Acessibilidade / Reportar erro

De Minas às ruínas: o refazer da memória e da paisagem no pós-desastre de Brumadinho

Resumo

O rompimento da barragem da Vale S.A. na cidade de Brumadinho, em Minas Gerais, em 2019, é considerado um dos maiores desastres socioambientais e o maior acidente trabalhista da história do país. Um ano depois, enquanto as vítimas lutavam pelo direito à reparação, começou a circular a notícia sobre a construção do ‘Memorial Brumadinho’, financiado pela Vale S.A. Neste artigo, analisamos as relações em torno da construção desse memorial para colocar em questão a memória pública que está sendo proposta em meio à catástrofe e como ela se conecta à paisagem e aos patrimônios locais. Se a região onde será construído o memorial é historicamente conhecida pela sua longa trajetória de atividade mineira, com a memória em torno da atividade sendo patrimonializada no início do século XX e valorizada desde então, observamos, em contraponto, quais são as especificidades do reconhecimento de um ‘sítio de memória sensível’, onde o sofrimento é a tônica da narrativa atual.

Palavras-chave
Memória pública; Paisagem; Mineração; Desastre socioambiental; Patrimônio difícil

Abstract

The collapse of the Vale dam in Brumadinho, Minas Gerais, in 2019 is considered one of the biggest social and environmental disasters and work accidents in the country’s history. While victims were fighting for the right to reparation a year later, news began circulating regarding the construction of the “Memorial Brumadinho”, financed by Vale S.A. This article analyzes the relationships surrounding the construction of this memorial to question what is being proposed amid the catastrophe as “public memory” and how it connects to the landscape and local heritage. If the region where the memorial will be built is historically known for its long history of mining activity, with the memory around the activity classified as Brazilian Heritage in the early 20th century and valued since then, in contrast, we observe the specificities of the recognition of a “sensitive memory site” where suffering is the keynote of the current narrative.

Keywords
Public memory; Landscape; Mining; Social and Environmental Disaster; Difficult Heritage

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o estado de Minas Gerais vivenciou alguns dos maiores desastres socioambientais da história do país. Um deles foi o rompimento de uma barragem com rejeitos de extração mineral da multinacional Vale S.A., na cidade de Brumadinho. Milhões de toneladas de ‘lama’ soterraram trabalhadores e moradores, gerando 272 mortes e onze desaparecimentos, além de espalharem o rastro de destruição aos arredores, pelos rios da região. A lama, como passou a ser amplamente chamada pela mídia, pelos afetados e pelas autoridades envolvidas, refere-se a um composto de dejetos resultantes da extração de minério de ferro, que eram estocados na barragem, cuja composição e níveis de toxicidade seguem motivando controvérsias. Apesar das inúmeras incertezas geradas a partir do crime socioambiental, um ano depois, enquanto as vítimas ainda lutavam pelo direito à reparação, foi anunciada a construção do ‘Memorial Brumadinho’, nas proximidades do local onde ocorreu o evento catastrófico. A obra será mediada pela própria mineradora, responsável pela gigantesca tragédia, financiando o novo local de memória como parte da política reparatória pelo crime cometido.

O novo memorial ocupará um terreno de 1.200 m2 de área construída. As futuras visitas a esse espaço, que retratará a vida das vítimas fatais, seguirão um percurso que passa por salas expositivas e, ao fim, culminarão em uma área aberta, na qual será construído o mirante com vista para o epicentro da catástrofe. O local do rompimento da barragem, que um dia foi um vale cercado pela formação montanhosa e que se converteu na materialização de um trauma coletivo, produzido pelo estrondoso volume de terra revirada e vidas humanas e não humanas arrasadas, irá se tornar uma área de contemplação da paisagem catastrófica, com o intuito de produzir um tipo de memória.

Neste artigo, partimos desse caso emblemático com o intuito de pensar as relações entre paisagem, patrimônio e memória no pós-desastre, considerando-as em relação aos patrimônios históricos de Minas Gerais já constituídos. Inicialmente, vamos apresentar o contexto histórico da mineração na região, até alcançar a conjuntura do crime socioambiental que justifica o novo memorial. Em seguida, analisamos a narrativa de que o espaço aciona a respeito daquele território e em que medida ela sustenta uma perspectiva específica sobre a paisagem traumática e seu passado. Por fim, traremos contrapontos ao design dessa reconstrução ‘planejada’ da memória e da paisagem no território devastado, enfatizando a capacidade das populações locais atingidas de responderem, a seu próprio modo, às práticas neoextrativistas do capitalismo.

Nossa análise propõe um diálogo com questões levantadas por outros pesquisadores do tema, incluindo Silva e Faulhaber (2020)Silva, A., F., & Faulhaber, P. (2020). Bento Rodrigues e a memória que a lama não apagou: o despertar para o patrimônio na (re)construção da identidade no contexto pós-desastre. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas, 15(1), e20200126. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0126
https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELD...
, no artigo “Bento Rodrigues e a memória que a lama não apagou: o despertar para o patrimônio na (re)construção da identidade no contexto pós-desastre”, publicado no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Enquanto os autores demonstram os usos e as apropriações do patrimônio pelas comunidades atingidas após o desastre da Samarco no município de Mariana, em Minas Gerais, buscamos aqui analisar como as mineradoras também intervêm na paisagem, por meio da instituição de marcos para um “patrimônio difícil” (Meneguello, 2020Meneguello, C. (2020). Patrimônios difíceis (sombrios). In A. Carvalho & C. Meneguello (Orgs.), Dicionário temático de patrimônio: debates contemporâneos (pp. 245-248). UNICAMP.), visando (re)orientar a memória coletiva local. Trata-se de uma política institucional de reparação, que encontra pontos de resistência, sendo absorvida pelas populações vinculadas em um espaço cultural, em que pesa a existência de afetos e éticas que transcendem o planejamento das mineradoras, gerando novos sentidos para a vida e para a morte.

Além do caráter recente e da grande escala de destruição socioambiental vinculada aos vazamentos ocorridos em Mariana e Brumadinho, casos de estudo como esses sinalizam, de maneira inequívoca, o que tem se tornado norma em Minas Gerais: desde 1986 até o presente, foram registrados pelo menos oito rompimentos de barragens de rejeito, que deixaram centenas de mortos e milhares de pessoas desalojadas, causando sérios problemas de abastecimento de água (Zonta & Trocante, 2016Zonta, M., & Trocante, C. (Orgs.). (2016). A questão mineral no Brasil - antes fosse mais leve a carga: introdução aos argumentos e recomendações referentes ao desastre da Samarco/Vale/Bhpbilliton (Vol. 2). iGuana. https://www.ufjf.br/poemas/files/2016/11/Livro-Completo-com-capa.pdf
https://www.ufjf.br/poemas/files/2016/11...
). Voltar a atenção a esses casos permite analisar seu caráter exemplar no país, evidenciando quais marcos para a memória pública estão sendo produzidos contemporaneamente, em meio à distopia das sucessivas tragédias em Minas Gerais. Uma memorialização do tempo presente, do luto pelas perdas pós-desastre, que contrasta com o valor positivo associado às ‘cidades históricas’ do estado.

MINERAÇÃO E PAISAGEM: UMA HISTÓRIA ENTRE O PATRIMÔNIO E A RUÍNA

Para abordar a paisagem contemporânea de sítios e da vida afetada pela mineração em Minas Gerais, devemos considerar a importância que a atividade encontrou na história oficial brasileira, que, por vezes, se valeu de procedimentos narrativos e ideológicos para naturalizar suas intervenções sociotécnicas em vários territórios. Sob a chave explicativa dos ciclos econômicos, o início da exploração de minérios se estabilizou como um marco fundante da chamada ‘civilização mineira’ (Machado, 1978Machado, L. G. (1978). Barroco mineiro. Perspectiva.; Vasconcelos, 2014Vasconcelos, D. (2014). História da civilização mineira: bispado de Mariana. Autêntica.). Segundo tal perspectiva, a progressiva ocupação colonial ocorreu a partir do século XVII, com rápido crescimento no início do XVIII. A febre por ouro, prata e pedras preciosas levou a uma explosão demográfica na região em um curto intervalo. Enquanto os minérios eram transformados em riqueza, com base na contínua exploração do trabalho de escravizados e do bioma existente, a região se tornou palco de diversos conflitos entre exploradores locais, incluindo os bandeirantes contra os portugueses. Essa trama de conflitos chega aos eventos da Inconfidência Mineira, que, posteriormente, foi interpretada como um movimento seminal para a independência brasileira – como ilustram os discursos nacionalistas, no contexto de formação da primeira República, no fim do século XIX (Carvalho, 1990Carvalho, J. M. (1990). A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. Companhia das Letras.).

