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Efeito do aumento da concentração de CO2 atmosférico sobre o oídio e o crescimento de plantas de soja

Effect of increased atmospheric CO2 concentration on powdery mildew and growth of soybean plants

Resumos

O aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) atmosférico, como resultado da ação antrópica, pode causar alterações na morfologia e nos processos fisiológicos das plantas, assim como no ciclo dos patógenos e na sua interação com os hospedeiros. O presente estudo teve por objetivo avaliar o efeito do aumento da concentração de CO2 atmosférico sobre a severidade do oídio (Microsphaera diffusa) da soja e sobre o crescimento e a nodulação da planta.O experimento foi conduzido em estufas de topo aberto (OTC) com e sem injeção de CO2 e teve como testemunha o tratamento sem estufa, correspondendo, em média, às concentrações de 504 ppm, 429 ppm e 424 ppm, respectivamente, durante o período diurno. Durante 83 dias, foram avaliadas quatro cultivares de soja com diferentes níveis de resistência ao oídio: FT-Estrela (altamente suscetível), Embrapa 48 (suscetível), FT-Cometa (moderadamente resistente) e FT-5 (Formosa) (resistente). O aumento da concentração de CO2 resultou em aumento da severidade da doença, nas quatro cultivares quando analisadas em conjunto, mas não houve efeito na esporulação do patógeno. Além disso, houve incremento da altura, massa seca de raízes e nodulação por Bradyrhizobium spp., exceto na cultivar Formosa. No entanto, a massa seca da parte aérea das plantas não diferiu significativamente com o aumento da concentração de CO2. O desenvolvimento da doença e o crescimento das plantas foi maior nas OTCs do que fora das estufas. Os resultados demonstram que o aumento da concentração de CO2 afeta a doença e há diferenças nas respostas das cultivares.

Microsphaera diffusa; Glycine max; mudança climática; dióxido de carbono


The increase in the concentration of atmospheric carbon dioxide (CO2) due to human activities can affect morphology and physiological processes in plants, as well as the cycle of the pathogens and their interaction with hosts. This study focused on evaluating the effect of high concentrations of atmospheric CO2 on the severity of powdery mildew (Microsphaera diffusa), and on the growth and nodulation of soybean. The experiment was conducted in open-top chambers (OTC) with and without CO2 injection, including a control with no OTC, corresponding, on average, to concentrations of 504 ppm, 429 ppm and 424 ppm, respectively, during the day. For 83 days, four soybean cultivars with different levels of resistance to powdery mildew were evaluated: FT-Estrela (highly susceptible), Embrapa 48 (susceptible), FT-Cometa (moderately resistant) and FT-5 (Formosa) (resistant). The increase of CO2 concentration resulted in increased disease severity of the four cultivars analyzed together, but there was no effect on pathogen sporulation. Furthermore, there was an increase in height, dry weight of roots and nodulation by Bradyrhizobium spp., except in Formosa cultivar. However, the dry mass of canopy did not differ significantly with increasing concentration of CO2. The development of the disease and the plant growth were higher in OTCs than outside them. The results show that increasing CO2 concentration affects the disease and there are differences in the responses among cultivars.

Microsphaera diffusa; Glycine max; climate change; carbon dioxide


RESEARCH ARTICLE

Efeito do aumento da concentração de CO2 atmosférico sobre o oídio e o crescimento de plantas de soja

Effect of increased atmospheric CO2 concentration on powdery mildew and growth of soybean plants

