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Emília Snethlage (1868-1929) e as razões para comemorar seus 150 anos de nascimento

Emilia Snethlage (1868-1929) and the reasons for celebrating 150 years since her birth

Resumo

O documento apresenta um pouco da trajetória da primeira mulher a fazer parte de uma instituição de pesquisa no Brasil: a alemã Emília Snethlage (1868-1929), uma mulher que iniciou a pesquisa sobre as aves na região amazônica. Inicialmente, são destacadas algumas questões sobre a vida e a obra desta cientista, assim como aspectos gerais concernentes à história da ciência e aos estudos de gênero. Por fim, apresenta-se uma reprodução revisada e atualizada de um artigo de jornal de Osvaldo Rodrigues da Cunha (1928-2011), publicado em 15 de novembro de 1985, o qual também representa uma figura importante para o Museu Paraense Emílio Goeldi.

Palavras-chave
Emília Snethlage; Gênero; Ornitologia; Amazônia

Abstract

The document presents a portion of the trajectory of the first woman to be part of a Brazilian research institution. Emilia Snethlage (1868-1929) was a German-born woman who began to study the birds of the Amazon region. We initially point out questions about the life and work of this scientist, as well as general aspects of the history of science and gender studies. We also present a revised and updated reproduction of a newspaper article published on November 15, 1985 by Osvaldo Rodrigues da Cunha (1928–2011), who was also an important researcher at for the Museu Paraense Emílio Goeldi.

Keywords
Emilia Snethlage; Gender; Ornithology; Amazônia

Henriette Mathilde Maria Elizabeth Emilie Snethlage nasceu em uma família protestante, em Kraatz, na província prussiana de Brandenburg, em 13 de abril de 1868 (Figura 1).

Figura 1
Retrato de Emília Snethlage. Fonte: Sanjad et al. (2013)SANJAD, Nelson; SNETHLAGE, Rotger Michael; JUNGHANS, Miriam; OREN, David Conway. Emília Snethlage (1868-1929): um inédito relato de viagem ao rio Tocantins e o obituário de Emil-Heinrich Snethlage. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 8, n. 1, p. 195-221, jan./abr. 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222013000100012.
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Seus principais biógrafos, Snethlage, Emil-Heinrich (1930) e Cunha (1989)CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Maria Elizabeth Emília Snethlage. In: CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Talento e atitude: estudos biográficos do Museu Emílio Goeldi, I. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1989. p. 83-102. (Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira)., destacam que Emília ficou órfã de mãe, a senhora Elizabeth Rosenfeld, muito cedo. Ela e seus três irmãos foram criados e educados pelo pai, Emil Snethlage, um pastor luterano. A formação de Emília teria sido bastante rígida, mas isso não lhe deixou marcas negativas. Pelo contrário, ela tornou-se uma mulher dedicada não somente à ciência, mas também solidária com seus irmãos, sobrinhos e amigos.

A menina Emília demonstrou desde cedo interesse pela ciência. No jardim de sua casa, capturava aves e depois as estudava. Segundo Cunha (1985, p. 1)CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Maria Emília Snethlage (1868-1929) – a primeira mulher cientista na Amazônia. Jornal O Liberal, Belém, 15 nov. 1985. Caderno Atualidades., “[...] ainda menina enviava as suas anotações ao prof. Rudolf Blasius, especialista em aves, que as publicava na revista Journal für Ornithologie”. Emília, quando criança, também leu livros sobre a natureza tropical e relatos de viajantes. Entre eles, o da austríaca Ida Pfeiffer (1797-1858), que se lançou em viagens de exploração do mundo aos 45 anos de idade. Em algumas de suas cartas, Emília lembrava desse tempo de criança, de gostar de ficar no meio de animais e plantas, de sonhar em conhecer os trópicos.

Essa menina cresceu e, como muitas mulheres de sua época, demorou a se integrar nas universidades da Alemanha. Conseguiu ingressar na Universidade de Berlim somente em 1899, com mais de 30 anos, para estudar história natural. Sua tese sobre a musculatura de artrópodes foi bastante apreciada, logo encontrando possibilidade de trabalho com o ornitólogo alemão Anton Reichenow. Foi por meio dele que Emília soube da vaga existente no museu de Belém, então dirigido por Emílio Goeldi (Sanjad et al., 2013SANJAD, Nelson; SNETHLAGE, Rotger Michael; JUNGHANS, Miriam; OREN, David Conway. Emília Snethlage (1868-1929): um inédito relato de viagem ao rio Tocantins e o obituário de Emil-Heinrich Snethlage. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 8, n. 1, p. 195-221, jan./abr. 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222013000100012.
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) (Figura 2). Segundo Corrêa (2003, p. 93)CORRÊA, Mariza. A Dra. Emília & o detalhe etnográfico. In: CORRÊA, Mariza. Antropólogas & Antropologia. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003. p. 91-105.:

[...] entre os fatores considerados por Emília Snethlage ao tomar a decisão de transferir-se para a Amazônia certamente estava a oportunidade de desenvolver uma trajetória profissional de alcance mais amplo, e sua resolução mostrou-se, neste aspecto, acertada.

Figura 2
Emília Snethlage (em pé) no Museu Paraense, em Belém, Pará, no início do século XX. Fonte: acervo do Fundo Emília Snethlage, do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém.

Emília Snethlage foi a primeira mulher a ocupar um cargo público em uma instituição de pesquisa no Brasil. A trajetória dela é significativa, ao trazer pontos interessantes para uma reflexão sobre a inserção das mulheres no meio acadêmico, científico e museológico do país e do mundo. A primeira reflexão é justamente sobre sua invisibilidade como mulher nas fontes existentes no Arquivo Guilherme de La Penha, do Museu Paraense Emílio Goeldi, e em outras instituições. Nota-se, por exemplo, que Emília assinava ofícios, cartas e trabalhos científicos como ‘E. Snethlage’, não deixando transparecer aos destinatários e aos leitores sua identidade feminina1 1 Essas informações estão em cartas que fazem parte do acervo do Fundo Emília Snethlage, do Museu Paraense Emílio Goeldi, e que, ao lê-las em pesquisa de campo para este trabalho, se notou que a assinatura não demonstra sua identidade. . É interessante ver uma fonte da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, onde o título e o nome de Emília aparecem no masculino (Figura 3), demonstrando a invisibilidade de sua ‘identidade’ de cientista e mulher. Não raro, referia-se a si própria usando palavras, expressões e frases no masculino, uma estratégia discursiva (e política) também utilizada por outras mulheres no mesmo período, como Octavie Coudreau (Ferretti, 2017FERRETTI, Federico. Imperial ambivalences. Histories of lady travellers and the French explorer Octavie Renard-Coudreau (1867-1938). Geografiska Annaler: Series B, Human Geography, Londres, v. 99, n. 3, p. 238-255, June 2017. DOI: https://doi.org/10.1080/04353684.2017.1353887.
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). Por outro lado, sua escrita científica era bastante sóbria e objetiva, assim como os documentos oficiais que assinava, diferentemente das cartas que enviava para pessoas mais íntimas, como a seus irmãos, na Alemanha, repletas de expressões carinhosas e observações pessoais.

Figura 3
Lista de cargos e funções do Museu Goeldi no ano de 1908, Coleção Almanak.

A presença de Emília na região amazônica, no início do século XX, é um marco para a inserção da mulher no campo científico e também para a ampliação do papel feminino na sociedade local. Segundo Junghans (2008, p. 244)JUNGHANS, Miriam. Emília Snethlage (1868-1929): uma naturalista alemã na Amazônia. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 243-255, jun. 2008. Suplemento. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702008000500013.
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“A historiografia das ciências no Brasil apresenta, até agora, poucos exemplos da atuação feminina no campo das ciências naturais antes da fundação das universidades na década de 1930”. Muitos relatos acerca de Emília apresentam-na enquanto exímia coletora e destemida viajante, que, em 1909, fez a travessia a pé entre o Xingu e o Tapajós, acompanhada apenas por índios (Snethlage, Emil-Heinrich, 1930SNETHLAGE, Emil-Heinrich. Dr. Emilie Snethlage zum Gedächtnis. Journal für Ornithologie, Berlim, v. 78, n. 1, p. 123-134, Jan. 1930.; Snethlage, Emília, 1913aSNETHLAGE, Emília. A travessia entre o Xingu e o Tapajós. Boletim do Museu Goeldi de Historia Natural e Ethnographia, Belém, v. 7, p. 49-92, 1913a [1910]. [1910]). Nessa viagem, Dra. Emília, como era conhecida entre seus pares, em sua maioria homens, amputou seu próprio dedo, ao ser mordida por uma piranha.

