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Vivência de mães de bebês prematuros do nascimento a alta: notas de diários de campo

Experiencia de madres de bebés prematuros del nacimiento al alta: notas de diarios de campo

RESUMO

Objetivo

Descrever o processo de construção do cuidar materno mediado pelo enfermeiro durante o período de internação e alta de bebês prematuros.

Método

Estudo descritivo, exploratório e qualitativo utilizando o referencial metodológico da pesquisa convergente assistencial, envolvendo sete mães de prematuros internados em um hospital do Sul do Brasil, no período de outubro a dezembro de 2011. Os dados oriundos dos registros maternos em diários foram submetidos à análise de conteúdo.

Resultados

Da análise emergiram três categorias que retratam a trajetória e o processo de adaptação da mãe aos cuidados de seu bebê prematuro, desde a preparação para a alta, até a superação de seus medos e insegurança para o cuidar no domicílio.

Conclusão

Conclui-se pela importância de assistir adequadamente à mãe nesta fase inicial e crítica do bebê hospitalizado, enfatizando o acolhimento e a orientação permanente para o cuidado como estratégias promotoras da autonomia materna e da adaptação domiciliar.

Relações mãe-filho; Prematuro; Enfermagem neonatal; Unidades de terapia intensiva

RESUMEN

Objetivo

Describir el proceso de construcción del cuidado materno mediado por el enfermero, durante la hospitalización y la alta de bebés prematuros.

Método

Estudio descriptivo, exploratorio y cualitativo, utilizando el marco metodológico de la investigación convergente asistencial, con siete madres de prematuros hospitalizados en un hospital en el sur de Brasil, entre octubre y diciembre 2011. Los datos originarios de los registros maternos en diarios fueron sometidos al análisis de contenido.

Resultados

El análisis originó tres categorías que retratan la trayectoria y el proceso de adaptación de la madre al cuidado de su bebé prematuro, desde la preparación para el alta hasta la superación de sus miedos e inseguridad para el cuidado domiciliario.

Conclusión

se concluye que es importante atender adecuadamente a la madre en esta fase temprana y crítica del bebé hospitalizado, subrayando la acogida y la orientación permanente para el cuidado, como estrategias promotoras de autonomía materna y adaptación domiciliaria.

Relaciones madre-hijo; Prematuro; Enfermería neonatal; Unidades de cuidados intensivos

ABSTRACT

Objective

To describe the maternal care process mediated by nurses during the period of hospitalisation and discharge of premature babies.

Method

This is a descriptive, exploratory, and qualitative study, using the methodological framework of convergent care research, with seven mothers of premature babies admitted to a hospital in southern Brazil, from October to December 2011. Data from the mother’s daily journals were submitted to content analysis.

Results

Analysis resulted in three categories portraying the path and the adaptation process of the mothers to the care of their premature babies, from preparation for discharge to overcoming her fears and insecurities concerning home care.

Conclusion

It is important for mothers in this initial and critical stage of hospitalisation of preterm infants to receive assistance, especially in terms of receptiveness and ongoing care, as a strategy to promote maternal autonomy and home adaptation.

Mother-child relations; Infant, premature; Neonatal nursing; Intensive care units

INTRODUÇÃO

O parto prematuro e a subsequente hospitalização do bebê na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) configura-se como uma circunstância altamente traumática e angustiante para os pais11. Russel G, Sawyer A, Rabe H, Abbott J, Gyte G, Duley L, et al. Parents’ views on care of their very premature babies in neonatal intensive care units: a qualitative study. BMC Pediatr. 2014;14:230., ocorrendo uma desestruturação do núcleo familiar, quando os seus integrantes vivenciam impedimentos, limitações e situações que fragilizam a rotina familiar22. Frello AT, Carraro TE. Enfermagem e a relação com as mães de neonatos em unidade de terapia intensiva neonatal. Rev Bras Enferm. 2012;65(3):514-21..

A internação de um filho em UTIN é uma experiência difícil e desafiadora para as mães e suas famílias, uma vez que, o ambiente altamente moderno e tecnológico da UTIN separam os bebês fisicamente, psicologicamente e emocionalmente de seus pais22. Frello AT, Carraro TE. Enfermagem e a relação com as mães de neonatos em unidade de terapia intensiva neonatal. Rev Bras Enferm. 2012;65(3):514-21.-33. O’Brien K, Bracht M, Macdonell K, McBride T, Robson K, O’Leary L, et al. A pilot cohort analytic study of family integrated care in a Canadian neonatal intensive care unit. BMC Pregnancy Childbirth. 2013;13(Suppl 1):S12., somando a essa condição, adicionam-se diversos problemas a serem enfrentados pelas famílias durante o período de internação, entre os quais, a vivência da separação do bebê, o medo da doença, do desconhecido, do ambiente hospitalar e a incerteza quanto presente e futuro do seu familiar, isto é, da evolução clínica do bebê e de sua sobrevivência44. Cartaxo LS, Torquato JA, Agra G, Fernandes MA, Platel ICS, Freire MEM. Mothers’ experience in neonatal intensive care unit. Rev Enferm UERJ. 2014; 22(4):551-7.-55. Anjos LS, Lemos DM, Antunes LA, Andrade JMO, Nascimento WDM, Caldeira AP. Percepções maternas sobre o nascimento de um filho prematuro e cuidados após a alta. Rev Bras Enferm. 2012;65(4):571-7..

