto sobre a substância ingerida (ASTORINO; ROHMANN; FIRTH, 2008ASTORINO, T. A.; ROHMANN, R. L.; FIRTH, K. Effect of caffeine ingestion on one-repetition maximum muscular strength. European Journal of Applied Physiology, Berlin, v. 102, n. 2, p. 127-132, 2008.), enquanto o outro registrou uma taxa de 29% (ASTORINO et al., 2011ASTORINO, T. A.; MARTIN, B. J.; SCHACHTSIEK, L.; WONG, K.; NG, K. Minimal effect of acute caffeine ingestion on intense resistance training performance. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 25, n. 6, p. 1752-1758, 2011.). Curiosamente, ambos os estudos provém do mesmo grupo de pesquisa; os autores, entretanto, não apresentaram explicações para a discrepância dos índices de acerto entre os estudos. A cafeína conhecidamente possui efeitos colaterais agudos sobre a sudorese, vigília, frequência cardíaca e pressão arterial (GOLDSTEIN et al., 2010GOLDSTEIN, E; JACOBS, P. L.; WHITEHURST, M.; PENHOLLOW, T.; ANTONIO, J. Caffeine enhances upper body strength in resistance-trained women. Journal of the International Society of Sports Nutrition, Woodland Park, v. 14, n. 7, p. 18-23, 2010.), os quais são difíceis de serem mascarados ou 'confundidos' com qualquer outra substância, dificultando a manutenção do desenho duplo-cego de um estudo. Tal dificuldade se torna ainda mais evidente ao se verificar que a grande maioria dos estudos que avaliaram os efeitos da suplementação de cafeína utilizaram dextrose ou maltodextrina como placebo, os quais conhecidamente não induzem efeitos colaterais semelhantes. O fato é que o baixo índice de relato da eficácia do desenho duplo-cego pelos estudos que examinaram os efeitos ergogênicos da suplementação de cafeína lança dúvida sobre os resultados positivos já apresentados decorrentes do uso deste suplemento nutricional.

Por fim, a utilização do desenho experimental da maioria dos estudos avaliados nesta revisão (no caso, consistindo sempre de duas condições experimentais: cafeína vs. placebo) com o objetivo de verificar o efeito ergogênico da cafeína tem recebido críticas (BEEDIE; FOAD, 2009BEEDIE, C. J.; FOAD, A. J. The placebo effect in sports performance: a brief review. Sports Medicine, Auckland, v. 39, n. 4, p. 313-329, 2009.). Geralmente, ao compararmos uma substância ativa (por exemplo, a cafeína) com a condição placebo, assume-se que o placebo é inerte, podendo mascarar o verdadeiro efeito de uma determinada substância. É possível que a simples crença de que uma substância ativa foi ingerida seja o suficiente para alterar a motivação ou percepção subjetiva de esforço de um indivíduo (BEEDIE; FOAD, 2009BEEDIE, C. J.; FOAD, A. J. The placebo effect in sports performance: a brief review. Sports Medicine, Auckland, v. 39, n. 4, p. 313-329, 2009.). Assim, em estudos futuros faz-se necessária a utilização de uma condição 'controle', a qual os indivíduos não ingerem qualquer tipo de substância ou placebo com o objetivo de determinar uma 'linha de base' a partir da qual respostas ao exercício pós-suplementação possam ser cuidadosamente avaliadas.

Em conclusão, a suplementação de doses de 3 a 6 mg/kg de cafeína efetivamente elevam os níveis sanguíneos deste alcalóide. Contudo, a falta de um maior número de resultados positivos decorrentes dos trabalhos investigando os efeitos ergogênicos da suplementação de cafeína sobre o desempenho de força nos impede de atestar a eficácia deste suplemento nutricional sobre este tipo de atividade. É importante exercer cautela ao interpretar e generalizar as conclusões desta revisão, já que não existem estudos que tenham examinado se a suplementação de cafeína pode melhorar o desempenho de força em situações específicas relacionadas ao treinamento de força, como em indivíduos sob excessivo volume de treino (isto é, overtraining). Além disso, esta intervenção também poderia ser útil para indivíduos treinados em força engajados em um programa de treino orientado de forma mais aeróbia, tal como o treino de circuito e alguns tipos de treinamento concorrente. Todas estas suposições certamente merecem esclarecimentos adicionais. Não se pode afirmar com certeza o exato mecanismo de ação o qual ela exerce seus efeitos, porém, no que diz respeito às tarefas relacionadas à produção de força e potência, presume-se que haja uma combinação de seus efeitos centrais e periféricos. Seu uso agudo entretanto, induz aumentos significantes da frequência cardíaca e pressão arterial, portanto, recomenda-se que indivíduos hipertensos ou com histórico de eventos cardiovasculares não façam uso deste suplemento nutricional.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (processo no 2013/04806-0). Os autores declaram que não há conflito de interesse com o tema em questão.

