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Abordagem bioinspirada

Bioinspired approach

MANCUSO, S.. A planta do mundo.São Paulo: Ubu Editora, 2021. 183 p.

Resumo

O presente texto resenha o livro A planta do mundo e o esforço do Stefano Mancuso, botânico, professor e pesquisador italiano, vencedor do Prêmio Galileo de escrita literária de divulgação científica em 2018, em apresentar a importância do mundo vegetal para as sociedades. São, no total, 8 crônicas que envolvem o meio ambiente, a botânica, a sociologia, a política, a música, o planejamento urbano e o direito, que, com muito bom humor e provocação, buscam convergências entre os humanos e as plantas para pensarmos em um outro futuro.

Palavras-chave
plantas; neurobiologia vegetal; sustentabilidade

Abstract

This text reviews the book The plant of the world and the effort of Stefano Mancuso, Italian botanist, professor and researcher, winner of the Galileo Prize for literary writing for scientific dissemination in 2018, in presenting the importance of the plant world for societies. There are, in total, 8 chronicles that involve the environment, botany, sociology, politics, music, urban planning and law which, with great humor and provocation, seek convergences between humans and plants to think about another future.

Keywords
plants; plant neurobiology; sustainability

Vivemos tempos midiáticos em que há múltiplos discursos disponíveis na seara social, a cortejar soluções inovadoras, sustentáveis, verdes, sob significantes muitas vezes vazios, em um arranjo narrativo típico do capitalismo tardio. Os agentes da reprodução capitalista estão à procura de pontos nodais atraentes, ainda mais se considerarmos a emergência de uma pretensa retomada econômica pós-pandemia da Covid-19. São novas práticas, discursos e articulações interdisciplinares que se avizinham. Nessa perspectiva, repensar as diversas insustentabilidades do mundo faz-se tônica, especialmente se considerarmos a instrumentalização da ciência e por que não dizer? do próprio meio ambiente, visto como um manancial de matéria-prima pretensamente ilimitado a partir da biotecnologia.

De certa forma, esse reimaginar o mundo é o que propõe Stefano Mancuso em sua nova obra, A planta do mundo. O esforço do autor, botânico, professor da Universidade de Firenze e considerado o pai da neurobiologia vegetal (o ramo da ciência que investiga como as plantas adquirem e processam informações) é mostrar a importância histórica do mundo vegetal para as sociedades passadas, presentes e futuras. Ele ressalta que as plantas estão por toda parte, sobretudo se considerarmos que representam 85% da biomassa do planeta. Assim, os animais se apresentariam como exceção, com todas as espécies somadas totalizando apenas 0,3%.

Em suas investigações individuais ou com parceiros, Mancuso busca explorar a comunicação entre as plantas, como é possível imaginar metáforas e idealizar cenários a partir do universo vegetal. Para o autor, as plantas incorporam um modelo muito mais resistente e moderno do que o dos animais, uma vez que materializam como a solidez e a flexibilidade podem ser amalgamadas com sucesso e menor gasto energético. É dessa maneira que Mancuso define as composições das plantas:

Sua composição modular é a quintessência da modernidade: uma arquitetura cooperativa, distribuída, sem centros de comando, capaz de resistir perfeitamente a repetidos eventos catastróficos sem perder a funcionalidade e de adaptar com rapidez a enormes mudanças ambientais

(MANCUSO, 2019______. Revolução das plantas. São Paulo: Ubu Editora, 2019., p.13).

A ideia do pensador italiano é ressaltar que as plantas, além de consumirem menos energia, fazem movimentos passivos e são, ao mesmo tempo, robustas, com uma inteligência distribuída. “A descentralização é a palavra- chave” (MANCUSO, 2019______. Revolução das plantas. São Paulo: Ubu Editora, 2019., p.95). Outrossim, as plantas iriam na contramão dos animais, que centralizam essa inteligência, digamos, de forma cerebral.

Em A planta do mundo, Mancuso apresenta oito crônicas botânicas que misturam muita informação transdisciplinar, ao envolver história, sociologia, música, ciência política, planejamento urbanístico e direito, com causos e passagens pessoais, no intuito de construir tessituras e fomentar um caminho teórico da importância do mundo vegetal para as sociedades. No fundo, ele se esmera em refletir e a provocar o leitor a pensar como pensam as plantas. Nesse esforço, teoriza-se sobre o animalcentrismo que domina a ciência, dando ênfase ao fato de que “todo organismo vivo, com exceção dos humanos, evita o desperdício” (MANCUSO, 2021MANCUSO, S. A planta do mundo. São Paulo: Ubu Editora, 2021., p.83).

Merecem destaques casos curiosos e cativantes, para além do futuro verde das cidades grandes, como quando o autor discorre sobre os abetos do século XVIII, que cresceram em condições tão perfeitas que viraram violinos Stradivarius. Mancuso assevera que Antonio Stradivari, o luthier-referência, teria, entre 1695 e 1705, construído pelo menos catorze violas e violinos com a madeira do mesmo abeto. Há ainda um divertido capítulo sobre o coeficiente de escorregamento das cascas de banana, a fruta mais consumida hoje nos Estados Unidos, e o quarto alimento mais consumido no mundo, depois do arroz, do trigo e do milho. Provocativo, Mancuso indaga: “Você acredita que existe toda uma ciência, justamente a tribologia, que estuda o potencial de escorregamento das coisas?” (MANCUSO, 2021MANCUSO, S. A planta do mundo. São Paulo: Ubu Editora, 2021., p.141).

A interrelação com o campo jurídico também merece realce, especialmente quando o botânico pondera acerca do potencial do mundo vegetal em fornecer informações substanciais para a resolução de casos judiciais. A palinologia, ramo obscuro da botânica que lida com o estudo dos pólens e outros elementos biológicos microscópicos, surge com destaque nesse sentido, bem como o caso do rapto e morte do filho mais velho do famoso aviador Charles Lindbergh que, pela primeira vez na história, fez uso de evidências de caráter botânico para identificação dos culpados. Nascia, assim, a botânica forense e nasce, a cada página, uma tentativa de um cientista apaixonado pelo inventivo e pelo instigante na relação entre humanos e vegetais.

Referências

  • MANCUSO, S. A planta do mundo São Paulo: Ubu Editora, 2021.
  • ______. Revolução das plantas São Paulo: Ubu Editora, 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2021
  • Aceito
    24 Ago 2021
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