No tocante às mães, a internação na UTI gera uma sobreposição de perdas, com a perda do filho idealizado e a impossibilidade de estar com ele em casa. Ser apenas expectadora do cuidado de seu filho faz com que as mães sintam-se privadas da sua função materna, apresentando dificuldade de reconhecer-se como mãe e muitas vezes de aceitar e de reconhecer seu filho; pois existe uma equipe que se apropria dos cuidados que a priori, deveriam ser realizados por ela. Neste momento, não é incomum que as mães desenvolvam sensações de inutilidade, fracasso e inferioridade22. Frello AT, Carraro TE. Enfermagem e a relação com as mães de neonatos em unidade de terapia intensiva neonatal. Rev Bras Enferm. 2012;65(3):514-21.,44. Cartaxo LS, Torquato JA, Agra G, Fernandes MA, Platel ICS, Freire MEM. Mothers’ experience in neonatal intensive care unit. Rev Enferm UERJ. 2014; 22(4):551-7.,66. Fleury C, Parpinelle MA, Makuch MY. Perceptions and actions of healthcare professionals regarding the mother-child relationship with premature babies in an intermediate neonatal intensive care unit: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:313..

Face a essa delicada fase enfrentada pelas mães e família, o estabelecimento do vínculo afetivo com o bebê pode ser comprometido, o que pode gerar desordens no relacionamento entre ambos. Assim, facilitar a aproximação dos pais com seu filho contribui para a formação de um laço de afeto e por conseguinte, instrumentaliza a mãe para o cuidado com a criança66. Fleury C, Parpinelle MA, Makuch MY. Perceptions and actions of healthcare professionals regarding the mother-child relationship with premature babies in an intermediate neonatal intensive care unit: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:313.

7. Perlin, DA, Oliveira SM, Gomes GC. A criança na unidade de terapia intensiva neonatal: impacto da primeira visita da mãe. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(3):458-64.
-88. Guillaume S, Miclhelin N, Amrani E, Benier B, Durrmeyer X, Lescure S, et al. Parents’ expectations of staff in the early bonding process with their premature babies in the intensive care setting: a qualitative multicenter study with 60 parents. BMC Pediatrics. 2013;13:18..

Sabe-se que um bom relacionamento entre os pais e a equipe de enfermagem é fundamental incentivar o vínculo afetivo e a permanência dos pais na UTI durante o período de hospitalização de seus filhos66. Fleury C, Parpinelle MA, Makuch MY. Perceptions and actions of healthcare professionals regarding the mother-child relationship with premature babies in an intermediate neonatal intensive care unit: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:313.,88. Guillaume S, Miclhelin N, Amrani E, Benier B, Durrmeyer X, Lescure S, et al. Parents’ expectations of staff in the early bonding process with their premature babies in the intensive care setting: a qualitative multicenter study with 60 parents. BMC Pediatrics. 2013;13:18..

Nessa premissa, um número crescente de estudos, tem utilizado métodos qualitativos com vistas a explorar o que a equipe de saúde pode fazer para ajudar os pais durante a estadia de seu bebê na unidade neonatal, e para destacar áreas de cuidados particularmente importantes para eles11. Russel G, Sawyer A, Rabe H, Abbott J, Gyte G, Duley L, et al. Parents’ views on care of their very premature babies in neonatal intensive care units: a qualitative study. BMC Pediatr. 2014;14:230.-22. Frello AT, Carraro TE. Enfermagem e a relação com as mães de neonatos em unidade de terapia intensiva neonatal. Rev Bras Enferm. 2012;65(3):514-21.,99. Melo RA, Araújo AKC, Bezerra CS, Santos NM, Marques WF, Fernandes FEC. Sentimentos de mães de recém-nascidos internados em uma unidade intensiva neonatal. Id on Line Rev Multidisc Psic. 2016;10(32):88-103.. Portanto, a compreensão dos sentimentos e vivências das mães durante a permanência de seu filho sob cuidados intensivos, pode ser considerado um importante subsídio para o planejamento de ações de acolhimento pela equipe da UTIN, contribuindo para maior enfrentamento da situação a fim de proporcionar estima e segurança ao filho hospitalizado44. Cartaxo LS, Torquato JA, Agra G, Fernandes MA, Platel ICS, Freire MEM. Mothers’ experience in neonatal intensive care unit. Rev Enferm UERJ. 2014; 22(4):551-7..

Face ao exposto, surgiu a seguinte pergunta norteadora: compreender como as mães vivenciam a hospitalização e alta dos bebês prematuros. Assim, este estudo objetivou descrever o processo de construção do cuidar materno mediado pelo enfermeiro, durante o período de internação e alta de bebês prematuros.