REFERÊNCIAS

  • ASTORINO, T. A.; ROHMANN, R. L.; FIRTH, K. Effect of caffeine ingestion on one-repetition maximum muscular strength. European Journal of Applied Physiology, Berlin, v. 102, n. 2, p. 127-132, 2008.
  • ASTORINO, T. A.; MARTIN, B. J.; SCHACHTSIEK, L.; WONG, K.; NG, K. Minimal effect of acute caffeine ingestion on intense resistance training performance. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 25, n. 6, p. 1752-1758, 2011.
  • BECK, T. W.; HOUSH, T. J.; SCHMIDT, R. J.; JOHNSON, G. O.; HOUSH, D. J.; COBURN, J. W.; MALEK, M. H. The acute effects of a caffeine-containing supplement on strength, muscular endurance, and anaerobic capabilities. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 20, n. 3, p. 506-510, 2006.
  • BECK, T. W.; HOUSH, T. J.; MALEK, M. H.; MIELKE, M.; HENDRIX, R. The acute effects of a caffeine-containing supplement on bench press strength and time to running exhaustion. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 22, n. 5, p. 1654-1658, 2008.
  • BEEDIE, C. J.; FOAD, A. J. The placebo effect in sports performance: a brief review. Sports Medicine, Auckland, v. 39, n. 4, p. 313-329, 2009.
  • BELL, D. G.; MCLELLAN, T. M. Exercise endurance 1, 3, and 6h after caffeine ingestion in caffeine users and nonusers. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 93, n. 4, p. 1227-1234, 2002.
  • BROWN, L. E.; WEIR, J. P. Asep procedures recommendation I: accurate assessment of muscular strength and power. Journal of Exercise Physiology (Online), Beaumont, v. 4, n. 3, p. 1-21, 2001.
  • BURKE, L. M. Caffeine and sports performance. Applied Physiology Nutrition and Metabolism, Ottawa, v. 33, n. 6, p. 1319-1334, 2008.
  • CLARKSON, P. M. Nutritional ergogenic aids: caffeine. International Journal of Sports Nutrition, Amherst, v. 3, n. 1, p. 103-111, 1993.
  • COSTILL, D. L.; DALSKY, G. P.; FINK, W. J. Effects of caffeine ingestion on metabolism and exercise performance. Medicine and Science in Sports and Exercise, Hagerstown, v. 10, n. 3, p. 155-158. 1978.
  • DUNCAN, M. J.; OXFORD, S. W. The effect of caffeine ingestion on mood state and bench press performance to failure. Journal of Strength Conditioning Research, Champaign, v. 25, n. 1, p. 178-185, 2011.
  • ESSIG, D.; COSTILL, D.; VAN HANDEL, P. Effects of caffeine ingestion on utilization of muscle glycogen and lipid during leg ergometer exercise. International Journal of Sports Medicine, Stuttgart, v. 1, n. 2, p. 86-89, 1980.
  • FREDHOLM, B. B. Astra Award Lecture: adenosine, adenosine receptors and the actions of caffeine. Pharmacology & Toxicology, Palo Alto, v. 76, n. 2, p. 93-101, 1995.
  • FREDHOLM, B. B.; BÄTTIG, K.; HOLMÉN, J.; NEHLIG, A.; ZVARTAU, E. E. Actions of caffeine in the brain with special reference to factors that contribute to its widespread use. Pharmacological Reviews, Bethesda, v. 51, n. 1, p. 83-133, 1999.
  • GANDEVIA, S. C. Spinal and supraspinal factors in human muscle fatigue. Physiological Reviews, Bethesda, v. 81, n. 4, p. 1725-1789, 2001.
  • GOLDSTEIN, E; JACOBS, P. L.; WHITEHURST, M.; PENHOLLOW, T.; ANTONIO, J. Caffeine enhances upper body strength in resistance-trained women. Journal of the International Society of Sports Nutrition, Woodland Park, v. 14, n. 7, p. 18-23, 2010.
  • GREEN, J. M.; WICKWIRE, P. J.; MCLESTER, J. R.; GENDLE, S.; HUDSON, G.; PRITCHETT, R. C.; LAURENT, C. M. Effects of caffeine on repetitions to failure and ratings of perceived exertion during resistance training. International Journal of Sports Physiology and Performance, Champaign, v. 2, n. 3, p. 250-259, 2007.