Ricardo Contreira Lessin; Raquel Ghini

Embrapa Meio Ambiente, 13820-000, Jaguariúna, SP, Brasil

RESUMO

O aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) atmosférico, como resultado da ação antrópica, pode causar alterações na morfologia e nos processos fisiológicos das plantas, assim como no ciclo dos patógenos e na sua interação com os hospedeiros. O presente estudo teve por objetivo avaliar o efeito do aumento da concentração de CO2 atmosférico sobre a severidade do oídio (Microsphaera diffusa) da soja e sobre o crescimento e a nodulação da planta.O experimento foi conduzido em estufas de topo aberto (OTC) com e sem injeção de CO2 e teve como testemunha o tratamento sem estufa, correspondendo, em média, às concentrações de 504 ppm, 429 ppm e 424 ppm, respectivamente, durante o período diurno. Durante 83 dias, foram avaliadas quatro cultivares de soja com diferentes níveis de resistência ao oídio: FT-Estrela (altamente suscetível), Embrapa 48 (suscetível), FT-Cometa (moderadamente resistente) e FT-5 (Formosa) (resistente). O aumento da concentração de CO2 resultou em aumento da severidade da doença, nas quatro cultivares quando analisadas em conjunto, mas não houve efeito na esporulação do patógeno. Além disso, houve incremento da altura, massa seca de raízes e nodulação por Bradyrhizobium spp., exceto na cultivar Formosa. No entanto, a massa seca da parte aérea das plantas não diferiu significativamente com o aumento da concentração de CO2. O desenvolvimento da doença e o crescimento das plantas foi maior nas OTCs do que fora das estufas. Os resultados demonstram que o aumento da concentração de CO2 afeta a doença e há diferenças nas respostas das cultivares.

Palavras-chave:Microsphaera diffusa, Glycine max, mudança climática, dióxido de carbono.

ABSTRACT

The increase in the concentration of atmospheric carbon dioxide (CO2) due to human activities can affect morphology and physiological processes in plants, as well as the cycle of the pathogens and their interaction with hosts. This study focused on evaluating the effect of high concentrations of atmospheric CO2 on the severity of powdery mildew (Microsphaera diffusa), and on the growth and nodulation of soybean. The experiment was conducted in open-top chambers (OTC) with and without CO2 injection, including a control with no OTC, corresponding, on average, to concentrations of 504 ppm, 429 ppm and 424 ppm, respectively, during the day. For 83 days, four soybean cultivars with different levels of resistance to powdery mildew were evaluated: FT-Estrela (highly susceptible), Embrapa 48 (susceptible), FT-Cometa (moderately resistant) and FT-5 (Formosa) (resistant). The increase of CO2 concentration resulted in increased disease severity of the four cultivars analyzed together, but there was no effect on pathogen sporulation. Furthermore, there was an increase in height, dry weight of roots and nodulation by Bradyrhizobium spp., except in Formosa cultivar. However, the dry mass of canopy did not differ significantly with increasing concentration of CO2. The development of the disease and the plant growth were higher in OTCs than outside them. The results show that increasing CO2 concentration affects the disease and there are differences in the responses among cultivars.

Keywords: Microsphaera diffusa, Glycine max, climate change, carbon dioxide.

INTRODUÇÃO

O aumento da concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera (entre eles, dióxido de carbono – CO2, ozônio, metano e óxido nitroso), devido às atividades antrópicas, como a queima de combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra, tem contribuído consideravelmente para o aquecimento do planeta. De 1906 a 2005, a temperatura média da Terra aumentou cerca de 0,74 + 0,18ºC, e estima-se que em 2100 deva se elevar de 2 a 4,5ºC. Além do aumento da temperatura média da superfície do planeta, outras alterações também estão sendo desencadeadas como conseqüência da intensificação do efeito estufa, dentre elas destacam-se mudanças nos padrões de distribuição e intensidade de chuvas, ventos e circulação dos oceanos (IPCC, 2007).

O CO2, principal gás de efeito estufa devido ao volume de emissões quando comparado com metano e óxido nitroso, tem apresentado aumento expressivo de concentração na atmosfera. A queima de combustíveis fósseis e o desmatamento são os fatores que mais contribuem para esse aumento. A partir do início da Revolução Industrial, a concentração de CO2 atmosférico evoluiu de 280 ppm para 379 ppm em 2005, excedendo as taxas dos últimos 800 mil anos (180 a 300 ppm) (IPCC, 2007; Lüthi et al., 2008). A taxa de aumento anual da concentração de CO2 atmosférico foi em média 1,9 ppm no período de 1995 a 2005 e a tendência é atingir entre 730 a 1020 ppm até 2100 (IPCC, 2007).