METODOLOGIA

Estudo descritivo, exploratório e de abordagem qualitativa que utilizou como referencial metodológico a pesquisa convergente assistencial1010. Trentini M, Paim L. Pesquisa convergente assistencial: um desenho que une o fazer e o pensar na prática assistencial em saúde-enfermagem. Florianópolis: Insular; 2004.. Trata-se de estudo que integra uma pesquisa maior de dissertação de mestrado1111. Veronez, M. Protocolo de alta em neonatologia: importância da ação educativa no contexto do cuidado ao bebê pré-termo [dissertação]. Maringá (PR): Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-graduação em Enfermagem; 2012., e que teve como foco a proposição de um protocolo de alta para RN prematuros.

Os critérios de inclusão foram: serem mães de bebês com idade gestacional (IG) inferior a 37 semanas, peso de nascimento igual ou superior a 1500g e com tempo de hospitalização igual ou superior a 72h; serem residentes no município de Maringá ou na região de abrangência da 15aRegional de Saúde.

As mães foram convidadas e inseridas no estudo respeitando a ordem de internação dos seus bebês, no período de outubro a dezembro de 2011. Ao longo da internação as mães foram submetidas a um processo de preparo para a alta para esses prematuros, implementado pela própria pesquisadora. Assim, seguindo as premissas da pesquisa convergente assistencial (PCA), durante o período de permanência materna nas unidades neonatais, eram efetuadas orientações diversas, como a demonstração dos cuidados com o bebê, amamentação, esclarecimento de dúvidas e incentivo à participação da família nos cuidados com o bebê de forma precoce. O roteiro de treinamento implementado pela pesquisadora, que também era integrante da equipe de enfermagem do serviço em questão, se pautou em modelos de preparo utilizados em outras instituições, bem como nas necessidades emanadas pelas mães ao longo deste período. Estas interfaces de interação se deram no sentido de consolidar o vínculo afetivo do binômio e instrumentalizar a mãe para o cuidado do bebê após a alta, sempre sob a mediação da enfermeira-pesquisadora, permitindo o posterior seguimento domiciliar.

A partir da inclusão das mães no estudo, era então oferecido um kit (caderno, caneta, lápis e borracha) para que cada mãe pudesse registrar toda a experiência vivenciada no período, de forma livre e sem o estabelecimento de roteiros prévios. Assim, as mães foram orientadas a preencherem seus diários sempre que sentissem a necessidade de registrar algo relacionado à internação, às interações com a equipe, ou nos momentos de enfrentamento ou de superação vivenciados pelo binômio. Assim, dos registros efetuados pelas mães em seus diários de campo, foi extraído o corpus do presente estudo, numa tentativa de sintetizar as impressões maternas resultantes desta intervenção investigativa e assistencial.

O referencial metodológico selecionado para a análise dos dados foi a análise de conteúdo, modalidade temática1212. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.. Para tanto, após a transcrição de todos os registros efetuados pelas mães participantes em seus diários, os textos foram submetidos a várias leituras, passando pela leitura flutuante do conteúdo geral, até à leitura exaustiva e sistemática do corpus. Por se tratarem de produções livres, procedeu-se a uma filtragem dos elementos textuais, elegendo aqueles pertinentes à temática central do estudo, a saber, aqueles que tratavam da experiência das mães em sua caminhada para a autonomia do processo de cuidar, sob a mediação da enfermeira-pesquisadora. Nesta fase, foram sublinhados segmentos dos textos, identificando-se os trechos que correspondiam aos objetivos do estudo, com a finalidade de agrupar os registros similares para codificá-los e após, organizá-los em categorias.

Com o objetivo de preservar a identidade das mães participantes do estudo, optou-se por denominá-las utilizando-se a inicial “M”, referente à mãe, seguida por um número arábico, em correspondência à sequência de inclusão das mesmas na pesquisa (M1, M2... M7).

O presente estudo foi desenvolvido após a análise e aprovação pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá sob parecer n° 296/2011. Foram considerados todos os preceitos éticos regulamentados pela Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde1313. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. 1996 out 16;134(201 Seção 1):21082-5., substituída pela Resolução nº 466/2012-CNS1414. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. 2013 jun 13;150(112 Seção 1):59-62., mediante instrução e obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Fizeram parte do estudo somente aqueles indivíduos que após, o esclarecimento sobre a forma e participação e direitos, assinaram o TCLE.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram da pesquisa sete mães, com idades entre 16 e 31 anos. A escolaridade mínima apresentada foi o ensino médio incompleto, e apenas uma das mães era solteira. Uma das mães (M4), apresentava histórico de aborto anterior, aos cinco meses de gestação, e de parto prematuro seguido de óbito do neonato no mesmo hospital; as demais não possuiam experiência anterior com hospitalização dos filhos ao nascimento. Cabe destacar que todas as mães que atendiam aos critérios de inclusão e convidadas a participar da pesquisa, anuiram com tal participação.

Com relação aos bebês, quatro do sexo masculino e três do sexo feminino, apresentavam IG de nascimento variando de 31 a 36 semanas, e o peso ao nascer, de 1560g a 2460g. O tempo de hospitalização dos RN variou de 10 a 49 dias. Houve um caso de malformação congênita (gastrosquise), resultando em maior tempo de internação.