  • HENDRIX, C. R.; HOUSH, T. J.; MIELKE, M.; ZUNIGA, J. M.; CAMIC, C. L.; JOHNSON, G. O.; SCHMIDT, R. J.; HOUSH, D. J. Acute effects of a caffeine-containing supplements on bench press and leg extension strength and time to exhaustion during cicle ergometry. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 24, n. 3, p. 859-865, 2010.
  • HUDSON, G. M.; GREEN, J. M.; BISHOP, P. A.; RICHARDSON, M. T. Effects of caffeine and aspirine on light resistance training performance, perceived exertion, and pain perception. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 22, n. 6, p. 1950-1957, 2008.
  • IVY J. L.; COSTILL, D. L.; FINK, W. J.; LOWER, R. W. Influence of caffeine and carbohydrate feedings on endurance performance. Medicine and Science in Sports and Exercise, Hagerstown, v. 11, n. 1, p. 6-11, 1979.
  • JACOBS, I.; PASTERNAK, H.; BELL, D. G. Effects of ephedrine, caffeine, and their combination on muscular endurance. Medicine and Science in Sports and Exercise, Hagerstown, v. 35, n. 6, p. 987-994, 2003.
  • KALMAR, J. M.; CAFARELLI, E. Central fatigue and transcranial magnetic stimulation: effect of caffeine and the confound of peripheral transmission failure. Journal of Neuroscience Methods, Philadelphia, v. 138, n. 1-2, p. 15-26, 2004.
  • MATHIAS, C. J.; CHRISTENSEN, N. J.; CORBETT, J. L.; FRANKEL, H. L; GOODWIN, T. J.; PEART, W. S. Plasma catecholamines, plasma renin activity and plasma aldosterone in tetraplegic man, horizontal and tilted. Clinical Science and Molecular Medicine, London, v. 49, n. 4, p. 291-299, 1975.
  • MOHR, T.; VAN SOEREN, M.; GRAHAM, T. E.; KJAER, M. Caffeine ingestion and metabolic responses of tetraplegic humans during electrical cycling. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 85, n. 3, p. 979-985, 1998.
  • MOHR, M.; NIELSEN, J. J.; BANGSBO, J. Caffeine intake improves intense intermittent exercise performance and reduces muscle interstitial potassium accumulation. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 111, n. 5, p. 1372-1379, 2011.
  • ROBERTSON, D.; FRÖLICH, J. C.; CARR, R. K.; WATSON, J. T.; HOLLIFIELD, J. W.; SHAND, D. G.; OATES, J. A. Effects of caffeine on plasma renin activity, catecholamines and blood pressure. The New England Journal of Medicine, Massachusetts, v. 298, n. 4, p. 181-186, 1978.
  • ST CLAIR GIBSON, A.; LAMBERT, M. L.; NOAKES, T. D. Neural control of force output during maximal and submaximal exercise. Sports Medicine, Auckland, v. 31, n. 9, p. 637-650, 2001.
  • TARNOPOLSKY, M. A. Caffeine and endurance performance. Sports Medicine, Auckland, v. 18, n. 2, p. 109-125, 1994.
  • TARNOPOLSKY, M. A.; CUPIDO, C. Caffeine potentiates low frequency skeletal muscle force in habitual and nonhabitual caffeine consumers. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v. 89, n. 5, p. 1719-1724, 2000.
  • WARREN, G. L.; PARK, N. D.; MARESCA, R. D.; McKIBANS, K. I.; MILLARD-STAFFORD, M. L. Effect of caffeine ingestion on muscular strength and endurance: a meta-analysis. Medicine and Science in Sports and Exercise, Hagerstown, v. 42, n. 7, p. 1375-1387, 2010.
  • WESTERBLAD, H.; LEE, J. A.; LANNERGREN, J.; ALLEN, D. G. Cellular mechanisms of fatigue in skeletal muscle. The American Journal of Physiology, Bethesda, v. 261, n. 2, p. 195-209, 1991.
  • WILLIAMS, A. D.; CRIBB, P. J.; COOKE, M. B.; HAYES, A. The effect of ephedra and caffeine on maximal strength and power in resistance-trained athletes. Journal of Strength and Conditioning Research, Champaign, v. 22, n. 2, p. 464-470, 2008.
  • WOOLF, K.; BIDWELL, W. K.; CARLSON, A. G. The effect of caffeine as an ergogenic aid in anaerobic exercise. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, Champaign, v. 18, n. 4, p. 412-429, 2008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2013
  • Revisado
    19 Mar 2014
  • Aceito
    18 Abr 2014
Universidade Estadual de Maringá Avenida Colombo, 5790, 87020-900 Maringá - PR, Tel.: (55 44) 3011 4470 - Maringá - PR - Brazil
E-mail: revdef@uem.br