O CO2 em alta concentração na atmosfera tende a favorecer o desenvolvimento das plantas. Por ser um componente básico da fotossíntese, o aumento da concentração pode promover alterações no metabolismo, crescimento e processos fisiológicos das plantas (Pritchard & Amthor, 2005). Heinemann et al. (2006), em experimentos realizados sobre o efeito do ambiente enriquecido com 400 e 700 ppm de CO2 em soja sob diferentes regimes de temperaturas do dia/noite (20/15, 25/20 e 30/25ºC), verificaram aumento no crescimento das plantas e no peso das sementes produzidas em ambiente com 700 ppm quando associadas às temperaturas mais baixas. Finn & Brun (1982), ao estudar o efeito do aumento de CO2 em plantas de soja, verificaram aumento no peso da matéria seca e carboidratos não estruturais das folhas, caule e pecíolos, tanto a curto como a longo prazo. A massa da matéria seca de raízes, os nódulos e a atividade total de nódulos sofreram aumento somente após 16 dias de exposição das plantas ao ambiente enriquecido com CO2.

As modificações morfológicas e fisiológicas que o CO2 causa nas plantas podem resultar em alterações na incidência de doenças de culturas de importância econômica. Chakraborty & Pangga (2004), revisando estudos sobre o aumento de CO2 em 26 doenças, verificaram que houve aumento na severidade de 13, redução em nove e não houve efeito em quatro. A suscetibilidade de Acer rubrum a Phyllosticta minima foi reduzida pelo aumento da concentração de CO2 devido à redução da condutância estomatal, dificultando a penetração do patógeno na planta. O aumento da concentração de CO2 de 400 para 700 ppm reduziu o desenvolvimento de sintomas de requeima da batata, a área e a intensidade de esporulação de Phytophthora infestans, devido ao aumento da resistência da planta, em ensaios realizados por Plessl et al. (2007).

O oídio da soja é uma doença de distribuição mundial. O patógeno, Microsphaera diffusa Cooke & Peck, é um parasita obrigatório que se desenvolve em toda a parte aérea da soja, incluindo folhas, hastes, pecíolos e vagens e se caracteriza por um crescimento superficial, de cor branca ou cinza claro e aspecto pulverulento, constituído pelo micélio denso e esporos do fungo (Sartorato & Yorinori, 2001). Segundo Tanaka et al. (1993), no Brasil, a doença foi constatada a campo no início dos anos 80 apresentando importância econômica a partir da safra 1995/96. É observado principalmente em casa de vegetação e campo em cultivares tardias na Região Sul, nas regiões altas dos Cerrados, em altitudes acima de 800 m e em cultivos de inverno sob irrigação com pivô central, para multiplicação de semente na entressafra. O primeiro ano de epidemia de oídio no Brasil resultou em perdas médias nas cultivares suscetíveis estimadas entre 15 e 20%, com extremos variando de 50 a 60% (Sartorato & Yorinori, 2001). Poucos estudos foram realizados sobre os efeitos do aumento da concentração de CO2 atmosférico sobre doenças de plantas (Ghini, 2005). Considerando a importância da cultura para o país, o presente trabalho teve como objetivo avaliar o efeito do aumento da concentração de CO2 atmosférico sobre a severidade do oídio da soja, o crescimento das plantas e a produção de nódulos, utilizando cultivares com diferentes níveis de resistência ao patógeno.

MATERIAL E MÉTODOS

Estufas de topo aberto

Para avaliar o efeito do CO2 sobre o oídio da soja foram utilizadas estufas de topo aberto ("open-top chambers", OTC), com 1,9 m de diâmetro e 2 m de altura, equipadas com um redutor de abertura do topo para deflexionar o ar e prevenir a diluição da concentração desejada de CO2 dentro da estufa. As OTCs foram construídas com estrutura de tubo de ferro fosfatizado esmaltado (1 cm de diâmetro e 1,2 mm de espessura de parede) e laterais de filme de polietileno transparente, espessura de 150 µm, com tratamento contra raios ultravioleta. O experimento foi conduzido na área experimental da Embrapa Meio Ambiente, localizada na cidade de Jaguariúna SP (latitude 22° 41’ sul, longitude 47° W. Gr.), entre o período de julho a outubro de 2007.

Tubos (5 mm de diâmetro) enterrados na profundidade de 15 cm, com a extremidade instalada no centro das parcela na altura de 50 cm do solo, conduziram as amostras de ar para análise. O monitoramento da concentração de CO2 foi efetuado com o auxílio de um analisador infravermelho de gás (IRGA, marca P. P. Systems, modelo WMA-4, 0 a 2000 ppm), que forneceu as informações para um multiplexador de corrente (marca Campbell Scientific, modelo SDM CD16AC) que regulou a abertura de válvulas para injeção de CO2 na estufa (tratamento E+CO2). O CO2 puro foi injetado contra um ventilador para assegurar uma mistura adequada até a altura de 50 cm do solo. Estufas semelhantes à descrita, sem injeção de CO2, foram utilizadas para comparações em condições de atmosfera atual (tratamento E). Além disso, parcelas sem a estufa (tratamento T) foram utilizadas como testemunha para verificar os efeitos da estrutura das OTCs. O experimento constituiu-se de três blocos casualizados, sendo cada bloco composto por três parcelas, e cada parcela representava um tratamento (E+CO2, E e T).