Nas décadas seguintes, acentuou-se a urgência política de compor os elementos que permitiriam construir uma imagem da nação brasileira e um sentimento de identidade nacional. Esse processo culmina, nos anos 1930, na criação do órgão federal de estudo e defesa do patrimônio histórico e artístico nacional. Tratava-se de um projeto defendido por historiadores, artistas, políticos e arquitetos, muitos dos quais nascidos em Minas Gerais, como Rodrigo Melo Franco de Andrade, o primeiro diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Conforme observou Choay (2000, p. 120)Choay, F. (2000). Alegoria do patrimônio. UNESP., ao afirmar que “o culto do monumento passado coexiste com aquele, rapidamente nomeado, da ‘modernidade’”, o modernismo desempenhou também no Brasil um papel-chave na forma de compreender o passado nacional. As arquiteturas e paisagens do passado tornaram-se um substrato da história da ‘civilização brasileira’ que se buscava valorizar politicamente.

Várias das cidades fundadas com os primeiros campos consolidados de exploração aurífera no século XVIII passaram a ser vistas, no século XX, como estando sob os perigos do desaparecimento e da ruína (Gonçalves, 1996Gonçalves, R. (1996). A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Editora UFRJ/IPHAN.). A ameaça, nesse caso, era representada pelo relativo empobrecimento da população e pela ação do tempo na arquitetura colonial. As montanhas e a arquitetura urbana foram, então, conjugadas entre si, em sua classificação, como patrimônio cultural e ambiental do país. É o caso, por exemplo, dos 12 profetas de pedra sabão esculpidos pelo artesão barroco Antônio Francisco Lisboa (o Aleijadinho) no município de Congonhas, no Santuário Bom Jesus de Matozinhos, que tem como cenário uma serra observada pelo escultor como moldura para as esculturas que replicam figuras da Bíblia (Figura 1).

Figura 1
Profetas no Santuário do Bom Jesus de Matozinhos com a serra ao fundo.

Com o passar das décadas, o reconhecimento nacional alcançou chancelas internacionais, como os títulos de ‘patrimônio mundial’ conferido à cidade de Ouro Preto, em 1980, e ao conjunto do Santuário Bom Jesus de Matozinhos, em 1985, situados a aproximadamente 100 km de Brumadinho. Nesse e em outros sítios urbanos patrimonializados, as paisagens natural e antrópica ganharam importância na composição de uma atmosfera própria do local, sendo associadas a certa imagem da história nacional. Nessas cidades, o olhar e o patrimônio se voltam à superfície visível que representa algo valorizado do passado. Visitar esses locais informaria os turistas do resto do país sobre parte importante do passado nacional.

A valorização do patrimônio histórico e paisagístico brasileiro coexistiu, porém, com as contínuas alterações e supressões de território nas regiões que se avizinham aos perímetros tombados pelo Estado. Há uma história subterrânea, associada ao modelo econômico adotado pelo país, que vem mobilizando cada vez mais pesquisadores nas últimas décadas (Zhouri, 2018Zhouri, A. (Org.) (2018). Mineração, violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil. iGuana/ABA.). Foi a extração de minério, a partir do final do século XVII, que integrou Minas Gerais ao processo colonial e à modernidade como fonte de matéria-prima voltada para atender o mercado externo. Em 1942, sob o governo ditatorial de Getúlio Vargas, o mesmo presidente que autorizou a criação dos órgãos do patrimônio, o Estado brasileiro criou a empresa estatal Companhia Vale do Rio Doce1 1 No início dos anos 2000, a mineradora Vale do Rio Doce mudou de nome, com sua privatização, passando a se chamar apenas Vale S.A., tornando-se uma multinacional de capital aberto. O irônico e triste dessa história é que o rio Doce, que deu nome à empresa por quase meio século, foi destruído por outra tragédia provocada pela própria mineradora, em 2015. . A sede e a principal zona de atuação da empresa estão situadas no chamado Quadrilátero Ferrífero, região do centro-sul do estado, com extensão territorial de aproximadamente 7 mil quilômetros quadrados e que ocupa a posição de maior produtora de minério de ferro no Brasil, englobando cidades como Brumadinho, Ouro Preto, Congonhas, Mariana, entre outras.

A região onde estão várias das “cidades históricas” patrimonializadas é a mesma que, no presente, concentra 72,5% das reservas de minério de todo o país (Gomide et al., 2018Gomide, C. S., Coelho, T. P., Trocate, C., Milanez, B., & Wanderley, L. J. M. (Orgs.). (2018). Dicionário crítico de mineração. iGuana., p. 189). Para essa indústria, a massa mineral que integra as zonas próximas aos sítios do patrimônio geológico e ambiental já consolidado em Minas Gerais se torna um produto privado ao ser extraído, sendo vendido como base primária para indústrias internacionais com altos lucros. Aquilo que foi, um dia, parte constitutiva da paisagem torna-se, por intermédio de inúmeros processos políticos e sociotécnicos, objeto de uma longa história de expropriação de recursos naturais. Somente em 2018, o Complexo Paraopeba, que engloba um conjunto de barragens localizadas em Brumadinho e entorno (incluindo a que se rompeu), produziu 27,3 milhões de toneladas de minério de Ferro voltadas para atender o mercado europeu (Ragazzi & Rocha, 2019Ragazzi, L., & Rocha, M. (2019). Brumadinho: a engenharia de um crime. Letramento.).

A história de Minas Gerais mostra que a riqueza da indústria da mineração se mantém na medida em que produz uma transformação irreversível do ambiente e do território. Em muitos locais do Quadrilátero Ferrífero, o que poderia ser classificado como parte do patrimônio paisagístico natural se converteu em gigantescos buracos e depósitos de rejeitos tóxicos. O avanço da exploração econômica produz um dispositivo de destruição contínua que, em ocasiões de grandes tragédias, ganha os holofotes da mídia nacional, como no caso monumental de Brumadinho. Contudo, em geral, multinacionais como a Vale são dotadas de forte poder de lobby, obtendo o apoio dos sucessivos governos para seguir ferindo biomas e modos de vida nativos, como uma máquina que transforma o existente em ruínas e faz avançar o rastro de destruição, que caracteriza o Antropoceno.

A ação mineradora de larga escala demanda pensar infraestrutura e ruínas como dimensões conjugadas entre si, como partes de um mesmo processo:

Ruínas nos chamam a atenção para ambas naturezas, construtiva e destrutiva, da infraestrutura. Ruínas lembram-nos que as infraestruturas têm potencial para oferecer inúmeros benefícios, mas também, em última análise, são incapazes de cumprir satisfatoriamente para sempre as tarefas a que se destinam

(Howe et al., 2016Howe, C., Lockrem, J., Appel, H., Hackett, H., Boyer, D., Hall, R., . . . & Mody, C. (2016). Paradoxical infrastructures: ruins, retrofit, and risk. Science, Technology, and Human, 41(3), 547-565. https://www.jstor.org/stable/24778133
https://www.jstor.org/stable/24778133...
, p. 7)2 2 Tradução nossa. “Ruination calls attention to both the constructive and destructive nature of infrastructure. Ruins remind us that infrastructures have the potential to offer numerous benefits but that they are also ultimately incapable of forever satisfying the tasks they are meant to carry out” (Howe et al., 2016, p. 7). .

O contexto no qual a cidade de Brumadinho se insere – um território político e simbólico, no qual patrimônio, exploração econômica e produção ativa de ruínas estão articulados – nos mostra que a paisagem não deve ser observada como um cenário externo, preexistente e independente das pessoas e instituições. Mais do que um lugar para contemplar ou visitar ocasionalmente, ela resulta de diversos processos de criação, transformação e destruição ao longo do tempo. Logo, ela deve ser analisada enquanto conjunto de relações em contínua transformação que articulam forças humanas e não humanas (Ingold, 2000Ingold, T. (2000). The perception of the environment. Routledge.; Latour, 1994Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Editora 34.; Simmel, 1996Simmel, G. (1996). A filosofia da paisagem. Revista de Ciências Sociais: Política e Trabalho, (12), 15-24. https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/politicaetrabalho/article/view/6380
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
). Analogamente ao ‘patrimônio’, a paisagem é construída e significada coletivamente, atuando como um agente na constituição de suas identidades coletivas, orientando formas específicas de relação dos seres humanos com o existente, incluindo seus dispositivos para a memória.

A PAISAGEM CATASTRÓFICA E O MEMORIAL

O rompimento da barragem em Brumadinho, na mina Córrego do Feijão, tem sido considerado por analistas e entidades sociais como o maior desastre socioambiental em termos de perdas de vida humana e o maior acidente de trabalho já registrado no Brasil. Nos instantes seguintes ao rompimento da barragem de 86 metros de altura e sustentada por uma encosta de terra gramada, 13 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro desceram em forma de uma assustadora onda. Ela chegou a alcançar 30 metros de altura, escorrendo a 120 quilômetros por hora, destruindo tudo o que havia pelo caminho. O vazamento ocasionou uma devastação que se iniciou na estrutura administrativa e operacional da empresa, atingindo e soterrando comunidades, casas, fazendas e patrimônios locais.

A tragédia ceifou de imediato mais de 270 vidas, incluindo muitos trabalhadores da mina e moradores do entorno. Nos dias seguintes, numa reação em cadeia, o rejeito de minério – que flutua sobre a água e não se dilui – percorreu cerca de 300 km do rio Paraopeba e afetou toda a bacia hidrográfica, aniquilando por onde passava a vida existente. No total, 22 municípios banhados pelo rio foram impactados, provocando interrupções de projetos de vida e econômicos, empobrecimento, desvalorização imobiliária, incertezas de futuro, transtornos psicológicos e estigmatização dos produtos alimentares da região e de seus produtores.

