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Letramento funcional em saúde e adesão a terapia antirretroviral em pessoas vivendo com HIV

RESUMO

Objetivo:

Verificar a relação entre adesão a terapia antirretroviral e o Letramento Funcional em Saúde.

Métodos:

Estudo transversal, realizado no Serviço de Atendimento Especializado, em 2019, utilizando questionários sobre adesão ao tratamento e Letramento Funcional em Saúde em pessoas vivendo com o Vírus da Imunodeficiência Humana. O questionário para LFS possui questões sobre habilidades numéricas e de interpretação de texto e o de adesão aborda a forma de utilização dos antirretrovirais. A carga viral foi obtida nos prontuários. As associações entre as variáveis foram analisadas pelo teste do Qui-quadrado.

Resultados:

Foram entrevistados 78 pacientes e observada uma associação significativa entre as variáveis adesão ao tratamento e Letramento Funcional em Saúde. A associação entre a adesão à terapia e níveis de carga viral também foi significativa.

Conclusões:

Os dados encontrados mostram associação significativa entre as variáveis, então, quanto menor o letramento funcional em saúde, maior a dificuldade de aderir ao tratamento.

Palavras-chave:
Letramento em saúde; Adesão à medicação; Terapia antirretroviral de alta atividade

ABSTRACT

Objective:

To verify the relationship between adherence to antiretroviral therapy and Functional Health Literacy.

Methods:

Cross-sectional study, carried out in the Specialized Care Service in 2019, using questionnaires about adherence to treatment and Functional Health literacy people living with human immunodeficiency virus. The LFS questionnaire has questions about numerical and text interpretation skills and the adherence questionnaire addresses how to use antiretrovirals. Viral load was verified by analysis of medical records. Associations between variables were analyzed using the Chi-square test.

Results:

78 patients were interviewed and a significant association between the variables to treatment adherence and Functional Literacy in Health was observed. The association between adherence to therapy and viral load levels was also significant.

Conclusions:

The data found show a significant association between the variables, ie, the lower the functional health literacy, the greater the difficulty to adhere to treatment.

Keywords:
Health literacy. Medication adherence. Antiretroviral therapy; highly active

RESUMEN

Objetivo:

Verificar la asociación entre adherencia a la terapia antirretroviral y el Letramiento Funcional en Salud.

Métodos:

Estudio transversal, realizado en un Servicio de Atendimiento Especializado en 2019, utilizando cuestionarios sobre adherencia al tratamiento y el Letramiento Funcional en Salud en personas que viven con virus de inmunodeficiencia humana. El cuestionario LFS tiene preguntas sobre habilidades numéricas e interpretación de textos y el cuestionario de adherencia aborda el uso de antirretrovirales. La carga viral se verificó mediante análisis de las historias clínicas. Las asociaciones entre variables se analizaron mediante la prueba de Qui-cuadrado.

Resultados:

Fueron entrevistados 78 pacientes e observada una asociación significativa entre las variables adherencia al tratamiento y Letramiento Funcional en Salud. La asociación entre la adherencia a la terapia y niveles de carga viral también fue significativa.

Conclusiones:

Los datos encontrados muestran una asociación significativa entre las variables, es decir, cuanto menor el Letramiento Funcional em Salud, mayor es la dificultad para adherirse al tratamiento.

Palabras clave:
Alfabetización en salud; Cumplimiento de la medicación; Terapia antirretroviral altamente activa