Amostras de ar de todas as parcelas dos tratamentos (E+CO2) e (E), e uma parcela do tratamento (T) foram continuamente coletadas e analisadas em intervalos de 10 min., durante o decorrer do ensaio (83 dias). Além disso, dentro de uma parcela de cada tratamento foram instalados sensores de temperatura do ar, cujas informações também foram registradas em intervalos de 10 min. Os dados foram armazenados em um coletor de dados (datalogger, marca Campbell Scientific, modelo CR 10X). O sistema de irrigação por gotejamento foi acionado manualmente, conforme as necessidades das plantas.

Instalação do experimento

O preparo do solo foi realizado manualmente com a escarificação na profundidade de 15 cm. Antes da semeadura foi feita a aplicação de N-P-K (10-10-10) na dosagem de 300 kg/ha e adubação orgânica (7 L/m2), segundo análise química do solo (Raij et al., 1996). Quatro cultivares de soja com diferentes níveis de resistência ao oídio foram semeadas em linhas alternadas: FT-Estrela, altamente suscetível (AS); Embrapa 48, suscetível (S); FT-Cometa, moderadamente resistente (MR) e FT-5 (Formosa), resistente (R) (Yorinori, 1997). O espaçamento utilizado foi de 15 cm entre linhas e 5 cm entre plantas. Foram semeadas 10 linhas por parcela, sendo duas linhas de cada cultivar e uma linha de bordadura em cada extremidade, totalizando aproximadamente 40 plantas úteis de cada cultivar por parcela. As sementes de soja foram inoculadas com bactérias fixadoras de nitrogênio, Bradyrhizobium spp. (Biomax® Premium Turfal - Soja), na dosagem de 200 g de inoculante/50 kg de semente. O controle das plantas invasoras foi realizado manualmente a cada 15 dias.

A multiplicação do patógeno foi realizada na cultivar FT – Estrela, em 99 vasos com capacidade de 0,5 L, por meio de inoculação natural dentro de casa de vegetação contendo plantas com alta severidade da doença. As plantas ao atingirem o estádio V5 e severidade igual ou acima de 50% de área foliar coberta com oídio, em média, foram dispostas nas parcelas entre as linhas das cultivares de soja que se encontravam no estádio de desenvolvimento V3. Foram colocados 11 vasos por parcela, que permaneceram como fonte de inóculo por um período de 21 dias.

Avaliações

A severidade do oídio da soja, a esporulação do patógeno, a altura e a massa seca de plantas, o número e massa de nódulos de Bradyrhizobium spp. foram avaliados em 15 plantas marcadas de cada cultivar da área central das parcelas. A avaliação da severidade da doença foi realizada com auxílio de escala diagramática elaborada por Mattiazzi (2003), por meio da estimativa da porcentagem de tecido lesionado (0,62%; 1,47%; 3,29%; 7,7%; 20,14% 27,05%; 43,6%; >60%) em folhas primárias e do folíolo central dos trifólios na planta inteira. A severidade da doença foi avaliada a cada cinco dias, totalizando nove avaliações entre os estádios V4 e R4de desenvolvimento da soja, e, posteriormente, fez-se o cálculo da área abaixo da curva de progresso da doença.

Na avaliação da esporulação (esporos/cm2 de folha), aos 83 dias após a semeadura, fez-se a coleta do segundo trifólio de cada planta (10 plantas por tratamento). Os folíolos foram destacados e colocados em frascos de vidro de 100 mL contendo 20 mL de solução tween 80 (0,02%). Posteriormente, os frascos foram agitados manualmente e colocados em aparelho de ultra-som por 10 min. Após esse procedimento, fez-se a contagem dos esporos na câmara de Neubauer. As folhas utilizadas nessa determinação foram medidas quanto ao comprimento e à largura para a determinação da área foliar aproximada. A seguir, foi calculada a média da área foliar aproximada por parcela.