Os estudos de Junghans (2008JUNGHANS, Miriam. Emília Snethlage (1868-1929): uma naturalista alemã na Amazônia. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 243-255, jun. 2008. Suplemento. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702008000500013.
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, 2009JUNGHANS, Miriam. Avis Rara: a trajetória científica da naturalista alemã Emília Snethlage (1868-1929) no Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2009., 2010JUNGHANS, Miriam. Emília Snethlage (1868-1929): o heroísmo como estratégia de legitimação da ciência. In: CONGRESSO IBEROAMERICANO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E GÊNERO, 8., 2010, Curitiba. Anais [...]. Curitiba: UTFPR, 2010. p. 1-17. Disponível em: http://fabioschunck.com.br/site/wp-content/uploads/2016/11/Em%C3%ADlia_Snethlage_03.pdf. Acesso em: 25 jan. 2017.
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, 2011JUNGHANS, Miriam. Abrindo as gavetas: Emília Snethlage (1868-1929) e as coleções ornitológicas do Museu Goeldi e do Museu Nacional do Rio de Janeiro em 1922. In: LOPES, Maria Margaret; HEIZER, Alda (org.). Colecionismos, práticas de campo e representações. Campina Grande: EdUEPB, 2011. p. 61-73., 2016)JUNGHANS, Miriam. Among birds and net(work)s: material and social practices in the trajectory of ornithologist Emilie Snethlage (1868-1929). HoST History of Science and Technology, Berlim, v. 10, n. 1, p. 71-101, Sept. 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.1515/host-2016-0004.
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apresentam uma descrição do caminho percorrido por Emília no Brasil. Sua trajetória de vida, desde a vinda para o país, passando por suas pesquisas e trabalhos realizados no Museu Goeldi, principalmente. Junghans revela uma mulher que gostava do seu trabalho, para quem as aves e a natureza, em geral, eram o espaço de vivência mais profunda. Sua chegada à Amazônia, no início do século XX, apontava para uma mudança com relação à posição em que as mulheres vinham ocupando na ciência.

Nos escritos de Junghans (2008JUNGHANS, Miriam. Emília Snethlage (1868-1929): uma naturalista alemã na Amazônia. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 243-255, jun. 2008. Suplemento. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702008000500013.
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, 2009)JUNGHANS, Miriam. Avis Rara: a trajetória científica da naturalista alemã Emília Snethlage (1868-1929) no Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2009., nota-se uma cientista buscando nos trópicos possibilidades de ampliar seus estudos, que já eram realizados na Europa. Sua dissertação sobre a musculatura dos artrópodes foi o começo de vários trabalhos nas ciências naturais. Dessa produção, a pesquisadora partiu para as aves amazônicas e, assim, construiu sua carreira científica. Emília foi além das pesquisas sobre pássaros, passando pela etnografia, quando também investigou a língua dos indígenas das tribos Chipaia e Curuaé, no ano de 1912, pelo Museu Goeldi, trazendo a publicação de um vocabulário comparativo dessas populações (Snethlage, Emília, 1913bSNETHLAGE, Emília. Vocabulário comparativo dos Índios Chipayas e Curuahé. Boletim do Museu Goeldi de Historia Natural e Ethnographia, Belém, v. 7, p. 93-99, 1913b [1910]. [1910]).

Emília conseguiu alcançar patamares importantes no cenário científico na Amazônia, que se estendia do território nacional às instituições internacionais, como museus de história natural, principalmente. Ela percorria os espaços museais europeus estudando suas coleções, garantindo, assim, ao Goeldi e ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, onde veio a trabalhar a partir de 1922, notoriedade no colecionismo de espécies como as aves brasileiras (Junghans, 2011JUNGHANS, Miriam. Abrindo as gavetas: Emília Snethlage (1868-1929) e as coleções ornitológicas do Museu Goeldi e do Museu Nacional do Rio de Janeiro em 1922. In: LOPES, Maria Margaret; HEIZER, Alda (org.). Colecionismos, práticas de campo e representações. Campina Grande: EdUEPB, 2011. p. 61-73.). Emília passou por algumas adversidades durante a construção de sua carreira, mas que não a desestimularam a buscar novas investigações sobre a natureza brasileira até o fim de sua jornada.

Entre essas adversidades, destaca-se o momento do falecimento de Huber, então diretor do Museu, ocorrido em fevereiro de 1914, quando ela assumiu interinamente a direção da instituição. Isso ocorreu em meio à Primeira Guerra, período em que as divergências entre o Brasil e a Alemanha foram ficando mais complicadas, e Emília teve de ser afastada do cargo, em março de 1918 (Cunha, 1989CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Maria Elizabeth Emília Snethlage. In: CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Talento e atitude: estudos biográficos do Museu Emílio Goeldi, I. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1989. p. 83-102. (Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira).). Além desses embaraços, ela também passou por situações que depunham quanto à sua condição de gestora do museu, bem como por questões concernentes ao fato de ser mulher, quando fora acusada durante sua gestão de desvio da alimentação dos animais, como relata Cunha (1989)CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Maria Elizabeth Emília Snethlage. In: CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Talento e atitude: estudos biográficos do Museu Emílio Goeldi, I. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1989. p. 83-102. (Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira)., em seu estudo biográfico acerca de Emília.

Mesmo com essas atribulações, Emília Snethlage continuou seu trabalho no Museu Goeldi, entre 1919 e 1921, procurando dar prosseguimento às suas pesquisas. Inclusive, durante o período em que esteve afastada, realizou estudos ornitológicos e ecológicos importantes na região bragantina, quando esteve na comunidade de Santo Antônio do Prata. Ao retornar à instituição, publicou o artigo “Nature and man in Eastern Pará” na revista americana The Geographical Review (Cunha, 1989CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Maria Elizabeth Emília Snethlage. In: CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Talento e atitude: estudos biográficos do Museu Emílio Goeldi, I. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1989. p. 83-102. (Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira).). Assim, apesar de todos esses infortúnios, Emília seguiu o caminho na pesquisa científica.

Enquanto cientista, o trabalho de Snethlage não demorou muito para repercutir no Brasil e no exterior. A sua principal obra, o “Catálogo das aves amazônicas” (Snethlage, Emília, 1914SNETHLAGE, Emília. Catálogo das aves amazônicas, contendo todas as espécies descriptas e mencionadas até 1913. Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia, Belém, v. 8, p. 1-530, 1914.), que reúne as espécies de aves conhecidas na região até aquele momento, atesta sua enorme capacidade de trabalho em campo e no gabinete, além de evidenciar método e disciplina na condução de um projeto científico de grande envergadura. A publicação do catálogo foi amplamente reconhecida pelos cientistas da época e, posteriormente, considerada o ‘marco zero’ da ornitologia brasileira (Sick, 1997SICK, Helmut. Ornitologia brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.). É importante destacar a participação ativa de uma mulher na construção do conhecimento científico não apenas no Brasil, mas no mundo neotropical em geral.

No que diz respeito à história da ciência e às mulheres, o trabalho do naturalista Louis Agassiz já vinha chamando a atenção nas redes científicas na Amazônia, como expõe Sanjad (2010)SANJAD, Nelson. A coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República (1866-1907). Brasília: IBRAM, 2010., e, por consequência, o de sua esposa Elizabeth Agassiz também entrava nesse cenário, mesmo que ela não fosse uma cientista e/ou naturalista, como eram denominados na época esses pesquisadores. Após alguns anos de consolidação do Museu Goeldi no cenário amazônico e nacional, Emília Snethlage veio a ocupar espaço na instituição. Faz-se importante ressaltar a trajetória da antropóloga Heloisa Alberto Torres, que foi a primeira diretora do Museu Nacional do Rio de Janeiro (Corrêa, 1997CORRÊA, Mariza. Dona Heloisa e a pesquisa de campo. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 11-44, jan. 1997. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-77011997000100002.
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) e que, em idos de 1940, realizou pesquisa sobre a cerâmica marajoara, no arquipélago do Marajó, destacando peças dos primeiros habitantes indígenas da região, oriundas do período pré-colombiano (Torres, 1940TORRES, Heloísa Alberto. Arte indígena da Amazônia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1940.).