INTRODUÇÃO

O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) é um retrovírus que infecta e leva a morte de células do sistema imune em decorrência de um tropismo específico para os linfócitos T CD4+. Esse tipo de reprodução viral, ocasiona a deficiência imunológica, característica da doença1Nogueira LFR, Pellegrino P, Duarte AS, Inoue SRV, Marqueze LC. Common mental disorders are associated with higher viral load in people living with HIV. Saúde Debate. 2019;43(121):464-76. doi: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912114
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Atualmente, o HIV representa um grande problema de saúde pública, visto que nos últimos 30 anos a epidemia da doença trouxe sérias consequências para diversas famílias e sociedade. Entretanto, sua transmissão teve um declínio global, que pode estar relacionado aos programas de prevenção e tratamento2Freitas JP, Sousa LRM, Cruz MCMA, Caldeira NMVP, Gir E. Antiretroviral therapy: compliance level and the perception of HIV/Aids patients. Acta Paul Enferm. 2018;31(3): 327-33. doi: https://doi.org/10.1590/1982-0194201800046
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No Boletim Epidemiológico Brasileiro de HIV/Aids, referente ao período de 2007 a junho de 2019, foram contabilizados 300.496 casos de infecção pelo HIV no Brasil. Dentre esses, 136.902 (45,6%) casos foram registrados na região Sudeste, 60.470 (20,1%) na região Sul, 55.090 (18,3%) na região Nordeste, 26.055 (8,7%) na região Norte e 21.979 (7,3%) na região Centro-Oeste3Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Bol Epidemiol HIV AIDS 2019 dez [citado 2019 dez 4];(nº esp). Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2019/boletim-epidemiologico-de-hivaids-2019
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A Organização das Nações Unidas criou a meta 90-90-90, que tem por objetivo auxiliar no fim da epidemia da Aids ao redor do mundo. Essa meta propõe que até 2020, 90% das pessoas com o vírus estejam cientes de seu diagnóstico, 90% das pessoas tenham acesso contínuo a terapia antirretroviral e 90% das pessoas em tratamento apresentem carga viral indetectável2Freitas JP, Sousa LRM, Cruz MCMA, Caldeira NMVP, Gir E. Antiretroviral therapy: compliance level and the perception of HIV/Aids patients. Acta Paul Enferm. 2018;31(3): 327-33. doi: https://doi.org/10.1590/1982-0194201800046
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O avanço nas tecnologias de saúde possibilitou uma alteração no perfil da doença, que antigamente era associada a morte precoce e agora passa a apresentar um caráter crônico, possibilitando ao paciente, viver melhor e por mais tempo com a doença1Nogueira LFR, Pellegrino P, Duarte AS, Inoue SRV, Marqueze LC. Common mental disorders are associated with higher viral load in people living with HIV. Saúde Debate. 2019;43(121):464-76. doi: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912114
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. No Brasil, a terapia antirretroviral (TARV) é universal e gratuita no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo considerada uma referência no mundo, como modelo de acesso a terapia ao HIV4Goulart S, Meirelles BHS, Costa VT, Pfleger G, Silva LM. Adherence to antiretroviral therapy in adults with HIV/AIDS treated at a reference service. REME Rev Min Enferm. 2018;22:e-1127. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20180050
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A terapia antirretroviral almeja a supressão do vírus, além de fortalecer o sistema imunológico, evitando dessa forma, a ocorrência de doenças oportunistas. O objetivo principal é alcançar níveis plasmáticos de carga viral indetectável, melhorando a qualidade de vida, além de aumentar a expectativa de vida de pessoas com o vírus4Goulart S, Meirelles BHS, Costa VT, Pfleger G, Silva LM. Adherence to antiretroviral therapy in adults with HIV/AIDS treated at a reference service. REME Rev Min Enferm. 2018;22:e-1127. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20180050
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A eficácia da terapia antirretroviral para o vírus da imunodeficiência humana é um fato bem consolidado no meio científico, entretanto, a efetividade é dependente da adesão dos pacientes ao tratamento5Silva JAG, Dourado I, Brito AM, Silva CAL. Factors associated with non-adherence to antiretroviral therapy in adults with AIDS in the first six months of treatment in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):188-98. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00106914
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-6Tufano CS, Amaral RA, Cardoso LRD, Malbergier A. The influence of depressive symptoms and substance use on adherence to antiretroviral therapy: a cross-sectional prevalence study. São Paulo Med J. 2015;133(3):179-86. doi: https://doi.org/10.1590/1516-3180.2013.7450010
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. Para ser atingido níveis de carga virais indetectáveis, estudos apontam a importância de alta adesão a TARV, alcançando pelo menos 80% de adesão5Silva JAG, Dourado I, Brito AM, Silva CAL. Factors associated with non-adherence to antiretroviral therapy in adults with AIDS in the first six months of treatment in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):188-98. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00106914
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A adesão ao tratamento é um processo complexo, envolvendo aspectos sociodemográficos, clínicos e comportamentais, cuja responsabilidade envolve usuários, serviço de saúde e rede de apoio. Ademais, na adesão a TARV o desafio é ainda maior, pois envolve o combate à epidemia da doença7Freitas MIF, Bonolo PF, Miranda WD, Guimarães MDC. Interactions and the antiretroviral therapy adherence among people living with HIV/Aids. REME Rev Min Enferm. 2017; 21:e-1001. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20170011
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A ausência ou baixa adesão ao tratamento podem ocasionar falhas no controle da doença uma vez que o vírus pode tornar-se resistente aos medicamentos. Essa situação pode levar a necessidade de esquemas terapêuticos mais complexos e que podem exigir o uso de um maior número de medicamentos5Silva JAG, Dourado I, Brito AM, Silva CAL. Factors associated with non-adherence to antiretroviral therapy in adults with AIDS in the first six months of treatment in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):188-98. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00106914
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Existem diversas maneiras de verificar a adesão do paciente ao tratamento. Dentre elas, destaca-se o registro de dispensação das farmácias nos centros especializados, análise de prontuário médico, autorrelato sobre a administração dos medicamentos e questionários desenvolvidos e validados para avaliar a adesão a TARV8Remor E, Milner-Moskovics J, Preussler G. Adaptação brasileira do “Cuestionario para la Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antiretroviral”. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):685-94. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89102006005000043
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Para o paciente realizar adequadamente seu cuidado em saúde, é necessário que o mesmo compreenda a sua doença bem como as intervenções de saúde propostas. Portanto, pacientes que apresentem dificuldades de compreender informações em saúde, podem apresentar falhas na adesão ao tratamento farmacológico proposto. Um recurso para verificar o potencial cognitivo de um paciente em compreender as informações de saúde fornecidas pelos profissionais de saúde, é a avaliação do seu Letramento Funcional em Saúde (LFS)9Marques SRL, Escarce AG, Lemos SMA. Health literacy and self-rated health in adults primary care patients. CoDAS. 2017;30(2):e20170127. doi: https://doi.org/10.1590/2317-1782/20182017127
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O Letramento Funcional em Saúde pode ser compreendido como o conjunto de habilidades de compreender, avaliar e colocar em prática as orientações de cuidado à saúde. Diversos fatores podem estar envolvidos com o letramento em saúde, como por exemplo, condições socioeconômicas e nível educacional9Marques SRL, Escarce AG, Lemos SMA. Health literacy and self-rated health in adults primary care patients. CoDAS. 2017;30(2):e20170127. doi: https://doi.org/10.1590/2317-1782/20182017127
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O grau de compreensão do paciente em relação às informações que recebe dos profissionais de saúde sobre o seu tratamento representa um fator que provavelmente possa interferir na adesão ao uso dos antirretrovirais. Portanto, a hipótese desse estudo é que níveis inadequados de Letramento Funcional em Saúde do paciente vivendo com HIV possam estar associados com baixa adesão ao tratamento com antirretrovirais.

Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi verificar a relação entre adesão a terapia antirretroviral e o Letramento Funcional em Saúde.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de corte transversal, com coleta dos dados sobre adesão ao tratamento e Letramento Funcional em Saúde de maneira prospectiva e verificação da carga viral retrospectiva, por meio de análise de prontuários.

A amostra foi selecionada por conveniência, composta por indivíduos que realizam o acompanhamento no Serviço de Atendimento Especializado (SAE) do município de Marília/SP. Este serviço atende uma população de aproximadamente 400 pacientes vivendo com HIV do município, além de outras patologias, como hepatite C e sífilis. O serviço apresenta uma equipe multiprofissional, com médico infectologista e clínico geral, psicólogo, assistente social, farmacêutico e equipe de enfermagem. A equipe de enfermagem é responsável pelo gerenciamento do serviço, além de prestar assistência direta ao paciente, com consultas e esclarecimentos de dúvidas.

Os indivíduos foram convidados a participar quando compareciam ao serviço em dias de consulta médica ou para realizar exames laboratoriais.

Foram incluídos no estudo indivíduos maiores de 18 anos, com diagnóstico prévio de HIV e que estavam em uso da TARV minimamente por 3 meses. Foram excluídos os indivíduos pertencentes à população privada de liberdade, em decorrência da necessidade de esquemas especiais de segurança para a aplicação do questionário.

O tamanho mínimo da amostra foi estimado em 75 indivíduos para analisar a associação entre duas variáveis qualitativas, considerando para o cálculo (software G*Power, version 3.1.9.2, Franz Faul, Universität Kiel, Germany) uma margem do erro do tipo I de 5%, um poder do estudo de 95%, 4 graus de liberdade e um tamanho de efeito médio (0,5).

Os dados foram coletados no período de abril a agosto de 2019, por meio da aplicação dos questionários de adesão ao tratamento e do Letramento Funcional em Saúde. Durante a aplicação, a pesquisadora esteve próxima ao paciente, fornecendo orientações para o preenchimento e esclarecendo dúvidas. Caso o usuário apresentasse dificuldade de leitura, o questionário era apresentado verbalmente pela entrevistadora, sem realizar nenhum tipo de influência junto ao entrevistado. O tempo aproximado para a coleta de dados foi de 30 minutos.