No que tange à abordagem da temática central do estudo, a utilização dos diários pelas mães no decorrer da pesquisa mostrou-se um valioso instrumento de coleta de dados, sendo utilizado pelas mães do estudo como uma espécie de confidente e alido nas horas de angústia, enfrentamento, superação e conquistas deste período vivenciado por elas. Ademais, como foram preenchidos livremente, permitiu que as participantes se expressassem segundo suas particularidades, mas sem deixar de alcançar de forma plena os objetivos traçados. De forma geral, as mães exibiam com orgulho seus diários, detalhando nas entrevistas informais, alguns aspectos registrados, revivendo junto à pesquisadora, estes momentos. Após a transcrição e organização dos dados, a partir da filtragem dos elementos textuais atinentes ao tema de estudo, foi possível o delineamento de três categorias temáticas: Vivenciando a chegada do bebê prematuro; Participando da prematuridade: a inserção da mãe nos cuidados e Alta hospitalar do bebê: expectativas da família.

Vivenciando a chegada do bebê prematuro

O ser mãe é um momento especial, peculiar e esperado por grande parte das mulheres e o processo de gestação e parto ocasionam importantes reestruturações que modificam o papel social da mulher77. Perlin, DA, Oliveira SM, Gomes GC. A criança na unidade de terapia intensiva neonatal: impacto da primeira visita da mãe. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(3):458-64.. Todavia, ao vivenciar a possibilidade de ter um parto prematuro e sobretudo, de ver seu filho internado em uma UTIN, a mãe se depara com a perspectiva de ter ou não o seu bebê. Esse é um fato que causa uma sensação de impotência e contribui para o desequilíbrio emocional e dos níveis de ansiedade da mãe, em função da potencial ameaça de que a saúde do filho possa vir a ser comprometida55. Anjos LS, Lemos DM, Antunes LA, Andrade JMO, Nascimento WDM, Caldeira AP. Percepções maternas sobre o nascimento de um filho prematuro e cuidados após a alta. Rev Bras Enferm. 2012;65(4):571-7.,1515. Melo RCJ, Souza IEO, Paula CC. O sentido do ser-mãe-que-tem-a-possibilidade-de-tocar-o-filho-prematuro na unidade intensiva: contribuições para a enfermagem neonatal. Esc Anna Nery. 2012;16(2):219-26..

[...] fiquei internada para controlar a pressão, sem saber o que ia acontecer; muito assustada eu chorava o tempo todo, medo que minha neném nascesse antes da hora (Diário materno – M4).

Eu cheguei ao hospital para fazer um ultrassom, mas no fundo, eu já sabia que o ‘bebê’ ia nascer. Só não esperava ser no mesmo dia e nem que ele fosse para UTIN. Foi um desespero muito grande, fiquei com medo de tudo (Diário materno – M2).

Quando ocorre o parto prematuro, as mães apresentam reações de choque ocasionadas do nascimento inesperado e pela fragilidade do bebê. A internação do bebê na UTIN desestrutura a família que passa a viver um momento de crise44. Cartaxo LS, Torquato JA, Agra G, Fernandes MA, Platel ICS, Freire MEM. Mothers’ experience in neonatal intensive care unit. Rev Enferm UERJ. 2014; 22(4):551-7..

A notícia da hospitalização do filho recém-nascido (RN) desfaz os sonhos acalentados durante toda a gestação. A mãe se sente frustrada, por vezes infeliz ou mesmo culpada, procurando respostas que justifiquem aquela situação.

Quando acordei e vi o meu bebê na UTI eu não parava de chorar, para mim era o fim do mundo, é uma sensação muito ruim que você não consegue pensar coisas boas (Diário materno – M2).

O enfrentamento dessa situação é mais difícil quando a internação é necessária logo após o nascimento1616. Schmidt KT, Sassá AH, Veronez M, Higarashi IH, Marcon SS. A primeira visita ao filho internado na unidade de terapia intensiva neonatal: percepção dos pais. Esc Anna Nery. 2012;16(1):73-81., pois todos os planos almejados são desfeitos. A mãe se depara assim, com uma situação jamais imaginada, e a vivência da maternidade nesse cenário gera sentimentos de medo, insegurança e incerteza em relação à sobrevivência do filho.

Quando nasceu, já foi para a neonatal. Aí vieram os sentimentos de insegurança, o medo (Diário materno – M7).

Em estudo realizado com 18 mães de recém-nascidos prematuros que permaneceram internados em uma UTIN no município de Montes Claros, Minas Gerais, mostrou que sentimentos de angústia, tristeza, desgosto e sofrimento foram os mais predominantes frente ao nascimento prematuro e interrupção antecipada da gravidez55. Anjos LS, Lemos DM, Antunes LA, Andrade JMO, Nascimento WDM, Caldeira AP. Percepções maternas sobre o nascimento de um filho prematuro e cuidados após a alta. Rev Bras Enferm. 2012;65(4):571-7..

A sensação de perda do filho é outro elemento muito presente nos primeiros dias de internação na UTIN. Trata-se, primeiramente, da perda do sonho da maternidade, do filho idealizado. Esse sentimento refere-se também, à impossibilidade de exercer o papel materno de cuidar e acalentar o próprio filho, devido ao distanciamento físico e emocional imposto pela internação1515. Melo RCJ, Souza IEO, Paula CC. O sentido do ser-mãe-que-tem-a-possibilidade-de-tocar-o-filho-prematuro na unidade intensiva: contribuições para a enfermagem neonatal. Esc Anna Nery. 2012;16(2):219-26..