A altura das plantas foi determinada pela distância compreendida entre a superfície do solo e o ápice da haste principal da planta (Marchiori et al., 1999), aos 83 dias após o plantio, em 10 plantas de cada cultivar por parcela. Na avaliação da massa seca das plantas e o número e massade nódulos, realizadas na mesma data, as plantas foram cortadas rente ao solo, a parte aérea foi seca em estufa de ventilação forçada de ar a 60ºC até o peso constante e o peso das plantas secas foi determinado. A coleta das raízes foi realizada num círculo de aproximadamente de 15 cm ao redor das plantas e a uma profundidade de 20 cm. Em seguida, as raízes foram lavadas em água corrente sobre uma peneira e os nódulos destacados para a contagem. Determinou-se também o peso de raízes e nódulos secos das plantas (Malty et al., 2006). Para essas avaliações foram utilizadas quatro plantas por tratamento. A análise de variância foi realizada com auxílio do programa MINITAB versão 14. As médias foram comparadas pelo teste Tukey, a 5% de probabilidade. Os experimentos foram analisados em esquema fatorial (três níveis de CO2 e quatro níveis de cultivares) com tratamentos casualizados em blocos.

RESULTADOS

As médias de temperatura do ar dos tratamentos (T), (E) e (E+CO2) foram, respectivamente: 22,0 + 5,9°C; 23,3 + 8,6°C e 22,6 + 7,9ºC. As médias das temperaturas máximas registradas foram 30,8 + 3,4°C; 37,2 + 4,0°C e 35,2 + 3,5°C; e das temperaturas mínimas foram 14,6 + 2,7°C; 13,6 + 2,7°C e 13,5 + 2,7°C, respectivamente. As concentrações médias de CO2 do ar foram 439 + 31 ppm; 461 + 54 ppm e 627 + 248 ppm, respectivamente (Figura 1). As concentrações foram maiores durante a noite, devido à respiração das plantas, à menor incidência de ventos e às menores temperaturas. Durante o período do dia com radiação solar, isto é, quando as plantas têm condições de realizar a fotossíntese, as médias de concentração de CO2 do ar foram 424 ppm, 429 ppm e 504 ppm, respectivamente.


A severidade do oídio, tanto em folhas primárias quanto em trifólios da planta inteira das quatro cultivares testadas, quando analisadas em conjunto, foi significativamente maior nas estufas com injeção de CO2 (Tabela 1). O gás, entretanto, não alterou a resistência das cultivares, isto é, a sequência das cultivares quanto à resistência foi semelhante com ou sem a presença do CO2. Nos tratamentos com estufa, com e sem injeção de CO2, a cultivar Formosa (R) foi a mais resistente à doença. Apesar do aumento da área foliar lesionada, a injeção de CO2 não teve efeito significativo sobre a esporulação do patógeno em nenhuma das cultivares (Tabela 2). Entre as cultivares, a esporulação foi significativamente menor na FT-5 (Formosa), mais resistente ao oídio. As demais cultivares não diferiram entre si nos três tratamentos.

O aumento da concentração de CO2 resultou no aumento da altura, massa seca das raízes, número e massa de nódulos das cultivares FT-Estrela, Embrapa 48 e FT-Cometa (Tabela 3). A cultivar FT-5 (Formosa) não apresentou aumento significativo para essas variáveis no tratamento com aplicação de CO2. Diferenças significativas entre o ambiente dentro e fora das OTCs foram observadas. Os tratamentos com estufa apresentaram temperatura mais elevada que os tratamentos sem estufa, devido ao efeito de retenção de calor provocado pelo filme plástico. Como consequência, de modo geral, o crescimento das plantas na testemunha foi significativamente menor do que nas OTCs, com exceção da massa seca da parte aérea. O oídio ocorreu com maior intensidade dentro das estufas do que no tratamento testemunha, sem estufa. Além disso, de modo geral, houve maior esporulação dentro das estufas do que fora.