A lama afetou todo o ecossistema, matando milhões de peixes e reduzindo as populações de anfíbios, como os sapos e rãs, o que levou a um aumento de arboviroses transmitidas por mosquitos (dengue, zika, chikungunya e febre-amarela)3 3 Segundo a Secretaria de Saúde de Minas Gerais, o número de casos de dengue nos 22 municípios afetados pela ruptura da barragem aumentou de 859, em 2018, para 77.741, em 2019. Os de zika passaram de 23 para 309. Apenas em Brumadinho, passaram de 25, em 2018, para 2.105, em 2019. Na região de Mariana, onde ocorreu o rompimento da barragem do Fundão, em 2015, um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2019, com base no sistema de notificações do Sistema Único de Saúde (SUS) (Sistema de Informação de Agravos de Notificação - SINAN), mostra que a incidência de febre de chikungunya aumentou em 38 dos 45 municípios atingidos; a da doença aguda pelo vírus Zika, em 39 municípios; a febre-amarela, em 30. Os registros de casos de dengue aumentaram 10 vezes mais nos 45 municípios atingidos, em Minas Gerais e Espírito Santo, do que nos municípios-controle – que ficam na mesma região, mas não foram afetados diretamente pela tragédia. , mas também de aranhas, carrapatos, dentre outros insetos. Além disso, uma parte considerável da calha do rio Paraopeba foi assoreada, o que, desde então, vem causando o aumento de enchentes. Partes que antes não eram ocupadas pela água durante as cheias dos rios passaram a ser atingidas pela água carregada de rejeito tóxico de minério. Em 2020 e 2022, essas inundações levaram parte do rejeito depositado no fundo do rio para o solo das margens, o que causa, entre outras consequências, redução da capacidade de infiltração da água no solo, queda da fertilidade do solo, com a diminuição do crescimento das raízes das plantas, contaminação de toda a cadeia alimentar da região, inclusive das pessoas que ali vivem, pelo aumento da incorporação dos metais4 4 Sobre o tema, ver o estudo realizado na região por pesquisadores do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (NACAB, 2020). . Desse modo, a tragédia é um evento contínuo, que não se encerrou com o rompimento.

Apontando os traumas e transtornos mentais que ficaram após vários meses de resgate de corpos resultantes da tragédia, trabalhadores terceirizados relembram, no contato diário com a lama tóxica, dos ataques de cobras e animais peçonhentos, além de abelhas, provocados por esse desequilíbrio, do qual agora fazem parte e dos quais, na época, tentaram se defender com equipamentos de proteção individual (EPI) insatisfatórios. Tanto esses trabalhadores quanto a população em geral apontam atualmente que aspectos da paisagem da região apresentam para eles diversos gatilhos potencializadores do trauma provocado pela tragédia5 5 Conforme noticiado no site jornal O Tempo (Alves et al., 2021). . As enchentes do rio Paraopeba, por exemplo, trazem, desde então, ‘o mau cheiro do dia do rompimento’. É o que Tsing (2019, p. 16) chama de “reino feral”, ou seja: “a vida feroz tira proveito da perturbação humana para fazer suas próprias coisas”. Para além dos sonhos de controle está o Antropoceno, uma época planetária marcada pelo escopo e pela escala emergente de distúrbios e suas ameaças à vida de várias espécies (Chua & Fair, 2019Chua, L., & Fair, H. (2019). Anthropocene. The Cambridge Encyclopedia of Anthropology. https://www.anthroencyclopedia.com/entry/anthropocene
https://www.anthroencyclopedia.com/entry...
).

Esse cenário do crime catastrófico, composto pela revelação destruidora das toneladas de rejeitos, que deveriam permanecer ocultas sob a terra, inverteu a ordem habitual atribuída aos elementos humanos e naturais que compunham a paisagem de alto a baixo. Não por acaso, ainda sob o efeito do terror vivido após o imenso vazamento tóxico, os bombeiros, policiais, familiares e voluntários que se juntaram para realizar buscas dos desaparecidos após o desastre nomearam tais pessoas como ‘joias’, como um bem precioso que historicamente se busca por meio da atividade mineradora, um trabalho subterrâneo. Nesse caso, porém, a joia não corresponde a um patrimônio econômico, mas familiar e humano. Os parentes, amigos e vizinhos dos desaparecidos passaram a representar os soterrados sob a forma de um símbolo central das narrativas que conformam a identidade primeira de Minas Gerais, ligada a suas cidades patrimonializadas.

Um ano depois da tragédia, e enquanto as vítimas permanecem lutando pela reparação de direitos e ainda se busca corpos sob a lama, vários canais de comunicação noticiaram a construção do ‘Memorial Brumadinho’, em homenagem a essas ‘joias’ soterradas e ao local do evento traumático6 6 Enquanto museus, em geral, podem funcionar como instituições de pesquisa, exposição, ensino, conservação ou salvaguarda de coleções relacionadas às mais diferentes áreas do saber, para além da história, os memoriais tendem a enfatizar o objetivo memorialístico de certos personagens, eventos, marcos temporais ou espaciais, importantes para a identidade de uma coletividade (étnica, local, nacional etc.). Eles podem ou não ser dotados de acervos, ainda que, em caso positivo, restringindo-se àqueles vinculados ao seu tema de vocação. Há, evidentemente, casos intermediários que complexificam a distinção conceitual entre memoriais e museus, como exemplificam os ‘museus de memória’ (Didi-Huberman, 2017) e os chamados centros culturais, de natureza heteróclita. . Em março de 2020, foi realizada a escolha do local e do projeto, e os membros de uma associação de atingidos pela tragédia – a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão Brumadinho (AVABRUM) – escolheram entre duas diferentes propostas arquitetônicas apresentadas pela Vale7 7 No termo de referência para a concepção arquitetônica do projeto, a mineradora afirma que “a origem do memorial se deu a partir da escuta das comunidades envolvidas, governo e do diálogo com os familiares, em especial com aqueles representados pela AVABRUM” (Vale S.A., s/d). Portanto, ela aponta a origem do projeto como vinda das famílias, seguida de um consenso estabelecido com a empresa e o poder público. . A proposta vencedora foi elaborada pelo escritório do arquiteto Gustavo Penna, um profissional conhecido em Minas Gerais, sendo um dos responsáveis pela construção de um museu dedicado à obra de Aleijadinho, na ‘cidade histórica’ de Congonhas, que, como já dito, integra o Quadrilátero Ferrífero. Trata-se de um profissional de arquitetura reconhecido pela marca autoral presente em seus projetos.

Em contraste com o patrimônio histórico reconhecido junto às cidades mais antigas de Minas Gerais, o ‘Memorial Brumadinho’ não objetiva salvaguardar bens materiais com valor de antiguidade e autenticidade que desempenhem um papel cultural positivo em discursos nacionalistas e da identidade local – a mineiridade –, apresentando sinais de uma origem comum idealizada. Em contraste com as instituições pautadas pelo valor estético ou histórico atribuído às suas coleções, o projeto do memorial enfatiza os sentimentos que singularizariam a comunidade emocional das vítimas, as quais enfrentaram perdas irreversíveis em suas redes familiares, de amigos, do trabalho, de vizinhança etc. A proposta inclui o registro e a exibição dos nomes e retratos de cada uma das vítimas fatais, servindo como um espaço de visitação e expressão de dor coletiva para moradores locais e turistas sensibilizados pela tragédia. Trata-se, logo, de um memorial pautado pela emoção e pelo luto, que coloca questões importantes sobre o tipo de estratégia política e arquitetural a ser adotado para se tratar da memória negativa de um trauma. Segundo a empresa, que trata a construção do memorial como parte da política de reparação colocada em ação no território, o espaço deve favorecer o futuro reconhecimento político da área como um ‘sítio de memória sensível’ ou ‘emocional’ (Fabre, 2013Fabre, D. (Dir.). (2013). Émotions patrimoniales (Coll. Ethnologie de la France). Éditions de la Maison des Sciences de l’Homme.; Castriota, 2019Castriota, L. (2019). Lidando com um patrimônio sensível. O caso de Bento Rodrigues, Mariana MG. Arquitextos. https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.230/7423
https://vitruvius.com.br/revistas/read/a...
) – uma noção próxima à de ‘patrimônio difícil’ (Logan & Reeves, 2009Logan, W., & Reeves, K. (Eds.). (2009). Places of pain and shame. Dealing with ‘difficult heritage’. Routledge.; Meneguello, 2020Meneguello, C. (2020). Patrimônios difíceis (sombrios). In A. Carvalho & C. Meneguello (Orgs.), Dicionário temático de patrimônio: debates contemporâneos (pp. 245-248). UNICAMP.), acionada em outros casos de perdas catastróficas e que envolvem sofrimento, seja no Brasil ou em outras partes do mundo8 8 A discussão sobre patrimônio sensível é relativamente recente e continua em pauta. A categoria ‘sítio de memória sensível’, por exemplo, foi sumarizada em um documento de 2018, preparado para a International Coalition of Sites of Conscience, que define estes locais como “uma localidade específica com evidência arquitetônica ou arqueológica, ou mesmo com específicas características de paisagem, que podem ser relacionadas aos aspectos memoriais do lugar” E ainda “são lugares que estão revestidos com significado histórico, social ou cultural por causa do que aconteceu ali no passado. Tais lugares podem ser de significado particular, dado o seu papel na formação da identidade de uma comunidade ou nação” (Castriota, 2019). Porém, este artigo não tem por objetivo se aprofundar nessa discussão que envolve categorias de patrimônio e, sim, analisar a narrativa sobre a paisagem traumática que o memorial aciona. .