Quanto ao gênero, destaca-se que as mulheres pouco apareciam nesse momento histórico das viagens e da ciência. No texto de Carey McCormack, no entanto, elas já despontavam em muitas viagens, principalmente na Ásia, figurando nas áreas das ciências naturais; o próprio Wallace fala do trabalho de Ida Pfeiffer, já mencionada, uma “[...] naturalista austríaca, e cujos dois livros de viagem financiaram sua missão de coleta para Cingapura, China, Penang e Ceilão, em 1840” (McCormack, 2017MCCORMACK, Carey. Collection and discovery: indigenous guides and Alfred Russel Wallace in Southeast Asia, 1854-1862. Journal of Indian Ocean World Studies, Quebec, v. 1, p. 110-127, Sept. 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.26443/jiows.v1i1.22.
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, p. 121, tradução nossa). Neste texto, percebe-se, então, que o feminino já ganhava espaço nas viagens e, consequentemente, nas pesquisas científicas, evidenciando, assim, as primeiras contribuições das mulheres nesses campos, até então dominados por homens.

Considerável discussão acerca dos caminhos femininos na ciência brasileira está em destaque nos trabalhos de Harding (1993)HARDING, Sandra. A instabilidade das categorias analíticas na teoria feminista. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 7-31, quad. 1993., Scott (1995)SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995., Lopes (1998)LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 345-368, quad. 1998., Silva (1998)SILVA, Elizabeth Bortolaia. Desconstruindo gênero em ciência e tecnologia. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 7-20, quad. 1998., Azevedo et al. (2004)AZEVEDO, Nara; CORTES, Bianca Antunes; FERREIRA, Luiz Otávio; SÁ, Magali Romero. Gênero e ciência: a carreira científica de Aída Hassón-Voloch. Cadernos Pagu, Campinas, n. 23, p. 355-387, jul./dez. 2004. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332004000200012.
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, Carvalho (2011)CARVALHO, Marilia Gomes de. Ciência, tecnologia, gênero e os paradigmas científicos. Curitiba: Ed. UTFPR, 2011. p. 1-9., Olinto (2011)OLINTO, Gilda. A inclusão das mulheres nas carreiras de ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão Social, Brasília, v. 5, n. 1, p. 68-77, jul./dez. 2011. e, mais recentemente, Sombrio (2014)SOMBRIO, Mariana Moraes de Oliveira. Em busca pelo campo: ciências, coleções, gênero e outras histórias sobre mulheres viajantes no Brasil em meados do século XX. 2014. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014.. As autoras expõem a construção da categoria gênero e dissertam sobre a importante participação do papel feminino na edificação das ciências naturais e humanas no Brasil, destacando a atuação de mulheres como Bertha Lutz, Heloísa Alberto Torres e Aída Hassón-Voloch como fundamental para estabelecer as bases para as pesquisas científicas que reverberam até os dias de hoje. Nesses trabalhos, é possível perceber como essas mulheres tiveram que avançar em relação à sua própria condição feminina, para, assim, ingressar no campo científico, marcadamente masculino desde sua concepção teórica.

Ao se traçar uma linha teórica da categoria gênero destacam-se as leituras de Harding (1993)HARDING, Sandra. A instabilidade das categorias analíticas na teoria feminista. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 7-31, quad. 1993. e Scott (1995)SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995., em trabalhos nos quais elas fazem uma interpretação de que a investigação acerca deste assunto deve ir além de uma concepção única do ser ‘a mulher’, mas de que existem ‘as mulheres’. De acordo com Scott (1995)SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995., há a interseccionalidade do sujeito, e este possui uma raça, uma classe, enfim, um marcador social. E isso se nota ao olhar Snethlage, uma mulher branca, de classe abastada e com instrução. Tratam-se de debates importantes, pois, como enfatizado por Harding (1993)HARDING, Sandra. A instabilidade das categorias analíticas na teoria feminista. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 7-31, quad. 1993., a categoria analítica feminina se mantém nesse patamar teórico, enfrentando uma instabilidade de posicionamento na sociedade, reverberada no mundo científico.

No artigo “Des-construindo gênero em ciência e tecnologia”, Silva (1998)SILVA, Elizabeth Bortolaia. Desconstruindo gênero em ciência e tecnologia. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 7-20, quad. 1998. expõe, de forma significativa, como a concepção masculina está ligada diretamente aos padrões da ciência e da tecnologia e, tal como Scott (1995)SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995., denota a existência de marcadores que devem ultrapassar o binarismo masculino x feminino e, mais ainda, afirma que o gênero deve avançar no que concerne à raça e à classe, como se vê no trecho:

Concordo com o argumento de que ciência e tecnologia são no mundo atual construções predominantemente masculinas. Mas ressalto a importância de analisar e teorizar diferenças não apenas a partir de uma oposição básica entre os gêneros. É preciso reconhecer que as opressões e lutas de gênero não são universais. Outras diferenças têm que ser ressaltadas: raça, etnicidade e classe não precisam ser invisibilizadas para gênero se tornar visível.

(Silva, 1998SILVA, Elizabeth Bortolaia. Desconstruindo gênero em ciência e tecnologia. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 7-20, quad. 1998., p. 12).

O que se depreende é que a ciência se torna um campo no qual as mulheres vêm atuando desde o final do século XIX e permanecendo ao longo do século XX.

A construção desses caminhos na historiografia científica não foi tão fácil, argumento corroborado por Margaret Lopes, como discutido adiante.

Na trajetória de Emília Snethlage, verifica-se que sua entrada no mundo científico foi acessível devido ao seu caminho nos estudos e suas credenciais científicas. Mas Emília passou por momentos em que ela teve de superar dilemas relacionados ao gênero, como já dito anteriormente. Nesse debate, Carvalho (2011)CARVALHO, Marilia Gomes de. Ciência, tecnologia, gênero e os paradigmas científicos. Curitiba: Ed. UTFPR, 2011. p. 1-9. e Olinto (2011)OLINTO, Gilda. A inclusão das mulheres nas carreiras de ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão Social, Brasília, v. 5, n. 1, p. 68-77, jul./dez. 2011. mostram que o feminino na ciência é um tema que traz o enfrentamento desses universos, em parte, divididos entre a mulher e o seu papel na sociedade, no privado, na casa; do outro lado, há o homem no espaço público, no campo científico e nos laboratórios. A discussão ampliada de Carvalho (2011)CARVALHO, Marilia Gomes de. Ciência, tecnologia, gênero e os paradigmas científicos. Curitiba: Ed. UTFPR, 2011. p. 1-9. e Olinto (2011)OLINTO, Gilda. A inclusão das mulheres nas carreiras de ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão Social, Brasília, v. 5, n. 1, p. 68-77, jul./dez. 2011. mostra que a mulher, ao se colocar no cenário não somente das ciências, mas da tecnologia, teve de ganhar mais credibilidade para se manter no rol do mundo científico e tecnológico. As mulheres e Snethlage tiveram de trabalhar e de se organizar para se apresentarem à comunidade científica brasileira, e assim o fizeram.

Junghans (2010)JUNGHANS, Miriam. Emília Snethlage (1868-1929): o heroísmo como estratégia de legitimação da ciência. In: CONGRESSO IBEROAMERICANO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E GÊNERO, 8., 2010, Curitiba. Anais [...]. Curitiba: UTFPR, 2010. p. 1-17. Disponível em: http://fabioschunck.com.br/site/wp-content/uploads/2016/11/Em%C3%ADlia_Snethlage_03.pdf. Acesso em: 25 jan. 2017.
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também enfatiza o papel de Emília em sua condição de cientista, considerado pela autora como heroísmo, principalmente no que concerne ao trabalho de campo desenvolvido por Snethlage, ao longo de sua trajetória profissional. Estudos como os de Lopes (1998)LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 345-368, quad. 1998., Sombrio (2014)SOMBRIO, Mariana Moraes de Oliveira. Em busca pelo campo: ciências, coleções, gênero e outras histórias sobre mulheres viajantes no Brasil em meados do século XX. 2014. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. e Junghans (2010)JUNGHANS, Miriam. Emília Snethlage (1868-1929): o heroísmo como estratégia de legitimação da ciência. In: CONGRESSO IBEROAMERICANO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E GÊNERO, 8., 2010, Curitiba. Anais [...]. Curitiba: UTFPR, 2010. p. 1-17. Disponível em: http://fabioschunck.com.br/site/wp-content/uploads/2016/11/Em%C3%ADlia_Snethlage_03.pdf. Acesso em: 25 jan. 2017.
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retratam que as mulheres que tomaram a linha de frente da ciência no Brasil e no mundo enfrentaram dificuldades por serem do sexo feminino, e, em decorrência disso, não terem, muitas vezes, credibilidade para realizar determinadas atividades científicas, consideradas, à época, exclusivamente ‘masculinas’.