DISCUSSÃO

A maior severidade da doença observada nas quatro cultivares, quando analisadas em conjunto (Tabela 1), como resultado do aumento da concentração de CO2 do ar, evidência a tendência de ocorrerem maiores problemas com oídio no clima futuro. A alteração da doença pode ter sido resultado da ação do CO2 tanto diretamente sobre o patógeno como indiretamente por meio da resposta da planta ao incremento de CO2 e conseqüente efeito sobre a doença. Segundo Manning & Tiedmann (1995), de modo geral, os impactos sobre a planta são mais significativos, pois é necessário um aumento expressivo do gás para se verificar alguma alteração no comportamento de microrganismos. Os autores citam o caso de fungos habitantes de solo que toleram aumento de 10 a 20 vezes na concentração do CO2. Apesar disso, Coakley & Scherm (1996) afirmam que não deve ser descartada a possibilidade de haver efeitos diretos do aumento da concentração do CO2 sobre os patógenos, como por exemplo, a seleção de linhagens mais adaptadas às novas condições do ambiente.

No presente trabalho, foram avaliados o crescimento e a nodulação da soja, como forma de verificar os efeitos do gás sobre a planta. Os dados obtidos nessas avaliações corroboram com a hipótese de que o incremento de CO2 teve efeito sobre as plantas de soja (Tabela 3). Esses resultados estão de acordo com outros estudos realizados com soja. Deepak & Agrawal (2001) verificaram aumento significativo da altura das plantas submetidas à concentração de 600 ppm. Ainsworth et al. (2002) também observaram aumento significativo na taxa de crescimento e na altura da haste da soja em ambiente enriquecido com CO2 (>600 ppm). Kim et al. (2005) verificaram aumento do peso total da massa seca de soja em ambiente enriquecido com 650 ppm de CO2.

O enriquecimento com CO2 promove alterações no metabolismo, crescimento e processos fisiológicos da planta. Há significativo aumento da taxa fotossintética, a taxa de transpiração por unidade foliar decresce, enquanto a transpiração total da planta algumas vezes é aumentada, devido à maior área foliar (Jwa & Walling, 2001; Li et al., 2003). As alterações também incluem maior eficiência do uso da água e do nitrogênio pela planta. O estímulo à fotossíntese se deve à redução da competição entre o CO2 e o O2 atmosféricos para serem fixados pela enzima ribulose 1,5-bisfosfato carboxilase-oxigenase (RUBISCO). A concentração de O2 da atmosfera normalmente inibe a absorção de CO2 pela planta e ocasiona a fotorrespiração. Com o aumento da concentração de CO2, a inibição do O2 à fotossíntese tende a diminuir devido ao aumento da relação CO2:O2. Dessa forma, de modo geral, são observados incrementos no crescimento das plantas, como o obtido no presente trabalho (Tabela 3).

Os impactos do aumento da concentração de CO2 atmosférico sobre a planta hospedeira, resultando em alterações em suas relações com o patógeno, também foram observados por outros autores. Segundo Thompson et al. (1993), muitos fatores relacionados à resposta das plantas ao aumento da concentração de CO2 atmosférico, como alterações no teor de nitrogênio e de água, podem alterar a predisposição do hospedeiro às doenças. Hibberd et al. (1996) verificaram maior crescimento de plantas sadias de cevada quando submetidas a ambiente com 700 ppm de CO2. No entanto, para as plantas que foram submetidas à inoculação com oídio, foi verificado aumento significativo no desenvolvimento da doença em 700 ppm de CO2 quando comparadas às plantas submetidas em 350 ppm. Braga et al. (2006), estudando os efeitos do aumento do CO2 em duas cultivares de soja, diferentes quanto à resistência ao cancro da haste, verificaram um aumento significativo na produção de fitoalexinas nas duas cultivares em ambiente enriquecido com 720 ppm de CO2 quando comparado ao ambiente com 360 ppm, sendo mais expressivo na cultivar resistente. Esse trabalho de Braga et al. (2006) indica que mudanças nos níveis de CO2 atmosférico podem causar impactos nas respostas de defesa da planta a patógenos.

O aumento na produção de nódulos se deve, possivelmente, à resposta semelhante à observada no peso das raízes. Norby et al. (1987), estudando os efeitos do enriquecimento de CO2 atmosférico (700 ppm) em espécies arbóreas, verificaram aumento significativo no peso da matéria seca de plantas de Robinia pseudoacacia (32%), Alnus glutinosa (49%) e Eleagnus angustiflolia (61%), acompanhado de aumento da atividade total de nódulos. O maior desenvolvimento do sistema radicular permitiu o estabelecimento de um maior número de nódulos. Sa & Israel (1998) também observaram aumento na massa de nódulos da soja (67%) com aumento da concentração de CO2.