O terreno destinado à construção do novo memorial, em uma área de cinco hectares, adquirido pela mineradora, situa-se nas proximidades de onde ocorreu o rompimento, seguido da grande onda de rejeitos tóxicos. A construção será feita em concreto aparente, misturado à terra vermelha, criando uma sensação de continuidade entre a tonalidade da terra revirada e o próprio memorial. Além disso, esse novo espaço de memória (Nora, 1993Nora, P. (1993). Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História, 10, 7-28.) foi projetado como uma longa fenda sobre o solo – para remeter à ideia de fissura –, complementada por salas expositivas que produzem um jogo de luz e sombras, havendo espaços com pouca iluminação, que antecedem o acesso às áreas abertas e ensolaradas.

O memorial, que, segundo a mineradora, já está em construção, terá três espaços temáticos: Pavilhão, Espaço Memória e Espaço Testemunho, que serão conectados por uma fenda (Figura 2). Segundo a página on-line do arquiteto responsável, o primeiro espaço a ser acessado, o Pavilhão, caracteriza-se como um ambiente escuro, indicando a relação metafórica estabelecida entre a produção arquitetural de um espaço ‘sombrio’ e a experiência trágica de estar sob a lama, que será dramatizada aos futuros visitantes:

No teto apenas frestas de luz, como se a onda estivesse atingindo o edifício e apagando o sol. Experiências e sensações que nos preparam para o que virá. . . . A escuridão fala sobre esta lama que antes mesmo de chegar com seu impacto avassalador, levantou uma poeira densa que tapou o sol e tingiu o dia de noite. A primeira consciência do desespero foi esta ausência de luz9 9 Esta e as próximas citações se baseiam no material disponível em Gustavo Penna Arquitetos & Associados (s/d). .

Figura 2
Projeção do interior do ‘Memorial Brumadinho’.

Em seguida, o trajeto da visita prossegue rumo ao Espaço Memória, que se caracteriza pela irregularidade de suas formas materiais, com “paredes enviesadas”, não paralelas. Nelas, no teto e em parte do piso, serão projetadas imagens das vítimas, antes da tragédia, entre outros recursos audiovisuais, que visam gerar “uma experiência de impacto”, com fins de mobilizar os visitantes e “reverenciar as vidas daquelas pessoas”.

O percurso dos visitantes culminará no Espaço Testemunho, uma parte da fenda que interliga os espaços expositivos e onde haverá, acima do nível das pessoas, uma “escultura suspensa, uma grande cabeça que sente e chora”, nos informa o arquiteto. A escultura em questão corresponde a uma forma quadrangular de concreto, apoiada sob apenas uma de suas pontas, que engloba dois sentidos complementares: primeiro, assumir a posição alegórica de emular um rosto (humano) que chora, algo produzido por intermédio da inserção de fontes de água, que escoarão desde a face mais alta até chegar à altura dos visitantes. Em segundo lugar, a posição arquitetural da ‘face’ alegórica, quadrada, se fundamenta na ideia de desequilíbrio, como algo que está fora do eixo – o projeto mimetizando, sob a linguagem própria da arquitetura, a expressão da dor de vítimas e familiares. Ainda, segundo o arquiteto, as lágrimas da referida escultura descem formando “um véu sobre as paredes de concreto, atrás das quais estão os segmentos remanescentes das vítimas”. As estratégias projetivas para mobilizar sensorial, emocional e intelectualmente os visitantes incluem, portanto, a indicação da presença material do que sobrou das próprias vítimas fatais, com elas mesmas – suas partes corporais – servindo para intensificar os efeitos da alegorização arquitetural da tragédia.

Ao final da fenda, que conecta os espaços do memorial ao longo de mais de 200 metros de extensão, haverá um mirante com vista para a área do rompimento, onde “descortina-se a paisagem do vale; uma superfície que foi atingida e tingida pela lama”. Ao incluir a construção desse mirante, o projeto propõe que se estabeleça ali um novo ponto de observação e relação da paisagem catastrófica – no exato local onde, antes, existia a montanha com a mina10 10 As informações mencionadas sobre o memorial estão baseadas na descrição fornecida pelo escritório de arquitetura responsável pelas obras (Gustavo Penna Arquitetos & Associados, s/d) e na descrição disponibilizada pela própria Vale S.A. (2020). . O caminho será complementado, em suas laterais, por um bosque de ipês-amarelos, cujo número de árvores corresponderá ao total de vítimas fatais do ocorrido. Segundo o arquiteto responsável pelo projeto, o ipê seria uma “árvore símbolo do Brasil” e seus ciclos de florescimento periódico remeteriam ao movimento cíclico da vida.

O projeto arquitetônico propõe um percurso de visita que articula elementos internos e externos ao próprio memorial, seja das imagens e materialidades que serão selecionadas pela curadoria, seja pelo enquadramento dado à paisagem ao redor. Idealmente, cada solução arquitetural do espaço em construção corresponderá a uma etapa de dramatização e ritualização da memória em torno do trauma coletivo de 2019, indo desde o aspecto mais sinistro (sombrio) até culminar em uma área aberta, arborizada e com flores, em certo período do ano (Figura 3). Frente ao horizonte que se descortina ao fim da visita, e colocando em questão o projeto contratado pela Vale S.A., nos perguntamos, contudo, qual é a paisagem que se espera projetar aos visitantes. Para dizer de outra forma, e nos valendo da pergunta feita por Didi-Huberman (2017, p. 34)Didi-Huberman, G. (2017). Cascas. Editora 34., diante de outro patrimônio sombrio: “O que é um horizonte neste lugar concebido para dissipar toda a esperança?”.

Figura 3
Projeção do exterior do ‘Memorial Brumadinho’.

No caso abordado por Didi-Huberman (2017)Didi-Huberman, G. (2017). Cascas. Editora 34., ele refere-se ao contexto de musealização do campo de concentração em Auschwitz, onde foram construídas estruturas de recepção de inúmeros visitantes, que acompanham um roteiro expositivo, o qual emula materialidades e efeitos sensoriais do passado para produzir certo tipo de memória e experiência. O autor indaga se as estratégias pedagógicas de memorialização não produzem, afinal, um ‘lugar fictício’ no próprio terreno onde a história trágica se desenrolou. Ao invés de seguir o roteiro predefinido para os visitantes, ele propõe que a atenção das pessoas naquele espaço se volte sobretudo àquilo que está ausente, ao que foi destruído e que excede o Museu-Estatal de Auschwitz. Ele argumenta que os olhares interessados em acessar de algum modo a história dos eventos passados deveriam se voltar ao solo e “aos vestígios de tudo o que foi demolido” (Didi-Huberman, 2017Didi-Huberman, G. (2017). Cascas. Editora 34., p. 35). Ao invés de um olhar contemplativo, instruído por aquilo que os construtores do museu medeiam, seria mais efetivo se valer de um olhar arqueológico, que compreende o valor que há sob tudo aquilo que segue encoberto. Olhar como quem tenta desvelar um ocultamento físico e simbólico, seja da terra ou da memória, ambas dotadas de profundidade.

DISPUTAR A PAISAGEM, REFAZER A MEMÓRIA PÚBLICA

Enquanto prossegue a construção do espaço memorial erigido pela Vale, em Brumadinho, outras memórias estão sendo apagadas pela própria mineradora. Nos bairros Parque da Cachoeira e Córrego do Feijão, que foram parcialmente tomados pela lama e se situam bem próximos ao terreno onde será construído o memorial, há denúncias de demolição de casas que haviam permanecido em pé após o crime socioambiental (Aedas, 2021Aedas. (2021). Lideranças comunitárias de Brumadinho se reúnem com a Aedas e denunciam demolições sem aviso prévio. Aedas. https://www.aedasmg.org/post/liderancas-comunitarias-de-brumadinho-se-reunem-com-a-aedas-e-denunciam-demolicoes-sem-aviso-previo
https://www.aedasmg.org/post/liderancas-...
). Em uma situação pós-rompimento de danos estruturais e desvalorização dos imóveis, a mineradora comprou várias casas e as deixou abandonadas, sendo, então, tomadas por mato, lixo e focos de dengue11 11 Novamente, “a vida feroz tira proveito da perturbação humana para fazer suas próprias coisas” (Tsing, 2019). , o que gerou aumento da criminalidade nessas áreas e abandono da região pelos moradores restantes. Essa situação configura-se como parte das contínuas violações de direitos que estão fora do memorial e continuam a acontecer, sendo invisibilizadas pela empresa.