Essa perda inicial, representada pela separação imediata do bebê pré-termo, é responsável por inúmeros agravos emocionais, e devem ser superados mediante atitudes positivas por parte da equipe multiprofissional, estimulando e promovendo a autoestima dos pais, oportunizando a aproximação e a participação nos cuidados com o RN. São estes, meios para a consolidação dos laços afetivos, tão importantes para a superação dos obstáculos enfrentados pela díade criança e família no contexto da hospitalização neonatal. Nesse sentido, a abordagem e acolhimento da família é extremamente importante para a efetivação desta aproximação e participação no cuidado, devendo ser valorizada já nos primeiros encontros com o bebê hospitalizado.

A chegada da mãe à UTIN é vista pelos enfermeiros, como um momento extremamente delicado e, nesse sentido, é necessária uma intervenção cuidadosa para ambientá-la, de tal modo que vivencie este momento de forma menos traumática possível, tendo seus temores e medos diminuídos e suas dúvidas esclarecidas, para que o choque da hospitalização seja atenuado77. Perlin, DA, Oliveira SM, Gomes GC. A criança na unidade de terapia intensiva neonatal: impacto da primeira visita da mãe. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(3):458-64..

O fato dos RN prematuros serem, em sua maioria, muito pequenos, constitui uma das impressões visuais com maior impacto sobre a família, em seu contato inicial com este universo estranho da UTIN. Outro aspecto a ser considerado na abordagem das famílias e, em especial das mães, ao adentrarem este ambiente, é a utilização de muitos equipamentos e acessórios que, embora necessários à manutenção do suporte de vida dos RN, acabam por gerar indagações e receios acerca das chances reais de sobrevivência do bebê77. Perlin, DA, Oliveira SM, Gomes GC. A criança na unidade de terapia intensiva neonatal: impacto da primeira visita da mãe. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(3):458-64..

[...] quando fui vê-lo, ele estava em uma incubadora, com um aparelho no nariz, CPAP, fiquei com tanto medo, não sabia o que estava acontecendo (Diário materno – M6).

[...] ele estava respirando com aparelho, as enfermeiras de lá me disseram que é só para ajudar ele, que não era para eu ficar assustada (Diário materno – M1).

A falta de compreensão do que está acontecendo com o filho e a sensação de impotência pode provocar o distanciamento da família77. Perlin, DA, Oliveira SM, Gomes GC. A criança na unidade de terapia intensiva neonatal: impacto da primeira visita da mãe. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(3):458-64.. Assim, torna-se imprescindível a interação e comunicação entre o cuidador e a família para que esta compreenda a situação em que a criança se encontra, suas necessidades e possibilidades, as normas e rotinas da unidade e principalmente, de como a sua presença e participação podem ajudar na recuperação do seu filho22. Frello AT, Carraro TE. Enfermagem e a relação com as mães de neonatos em unidade de terapia intensiva neonatal. Rev Bras Enferm. 2012;65(3):514-21.,77. Perlin, DA, Oliveira SM, Gomes GC. A criança na unidade de terapia intensiva neonatal: impacto da primeira visita da mãe. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(3):458-64..

As informações sobre as alterações no quadro clínico da criança fazem emergir momentos intensos de apreensão e angústia, bem como uma profunda sensação de impotência e incerteza quanto ao futuro. Nesse sentido, o fortalecimento do vínculo de confiança entre a equipe e a família, construído com base num processo de comunicação efetivo e constante, é fundamental.

A transmissão de uma notícia ruim à família de uma criança em estado grave não é uma circustância fácil e dependendo da forma como é comunicada à família, pode ocasionar (des) esperança no reestabelecimento do recém-nascido1717. Gomes G, Xavier D, Mota M, Salvador M, Silveira R, Barlem E. Giving difficult news to families of children in serious condition or process of terminality. Rev Enferm UERJ. 2014;22(3):347-52..

Trata-se, portanto, de um momento que exige do profissional que informa, muita sensibilidade e habilidade no uso e escolha das palavras, evitando destruir todas as expectativas positivas criadas em relação à evolução do filho enfermo. É uma tentativa de auxiliar a família a atravessar este momento de crise, de forma consciente e mais segura.

[...] fui ver meu filhote, toda contente, esperando vê-lo melhor. Mas quando levantei o paninho que cobria a incubadora, juro: o susto foi grande, ao olhar meu pequeno e vê-lo com tantos aparelhos, tantos fios [...] deixei a UTIN, sem rumo e sem poder acreditar no que estava acontecendo. Uma enfermeira veio até mim, me explicando [...] (Diário materno – M6).

Com o decorrer dos dias, percebe-se nas mães uma transformação gradativa de postura. Estas tendem a se aproximar do filho, na medida em que ganham forças e superam seus medos. Vencida esta etapa, percebe-se que a mãe busca a cada encontro, uma identificação com seu próprio filho, passando assim a observá-lo em seus detalhes.