Os dados referentes à carga viral foram obtidos por meio do Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM), acessado diretamente no Serviço de Atendimento Especializado. Foi utilizado o resultado do exame laboratorial mais próximo à data de realização da entrevista de cada participante, sem exceder o período de seis meses, que representa o intervalo geralmente preconizado para que os pacientes realizem os seus exames. A carga viral foi considerada indetectável quando a técnica de “Reação em cadeia de polimerase” (PCR) resultou em <50 cópias/ml de sangue10Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Relatório de monitoramento clínico do HIV. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018 [cited 2019 Dec 10]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2018/relatorio-de-monitoramento-clinico-do-hiv-2018
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O teste de Letramento Funcional em Saúde utilizado representa uma adaptação transcultural para a língua portuguesa do Brasil do “Test of Functional Health Literacy in Adults - TOFHLA” de origem norte americana11Maragno CAD, Mengue SS, Moraes CG, Rebelo MVD, Guimarães AMM, Pizzo TSD. Test of health literacy for portuguese-speaking adults. Rev. Bras Epidemiol. 2019;22:e190025. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720190025
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Este questionário compreende um conjunto de questões que avaliam a habilidade do paciente em trabalhar com informações em saúde que envolvem números e outro grupo de questões que estão relacionadas com compreensão de texto11Maragno CAD, Mengue SS, Moraes CG, Rebelo MVD, Guimarães AMM, Pizzo TSD. Test of health literacy for portuguese-speaking adults. Rev. Bras Epidemiol. 2019;22:e190025. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720190025
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A etapa numérica do questionário é composta por uma série de cartões com informações diversas, como, agendamento de consulta e resultados de exames laboratoriais, nos quais o participante se baseará para responder uma série de perguntas. Nessa etapa, o participante poderia pontuar de 0 a 17 pontos. Para transformar a pontuação em escala de 0 a 50, foi utilizada a tabela de escores ponderados do TOFHLA original, ou seja, o número de respostas corretas foi multiplicado por 2,94 (fator de correção)11Maragno CAD, Mengue SS, Moraes CG, Rebelo MVD, Guimarães AMM, Pizzo TSD. Test of health literacy for portuguese-speaking adults. Rev. Bras Epidemiol. 2019;22:e190025. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720190025
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A etapa de leitura e compreensão de texto, apresentou três textos: A (16 itens), B (20 itens) e C (14 itens). Estes textos apresentavam quatro alternativas para os participantes escolherem uma das opções disponibilizadas11Maragno CAD, Mengue SS, Moraes CG, Rebelo MVD, Guimarães AMM, Pizzo TSD. Test of health literacy for portuguese-speaking adults. Rev. Bras Epidemiol. 2019;22:e190025. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720190025
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Para cada questão de compreensão de texto, foi atribuída a pontuação 1 para resposta correta e 0 para incorreta. Quando o participante deixava a questão em branco ou marcava mais de uma alternativa, atribuía-se valor 0. O valor máximo para esta etapa do questionário foi de 50 pontos11Maragno CAD, Mengue SS, Moraes CG, Rebelo MVD, Guimarães AMM, Pizzo TSD. Test of health literacy for portuguese-speaking adults. Rev. Bras Epidemiol. 2019;22:e190025. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720190025
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Desta forma, a soma dos itens numéricos com os de compreensão de texto totaliza 100 pontos. A classificação do Letramento Funcional em Saúde é feita adotando os seguintes critérios: inadequado (até 59 pontos); limitado (60 a 74) e adequado (75 a 100)11Maragno CAD, Mengue SS, Moraes CG, Rebelo MVD, Guimarães AMM, Pizzo TSD. Test of health literacy for portuguese-speaking adults. Rev. Bras Epidemiol. 2019;22:e190025. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720190025
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O teste de LFS utilizado neste estudo incluiu também questões sobre qualidade de vida e hábitos de leitura, entretanto, estes dados não foram pontuados para classificação do grau de letramento em saúde dos participantes da pesquisa, mas foram utilizados para caracterização da amostra estudada.

Para avaliar a adesão a terapia antirretroviral dos pacientes, foi utilizado o “Questionário para a Avaliação da Adesão ao Tratamento Antirretroviral (CEAT-HIV), versão em português do Brasil, testado e validado. Essa ferramenta tem natureza multidimensional, visto que aborda os principais fatores que podem influenciar na adesão ao tratamento antirretroviral8Remor E, Milner-Moskovics J, Preussler G. Adaptação brasileira do “Cuestionario para la Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antiretroviral”. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):685-94. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89102006005000043
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O questionário é composto por 20 questões, das quais 17 (questões 1 a 4 e 6 a 18) possuem uma escala do tipo Likert com cinco alternativas, sendo que uma maior pontuação na escala, indica maior grau de adesão ao tratamento. Desta forma, neste grupo de questões é possível atingir 85 pontos8Remor E, Milner-Moskovics J, Preussler G. Adaptação brasileira do “Cuestionario para la Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antiretroviral”. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):685-94. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89102006005000043
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Na questão 5, a pontuação varia de zero a dois pontos, sendo zero para o paciente que não sabe o nome e dose do antiviral utilizado, um ponto quando o paciente sabe apenas uma das informações e dois pontos quando a resposta é completa. Nas questões 19 e 20, a pontuação varia de zero a um ponto por pergunta, sendo que respostas negativas na questão 19 e afirmativas na questão 20 recebem pontuação 1. O questionário completo permite um escore mínimo de 17 e máximo de 89 pontos8Remor E, Milner-Moskovics J, Preussler G. Adaptação brasileira do “Cuestionario para la Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antiretroviral”. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):685-94. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89102006005000043
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A classificação do grau de adesão ao tratamento segue os seguintes critérios: Insuficiente (≤ 74 pontos), Adequada (75 a 79 pontos) e Estrita ( ≥ 80 pontos)8Remor E, Milner-Moskovics J, Preussler G. Adaptação brasileira do “Cuestionario para la Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antiretroviral”. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):685-94. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89102006005000043
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As variáveis quantitativas foram descritas pela média e intervalo de confiança de 95% (IC95%) e as qualitativas pela distribuição de frequência absoluta (N) e relativa (%). As diferenças na distribuição de frequência para variáveis qualitativas foram analisadas pelo teste do Qui-quadrado para proporção. As associações entre as variáveis qualitativas foram analisadas pelo teste do Qui-quadrado para associação. A distribuição de normalidade foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Os dados foram analisados no software SPSS (versão 19.0) e o nível de significância adotado foi de 5% (p-valor ≤ 0,05).

Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias. O trabalho foi autorizado pela Secretaria Municipal de Saúde de Marília - SP e pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) de São Paulo, sob o número CAAE: 09097019.3.0000.541 e número do parecer 3.241.437.

RESULTADOS

De uma maneira geral, os participantes deste estudo apresentaram leve predomínio do sexo masculino (51,2%), com idade média aproximada de 45 anos e escolaridade contemplando principalmente o ensino médio completo (46,2%), mas também com alguns indivíduos (2,6%) tendo completado sua alfabetização na fase adulta. Em torno de 23,1% dos participantes relataram ter concluído ensino superior. Estas informações estão descritas na Tabela 1, que também mostra outras variáveis analisadas neste estudo.

Tabela 1 -
Análise da associação entre o Letramento Funcional em Saúde e variáveis sociodemográficas, qualidade de vida, hábitos de leitura, adesão ao tratamento antirretroviral e carga viral

Em relação ao LFS, foi verificado que apenas 10,2% da população apresentou letramento adequado, sendo os demais classificados como inadequados (68%) e limitados (21,8%). Estes dados estão descritos na Tabela 1.

As variáveis sexo, idade, escolaridade, qualidade de vida e hábitos de leitura não foram associadas de maneira significativa, com o LFS. Em relação a escolaridade cabe destacar que mesmo os indivíduos com ensino superior completo não necessariamente apresentaram resultados plenamente satisfatórios em relação ao LFS (Tabela 1).

Entretanto, foi observada uma associação significativa (p ≤0,05) entre as variáveis adesão a TARV e o nível de Letramento Funcional em Saúde dos participantes. Neste sentido, dentre os pacientes com LFS inadequado (68%), a maioria (51,3%) apresentou uma adesão insuficiente ao tratamento antirretroviral (Tabela 1).

Outro aspecto importante mostrado neste estudo foi a adesão dos pacientes ao tratamento com os antirretrovirais. Esta avaliação foi feita com a aplicação do questionário CEAT-HIV, que identificou apenas uma pequena parte da população (15,4%) com adesão estrita ao tratamento, ou seja, com uso rigoroso de seus medicamentos (Tabela 1).

Desta forma, a maioria dos participantes apresentou falhas na adesão ao tratamento, sendo caracterizados como adequados (25,6%) ou insuficientes (59%).

O presente estudo também verificou, por meio de análise dos prontuários, a carga viral dos pacientes que responderam aos questionários. Conforme mencionado anteriormente, estes dados referiam-se aos últimos exames realizados antes da data da entrevista. Não foram utilizados dados de pacientes cujo exame havia sido feito há mais de seis meses. Desta forma, dentre os 78 participantes, 63 preencheram este critério, havendo, portanto, uma perda de dados em relação a carga viral de 19,3% (missing data).

O intervalo de tempo entre a realização do exame para verificação da carga viral e a aplicação dos questionários utilizados neste estudo foi de 3,0 ± 0,75 meses, variando de 1,43 a 4,96 meses.

A maioria dos participantes (61,9%) apresentou carga viral indetectável, entretanto, merece atenção a proporção dos que apresentaram carga viral acima de 50 cópias/ml de sangue (38,1%), o que pode sugerir problemas na adesão ao tratamento. Cabe destacar que dentre esses, nenhum apresentou Letramento Funcional em Saúde adequado, assim como adesão ao tratamento de maneira estrita (Tabelas 1 e 2, respectivamente).

Tabela 2 -
Análise da associação entre adesão ao tratamento antirretroviral e a carga viral

DISCUSSÃO

A terapia antirretroviral é oferecida de maneira universal e gratuita pelo Sistema Único de Saúde desde o ano de 1996, entretanto, a adesão ao tratamento, que é de fundamental importância para o controle da carga viral, ainda é um grande obstáculo nos serviços de saúde2Freitas JP, Sousa LRM, Cruz MCMA, Caldeira NMVP, Gir E. Antiretroviral therapy: compliance level and the perception of HIV/Aids patients. Acta Paul Enferm. 2018;31(3): 327-33. doi: https://doi.org/10.1590/1982-0194201800046
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,4Goulart S, Meirelles BHS, Costa VT, Pfleger G, Silva LM. Adherence to antiretroviral therapy in adults with HIV/AIDS treated at a reference service. REME Rev Min Enferm. 2018;22:e-1127. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20180050
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. Dessa forma, o presente estudo analisou a relação entre LFS e adesão à terapia antirretroviral.