No artigo de Lopes (1998)LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 345-368, quad. 1998., “‘Aventureiras’ na ciência”, a autora argumenta que o estudo sobre as mulheres na pesquisa científica inicia com os debates de Margaret Rossiter, nos Estados Unidos, em meados de 1980. Essas pesquisas abriram possibilidades de investigação nesse campo historiográfico referente às mulheres e à sua participação no universo acadêmico. A dicotomia subjetividade x objetividade era um dos elementos que impulsionavam esses primeiros questionamentos com relação à entrada do feminino no campo do conhecimento científico, pois alegava-se que as mulheres não possuíam a perspicácia para as investidas científicas. Nesse sentido, Lopes (1998)LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 345-368, quad. 1998. menciona Donna Haraway, que defende os estudos de gênero e da composição política do conhecimento científico: “Para ela [Haraway] a ciência, que não é unívoca, não é só legitimadora da dominação, mas é também um recurso para os que resistem” (Lopes, 1998LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 345-368, quad. 1998., p. 358). Já Naomi Oreskes, em uma proposta de debate a partir do que seria a objetividade da ciência,

Sugere que o problema da objetividade da ciência e suas decorrências quanto a um mais amplo entendimento da questão das mulheres, seja reinterpretado em um contexto mais abrangente que incorpore a questão do heroísmo científico.

(Lopes, 1998LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 345-368, quad. 1998., p. 359).

Entendemos que a caracterização da objetividade da pesquisa científica independa do ser masculino e feminino.

No Brasil, ainda na década de 1990, Lopes (1998)LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 345-368, quad. 1998. demonstra que o tema mulheres/gênero e ciências estava em construção, o qual ainda continua a ser consolidado nos anos 2000. São estudos como o de Lopes (1998)LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 345-368, quad. 1998. que vêm a reforçar a importância de se expor de que forma as mulheres, brasileiras ou não, como Emília Snethlage, contribuíram para o que hoje se tem sobre as ciências naturais do país. Nesse mesmo trabalho, Lopes enfatiza nomes importantes como o de Bertha Lutz (1894-1976)LUTZ, Bertha. Emilie Snethlage (1868-1929). In: RELATÓRIO Anual, 1957, pelo Diretor José C. M. Carvalho. Rio de Janeiro: Museu Nacional, 1958. p. 29-34., “[...] uma pioneira do feminismo no Brasil, [os primeiros estudos feministas] centraram-se não na sua prática como pesquisadora científica do Museu Nacional, mas sim na sua atuação política [...]” (Lopes, 1998LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 345-368, quad. 1998., p. 365). O artigo faz referência a Emília, quando Lopes (1998, p. 367)LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 345-368, quad. 1998. a caracteriza como “aventureira”, utilizando-se de uma colocação de Mariza Corrêa, segundo a qual o pioneirismo de Snethlage em trabalhar na Amazônia, no campo, e de dirigir um Museu de História Natural capta o sentido de ousadia em fazer pesquisa em território estrangeiro, revelado por esta estudiosa em seu afinco e trabalho.

Em investigações mais recentes centradas no tema das mulheres e da ciência no Brasil, mencione-se Sombrio (2014)SOMBRIO, Mariana Moraes de Oliveira. Em busca pelo campo: ciências, coleções, gênero e outras histórias sobre mulheres viajantes no Brasil em meados do século XX. 2014. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014., que explora como elas participavam da construção do cenário de investigações das ciências naturais. O trabalho da autora enfoca três mulheres estrangeiras (Doris Cochran, Betty Meggers e Wanda Hanke) e suas atividades de estudos no Brasil, realizadas entre os anos de 1930-1950. Sombrio (2014)SOMBRIO, Mariana Moraes de Oliveira. Em busca pelo campo: ciências, coleções, gênero e outras histórias sobre mulheres viajantes no Brasil em meados do século XX. 2014. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. investigou como, além dessas três cientistas, outras mulheres envolveram-se na ciência brasileira, e destaca as dificuldades, exclusões e até proibições ligadas ao gênero feminino, demonstrando formas de preconceito com relação às mulheres e, de certa maneira, enfatizando que a ciência, não somente no Brasil, ainda tinha forte conotação masculina.

Ao expor a pouca ênfase dada às experiências femininas em território nacional a partir da década de 1930, marco temporal de tese de sua autoria, Sombrio (2014)SOMBRIO, Mariana Moraes de Oliveira. Em busca pelo campo: ciências, coleções, gênero e outras histórias sobre mulheres viajantes no Brasil em meados do século XX. 2014. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. contribui para o entendimento da formação das ciências naturais no território brasileiro a partir da perspectiva das mulheres que contribuíram com este processo. Emília já havia falecido, mas a trajetória dela desde 1905, quando chegou ao Brasil, até 1929, ano de sua morte, assemelha-se a das mulheres que depois vieram. Snethlage foi uma pioneira e abriu espaços para essas outras pesquisadoras. Sombrio (2014)SOMBRIO, Mariana Moraes de Oliveira. Em busca pelo campo: ciências, coleções, gênero e outras histórias sobre mulheres viajantes no Brasil em meados do século XX. 2014. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. destaca a invisibilidade das mulheres nas instituições e na ciência brasileira no início do século XX. Já a investigação sobre Snethlage e seu legado indica a contribuição e evidência dela no espaço científico para a representação feminina neste campo, mesmo que envolto de estratégias, como a da escrita de seu nome. Essa maneira de se identificar está sendo pesquisada para a produção da tese de doutorado da primeira autora deste memorial.

Muitas foram as viagens de trabalho empreendidas por Emília pelo Brasil e pela Europa, seja para a coleta seja para o estudo de coleções ornitológicas nos principais museus da Inglaterra, da Alemanha, da França e da Áustria. Na Amazônia, percorreu a região bragantina, o arquipélago do Marajó, os rios Tocantins, Tapajós, Xingu, Negro, Madeira, entre outros. Uma localidade destaca-se entre os lugares visitados por ela: a colônia de Santo Antônio do Prata, próxima ao rio Maracanã, no Pará. Emília ali esteve ao final da Primeira Guerra Mundial2 2 A primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918) iniciou com alguns pontos específicos que a fizeram eclodir, tais como disputas coloniais, econômicas, bem como movimentos de nações, como Alemanha, Rússia e França. Segundo Hobsbawm (1995, p. 16), a I Guerra “[...] assinalou o colapso da civilização (ocidental) do século XIX”, que se configurava como capitalista na economia, liberal na estrutura constitucional e burguesa em sua classe. , quando foi exonerada de seu posto do Museu Paraense e obrigada a se ‘exilar’ nessa pequena vila, ainda uma missão dos padres capuchinhos para o aldeamento de índios Tembé. Este foi um dos momentos mais difíceis enfrentados por Emília, uma vez que foi atingida pela crise política da época pelo simples fato de ter nacionalidade alemã. Os problemas continuariam e tornar-se-iam insustentáveis depois do final da guerra, obrigando-a a se transferir para o Museu Nacional do Rio de Janeiro3 3 Das informações colhidas nas fontes do Fundo Emília Snethlage (MPEG/MCTI), não se viu, até o momento, documentos que apresentassem o motivo de sua saída do Museu Goeldi. .

Ali, deu continuidade aos projetos iniciados no Museu Paraense, particularmente no estudo dos grandes rios como barreiras zoogeográficas. Continuou viajando, desta vez também pelas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Em uma de suas cartas à família, Emília – já com mais de 60 anos – escreveu que a viagem que faria a Rondônia seria a última. Foi, de fato, o que aconteceu. Ela faleceu no dia 25 de novembro de 1929, em um pequeno hotel, na cidade de Porto Velho, provavelmente em consequência de uma forte crise provocada pela malária4 4 O que se nota nas pesquisas feitas por Cunha, à época, para o artigo do jornal O Liberal, é que a causa mortis de Emília foi um ataque cardíaco. Uma pesquisa mais avançada, com consulta a mais algumas fontes, pode trazer informações mais claras sobre possíveis enfermidades e particularidades acerca do falecimento repentino dela. . Segundo Cunha (1985, p. 22)CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Maria Emília Snethlage (1868-1929) – a primeira mulher cientista na Amazônia. Jornal O Liberal, Belém, 15 nov. 1985. Caderno Atualidades., “[...] morreu tristemente só, sem o aconchego dos amigos ou o calor de seus familiares, irmãos e sobrinhos que viviam na Alemanha”. Não se sabe realmente se “tristemente”, pois Emília era uma mulher forte e decidida, que viveu da forma como quis, tendo seus sonhos e desejos como norte a ser conquistado.