Outro ponto que consideramos importante abordar na caracterização do novo memorial em Brumadinho é a sua atribuição de ‘arquitetura de caráter público’ – tal como dita o termo de referência expedido pela empresa mineradora para guiar projetos apresentados pelos escritórios de arquitetura pré-selecionados por ela (Vale S.A., s/dVale S.A. (s/d). Termo de Referência para concepção inicial do partido arquitetônico de um espaço de memória em homenagem às vítimas do rompimento da barragem I, em Brumadinho. Vale S.A. http://www.vale.com/brasil/pt/aboutvale/news/documents/versaofinal_valecom_tr_espa%c3%a7o%20de%20mem%c3%b3ria_brumadinho_homenagem%20%c3%a0s%20v%c3%adtimas_vf%20_rev_case%20comunica%c3%a7%c3%a3o.pdf
http://www.vale.com/brasil/pt/aboutvale/...
). Nesse aspecto, o ‘Memorial Brumadinho’ repercute uma dimensão-chave de diversos outros memoriais e monumentos que colocam em questão os sentidos associados à noção de ‘público’ – tacitamente associados a contextos democráticos – e à ideia de ‘participação’ (Young, 1992Young, J. E. (1992). The counter-monument: Memory against itself in Germany today. Critical Inquiry, 18(2), 267-296. https://www.jstor.org/stable/1343784
https://www.jstor.org/stable/1343784...
; Pereira, 2021aPereira, E. (2021a). Monumentos urbanos e arte pública: Os obeliscos em rotação. Arte e Ensaios, 27, 251-278., 2021b). Assim como em relação à chamada ‘arte pública’ (Deutsche, 1992Deutsche, R. (1992). Public art and its uses. In H. Senie & S. Webster (Orgs.), Critical issues in public art (pp. 158-170). HapperCollins.), a arquitetura memorial se justifica na medida em que a Vale S.A. engloba os familiares das vítimas fatais e os demais atingidos pelo crime socioambiental como parte dos agentes que definiriam os destinos do projeto. A participação, entretanto, é modulada em posição de evidente assimetria entre as vítimas e a mineradora.

Em primeiro lugar, apenas aqueles vinculados a uma associação de familiares das vítimas (AVABRUM) foram ouvidos. Essa escolha, além disso, resulta de condições predefinidas pela empresa responsável pelo desastre: ela convocou quatro escritórios de engenharia a seu critério e escolheu, entre seus projetos, dois a serem postos em votação on-line em um site. O caráter remoto e não presencial do procedimento acentua a desterritorialização iniciada pelo próprio vazamento de rejeitos tóxicos que, pouco mais de um ano antes, havia destruído casas, roças e terrenos, bem como a paisagem tanto afetiva quanto antrópica preexistente. Uma vez anunciado o escritório vencedor contratado pela empresa, a ‘participação’ das ‘famílias’ das vítimas teria sido assegurada por uma ‘escuta atenta’ de suas expectativas.

Nesse ponto, contudo, o discurso da boa relação com a ‘comunidade’ como um legitimador do próprio projeto do memorial, como um tipo de atividade reparatória em termos da memória coletiva, contrasta com a realidade vivenciada por muitos moradores que ainda se mantêm sem indenização, água potável, alimento para seus animais, entre outras violações decorrentes das contínuas perdas geradas pela Vale. Em junho de 2020, uma juíza que atua na comarca de Brumadinho expediu uma liminar proibindo protestos dos familiares e atingidos. Estrategicamente, as vítimas se concentravam na entrada da cidade e diante das portarias da empresa para manifestar publicamente a demanda por reparação. O pedido de justiça foi, então, transformado em contravenção passível de multa. Onze atingidos pelos efeitos do vazamento da mineradora tornaram-se réus na justiça, por seguirem se manifestando. Em contrapartida, no dia 4 de fevereiro de 2021, a empresa fechou um acordo financeiro com o Estado e as instituições de justiça, sem a participação das famílias atingidas, que recorreram, sem sucesso, ao Supremo Tribunal Federal (STF), num processo de negociação que ocorreu sob segredo de justiça. Com esse acordo, resolveu-se por negociação nos tribunais o dano coletivo e difuso que a empresa provocou e, como consequência, ela pôde seguir operando no mercado internacional de commodities sem problemas com a justiça brasileira.

Além desse fato, o caráter ‘público’ projetado ao novo memorial pode ser questionado também ao considerarmos que o terreno no qual ele se localiza não faz parte do patrimônio público local, mas se tornou uma posse privada da empresa, que controlará o acesso e o uso do espaço construído. Nesse cenário, a criação do memorial assume a posição de uma notável via de expressão da mineradora sobre o evento catastrófico que ela própria causou, intervindo no espaço público e na paisagem sob o signo da ‘memória’.

O caso tem semelhança com o que acontece atualmente com o distrito de Bento Rodrigues, primeira comunidade destruída pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015, também de propriedade da Vale S.A. (Dupin & Machado, 2020Dupin, L. V., & Machado, B. R. (2020). Landscapes of isolation and disaster in Brazil. NACLA Report on the Americas, 52(3), 324-331. https://doi.org/10.1080/10714839.2020.1809102
https://doi.org/10.1080/10714839.2020.18...
). O local está sendo tombado atualmente em diferentes níveis12 12 No município, a discussão ocorre desde 2016, quando o Conselho do Patrimônio de Mariana (COMPAT) iniciou um processo de tombamento. Alguns bens imóveis inclusive já foram tombados de forma individual, como a Igreja de Nossa Senhora das Mercês, em Bento Rodrigues, e a Igreja de Santo Antônio, em Paracatu. Em âmbito estadual e federal, em maio de 2019, um dossiê elaborado por pesquisadores da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi entregue ao Ministério Público do estado para dar início ao processo de tombamento, que envolve um trabalho técnico das equipes do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), com vistas à realização do levantamento do que há no sítio histórico. , numa categoria chamada ‘sítio de memória sensível’, uma perspectiva de patrimonialização “que procura ultrapassar a perspectiva tradicional da conservação-baseada-na-matéria” para a “conservação-baseada-em-valores”, quer dizer, contenedora de significados que passou a ter pelo desastre tecnológico, cujos “remanescentes do antigo povoado são elementos essenciais, suporte para a formação e transmissão de uma memória coletiva” (Castriota, 2019Castriota, L. (2019). Lidando com um patrimônio sensível. O caso de Bento Rodrigues, Mariana MG. Arquitextos. https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.230/7423
https://vitruvius.com.br/revistas/read/a...
).

Para o tombamento, será necessário efetuar a consolidação das ruínas, que se apresentam em estados diferentes de deterioração e sobre as quais a natureza vai se impondo, tratando-as com produtos e impedindo que se dissolvam. A ideia é a de que Bento Rodrigues se torne um museu ou memorial ao ar livre, com sinalização, fotos de como eram as casas atingidas pelo rompimento da barragem e que contenha informações sobre a mineração na região. Porém, a questão de Bento Rodrigues se complexifica a partir do caráter da ação e da relação da comunidade e da empresa causadora da tragédia com o local.

Após o desastre, Bento Rodrigues foi isolada pela empresa, porém, desde 2016, um grupo de moradores costuma passar os finais de semana no distrito, o que tensiona o conflito entre a empresa e os antigos moradores13 13 Apenas depois de uma ação judicial, eles conseguiram ter acesso atualmente às suas casas. . Esses últimos veem no tombamento o risco de não poder voltar ao local e de perder suas casas pela segunda vez. Atualmente, o Ministério Público estadual está negociando um acordo com a empresa, a prefeitura de Mariana e o governo de Minas Gerais, para desapropriar as casas do distrito. Os moradores, que ainda hoje vivem em casas de parentes e em imóveis alugados pela mineradora ou hotéis na sede do município de Mariana, no centro da cidade, afastados dos laços familiares e de convivência longamente cultivados (Castriota, 2019Castriota, L. (2019). Lidando com um patrimônio sensível. O caso de Bento Rodrigues, Mariana MG. Arquitextos. https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.230/7423
https://vitruvius.com.br/revistas/read/a...
)14 14 Seis anos após a tragédia, nenhum morador foi ainda reassentado. , reclamam que a comunidade não foi consultada sobre o tombamento (ainda que os responsáveis pelo dossiê de tombamento digam o contrário)15 15 Para mais informações, ver Maciel (2019). . Vale ressaltar, ainda, que já houve, em 2016, por um decreto estadual, a desapropriação de uma parte do distrito para a construção de um novo dique da mineradora, realizada com a justificativa de conter os rejeitos que ainda desciam da barragem. À época, isso foi alvo de protestos dos moradores que tiveram suas propriedades alagadas pela obra e não haviam recebido nenhuma indenização da empresa.