A maior parte dos participantes deste estudo apresentou idade acima de 40 anos, diferindo portanto do perfil nacional, que de acordo com o Boletim Epidemiológico Brasileiro de HIV/Aids, publicado em 2019, mostra que a maior parte dos casos de infecção encontra-se em indivíduos com idade entre 20 a 34 anos3Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Bol Epidemiol HIV AIDS 2019 dez [citado 2019 dez 4];(nº esp). Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2019/boletim-epidemiologico-de-hivaids-2019
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Um dos resultados mais relevantes encontrados no presente estudo foi a alta porcentagem de pacientes com adesão insuficiente a TARV (59%). Em estudo similar realizado em 2017, que utilizou o mesmo questionário para avaliar a adesão, os resultados foram ainda mais alarmantes, com 80,7% de sua amostra, apresentando adesão insuficiente ao tratamento12Miyada S, Garbin AJI, Colturato R, Gatto J, Garbin CAS. Treatment adherence in patients living with HIV/AIDS assisted at a specialized facility in Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2017;50(5):607-12. doi: https://doi.org/10.1590/0037-8682-0266-2017
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. Resultado semelhante foi obtido em outro estudo, no qual, a amostra apresentou nível de adesão insuficiente em 70,3% dos pacientes entrevistados13Moraes DCA, Oliveira RC, Motta MCS, Ferreira OLC, Andrade MS. Antiretroviral therapy: the association between knowledge and the compliance. J Res: Fundam Care. 2015;7(4):3563-73. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361
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A adesão é um dos maiores desafios da equipe multiprofissional envolvida no cuidado ao paciente vivendo com HIV, uma vez que envolve aspectos sociodemográficos, clínicos, comportamentais e a corresponsabilização dos usuários, serviço de saúde e rede de apoio4Goulart S, Meirelles BHS, Costa VT, Pfleger G, Silva LM. Adherence to antiretroviral therapy in adults with HIV/AIDS treated at a reference service. REME Rev Min Enferm. 2018;22:e-1127. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20180050
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,7Freitas MIF, Bonolo PF, Miranda WD, Guimarães MDC. Interactions and the antiretroviral therapy adherence among people living with HIV/Aids. REME Rev Min Enferm. 2017; 21:e-1001. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20170011
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Fatores como renda e nível de escolaridade também influenciam diretamente na adesão à terapia antirretroviral. Nos estudos citados anteriormente, os pesquisadores relataram que um maior nível de escolaridade, favorecia a compreensão do seu estado de saúde e da terapia medicamentosa12Miyada S, Garbin AJI, Colturato R, Gatto J, Garbin CAS. Treatment adherence in patients living with HIV/AIDS assisted at a specialized facility in Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2017;50(5):607-12. doi: https://doi.org/10.1590/0037-8682-0266-2017
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-13Moraes DCA, Oliveira RC, Motta MCS, Ferreira OLC, Andrade MS. Antiretroviral therapy: the association between knowledge and the compliance. J Res: Fundam Care. 2015;7(4):3563-73. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361
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No presente estudo, a investigação em relação a influência dos aspectos cognitivos do paciente sobre a adesão ao tratamento antirretroviral não ficou restrita à análise da variável relacionada ao grau de escolaridade do participante, mas ampliou o conceito, por meio do LFS, que verifica a compreensão do paciente quando recebe informações voltadas para a área da saúde.

Dessa forma, o paciente pode apresentar um maior nível de escolaridade, porém, não necessariamente apresentar habilidades necessárias para viabilizar seu cuidado em saúde11Maragno CAD, Mengue SS, Moraes CG, Rebelo MVD, Guimarães AMM, Pizzo TSD. Test of health literacy for portuguese-speaking adults. Rev. Bras Epidemiol. 2019;22:e190025. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720190025
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Para ilustrar esta concepção que envolve escolaridade e compreensão das informações relacionadas à saúde, o presente estudo apresentou uma amostra com aproximadamente 23,1% dos participantes tendo concluído curso superior, entretanto, apenas em 7% destes o LFS foi considerado adequado.

Um dado importante em relação a população do presente estudo é que apenas 10% dos participantes apresentaram um nível de LFS adequado, ou seja, uma pequena minoria atingiu escores máximos.

Estes resultados diferem dos encontrados em estudo nacional publicado recentemente, com o uso do TOFHLA, que é o instrumento utilizado no presente trabalho11Maragno CAD, Mengue SS, Moraes CG, Rebelo MVD, Guimarães AMM, Pizzo TSD. Test of health literacy for portuguese-speaking adults. Rev. Bras Epidemiol. 2019;22:e190025. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720190025
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. De acordo com este estudo 54,6% dos participantes foram categorizados com LFS adequado, 26,2% na categoria inadequados e 19,2% como limitados. Entretanto, um aspecto importante é que a amostra deste estudo foi intencionalmente constituída com cotas de escolaridade, com o propósito de representar os diferentes estratos educacionais encontrados na população brasileira.