As OTCs têm sido utilizadas para a realização de estudos sobre os impactos do aumento da concentração de CO2 atmosférico em diversos países (Pritchard & Amthor, 2005). No Brasil, Aidar et al. (2002) utilizaram OTCs para verificar o comportamento de plântulas de jatobá em atmosfera enriquecida com CO2. Braga et al. (2006) estudaram a produção de fitoalexinas em soja em estruturas semelhantes, mas nesses trabalhos as OTCs foram mantidas dentro de casas de vegetação e as plantas foram cultivadas em vasos. O presente estudo utilizou OTCs instaladas no campo e a semeadura foi realizada diretamente no solo. Dessa forma, evitou-se a restrição do desenvolvimento das raízes pelo vaso, o solo manteve a estrutura original e foram obtidas condições mais próximas às do agroecossistema. Uma das limitações da técnica é o pequeno espaço no interior das parcelas, permitindo somente o cultivo de poucas plantas e até a altura de aproximadamente 50 cm, no caso das estufas usadas no presente trabalho. Além disso, o microclima no interior das OTCs difere do ambiente externo principalmente quanto à temperatura, umidade e radiação solar, resultando em alterações no crescimento das plantas. Porém, como a temperatura favorável à infecção do oídio da soja está em torno de 20°C e a temperatura favorável ao crescimento micelial encontra-se entre 18 e 24ºC (Blum et al., 2002), as temperaturas atingidas no experimento foram favoráveis ao desenvolvimento da doença. Além disso, o método permitiu comparar o desenvolvimento da doença com e sem o aumento da concentração de CO2, sendo essa a única variável alterada entre os tratamentos (E+CO2) e (E).

A concentração média de CO2 do ar do tratamento sem estufa (T) atingiu valores superiores à média do planeta (379 ppm em 2005, segundo IPCC, 2007) devido à respiração das plantas, especialmente durante o período noturno (Figura 1). No tratamento com injeção do gás, a concentração de CO2 (504 ppm durante o período diurno) foi inferior à estimativa do IPCC (2007) para 2100 (entre 730 e 1020 ppm); sendo assim, deverá ser atingida antes do final do século.

O aumento da concentração do gás é uma alteração do ambiente que será uniforme para as regiões onde a soja é cultivada. Porém, para cada região estão previstas diferentes alterações de temperatura, precipitação e demais variáveis climáticas, que podem resultar em impactos diversos. O efeito conjunto do CO2 com outras variáveis ambientais, como os níveis de nutrientes disponíveis no solo e temperatura média podem interferir na resposta da soja a ao aumento da concentração de CO2. Centurion & Ghini (2008) alertam para a importância das interações dos diferentes fatores climáticos no estudo dos impactos das mudanças climáticas sobre doenças da soja. Heinemann et al. (2006), estudando o efeito de diferentes níveis de CO2 (400 e 700 ppm) associados a três regimes de temperatura, 20/15, 25/20 e 30/25 (dia/noite) (ºC) sobre a biomassa total da parte aérea da soja, verificaram que alta concentração de CO2 associada aos regimes de temperatura 20/15ºC e 30/25°C aumenta significativamente a biomassa das plantas. No entanto, o CO2 elevado associado ao regime de temperatura 25/20ºC não aumentou a biomassa das plantas. O trabalho demonstra a importância do desenvolvimento de estudos sobre os efeitos das mudanças climáticas globais sobre doenças de plantas, com a finalidade de elaborar estratégias de adaptação e reduzir os prejuízos nos sistemas agrícolas. Para o patossistema oídio-soja, o aumento da concentração de CO2 levou ao aumento da doença. Entretanto, para uma análise completa, outros fatores devem ser considerados, como o incremento da produção resultante da fertilização com CO2, a interação desses efeitos com a temperatura, precipitação e outros fatores climáticos.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP pelo auxílio financeiro para realização deste trabalho. RG agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq pela bolsa de produtividade em pesquisa.

Recebido 24 Outubro 2008

Aceito 25 Novembro 2009

Autor para correspondência: Raquel Ghini, e-mail: raquel@cnpma.embrapa.br

Editor de Seção: José Mauricio Fernandes

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009

Histórico

  • Aceito
    25 Nov 2009
  • Recebido
    24 Out 2008
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