[...] neste dia ele segurou meu dedo, forte! Foi onde ele me deu tanta força e eu comecei a conversar com ele, seu cabelinho ainda estava sujo de sangue, notei isto na hora que resolvi olhar melhor, ele continuava do mesmo jeito, com todos aqueles aparelhos [...] (Diário materno – M6).

Essa experiência de conhecimento do filho, e de auto-conhecimento em seu papel materno, é extremamente importante, como um elo na cadeia de formação do vínculo mãe-filho. Ao mesmo tempo, a mãe passa a se identificar mais com o ambiente, conhecer a dinâmica da UTIN, as rotinas dos profissionais que prestam a assistência, as diversas pessoas que lá convivem. Isso possibilita a formação de opiniões e conceitos sobre tudo aquilo que acontece, favorecendo a criação de vínculos positivos, tanto com a criança quanto com a equipe, importantes para a mãe e toda a família.

Terça-feira [...] ele estava quietinho, calminho, as enfermeiras estavam tentando achar uma veia nele para colher exames [...] a partir daí comecei a observar melhor ao meu redor, a ver o quanto ele estava sendo bem tratado por toda a equipe [...] estava mais segura sabendo que ele estava em boas mãos (Diário materno – M6).

Pesquisa realizada com pais de RN mostrou que após conhecerem e perceberem que o bebê internado estava sendo bem assistido, estes se sentiram seguros para confiar os cuidados do filho à equipe de saúde1616. Schmidt KT, Sassá AH, Veronez M, Higarashi IH, Marcon SS. A primeira visita ao filho internado na unidade de terapia intensiva neonatal: percepção dos pais. Esc Anna Nery. 2012;16(1):73-81.. O sentimento de segurança, associado ao acolhimento adequado, fortalece a formação do vínculo criança-equipe-família, propiciando uma permanência maior do familiar no acompanhamento do RN dentro da unidade.

Participando da prematuridade: inserção da mãe nos cuidados

Esta categoria faz referências aos primeiros cuidados ao RN, realizados pelas mães em ambiente hospitalar. A participação dos pais de forma efetiva contribui para intensificar vínculos entre pais e bebês66. Fleury C, Parpinelle MA, Makuch MY. Perceptions and actions of healthcare professionals regarding the mother-child relationship with premature babies in an intermediate neonatal intensive care unit: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:313.,88. Guillaume S, Miclhelin N, Amrani E, Benier B, Durrmeyer X, Lescure S, et al. Parents’ expectations of staff in the early bonding process with their premature babies in the intensive care setting: a qualitative multicenter study with 60 parents. BMC Pediatrics. 2013;13:18., e no pós-alta, esta prática adquirida ainda no hospital é substancial para o cuidado do RN no âmbito domiciliar1818. Couto FF, Praça NS. Recém-nascido prematuro: suporte materno domiciliar para o cuidado. Rev Bras Enferm. 2012;65(1):19-26.. Para a participante M3, o cuidado em permitir que esta pegasse a filha no colo pela primeira vez, foi essencial para selar a afetividade entre ambas:

[...] hoje eu pude segurar minha bonequinha no colo pela primeira vez depois da cirurgia dela. Estou muito feliz por isso [...] aquecê-la com o calor do meu corpo (Diário materno – M3).

Percebe-se, assim, a importância do primeiro contato físico entre mãe e filho, no processo de construção dos laços de afetividade que atenuam os receios até então experimentados. Ao mesmo tempo, esse processo gradativo de aproximação confere segurança à mãe, que passa a julgar-se capaz de poder exercer o cuidado materno. Assim, verifica-se a importância conferida aos pequenos gestos de aproximação, de tal modo que cuidados simples sejam muito valorizados, e atividades corriqueiras como a troca de fraldas podem se tornar marcantes neste percurso de apropriação do papel materno.

[...] elas estão me ensinando como trocar a fraldinha dela. Foi uma ótima experiência, pois eu nunca havia aprendido nada antes. Mas acho que fiz direitinho (Diário materno – M3).

Cabe ao profissional de enfermagem, contudo, o acompanhamento cuidadoso de cada passo no processo de construção da autonomia materna, face às implicações que procedimentos corriqueiros podem ter sobre a condição geral do RN. Neste sentido, o detalhamento de cada orientação e o acompanhamento dos procedimentos pela equipe, são capazes de conferir a habilidade e a segurança para o cuidado, desfazendo a impressão negativa sobre as possíveis dificuldades de execução do mesmo e garantindo uma técnica adequada à promoção do bem-estar do RN.

Neste contexto, o primeiro banho costuma gerar muitas expectativas, deixando a mãe apreensiva e na maioria das vezes insegura frente aos movimentos e reações do bebê no decorrer do procedimento, à presença do coto umbilical e à aparente fragilidade do prematuro também contribuem para essa insegurança. Desta forma, as orientações dos cuidados delegados às mães devem ser repetidas várias vezes para que sejam assimilados e colocados em prática, até que a mãe se sinta segura para a sua realização. O processo de participação do profissional deve acompanhar a evolução dessa autonomia materna, primeiramente demonstrando e orientando, depois, auxiliando a mãe no cuidado, e por fim, supervisionando a realização do procedimento, sempre de modo disponível e acolhedor.