Além das questões que avaliam diretamente o LFS, o TOFLHA também apresenta questões sobre hábitos de leitura e qualidade de vida. A maioria dos participantes deste estudo avaliou de maneira positiva a sua qualidade de vida e destacou que realizam leituras por prazer.

De uma maneira geral a literatura apresenta um maior número de estudos que buscam estabelecer associações entre o LFS e determinadas doenças como depressão, asma, insuficiência renal e diversas outras situações. Por outro lado, observa-se a escassez de estudos que relacionam o LFS com qualidade de vida na população em geral, ou seja, sem a presença de doenças. Estudos dessa natureza poderão ser úteis na promoção da saúde e não apenas na reabilitação de condições patológicas já instaladas14Rocha PC, Lemos SMA. Conceptual aspects and factors associated with functional health literacy: a literary review. Rev CEFAC. 2016;18(1):214-25. doi: https://doi.org/10.1590/1982-021620161819615
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A variável adesão a TARV e o e o grau do LFS apresentaram associação estatística significativa. Foi observado que todos os pacientes com LFS adequado, apresentaram uma adesão estrita ao tratamento, enquanto que, a grande maioria dos pacientes com LFS inadequado, apresentaram uma adesão insuficiente ao tratamento.

Estes dados representam os principais aspectos do presente estudo, pois a hipótese inicialmente estabelecida era justamente a existência de uma relação entre o baixo desempenho do paciente no instrumento que avalia o LFS e a baixa adesão ao tratamento medicamentoso.

Em estudo realizado em duas cidades americanas, foi investigada a associação entre LFS e cuidados em saúde com pacientes vivendo com HIV. Nessa pesquisa, ficou evidenciado que a maior parte dos entrevistados apresentava baixo LFS e não apresentavam uma adequada adesão ao tratamento, uma vez que interrompiam o uso dos medicamentos em feriados ou para fazer uso de álcool e outras substâncias15Laws MB, Danielewicz M, Rana A, Kogelman L, Wilson IB. Health literacy in HIV treatment: accurate understanding of key biological treatment principles is not required for good ART adherence. AIDS Behav. 2015;19(4):635-44. doi: https://doi.org/10.1007/s10461-014-0931-8
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Resultado semelhante foi obtido em estudo que verificou o LFS em pacientes vivendo com HIV, por meio da utilização de um questionário com questões abertas acerca dos conhecimentos sobre o HIV e a importância de aderir ao tratamento16Phillips AL, Arya M. Raising awareness: the overlapping epidemics of low health literacy and HIV. J Assoc Nurses AIDS Care. 2016;27(4):372-5. doi: https://doi.org/10.1016/j.jana.2016.02.008
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. Neste estudo, foi verificado que pacientes com LFS inadequado ou limitado apresentaram dificuldades de relatar ao médico o seu estado de saúde e suas dúvidas, comprometendo sua comunicação, e consequentemente, seu cuidado em saúde16Phillips AL, Arya M. Raising awareness: the overlapping epidemics of low health literacy and HIV. J Assoc Nurses AIDS Care. 2016;27(4):372-5. doi: https://doi.org/10.1016/j.jana.2016.02.008
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Quando o tratamento antirretroviral é corretamente prescrito e administrado, a carga viral atingirá níveis considerados indetectáveis, aumentando a expectativa e qualidade de vida e reduzindo a taxa de mortalidade17Menezes PDL, Alves NR, Diniz JA, Souza FAF, Carvalho PMM, Leite PIP. Grau de adesão à terapia tripla combinada antirretroviral em pacientes diagnosticados com HIV/ AIDS no Serviço de Atendimento Especializado. Rev Multi Psicol. 2019;13(44):811-27. doi: https://doi.org/10.14295/idonline.v13i44.1658
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No presente trabalho, foi verificado que dentre os participantes com carga viral detectável, nenhum atingiu o escore mais elevado de LFS. Estes dados corroboram com os encontrados em estudo realizado em 2014, que mostrou uma associação entre LFS e adesão a TARV, com consequente redução nos níveis de carga viral18Pellowski JA, Kalichman SC, Grebler T. Optimal treatment adherence counseling outcomes for people living with HIV and limited health literacy. Ann Behav Med. 2016;42(1):39-47. doi: https://doi.org/10.1080/08964289.2014.963006
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Um resultado importante, mostrado neste estudo foi a relação entre adesão à terapia antirretroviral e níveis de carga viral, pois todos os participantes que apresentaram nível de adesão estrita apresentaram níveis de carga viral indetectável, enquanto que a maioria dos pacientes com adesão insuficiente apresentaram carga viral detectável.