O texto que reproduzimos a seguir é uma pequena biografia de Emília. Foi escrito por Osvaldo Rodrigues da Cunha (1928-2011)CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Maria Elizabeth Emília Snethlage. In: CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Talento e atitude: estudos biográficos do Museu Emílio Goeldi, I. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1989. p. 83-102. (Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira). (Figura 4), herpetólogo, pesquisador titular emérito do Museu Paraense Emílio Goeldi e grande conhecedor da história da ciência na Amazônia. Cunha ingressou na instituição em 1945, como estagiário da Seção de Zoologia, a qual foi, durante anos, chefiada por Emília (Hoogmoed et al., 2011HOOGMOED, Marinus Steven; AVILA-PIRES, Teresa Cristina Sauer de; SANJAD, Nelson. Obituário de Osvaldo Rodrigues da Cunha (1928-2011). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais, Belém, v. 6, n. 1, p. 75-87, jan./abr. 2011.). Foi um autodidata. Seu aprendizado foi feito praticamente nos laboratórios, nas coleções e nas bibliotecas do Museu Paraense e do Museu Nacional.

Figura 4
Osvaldo Rodrigues da Cunha, Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, 20 de março de 1991. Fonte: acervo fotográfico de Marinus Steven Hoogmoed e Teresa Cristina Sauer de Ávila-Pires (1991)HOOGMOED, Marinus Steven; AVILA-PIRES, Teresa Cristina Sauer de; SANJAD, Nelson. Obituário de Osvaldo Rodrigues da Cunha (1928-2011). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais, Belém, v. 6, n. 1, p. 75-87, jan./abr. 2011..

Em 1966, Cunha reinstalou a Seção de Herpetologia do Museu Paraense, já federalizado, contando com um acervo inicial de 650 espécimes. Atualmente, este acervo possui mais de 103.000 exemplares, sendo a maior coleção em seu gênero do Brasil e a terceira do mundo. Segundo Hoogmoed et al. (2011, p. 81)HOOGMOED, Marinus Steven; AVILA-PIRES, Teresa Cristina Sauer de; SANJAD, Nelson. Obituário de Osvaldo Rodrigues da Cunha (1928-2011). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais, Belém, v. 6, n. 1, p. 75-87, jan./abr. 2011., “Osvaldo Cunha foi um desbravador que soube identificar áreas do conhecimento relevantes para a região, mas até então negligenciadas, dedicando-se a preencher algumas dessas lacunas”. Além dos trabalhos científicos sobre fósseis e répteis, hoje considerados estudos clássicos e sistematizadores dessas áreas de conhecimento na Amazônia, Cunha dedicou-se também à pesquisa em história da ciência e à conservação de registros históricos do antigo Museu Paraense (Sanjad, 2011SANJAD, Nelson. A contribuição de Osvaldo Rodrigues da Cunha (1928-2011) à História da Ciência. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 6, n. 1, p. 219-227, jan./abr. 2011. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222011000100013.
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).

Nesse âmbito, uma das maiores preocupações de Cunha era reunir informações sobre pesquisadores e técnicos que trabalharam no Museu Paraense desde sua fundação, em 1866. Ele investigou exaustivamente jornais, artigos e documentos preservados em diversas instituições, para elaborar biografias. Em 1989, publicou o livro “Talento e atitude: estudos biográficos do Museu Emílio Goeldi, I”, com um total de 14 textos. Entre eles, um dedicava-se a Emília Snethlage (Cunha, 1989CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Maria Elizabeth Emília Snethlage. In: CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Talento e atitude: estudos biográficos do Museu Emílio Goeldi, I. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1989. p. 83-102. (Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira).), o qual, contudo, foi originário de um pequeno artigo publicado por ele em jornal em 1985, por meio do qual pretendeu caracterizar Emília como ‘a primeira mulher cientista’ a trabalhar na Amazônia de maneira regular. É justamente esse primeiro artigo que aqui reproduzimos, pois permite não apenas conhecer a trajetória e a obra de Emília, como também a forma como Cunha interpretou essa trajetória e os valores que são evidenciados por ele, a exemplo da devoção ao conhecimento, da austeridade de caráter, da simplicidade da vida material e de um recato quase hagiográfico. Trata-se, portanto, da leitura que um cientista pioneiro, como Osvaldo Cunha, faz de uma cientista pioneira, como Emília Snethlage, com claros sinais de que Cunha se identificava com ela na dedicação integral à ciência.

Assim, este texto demonstra que ainda existem disparidades com relação às representações masculinas e femininas na pesquisa científica brasileira. Trabalhos como o de Lopes (1998)LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 345-368, quad. 1998. e Sombrio (2014)SOMBRIO, Mariana Moraes de Oliveira. Em busca pelo campo: ciências, coleções, gênero e outras histórias sobre mulheres viajantes no Brasil em meados do século XX. 2014. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. nos trazem argumentos referentes ao que foram essas lutas. A obra de Junghans (2008JUNGHANS, Miriam. Emília Snethlage (1868-1929): uma naturalista alemã na Amazônia. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 243-255, jun. 2008. Suplemento. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702008000500013.
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, 2009JUNGHANS, Miriam. Avis Rara: a trajetória científica da naturalista alemã Emília Snethlage (1868-1929) no Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2009., 2010JUNGHANS, Miriam. Emília Snethlage (1868-1929): o heroísmo como estratégia de legitimação da ciência. In: CONGRESSO IBEROAMERICANO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E GÊNERO, 8., 2010, Curitiba. Anais [...]. Curitiba: UTFPR, 2010. p. 1-17. Disponível em: http://fabioschunck.com.br/site/wp-content/uploads/2016/11/Em%C3%ADlia_Snethlage_03.pdf. Acesso em: 25 jan. 2017.
http://fabioschunck.com.br/site/wp-conte...
, 2011JUNGHANS, Miriam. Abrindo as gavetas: Emília Snethlage (1868-1929) e as coleções ornitológicas do Museu Goeldi e do Museu Nacional do Rio de Janeiro em 1922. In: LOPES, Maria Margaret; HEIZER, Alda (org.). Colecionismos, práticas de campo e representações. Campina Grande: EdUEPB, 2011. p. 61-73., 2016)JUNGHANS, Miriam. Among birds and net(work)s: material and social practices in the trajectory of ornithologist Emilie Snethlage (1868-1929). HoST History of Science and Technology, Berlim, v. 10, n. 1, p. 71-101, Sept. 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.1515/host-2016-0004.
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destaca Emília Snethlage com o pioneirismo de realizar estudos no espaço amazônico, com convicção e astúcia, não para se ‘esconder’ dentro desse ‘mundo masculinizado’ da ciência, mas para marcar seu espaço. E o que se tem ainda é que as mulheres como ‘personagens na história da ciência’ pouco apareciam, mas repensar este saber histórico e as abordagens analíticas delas na história, segundo Pinsky (2009)PINSKY, Carla Bassanezi. Estudos de gênero e história social. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 159-189, jan./abr. 2009. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2009000100009.
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, é um assunto que faz surgir questões a serem refletidas: qual seria o contexto da história da ciência, por exemplo, se as mulheres tivessem mais espaço nessa historiografia? Qual o legado de Snethlage, junto com seus importantes e referendados trabalhos, para as mulheres da ciência amazônica? São reflexões que contribuem com mais pesquisas na área da ciência e tecnologia na Amazônia.

Em tempos em que museus brasileiros estão sendo reduzidos a cinzas, pela incúria e pela irresponsabilidade de nossos governantes, fazemos uma homenagem aos dois cientistas, por terem acreditado no futuro. Foi por meio de mulheres e de homens como Emília e Osvaldo que a ciência brasileira foi construída e é por meio de gente como eles que sobreviverá. Mais do que nunca, devemos celebrar sua memória.

Maria Emília Snethlage (1868-1929), a primeira mulher cientista na Amazônia5 5 Texto publicado originalmente no jornal O Liberal, de Belém, em 15 de novembro de 1985. A ortografia foi atualizada. Todas as notas foram acrescentadas por Diana Alberto e Nelson Sanjad.

Osvaldo Rodrigues da Cunha

Museu Paraense Emílio Goeldi. Belém, Pará, Brasil

INTRODUÇÃO

Em meados do século dezenove as mulheres dos países europeus e as americanas do norte organizaram movimentos feministas para reivindicar uma maior participação na vida social e política, que os tempos modernos estavam a exigir. Nessas lutas pela sua emancipação, às vezes um tanto intempestivas, as mulheres desses países foram aos poucos conseguindo os seus direitos, de modo que ao raiar do século vinte elas já podiam ufanar-se de ter superado velhos preconceitos da sociedade dominada pelo homem e começaram a viver uma nova era, caminhando lado a lado com eles. E os maiores exemplos têm sido o de Maria Sklodowska Curie, a célebre física polonesa, casada com o físico francês Pierre Curie, ambos ganhadores do Prêmio Nobel em 1903, e a russa Sophia Kowalevsky [Sofia Kovalevskaya], notável talento na física e matemática.