Nos dois casos, as ruínas tombadas de Bento Rodrigues e o novo local de memória em Brumadinho são projetados como sítios para fazer lembrar dos eventos traumáticos e de suas vítimas fatais; apostam na evocação a um sentimento coletivo, como uma ‘perda de todos’ e, dessa forma, evitam abordar a longa história de manifestações e lutas sociais pelos direitos dos atingidos pelas barragens e mineradoras ativas em Minas Gerais. Valendo-se do luto para gerar um sentimento difuso de solidariedade às vítimas dos crimes socioambientais, a construção desses memoriais materializa uma intencionalidade na forma de perceber a paisagem e a sua relação com a passagem do tempo.

Como afirma Castriota (2019)Castriota, L. (2019). Lidando com um patrimônio sensível. O caso de Bento Rodrigues, Mariana MG. Arquitextos. https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.230/7423
https://vitruvius.com.br/revistas/read/a...
:

[Se] durante muito tempo a preservação do patrimônio esteve relacionada à comemoração de uma memória nacional grandiloquente e engendrada pelos governantes e órgãos públicos, destacando-se os objetos e locais relacionados às narrativas oficiais sobre o passado . . . . essa perspectiva tem mudado recentemente, com a ampliação do conceito de patrimônio e os significativos deslocamentos sofridos pelo campo nas últimas décadas. . . . Nota-se um interesse crescente em nível internacional e nacional naquilo que ficou conhecido como ‘patrimônio da dor’ ou ‘patrimônio difícil’.

Ainda que rememorar as vítimas fatais seja uma etapa importante das reparações demandadas pelas suas famílias e amigos, os memoriais que serão financiados pelas empresas mineradoras apresentam um tipo de memória distópica que emerge com os grandes desastres da mineração. Neles, prevalece uma narrativa dos eventos catastróficos que tende a minimizar os contínuos conflitos gerados pela exploração e arruinação da paisagem como era antes percebida e vivida pelas comunidades locais. Ao invés de observar a paisagem como um marcador da passagem do tempo e dos efeitos da mineração em geral, os memoriais enfocam um tempo-evento específico, de modo a singularizá-los, isolando-os da cadeia de eventos e alterações no ambiente provocadas pela mineração há séculos.

OUTRAS MEMÓRIAS: A SENSIBILIZAÇÃO CONTRA O MODELO DE MINERAÇÃO

Vale ressaltar que um dos elementos envolvidos no jogo político dos territórios afetados por essas tragédias, que se tornaram norma no modelo de desenvolvimento adotado (Zonta & Trocante, 2016Zonta, M., & Trocante, C. (Orgs.). (2016). A questão mineral no Brasil - antes fosse mais leve a carga: introdução aos argumentos e recomendações referentes ao desastre da Samarco/Vale/Bhpbilliton (Vol. 2). iGuana. https://www.ufjf.br/poemas/files/2016/11/Livro-Completo-com-capa.pdf
https://www.ufjf.br/poemas/files/2016/11...
), é representado pelas estratégias que se instalam para reconstruir a paisagem e inserir a memória considerada relevante no espaço remodelado, buscando também definir aquelas que não devem ser inscritas. Para as comunidades locais, disputar a memória é uma maneira de lutar pelo futuro e pela justiça social. Em tais contextos, a evocação do discurso de ‘lutas’ tem sido fundamental para apontar quem são ou não os sujeitos atingidos, quem são aqueles considerados responsáveis pelas tragédias e de que maneira elas ocorrem, implicando a afirmação de identidades, direitos e formas de reparação que devem ser executadas. Enfim, se, por um lado, a própria memória se apresenta como parte de uma política reparatória, por outro, ela se liga e condiciona a uma série de outras políticas a serem ou não implementadas e, por isso, existe uma disputa para inscrevê-la na paisagem (Figura 4).

Figura 4
Memorial no Santuário Arquidiocesano Nossa Senhora do Rosário, construído durante a ‘Romarias pela Ecologia Integral’.

Em sintonia com o que antropólogas feministas apontam (Tsing, 2015Tsing, A. (2015). AURA’s openings: unintentional design in the Anthropocene. In A. Tsing (Ed.), AURA Working Papers (Vol. 1). http://anthropocene.au.dk/working-papers-series/
http://anthropocene.au.dk/working-papers...
; Haraway, 2008Haraway, D. (2008). When species meet. University of Minnesota Press.; Stoetzer, 2018Stoetzer, B. (2018). Ruderal Ecologies: Rethinking Nature, Migration, and the Urban Landscape in Berlin. Cultural Anthropology, 33(2), 295-323. http://doi.org/10.14506/ca33.2.09
https://doi.org/10.14506/ca33.2.09...
), as ruínas podem ser entendidas não apenas como vestígios de um fim, mas como um começo. Abordando contextos de catástrofe, tais autoras defendem que a vida não chegou ao fim e que as gramáticas, os saberes e a memória que conformam esse futuro distópico, expresso na paisagem, devem ser pesquisados. É importante ir além da destruição e situar a análise nos desejos de forjar novas conexões que emergem, e perguntar como a tragédia preparou o cenário para mudanças nos termos da conectividade (Stoetzer, 2018Stoetzer, B. (2018). Ruderal Ecologies: Rethinking Nature, Migration, and the Urban Landscape in Berlin. Cultural Anthropology, 33(2), 295-323. http://doi.org/10.14506/ca33.2.09
https://doi.org/10.14506/ca33.2.09...
). No caso de Brumadinho, indagar que tipos de memória, sociabilidade e paisagem estão em disputa, sendo produzidas em tais espaços após o trauma.

As dinâmicas da vida continuam moldando o território construído pela soma de múltiplos atores, que emergem a partir da ‘oportunidade’ vista em novas formas que ultrapassam a reconstrução cuidadosamente gerenciada, retornando de forma heterogênea e inesperada nos escombros de uma atividade econômica altamente ameaçadora16 16 Pesquisas antropológicas recentes sobre mineração enfatizam que a atividade envolve não apenas mudanças nas paisagens, mas também transformações cosmológicas completas (High, 2017, p. 22). .

Nesse cenário, nota-se uma ascensão dos movimentos organizados na luta contra o modelo de mineração (Wanderley & Gonçalves, 2019Wanderley, L., & Gonçalves, R. J. (2019). Mineração e as escalas dos conflitos no espaço agrário brasileiro. Conflitos no Campo Brasil, 1, 132-141.). Atuando no estado e na região, temos o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração; a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAV); o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM); a Rede Igrejas e Mineração; o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), além de universidades e dezenas de organizações não governamentais. Esses e outros atores locais, organizados em diferentes formas de participação coletiva, buscam inserir sua memória na paisagem para chamar atenção para o caráter destrutivo da atividade. Assim, objetivam fazer com que as vítimas das tragédias da mineração sejam reparadas pelos danos socioambientais provocados e pelas violações de direitos sofridas, sem que isso aconteça por uma ótica vinda da própria empresa criminosa.

Para conseguir efetivar bases materiais de reparação e evitar novas tragédias, é necessário lutar por uma política de reparação que inscreva sua própria memória nesse espaço. Assim, outros memoriais – mas também outras formas de inscrever a memória na paisagem para além desses espaços demarcados – têm emergido na paisagem afetada pelas mãos de outros atores (Figura 4). Um exemplo são as ‘Romarias pela Ecologia Integral’, realizadas anualmente desde o rompimento, no desaniversário da tragédia em Brumadinho. Organizadas pela Arquidiocese de Belo Horizonte, em conjunto com pastorais, movimentos sociais, organizações não governamentais (ONG) e outras entidades da sociedade civil, estes eventos chamam atenção para as múltiplas dimensões catastróficas da atividade. No que tange ao efeito de suas ações memorialísticas, como afirmam seus organizadores, o que se cria, por intermédio de sua construção nos eventos, é:

. . . uma memória que torna presente e vivo o cotidiano do crime. Quando temos um espaço que pensa esse contato com as vítimas, o reconhecimento dessas pessoas é para além do fato delas não serem esquecidas. É para que elas estejam sempre presentes, alimentando a resistência e a luta por justiça17 17 Depoimento da socióloga Leila Regina da Silva, que trabalhava, na época, na construção de um desses memoriais. Sobre o tema, ver Cáritas-MG (2020). .

Em outros termos, trata-se de uma memória produzida enquanto denúncia e que mobiliza sentimentos como forma de comoção contra o modelo de mineração historicamente produtor de tragédias socioambientais. Essas ações mobilizam “mecanismos emocionais para a ação coletiva confrontadora”, para nos valer da expressão de Losekann (2018)Losekann, C. (2018). “Não foi acidente!” O lugar das emoções na mobilização dos afetados pela ruptura da barragem de rejeitos da mineradora Samarco no Brasil. In A. Zhouri (Org.), Mineração: violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil (pp. 65-110). Editorial iGuana.. Nesses espaços rituais de encontro, se demarcam subjetividades que mobilizam a luta contra a atividade e dão dimensão da diversidade de povos afetados (indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses etc.) por empreendimentos da mineração nessa e em outras regiões, dentre outros, tematizando a questão da preservação de recursos naturais, como a água, destoando do projeto monumental proposto pela Vale.