[...] dei o primeiro banho na nenê com a ajuda da ‘enfermeira’, fiquei com um pouco de medo de segurar ela, na hora de virar ela de costas para lavar as costinhas, a bundinha, porque ela se mexe muito, deu medo de derrubar ela. Mas deu tudo certo (Diário materno – M4).

Ela, ‘a enfermeira’, ensinou cada detalhe, como pegar o bebê na banheira com firmeza, tirou as dúvidas e nos deu muitas dicas. Hoje foi o primeiro banho que eu pude dar nele, digamos que sozinha. Mas com meu medo, a “enfermeira” estava ali dando todo apoio (Diário materno – M6).

As práticas sucessivas e a inserção gradativa das mães no cuidado tornam os procedimentos cada vez mais fáceis de serem realizados e, consequentemente, mais prazerosos. O sentimento de segurança faz com que as mães se vejam mais competentes no exercício de sua função de cuidadoras dos próprios filhos.

[...] chequei na semi às 07h30min, dei o segundo banho. Senti mais segurança, foi uma delícia (Diário materno – M4).

Estes aspectos reforçam a importância de envolver a mãe no processo de ensino-aprendizagem, não apenas como receptora passiva de informações, mas, sobretudo, como sujeito ativo do processo educativo. Vale destacar que orientações não podem ser apenas fornecidas aos pais, mas acima de tudo, compreendidas e incorporadas para que eles saibam realizar o cuidado efetivo do RN no domicilio após a alta hospitalar1919. Frota MA, Silva PFR, Moraes SR, Martins EMCS, Chaves EMC, Silva CAB. Alta hospitalar e o cuidado do recém-nascido prematuro no domicílio: vivência materna. Esc Anna Nery. 2013;17(2):277-83..

Cuidar do prematuro, pelas suas particularidades, exige conhecimento e estabelecimento de uma assistência direcionada às suas necessidades. Portanto, reconhecer o bebê como sendo de risco e com necessidade de cuidados específicos e individuais, propicia uma melhor interação dos profissionais com a mãe e família, facilitando a competência e autonomia materna1818. Couto FF, Praça NS. Recém-nascido prematuro: suporte materno domiciliar para o cuidado. Rev Bras Enferm. 2012;65(1):19-26..

Percebe-se que ao cuidar de seu filho, a mãe passa a sentir-se útil e confiante acerca de seus cuidados para com o bebê. Esses momentos de interação fazem com que a mãe sinta-se recompensada, apesar das situações turbulentas decorrentes do período como pode ser evidenciado na fala a seguir:

Aprendi a trocá-lo, e aprendi também a passar o leite na sondinha, estava me sentindo mais útil, e também mais perto do meu filho. Foi maravilhoso pegar ele e poder alimentá-lo, mas meu pequenino não tinha forças para mamar certinho, ele ainda está aprendendo. Mas só dele tentar pegar o peito para mamar, já foi inexplicável! (Diário materno – M6).

A vivência diária com o bebê pré-termo é fundamental para o desenvolvimento da autoconfiança e a reestruturação do papel materno. Essas atividades, implementadas ainda no âmbito da unidade neonatal, constituem uma estratégia de preparo das mães para o desafio do cuidado no domicílio, além de propiciar ao profissional, a oportunidade de avaliar se o cuidado prestado e a assistência educativa estão sendo conduzidos de forma adequada.

Alta hospitalar do bebê: expectativas da família

Quando o bebê vai receber alta? Esta é uma das perguntas mais frequentes feita pelos familiares aos profissionais que trabalham nas unidades neonatais, independentemente do tempo de internação ou do estado clínico da criança. Desse modo, e ainda que as visitas ao filho internado se constituam momentos almejados pelas mães, estas sofrem ao terem que se despedir ao final de cada visita, ansiando pelo dia em que a alta aconteça, pondo fim a esta separação que tanto angustia a família.

A angústia é representada por um estado de ansiedade constante à espera de notícias que denotem a evolução clínica do bebê e a proximidade deste momento tão aguardado. Neste contexto, a busca por informações mais precisas aponta para a necessidade que a família tem, de renovar suas esperanças em relação à recuperação e ao futuro de seu filho. A possibilidade de amamentar o filho hospitalizado, pode representar, neste cenário, um indício de melhora, e um sinalizador de proximidade da alta hospitalar.

Meu Deus! Não vejo a hora de o meu anjinho vir pra casa, queria tanto que as enfermeiras me dessem uma previsão de quando ele vai sair de lá, ou pelo menos quando ele vai começar a mamar no peito. Tenho tanto leite (Diário materno – M1).

Outro aspecto muito valorizado neste contexto expectante é o ganho de peso ponderal do RN. As crianças prematuras, durante seu processo de hospitalização, apresentam intercorrências variadas que interferem no seu ganho de peso, representando um impeditivo importante para a alta hospitalar.

Hoje ele pesou de novo e está com 1.820. Nossa! Cada dia ele está mais gordinho logo estarei em casa com meu filho, se DEUS quiser (Diário materno – M2).