No Brasil, as ideias dos movimentos feministas chegaram da Europa ainda no século dezenove. Aqui, em muitos aspectos, a mulher encontrava-se quase na obscuridade e ausente em muitas atividades intelectuais e políticas. Pequenos movimentos ainda discretos ocorreriam em algumas cidades brasileiras, mais particularmente no Rio de Janeiro, advogando os direitos da mulher. Elas, aos poucos, conseguiram algumas oportunidades, mas foi só nas décadas de 1910 e 1920 que conseguiram intensificar os seus movimentos pela emancipação e em especial o direito de voto nas assembleias políticas, lideradas, principalmente, pela notável bióloga Bertha Maria Julia Lutz, filha do famoso Dr. Adolpho Lutz, formada na Sorbonne de Paris em 1918 e 1919, então naturalista do Museu Nacional. Bertha Lutz lutou unida a outras mulheres e teve o apoio de muitos parlamentares homens, que possuíam uma nítida visão da participação efetiva da mulher na vida brasileira, durante vários anos até ver as suas reivindicações plenamente implantadas no Brasil.

Entretanto, enquanto esses movimentos ocorriam no Sul do Brasil, no Pará, desde 1905 a mulher estava conquistando direitos e oportunidades sem necessidades de lutas e movimentos conflitantes. O Pará foi pioneiro no Brasil e na América do Sul em abrir as portas para o ingresso da mulher nas atividades de nível superior e no serviço público. O Museu Paraense foi o portão de entrada ao admitir, durante a administração de Emílio Goeldi e por sua sugestão e depois com Jacques Huber, sob os governos esclarecidos de Augusto Montenegro, João Coelho e Enéas Martins, um constante maior número de mulheres ao serviço do Estado em diversas funções especificadas.

A mulher pioneira foi a Dra. Maria Emília Snethlage, que veio desempenhar uma função científica no Museu em meados de 1905, portanto muito antes de Bertha Lutz. E como veremos adiante, Snethlage, completamente desinibida e desembaraçada por qualquer preconceito da parte dos homens, soube desempenhar ativamente, com critério científico, honestidade e humildade, todos os cargos a que foi galgando, em especial, o de diretora do Museu Paraense em 1914, portanto ainda antes de Bertha Lutz. Snethlage foi a primeira mulher a assumir a direção de uma instituição científica na América do Sul, e nomeada que foi por um homem, o governador Enéas Martins.

BIOGRAFIA

Emília Snethlage está hoje esquecida no Pará, apenas lembrada no Museu Paraense Emílio Goeldi, onde passou os melhores anos de sua vida, dedicada ao estudo da avifauna amazônica e paralelamente realizando explorações geográficas e etnológicas, entre os anos de 1905 e 1921. De origem germânica, Snethlage ocupou as mais altas e relevantes funções no Museu, desde chefe da Seção de Zoologia até diretora efetiva do mesmo.

Rompendo a velha tradição que inferiorizava a mulher, a jovem naturalista abandonou a sua terra natal, a família e o conforto, para viver definitivamente no Brasil, a sua segunda pátria, inicialmente a Amazônia e depois o Sul do país. Deu tudo de si para esta nova pátria, onde faleceu obscuramente em rincão longínquo desta Amazônia, em 1929. E por incrível que pareça, Emília Snethlage não tem uma homenagem oficial no Parque do Museu, como acontece também com outros cientistas e servidores que contribuíram para o engrandecimento da Ciência brasileira, o desbravamento da região e para elevado prestígio do Museu Paraense Emílio Goeldi6 6 Posteriormente, por sugestão de Osvaldo Cunha, o edifício que atualmente abriga a diretoria do Museu Paraense Emílio Goeldi foi batizado de Pavilhão Emília Snethlage. .

Por estas razões, devemos prestar homenagem a esta mulher singular, de rija têmpera, que, embora não sendo brasileira, o foi por adoção, quando o Pará dela mais precisava, traçando nestas linhas alguns eventos de sua vida, para que no futuro não fique mais apagada ainda a lembrança de que existiu. A 13 de abril de 1868, nascia na cidade de Kraatz, próximo de Gransee, na província prussiana de Brandenburg (ao norte de Berlim), Alemanha, uma menina a que deram o nome de Henriette Mathilde Maria Elizabeth Emilie Snethlage, filha do Reverendo Emil Snethlage, pastor luterano, e de sua esposa Elizabeth Rosenfeld.

Emília era a segunda filha de uma prole de quatro, que o casal tivera, os quais, em 1872, ficavam órfãos de mãe. Educada rigidamente pelo pai, Emília adquiriu conhecimentos, enquanto forjava na melhor têmpera o seu caráter e a disposição para enfrentar a árdua luta pela vida. Revelara muito cedo talento fora do comum e decidida vocação para a história natural. Comprazia-se no contato íntimo com a natureza em sua terra natal e gostava de observar e estudar as plantas e os pássaros. Ainda menina, enviava as suas anotações ao prof. Rudolf Blasius, especialista em aves, que as publicava na revista Journal für Ornithologie.

Em 1889, obteve em Berlim o grau com qualificação para ensinar em escolas secundárias. Com o falecimento do pai, a situação tornara-se difícil e por isso Emília Snethlage vai ganhar a vida como preceptora de filhas de famílias abastadas, durante os anos de 1890 a 1899, na Alemanha, Suíça, Inglaterra e Irlanda. Ao mesmo tempo, aproveitou a função para aperfeiçoar-se nos idiomas francês e inglês. Ajudou-a muito a sair da situação inferiorizada, em que se achava, para um lugar destacado, uma pequena herança recebida no fim daquele século. Emília ansiava alçar-se a um plano que a libertasse das peias medievais que impediam às mulheres assumirem posições que há séculos eram atributos dos homens. As ideias feministas na Europa, ao apagar das luzes do século XIX, já fervilhavam, reunindo grupos de mulheres mais afoitas e resolutas para lutarem pelos direitos da mulher, então inferiorizadas no nível intelectual e político.

Influenciada ainda pelas questões da biologia, Emília matricula-se nos cursos de História Natural das Universidades de Berlim, Jena e Freiburg, onde pontificavam cientistas como August Weissmann e Ernst Haeckel, zoólogos, e o paleontólogo [Johann Gustav] Steinmann. No verão de 1904, Snethlage obtinha o grau de Doutor em Ciências (Ph.D.) na Universidade de Freiburg im Breisgau com a tese (Snethlage, Emília, 1905SNETHLAGE, Emília. Über die Frage vom Muskelansatz und der Herkunft der Muskulatur bei den Arthropoden. Inaugural Dissertation. Universität Freiburg, Breisgau, 1905. [Publicada como separata de Zoologischen Jahrbüchern, Abteilung für Anatomie. Jena: Gustav Fischer, 1905. v. 21].): “Ueber die Frage vom Muskelansatz und der Herkunft der Muskulatur bei den Arthropoden” (Sobre a questão da inserção muscular e da origem da musculatura nos Artrópodos). Foi-lhe conferida “Suma cum laude” a sua dissertação, brilhante, erudita e magnificamente ilustrada pela própria Emília (Snethlage, Emil-Heinrich, 1930SNETHLAGE, Emil-Heinrich. Dr. Emilie Snethlage zum Gedächtnis. Journal für Ornithologie, Berlim, v. 78, n. 1, p. 123-134, Jan. 1930.).

Titulada, não foi difícil a Snethlage conseguir a função de assistente de zoologia no Museu de Berlim em começos de 1905, junto ao famoso ornitólogo Anton Reichenow.

Enquanto isso, no Pará, Emílio Goeldi, como diretor do Museu Paraense, encontrava muitas vezes dificuldades para contratar especialistas nos museus e nas universidades da Europa, pois ninguém desejava afastar-se de suas funções ou da comodidade para embrenhar-se na Amazônia em estudos científicos, ainda que bem pagos. Nos primeiros anos deste século haviam vagas para etnólogos, zoólogos, geólogos, botânicos, além de outras especialidades paralelas.