Resultado semelhante ocorreu em outro estudo, no qual a carga viral e número de linfócitos T CD4+, apresentaram associação significativa com os maiores graus de adesão ao tratamento19Palumpo R. Discussing the effects of poor health literacy on patients facing HIV: a narrative literature review. Int J Health Policy Manag. 2015;4(7):417-30. doi: https://doi.org/10.15171/ijhpm.2015.95
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Para ser atingido níveis de carga virais indetectáveis, estudos apontam a importância de alta adesão a TARV, alcançando pelo menos 80% de adesão5Silva JAG, Dourado I, Brito AM, Silva CAL. Factors associated with non-adherence to antiretroviral therapy in adults with AIDS in the first six months of treatment in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):188-98. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00106914
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. Além disso, a meta da ONU é que 90% das pessoas tenham acesso contínuo a terapia antirretroviral e 90% das pessoas em tratamento apresentem carga viral indetectável2Freitas JP, Sousa LRM, Cruz MCMA, Caldeira NMVP, Gir E. Antiretroviral therapy: compliance level and the perception of HIV/Aids patients. Acta Paul Enferm. 2018;31(3): 327-33. doi: https://doi.org/10.1590/1982-0194201800046
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Todas estas informações reforçam que a adesão ao tratamento antirretroviral é essencial para que ocorra um melhor controle da patologia. Neste sentido, o conhecimento do paciente sobre sua doença e também sobre a importância do tratamento farmacológico são essenciais para o sucesso da terapêutica.

Cabe destacar que no presente estudo a adesão estrita ao tratamento atingiu apenas 15,4% dos participantes, portanto, índices bem inferiores aos mencionados anteriormente, o que reforça a necessidade de realização de ações educativas em saúde para esta população.

De maneira geral, as informações em saúde transmitidas pelos profissionais de saúde são complexas e de difícil entendimento, em especial para os indivíduos com baixo LFS. Em uma revisão sistemática, foi verificado que uma alfabetização em saúde adequada é essencial para um seguimento adequado do tratamento20Cunha GH, Galvao MTG, Pinheiro PNC, Vieira NFC. Health literacy for people living with HIV/Aids: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):167-77. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0052
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O LFS representa um tema relativamente recente em pesquisas, com poucos estudos realizados, principalmente no Brasil. No caso de pesquisas desta natureza em pacientes vivendo com HIV, a temática é ainda mais merecedora de atenção20Cunha GH, Galvao MTG, Pinheiro PNC, Vieira NFC. Health literacy for people living with HIV/Aids: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):167-77. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0052
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Embora existam estudos nacionais que verifiquem a adesão a TARV, os mesmos não investigam a sua associação com o LFS. Apesar de existirem estudos internacionais que verificam o LFS em pacientes vivendo com HIV, é importante ressaltar que este tema sofre influência cultural bastante intensa, justificando a sua reprodução em diferentes contextos, principalmente aqueles relacionados a localidade.

A verificação do LFS é de extrema importância para reconhecer as formas como as informações em saúde são transmitidas para os pacientes, pois podem diretamente influenciar no sucesso da terapia do HIV. O processo de comunicação da equipe multiprofissional, bem como o monitoramento da adesão, deve ser permanentemente avaliado pela equipe de saúde.

CONCLUSÃO

O presente estudo, por meio de instrumentos previamente validados para a população brasileira, possibilitou avaliar a adesão ao tratamento antirretroviral e o LFS de pessoas vivendo com o HIV, em um serviço de atendimento especializado. A utilização de instrumentos previamente validados com a população brasileira representa uma fortaleza desse estudo, entretanto, uma dificuldade encontrada foi o tempo de aplicação do questionário sobre LFS, geralmente em torno de 25 minutos, requerendo assim a cooperação do participante.

Foi possível verificar que grande parte da amostra apresentava uma baixa adesão ao tratamento e também um LFS insuficiente. Além disso, foi observada a relação entre adesão ao tratamento e a carga viral, sendo que os pacientes que apresentaram alta adesão, mantinham os níveis de carga viral indetectáveis.

Em conjunto, estes dados reforçam a importância de o paciente vivendo com o HIV apresentar uma adesão adequada ao tratamento medicamentoso para que haja um melhor controle da carga viral. Entretanto, para isso é necessário que as informações sobre o seu estado de saúde e sobre o uso correto dos antirretrovirais sejam assimiladas de maneira adequada.

Para isso é importante considerar o contexto desvelado no presente estudo, ou seja, essa população pode apresentar dificuldades para compreender as informações transmitidas pelos profissionais de saúde.

Dessa forma, é importante promover estratégias comunicativas para promover uma melhor assistência em saúde para os pacientes vivendo com o HIV. Assim, cabe aos profissionais de saúde, tornar as informações em saúde acessíveis para as populações com LFS limitado ou inadequado, visando sempre a promoção a saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2020
  • Aceito
    01 Jun 2020
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