A ansiedade manifestada pelas mães em relação à alta da criança pode ser fortemente influenciada pelas circunstâncias sociais. As preocupações com os outros filhos que ficaram em casa, com as tarefas domésticas e até mesmo com o casamento, geram conflitos, sofrimento e muitas vezes são responsáveis pela diminuição da presença materna junto à criança hospitalizada ou, até mesmo, por forçar a alta antecipada2020. Santos LF, Oliveira LMAC, Barbosa MA, Siqueira KM, Peixoto MKAV. Reflexos da hospitalização da criança na vida do familiar acompanhante. Rev Bras Enferm. Enferm. 2013;66(4):473-8..

Cada dia que passa a minha esperança é maior de que ele vai embora logo. A irmãzinha dele que está em casa, fica ansiosa para conhecer o irmão que nasceu, e que até hoje não chegou em casa (Diário materno – M5).

O prolongamento do período de internação costuma exacerbar o sentimento de impaciência, ansiedade e estresse das mães. São comuns nos relatos maternos, referências que comparam o ambiente hospitalar a uma espécie de prisão, em que ficam subordinadas a uma série de rotinas e ordens externas, enclausuradas e sem a possibilidade de se expressarem.

Uma coisa eu digo: quando não se tem previsão de alta, nossos nervos ficam à flor da pele. Eu prefiro que me digam que eu vou ficar mais 30 dias, do que esperar um tempão sem saber. Isso parece uma caixa de detentos com mamães, e eu sou uma delas. Eu imaginava, mas só alguém estando no meu lugar, pra saber o quanto sofremos (Diário materno – M3).

A alta da UCI para a ECM aumenta, significativamente, as expectativas positivas das mães, em relação à alta do RN para o domicílio. Contudo, este processo de transferência do RN para outro setor, também gera a necessidade de novas adaptações da mãe: com relação ao ambiente, à mudança dos profissionais que prestam assistência, bem como à rotina de cuidados realizados com o RN, que passam a ser assumidos quase que integralmente pela mãe, uma vez que, a mesma passa à condição de acompanhante do bebê, permanecendo vinte e quatro horas junto ao filho.

Hoje cheguei mais alegre, porque já sabia que ele ia para o quarto e estava mais perto de ir embora. Mas eu não gostei do atendimento daqui não (enfermaria da pediatria). Parece que as enfermeiras fazem o serviço por obrigação e não por amor (Diário materno – M5).

Embora signifique uma etapa intermediária para a alta e para o cuidado domiciliar, esta transição abrupta acaba por gerar um estresse de adaptação, sendo considerado pelas mães, como um “descuidado”. No sentido de fazer desta fase, um momento de consolidação do processo educativo iniciado na UTIN e UCI, é essencial a adoção de um protocolo que considere em primeiro plano a necessidade de continuidade da atenção, independentemente dos limites organizacionais do serviço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados mostraram que o período de nascimento do bebê prematuro para as mães é permeado de múltiplos sentimentos como angústia, fragilidades, insegurança, medos e desafios. Com isso o enfermeiro tem papel crucial, na construção do elo entre mães e bebês, buscando construir autonomia para o cuidado materno. Dentro desse processo, a comunicação adequada entre equipe e família, representa um canal importante para a renovação das esperanças em relação à recuperação do RN, amenizando as angústias maternas e promovendo alento para o famíliar.

Nesta perspectiva, o estudo permitiu vislumbrar a importância do processo de orientação e acompanhamento continuado das mães nos cenários da internação neonatal, desde a internação, passando pelo preparo para o cuidado e para a alta, até o seguimento pós-alta. Assim, a adoção da pesquisa convergente assistencial como referencial metodológico do estudo, permitiu desvelar o importante papel do profissional enfermeiro, como mediador no processo de construção da autonomia materna para o cuidar.

Neste processo, destaca-se o papel do acolhimento como premissa da assistência humanizada, bem como da participação de toda a equipe multiprofissional na valorização da permanência e participação da família/mãe no cuidado. Assim, e não obstante a insegurança materna no percurso de construção da autonomia para o cuidado, a assistência centrada no ensino-aprendizagem da família tem um papel essencial no resgate da autoestima materna, transformando a experiência da internação do RN, numa vivência construtiva e num verdadeiro exercício da superação.

O estudo mostra também que não há uma padronização de ações educativo-assistenciais, o que se caracteriza como uma limitação em se considerando as contingências específicas desta clientela e reconhecendo, na família do bebê prematuro, uma parceria para a construção de uma assistência de maior qualidade, passível de se estender ao domicílio de cada bebê atendido.

Desta forma, supõe-se que os achados deste estudo venham comtemplar os profissionais de enfermagem com novos conhecimentos, que os ajudarão: na padronização de suas ações de cuidado, na capacitação de métodos especializados mais adequados para a prática e tratamento desses bebês prematuros e suas famílias, e em momentos de reflexão, para que estimulem as mães a permanecerem acompanhando seus bebês na unidade por maior tempo possível; não apenas com visitas momentâneas, mas com participação ativa geradora de autonomia nos cuidados, para com seu filho.

Acreditamos também, que o presente estudo proporcionará ao corpo de conhecimento da enfermagem, discussões que ajudarão no processo formativo dos profissionais, de maneira a torná-los mais sensíveis e capazes de perceberem as necessidades da família que vivencia um internamento de filho prematuro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2015
  • Aceito
    28 Mar 2017
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