As diferenças não são apenas de perspectiva, mas da forma como o memorial se inscreve em relação ao espaço: na via oficial da empresa poluidora, como uma nova obra perene de arquitetura, uma criação material que compartilharia certa dimensão aurática da arte, mesmo se classificada como ‘arte pública’. As ações dos moradores também se diferenciam das políticas públicas de desenvolvimento implantadas, de construir algo novo sobre o que passou. A distopia que vem sendo inscrita no início século XXI, a partir da mineração, contrasta com o retrato da identidade local e nacional de riqueza, registrado no início do século passado e construído sob forte influência da atividade econômica.

Ao contrário da perspectiva adotada pelo ‘Memorial Brumadinho’ (Figura 5), com seu ‘mirante’ para a tragédia como um evento excepcional do passado, como um erro doloroso e passível de alegorização para ritualizar o luto, as formas populares de articulação da memória acentuam o caráter da paisagem como um território de vida e de exploração contínua há séculos. Em sua forma de atuar, os movimentos sociais e populares disputam a memória do território na chave de uma arqueologia política e afetiva que, desde as ruínas do presente, permite narrar uma longa e complexa história que interliga de modo vital seus integrantes, de ontem e de hoje.

Figura 5
Memorial construído pelos atingidos na entrada de Brumadinho inscreve através de fotos a memória das vítimas do rompimento na paisagem.
  • Dupin, L. V., & Pereira, E. (2022). De Minas às ruínas: o refazer da memória e da paisagem no pós-desastre de Brumadinho. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 17(3), e20210104. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2021-0104
  • 1
    No início dos anos 2000, a mineradora Vale do Rio Doce mudou de nome, com sua privatização, passando a se chamar apenas Vale S.A., tornando-se uma multinacional de capital aberto. O irônico e triste dessa história é que o rio Doce, que deu nome à empresa por quase meio século, foi destruído por outra tragédia provocada pela própria mineradora, em 2015.
  • 2
    Tradução nossa. “Ruination calls attention to both the constructive and destructive nature of infrastructure. Ruins remind us that infrastructures have the potential to offer numerous benefits but that they are also ultimately incapable of forever satisfying the tasks they are meant to carry out” (Howe et al., 2016Howe, C., Lockrem, J., Appel, H., Hackett, H., Boyer, D., Hall, R., . . . & Mody, C. (2016). Paradoxical infrastructures: ruins, retrofit, and risk. Science, Technology, and Human, 41(3), 547-565. https://www.jstor.org/stable/24778133
    https://www.jstor.org/stable/24778133...
    , p. 7).
  • 3
    Segundo a Secretaria de Saúde de Minas Gerais, o número de casos de dengue nos 22 municípios afetados pela ruptura da barragem aumentou de 859, em 2018, para 77.741, em 2019. Os de zika passaram de 23 para 309. Apenas em Brumadinho, passaram de 25, em 2018, para 2.105, em 2019. Na região de Mariana, onde ocorreu o rompimento da barragem do Fundão, em 2015, um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2019, com base no sistema de notificações do Sistema Único de Saúde (SUS) (Sistema de Informação de Agravos de Notificação - SINAN), mostra que a incidência de febre de chikungunya aumentou em 38 dos 45 municípios atingidos; a da doença aguda pelo vírus Zika, em 39 municípios; a febre-amarela, em 30. Os registros de casos de dengue aumentaram 10 vezes mais nos 45 municípios atingidos, em Minas Gerais e Espírito Santo, do que nos municípios-controle – que ficam na mesma região, mas não foram afetados diretamente pela tragédia.
  • 4
    Sobre o tema, ver o estudo realizado na região por pesquisadores do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (NACAB, 2020Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (NACAB). (2020). Diagnóstico emergencial: integração de pesquisas sobre meio físico e biótico. https://nacab.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Diagnostico-Emergencial.pdf
    https://nacab.org.br/wp-content/uploads/...
    ).
  • 5
    Conforme noticiado no site jornal O Tempo (Alves et al., 2021Alves, I. F., Ariadne, Q., Rocha, R., & Lagôa, T. (2021). Soterrados pelo descaso e pela dor da indiferença. O Tempo. https://www.otempo.com.br/hotsites/ta-tudo-bem/capitulo-oito
    https://www.otempo.com.br/hotsites/ta-tu...
    ).
  • 6
    Enquanto museus, em geral, podem funcionar como instituições de pesquisa, exposição, ensino, conservação ou salvaguarda de coleções relacionadas às mais diferentes áreas do saber, para além da história, os memoriais tendem a enfatizar o objetivo memorialístico de certos personagens, eventos, marcos temporais ou espaciais, importantes para a identidade de uma coletividade (étnica, local, nacional etc.). Eles podem ou não ser dotados de acervos, ainda que, em caso positivo, restringindo-se àqueles vinculados ao seu tema de vocação. Há, evidentemente, casos intermediários que complexificam a distinção conceitual entre memoriais e museus, como exemplificam os ‘museus de memória’ (Didi-Huberman, 2017Didi-Huberman, G. (2017). Cascas. Editora 34.) e os chamados centros culturais, de natureza heteróclita.
  • 7
    No termo de referência para a concepção arquitetônica do projeto, a mineradora afirma que “a origem do memorial se deu a partir da escuta das comunidades envolvidas, governo e do diálogo com os familiares, em especial com aqueles representados pela AVABRUM” (Vale S.A., s/d). Portanto, ela aponta a origem do projeto como vinda das famílias, seguida de um consenso estabelecido com a empresa e o poder público.
  • 8
    A discussão sobre patrimônio sensível é relativamente recente e continua em pauta. A categoria ‘sítio de memória sensível’, por exemplo, foi sumarizada em um documento de 2018, preparado para a International Coalition of Sites of Conscience, que define estes locais como “uma localidade específica com evidência arquitetônica ou arqueológica, ou mesmo com específicas características de paisagem, que podem ser relacionadas aos aspectos memoriais do lugar” E ainda “são lugares que estão revestidos com significado histórico, social ou cultural por causa do que aconteceu ali no passado. Tais lugares podem ser de significado particular, dado o seu papel na formação da identidade de uma comunidade ou nação” (Castriota, 2019Castriota, L. (2019). Lidando com um patrimônio sensível. O caso de Bento Rodrigues, Mariana MG. Arquitextos. https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.230/7423
    https://vitruvius.com.br/revistas/read/a...
    ). Porém, este artigo não tem por objetivo se aprofundar nessa discussão que envolve categorias de patrimônio e, sim, analisar a narrativa sobre a paisagem traumática que o memorial aciona.
  • 9
    Esta e as próximas citações se baseiam no material disponível em Gustavo Penna Arquitetos & Associados (s/d).
  • 10
    As informações mencionadas sobre o memorial estão baseadas na descrição fornecida pelo escritório de arquitetura responsável pelas obras (Gustavo Penna Arquitetos & Associados, s/dGustavo Penna Arquitetos & Associados. (s/d.). Memorial Brumadinho. https://www.gustavopenna.com.br/memorialbrumadinho
    https://www.gustavopenna.com.br/memorial...
    ) e na descrição disponibilizada pela própria Vale S.A. (2020)Vale S.A. (2020). Memorial em homenagem às vítimas do rompimento. Vale S.A..
  • 11
    Novamente, “a vida feroz tira proveito da perturbação humana para fazer suas próprias coisas” (Tsing, 2019Tsing, A. (2019). Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. IEB Mil Folhas.).
  • 12
    No município, a discussão ocorre desde 2016, quando o Conselho do Patrimônio de Mariana (COMPAT) iniciou um processo de tombamento. Alguns bens imóveis inclusive já foram tombados de forma individual, como a Igreja de Nossa Senhora das Mercês, em Bento Rodrigues, e a Igreja de Santo Antônio, em Paracatu. Em âmbito estadual e federal, em maio de 2019, um dossiê elaborado por pesquisadores da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi entregue ao Ministério Público do estado para dar início ao processo de tombamento, que envolve um trabalho técnico das equipes do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), com vistas à realização do levantamento do que há no sítio histórico.
  • 13
    Apenas depois de uma ação judicial, eles conseguiram ter acesso atualmente às suas casas.
  • 14
    Seis anos após a tragédia, nenhum morador foi ainda reassentado.
  • 15
    Para mais informações, ver Maciel (2019)Maciel, A. (2019, 10 set.). Proposta de desapropriação surpreende moradores de Mariana. Pública. https://apublica.org/2019/09/proposta-de-desapropriacao-surpreende-moradores-de-mariana/
    https://apublica.org/2019/09/proposta-de...
    .
  • 16
    Pesquisas antropológicas recentes sobre mineração enfatizam que a atividade envolve não apenas mudanças nas paisagens, mas também transformações cosmológicas completas (High, 2017High, M. M. (2017). Fear and fortune: spirit worlds and emerging economies in the Mongolian Gold Rush. Cornell University Press., p. 22).
  • 17
    Depoimento da socióloga Leila Regina da Silva, que trabalhava, na época, na construção de um desses memoriais. Sobre o tema, ver Cáritas-MG (2020)Cáritas-MG. (2020). Romaria em Brumadinho destaca Ecologia Integral e necessidade de uma nova relação com a Casa Comum. Caritás Brasileira Regional Minas. http://mg.caritas.org.br.s174889.gridserver.com/romaria-em-brumadinho-destaca-ecologia-integral-e-necessidade-de-uma-nova-relacao-com-casa-comum/
    http://mg.caritas.org.br.s174889.gridser...
    .