Por comunicação do próprio prof. Reichenow, veio Goeldi a saber da disposição de Emília Snethlage em decidir-se a vir trabalhar no Museu do Pará. Em 15 de julho de 1905 é feito de imediato um contrato, pelo espaço de dois anos, para servir de assistente de zoologia no Museu, junto ao chefe da respectiva Seção e diretor Emílio Goeldi.

Emília Snethlage chegava a Belém no dia 15 de agosto daquele ano e começava logo a desenvolver trabalhos científicos e de rotina, dinamizando a Seção de Zoologia e ainda respondendo pelo movimento do Parque Zoológico e das atividades do serviço meteorológico. Sobre ela, escreveu Goeldi em relatório de 1905, que não foi publicado7 7 O documento, na verdade, não é um relatório e sim um ofício que Emílio Goeldi enviou ao Secretário da Justiça e Instrução Pública do Pará no dia 23 de agosto de 1905, logo após a chegada de Snethlage a Belém. Museu Paraense Emílio Goeldi, Arquivo Guilherme de La Penha, Fundo Museu Paraense Emílio Goeldi, Livro de cópias de ofícios, folha 59. :

Dispõe não somente de brilhantes títulos acadêmicos baseados nas suas publicações científicas sobre vários assuntos de história natural, como de excelentes atestados sobre sua competência, habilidades e zelo nos trabalhos de Museu, de maneira que muito promete augurar reais vantagens para o nosso estabelecimento com a aquisição da notável cientista.

Emília Snethlage, nessa época, já contava com 37 anos de idade. Rompia o século vinte com a disposição firme de desvencilhar-se de vez com os velhos preconceitos em relação às mulheres que tanto as depreciavam. Era, pois, uma mulher livre. Os pais haviam falecido e apenas com os irmãos convivia, de modo que nada mais a prendia ao passado. Com o futuro à frente, tudo a incentivava para que deixasse para sempre a Europa e viesse viver definitivamente em um país novo como o Brasil, onde poderia desenvolver suas atividades em liberdade e em íntimo contato com a natureza.

Chegada ao Museu do Pará, Emília abriria também uma nova era nas relações homem-mulher no aspecto científico-administrativo. Era decidida, corajosa, inteligente, educada, amável. Em Belém, contudo, essas mudanças estavam também ocorrendo devido a moderna visão administrativa de Emílio Goeldi e pela esclarecida política dos governantes republicanos do Pará. Tanto isto é exato, de ambos os lados, em utilizar de maneira compatível os serviços científicos ou burocráticos da mulher, que ainda por iniciativa de Goeldi foram nomeadas, em janeiro de 1907, as senhoritas Abigail Esther de Mattos e Anna de Aragão Carreira, nos cargos de oficiais administrativos. Exerciam, porém, outras funções, como serviços de secretaria e biblioteca, a primeira, e a segunda, auxiliando em escrituração de catálogos e fichas no setor técnico. Ambas as funcionárias, nesta época, tinham apenas 18 e 13 anos de idade, respectivamente. Esta experiência foi a primeira no Pará, e o Museu Paraense era o primeiro na América Latina a aproveitar o trabalho feminino, então com três mulheres em seu serviço ativo.

Ainda em 1905, Emília Snethlage iniciava os seus primeiros trabalhos de campo, excursionando à missão de Santo Antônio do Prata, na região bragantina, e na ilha de Marajó. Em 1906, encontrava-se na região de Monte Alegre, seguindo depois para o rio Guamá até São Miguel. Em 1906-1907, perlustrava toda a região do baixo rio Tapajós até Itaituba, em companhia do ajudante de preparador João B. [Batista] de Sá. Ainda em 1907, abril-maio, viajava pelo baixo Tocantins. Todas as excursões realizadas neste período o foram com objetivo de estudar e colecionar aves. Desde o início, Snethlage cumpria um programa de pesquisa de campo, com sugestões de Emílio Goeldi, para a Amazônia, que lhe nortearia todo o seu trabalho futuro.

Na ocasião da resignação de Emílio Goeldi da direção do Museu, em 22 de março de 1907, Emília Snethlage, que era auxiliar científica na Seção de Zoologia, foi promovida a chefe da mesma por sugestão do próprio diretor que se afastava. Em 15 de junho desse ano, o seu contrato era renovado por mais dois anos.

Este novo contrato de trabalho entre o Governo do Estado e a Dra. Emília Snethlage acompanhava, de modo geral, todas as cláusulas aprovadas para a admissão de pessoal técnico para o Museu e estava assim redigido:

  1. A Sra. Dra. Emília Snethlage exercerá as funções de chefe da Seção de Zoologia do Museu Goeldi, assumindo os deveres e fruindo dos direitos inerentes a este cargo em conformidade com o Regimento em vigor.

  2. Receberá o vencimento mensal de trezentos mil reis (300$000) ouro, sendo-lhe garantido as vantagens do aumento proporcional, conforme o artigo 22, clausula 1ª do Regulamento em vigor.

  3. O presente contrato durará 2 anos e contará do dia 15 de julho de 1907, podendo ser renovado caso convenha a ambas partes contratantes.

  4. Findo o presente contrato e tendo, a juízo de governo, inteiramente satisfatórios os serviços prestados ao estabelecimento, assiste a Sra. Dra. Emília Snethlage o direito de receber do Estado a soma de um conto e quinhentos mil reis (1:500$000) papel, para a sua viagem de volta. A mesma importância é garantida à contratante, caso venha a ela adoecer de moléstia que, a juízo médico, exija repatriação.

  5. Na eventualidade do governo rescindir o presente contrato antes de completar-se o biênio aqui estipulado, por motivos e razões não criados pela contratante, aquele obriga-se a pagar a esta a soma correspondente aos vencimentos de seis meses8 8 Contrato de Emília Snethlage com o Governo do Estado do Pará. Arquivo Guilherme de La Penha, Fundo Museu Paraense Emílio Goeldi, Livro de cópias de ofícios, folha 60. .

De retorno de suas excursões, em meados de 1907, Emília era comissionada em junho do mesmo ano, por autorização do novo diretor, Jacques Huber, para efetuar estudos sobre aves nos museus de Berlim, Londres, Viena, Munique e Leipzig, em colaboração com os maiores ornitólogos de então, Dr. A. Reichenow, Dr. R. [Richard] Sharpe, Dr. L. [Ludwig] von Lorenz, C. [Carl] Hellmayr e Hans Berlepsch.

Nos primeiros anos de sua chegada ao Museu, Emília dedicou-se também ao estudo de peixes amazônicos, ainda talvez por influência de Emílio Goeldi. Quando, em 1907, visitara o museu de Viena, contatara com o Dr. Franz Steindachner, ictiólogo famoso, na ocasião diretor do mesmo, levando-lhe espécimes de peixes da Amazônia, o que favoreceu a um estudo de espécies novas, provenientes dos rios Xingu e Purus. Estes resultados foram publicados por Snethlage no volume 5 do Boletim do Museu, p. 449-445, 1909, com o título “Novas espécies de peixes amazônicos das Coleções do Museu Goeldi” (Snethlage, Emília, 1909SNETHLAGE, Emília. Novas espécies de peixes amazônicos das Coleções do Museu Goeldi. Boletim do Museu Goeldi (Museu Paraense) de História Natural e Ethnographia, Belém, v. 5, n. 2, p. 449-455, 1909.).

Desde a sua interação ao corpo científico do Museu, estava Emília Snethlage encarregada por Goeldi de iniciar um trabalho de envergadura, o “Catalogo das aves amazônicas”. Teria por base as coleções seriadas que já vinham sendo feitas sobre as aves e que através da naturalista deviam ser intensificadas. Um esboço dessa pesquisa já havia sido concluído por Goeldi, através do seu notável “Álbum das aves amazônicas”. O catálogo seria um complemento deste (Snethlage, Emília, 1914SNETHLAGE, Emília. Catálogo das aves amazônicas, contendo todas as espécies descriptas e mencionadas até 1913. Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia, Belém, v. 8, p. 1-530, 1914.)9 9 Há um equívoco nesta afirmação de Cunha. Na verdade, o “Álbum de aves amazônicas”, publicado por Goeldi entre 1900 e 1906, era um complemento do livro “As aves do Brasil”, publicado pelo mesmo autor em dois volumes, em 1894 e 1900. O “Catálogo das aves amazônicas”, publicado por Snethlage em 1914, é uma obra independente, embora tenha sido também concebido por Goeldi (Sanjad, 2010). .