REFERÊNCIAS

  • Aedas. (2021). Lideranças comunitárias de Brumadinho se reúnem com a Aedas e denunciam demolições sem aviso prévio. Aedas https://www.aedasmg.org/post/liderancas-comunitarias-de-brumadinho-se-reunem-com-a-aedas-e-denunciam-demolicoes-sem-aviso-previo
    » https://www.aedasmg.org/post/liderancas-comunitarias-de-brumadinho-se-reunem-com-a-aedas-e-denunciam-demolicoes-sem-aviso-previo
  • Alves, I. F., Ariadne, Q., Rocha, R., & Lagôa, T. (2021). Soterrados pelo descaso e pela dor da indiferença. O Tempo https://www.otempo.com.br/hotsites/ta-tudo-bem/capitulo-oito
    » https://www.otempo.com.br/hotsites/ta-tudo-bem/capitulo-oito
  • Cáritas-MG. (2020). Romaria em Brumadinho destaca Ecologia Integral e necessidade de uma nova relação com a Casa Comum. Caritás Brasileira Regional Minas http://mg.caritas.org.br.s174889.gridserver.com/romaria-em-brumadinho-destaca-ecologia-integral-e-necessidade-de-uma-nova-relacao-com-casa-comum/
    » http://mg.caritas.org.br.s174889.gridserver.com/romaria-em-brumadinho-destaca-ecologia-integral-e-necessidade-de-uma-nova-relacao-com-casa-comum/
  • Carvalho, J. M. (1990). A formação das almas: o imaginário da República no Brasil Companhia das Letras.
  • Castriota, L. (2019). Lidando com um patrimônio sensível. O caso de Bento Rodrigues, Mariana MG. Arquitextos https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.230/7423
    » https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.230/7423
  • Choay, F. (2000). Alegoria do patrimônio UNESP.
  • Chua, L., & Fair, H. (2019). Anthropocene. The Cambridge Encyclopedia of Anthropology https://www.anthroencyclopedia.com/entry/anthropocene
    » https://www.anthroencyclopedia.com/entry/anthropocene
  • Deutsche, R. (1992). Public art and its uses. In H. Senie & S. Webster (Orgs.), Critical issues in public art (pp. 158-170). HapperCollins.
  • Didi-Huberman, G. (2017). Cascas Editora 34.
  • Dupin, L. V., & Machado, B. R. (2020). Landscapes of isolation and disaster in Brazil. NACLA Report on the Americas, 52(3), 324-331. https://doi.org/10.1080/10714839.2020.1809102
    » https://doi.org/10.1080/10714839.2020.1809102
  • Fabre, D. (Dir.). (2013). Émotions patrimoniales (Coll. Ethnologie de la France). Éditions de la Maison des Sciences de l’Homme.
  • Gomide, C. S., Coelho, T. P., Trocate, C., Milanez, B., & Wanderley, L. J. M. (Orgs.). (2018). Dicionário crítico de mineração iGuana.
  • Gonçalves, R. (1996). A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil Editora UFRJ/IPHAN.
  • Gustavo Penna Arquitetos & Associados. (s/d.). Memorial Brumadinho https://www.gustavopenna.com.br/memorialbrumadinho
    » https://www.gustavopenna.com.br/memorialbrumadinho
  • Haraway, D. (2008). When species meet University of Minnesota Press.
  • High, M. M. (2017). Fear and fortune: spirit worlds and emerging economies in the Mongolian Gold Rush Cornell University Press.
  • Howe, C., Lockrem, J., Appel, H., Hackett, H., Boyer, D., Hall, R., . . . & Mody, C. (2016). Paradoxical infrastructures: ruins, retrofit, and risk. Science, Technology, and Human, 41(3), 547-565. https://www.jstor.org/stable/24778133
    » https://www.jstor.org/stable/24778133
  • Ingold, T. (2000). The perception of the environment Routledge.
  • Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica Editora 34.
  • Logan, W., & Reeves, K. (Eds.). (2009). Places of pain and shame Dealing with ‘difficult heritage’ Routledge.
  • Losekann, C. (2018). “Não foi acidente!” O lugar das emoções na mobilização dos afetados pela ruptura da barragem de rejeitos da mineradora Samarco no Brasil. In A. Zhouri (Org.), Mineração: violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil (pp. 65-110). Editorial iGuana.
  • Maciel, A. (2019, 10 set.). Proposta de desapropriação surpreende moradores de Mariana. Pública https://apublica.org/2019/09/proposta-de-desapropriacao-surpreende-moradores-de-mariana/
    » https://apublica.org/2019/09/proposta-de-desapropriacao-surpreende-moradores-de-mariana/
  • Machado, L. G. (1978). Barroco mineiro Perspectiva.
  • Meneguello, C. (2020). Patrimônios difíceis (sombrios). In A. Carvalho & C. Meneguello (Orgs.), Dicionário temático de patrimônio: debates contemporâneos (pp. 245-248). UNICAMP.
  • Nora, P. (1993). Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História, 10, 7-28.
  • Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (NACAB). (2020). Diagnóstico emergencial: integração de pesquisas sobre meio físico e biótico. https://nacab.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Diagnostico-Emergencial.pdf
    » https://nacab.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Diagnostico-Emergencial.pdf
  • Pereira, E. (2021a). Monumentos urbanos e arte pública: Os obeliscos em rotação. Arte e Ensaios, 27, 251-278.
  • Pereira, E. (2021b). Do Holocausto à terra prometida: a criação de um memorial na paisagem carioca. In E. Giumbelli & F. A. Peixoto (Orgs.), Arte e religião: passagens, cruzamentos, embates (pp. 121-158). ABA Publicações.
  • Ragazzi, L., & Rocha, M. (2019). Brumadinho: a engenharia de um crime Letramento.
  • Silva, A., F., & Faulhaber, P. (2020). Bento Rodrigues e a memória que a lama não apagou: o despertar para o patrimônio na (re)construção da identidade no contexto pós-desastre. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas, 15(1), e20200126. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0126
    » https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0126
  • Simmel, G. (1996). A filosofia da paisagem. Revista de Ciências Sociais: Política e Trabalho, (12), 15-24. https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/politicaetrabalho/article/view/6380
    » https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/politicaetrabalho/article/view/6380
  • Stoetzer, B. (2018). Ruderal Ecologies: Rethinking Nature, Migration, and the Urban Landscape in Berlin. Cultural Anthropology, 33(2), 295-323. http://doi.org/10.14506/ca33.2.09
    » https://doi.org/10.14506/ca33.2.09
  • Tsing, A. (2015). AURA’s openings: unintentional design in the Anthropocene. In A. Tsing (Ed.), AURA Working Papers (Vol. 1). http://anthropocene.au.dk/working-papers-series/
    » http://anthropocene.au.dk/working-papers-series/
  • Tsing, A. (2019). Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno IEB Mil Folhas.
  • Vale S.A. (2020). Memorial em homenagem às vítimas do rompimento. Vale S.A
  • Vale S.A. (s/d). Termo de Referência para concepção inicial do partido arquitetônico de um espaço de memória em homenagem às vítimas do rompimento da barragem I, em Brumadinho. Vale S.A http://www.vale.com/brasil/pt/aboutvale/news/documents/versaofinal_valecom_tr_espa%c3%a7o%20de%20mem%c3%b3ria_brumadinho_homenagem%20%c3%a0s%20v%c3%adtimas_vf%20_rev_case%20comunica%c3%a7%c3%a3o.pdf
    » http://www.vale.com/brasil/pt/aboutvale/news/documents/versaofinal_valecom_tr_espa%c3%a7o%20de%20mem%c3%b3ria_brumadinho_homenagem%20%c3%a0s%20v%c3%adtimas_vf%20_rev_case%20comunica%c3%a7%c3%a3o.pdf
  • Vasconcelos, D. (2014). História da civilização mineira: bispado de Mariana Autêntica.
  • Wanderley, L., & Gonçalves, R. J. (2019). Mineração e as escalas dos conflitos no espaço agrário brasileiro. Conflitos no Campo Brasil, 1, 132-141.
  • Young, J. E. (1992). The counter-monument: Memory against itself in Germany today. Critical Inquiry, 18(2), 267-296. https://www.jstor.org/stable/1343784
    » https://www.jstor.org/stable/1343784
  • Zhouri, A. (Org.) (2018). Mineração, violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil iGuana/ABA.
  • Zonta, M., & Trocante, C. (Orgs.). (2016). A questão mineral no Brasil - antes fosse mais leve a carga: introdução aos argumentos e recomendações referentes ao desastre da Samarco/Vale/Bhpbilliton (Vol. 2). iGuana. https://www.ufjf.br/poemas/files/2016/11/Livro-Completo-com-capa.pdf
    » https://www.ufjf.br/poemas/files/2016/11/Livro-Completo-com-capa.pdf
Responsabilidade editorial: Marília Xavier Cury

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Nov 2021
  • Aceito
    02 Jun 2022
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br