Snethlage não perderia mais a incumbência de seu chefe e amigo, e assim estaria de fato o seu maior objetivo para os próximos 10 anos sic]. Emília não era pesquisadora de gabinete. Não gostava de viver enclausurada, entre livros e em elucubrações insípidas, porque possuía o espírito de aventura, aliado à vocação pela vida livre no seio da natureza, em contato com as plantas, os animais e o tempo. Começou assim a reunir boas coleções para conhecer melhor as espécies, ao mesmo tempo em que anotava informações diversas sobre a taxonomia e ecologia das aves que capturava.

Durante os anos de 1908 a 1910, Emília Snethlage andou explorando a região bragantina, áreas de Monte Alegre, Ererê e rio Maecuru até sua primeira cachoeira e viajou pelos rios Tapajós e Jamanxim (todas em 1908 e acompanhadas pelos preparadores Oscar Martins e João B. Sá). A mais importante exploração da arrojada pesquisadora foi, porém, a que realizou de maio a outubro de 1909, quando levou a cabo a travessia entre os rios Xingu e Tapajós, através dos rios Iriri, Curuá e Jamanxim. Esta viagem marcou uma vitória nos fastos do Museu Paraense quanto ao devassamento, não apenas científico, mas geográfico do espaço amazônico, pois tanto mais foi realçado pelo fato de ser levado a cabo por uma mulher já na casa dos 40 anos de idade.

No relatório de 1909, o diretor do Museu, Dr. Jacques Huber, assinalava em síntese a exploração de Emília Snethlage do seguinte modo:

Depois de ter tentado, já em 1908, fazer a travessia do Tapajós ao Xingu, pelo rio Jamanxim, porém sem poder levá-la a efeito, devido ao começo da estação chuvosa, a Dra. Snethlage embarcou em princípio de junho para o Xingu, onde ela estacionou por algum tempo, fazendo coleções, notadamente em Vitória e na estrada do Forte Ambé Altamira]. Em 1º de julho ela seguiu dali em canoa ao Iriri e o seu afluente Curuá, até a chamada Maloca do Manoelzinho, onde chegou em 15 de agosto e obteve, graças à proteção do Coronel Ernesto Accioly da Silva, que lhe serviu de guia até aquele ponto, o consenso concurso] dos índios da tribo dos Curuaé, para fazer em companhia de alguns deles a penosa travessia ao rio Jamanxim. Esta travessia por terra foi efetuada em 9 dias, chegando a Dra. Snethlage ao Jamanxim no dia 15 de setembro, em um ponto situado muito acima dos últimos moradores. Só depois de 15 dias de viagem no alto Jamanxim, a intrépida viajante encontrou os primeiros seringueiros, aviados do Sr. Manoel Xisto de Corrêa, com cujo auxílio ela continuou a viagem rio abaixo, até chegar ao Tapajós. Esta viagem de exploração, cujos resultados serão publicados oportunamente, merece ser bem destacada nos anais do Museu Goeldi por sua importância geográfica, sendo a primeira travessia efetuada por terra entre dois grandes afluentes do Amazonas. Como resultado geográfico mais saliente pode-se destacar, desde já, a descoberta de uma cadeia de montanhas graníticas correndo de Norte ao Sul e elevando-se a 500 metros aproximadamente, como também a constatação que em todo percurso pelo divortium aquarium a mata amazônica predomina absolutamente, sendo apenas interrompida, nos lugares mais pedregosos, por uma espécie de caatinga, que na época da viagem se achava completamente despida de folhas.

(Huber, 1909HUBER, Jacques. Relatório annual do Museu Paraense de História Natural e Ethnografia. Belém, 1909., p. 3)10 10 Devido ao fato de o documento estar em formato digital, este foi transferido para arquivo em formato word, sendo que o trecho em destaque ficou na página 3 deste arquivo em doc. .

A viagem de Emília produziu repercussão mundial nos meios científicos pelos objetivos alcançados e mais ainda pela audácia da executante. Nas mais importantes revistas científicas da Europa e dos Estados Unidos escreveram-se artigos informando e enaltecendo o feito da modesta cientista do Museu do Pará. Em nossa terra, porém, poucas pessoas tiveram conhecimento da amplitude de resultados e do valor da façanha praticada por Emília em 1909. Isto, porém, foi apenas um fato a mais na vida da pesquisadora.

Nesta exploração, Snethlage teve ocasião de fazer observações sobre os índios Chipaya [Xipaya] e Curuaé [Kuruaya], abordando os costumes e as línguas por eles usadas[os]. Os resultados de história natural foram de relevante importância, com coletas de aves, mamíferos, répteis, peixes e muitos exemplares de amostras de plantas. É mister aqui acentuar que a Dra. Emília, embora fosse zoóloga, não deixava de colaborar com o Dr. J. Huber, chefe da Seção de Botânica, colecionando sempre espécimes de plantas em todas as suas excursões, como eficiente exploradora de campo que era.

Um resumo da viagem exploratória de Snethlage foi publicado em alemão na revista Pettermans Geographische Mitteilungen, Gotha, n. 58, p. 209-213, 1912. Os resultados mais detalhados, a autora preferiu divulgá-los em língua portuguesa no próprio Boletim do Museu, sob o título “A travessia entre o Xingu e o Tapajós”, volume 7, p. 49-92, 15 fotos e um mapa, 1913 (Snethlage, Emília, 1913aSNETHLAGE, Emília. A travessia entre o Xingu e o Tapajós. Boletim do Museu Goeldi de Historia Natural e Ethnographia, Belém, v. 7, p. 49-92, 1913a [1910]. [1910]).

Entre os anos de 1910 e 1914, Emília continuou viajando pela Amazônia e estados vizinhos. Percorreu a região bragantina e o Tocantins (1910 e 1911); o rio Tapajós (1911); a região de Óbidos e os rios Jacundá, Jari e Arumanduba (1912). Em maio e junho de 1910, a pesquisadora excursionou ao interior do Ceará em companhia do preparador Oscar Martins, coletando aves, mamíferos, répteis e plantas na região de Camocim, Ipu, S. Paulo e Serra de Ibiapaba, de onde foram trazidas 59 amostras de plantas para o herbário do Museu. Huber já estivera no Ceará em 1897 e A. [Adolf] Ducke, em 1905 e 1908.

Em 1910, o “Catálogo das aves amazônicas”, tendo por base as coleções do Museu, já estava quase concluído, conforme relatório de Huber, de modo que, em 1913, os originais foram enviados para a Alemanha, por achar a diretoria do Museu impossível serem impressos em Belém. O catálogo seria o volume 8, relativo aos anos de 1911-1912. A obra foi executada em 1914 nas oficinas de A. Hopfer, Burg. O Boletim já estava impresso em meados desse ano, aguardando embarque na cidade de Hamburgo, para o Pará, quando a eclosão da Primeira Grande Guerra reteve a remessa ali, na iminência de perder-se, até o final do conflito. Chegou finalmente a Belém em 1920, sendo nesse ano distribuído às instituições científicas.

O “Catálogo das aves amazônicas”, contendo todas as espécies descritas e mencionadas até 1913, foi impresso em um grosso volume de 530 páginas (Snethlage, Emília, 1914SNETHLAGE, Emília. Catálogo das aves amazônicas, contendo todas as espécies descriptas e mencionadas até 1913. Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia, Belém, v. 8, p. 1-530, 1914.). Para coletar espécimes e reunir todos os conhecimentos atualizados sobre as aves da região, Emília Snethlage consumiu não menos que 8 anos. Como introdução, ela traçou em rápidas linhas um esboço da Amazônia e um resumo das explorações ornitológicas, desde A. [Alexander] von Humboldt (1799-1804) e [Johann von] Spix (1810-1820) até os primeiros anos deste século, com as excursões de E. Goeldi e da própria Snethlage, no final de 1912. Incluiu depois uma bibliografia das principais obras que se referiam às aves amazônicas e regiões limítrofes. O conteúdo maior do catálogo abrangeu a parte sistemática, com as referências às espécies e subespécies então conhecidas, chaves analíticas dos caracteres peculiares, além de uma diagnose da coloração e distribuição geográfica.

O “Catálogo das aves” foi um esforço científico pioneiro para a América do Sul, pois abrangia uma imensa região, então pouco explorada. Ele constituiu um verdadeiro monumento científico, não apenas para Emília Snethlage, mas principalmente para o Museu do Pará, que o havia subvencionado. Mais que isto, serviu de base segura aos estudos ornitológicos para os setenta anos que se seguiram.

Devido à desatualização da nomenclatura do catálogo, levando em conta os constantes estudos da taxonomia zoológica, o Dr. Olivério Pinto, famoso ornitólogo e então diretor do antigo Departamento de Zoologia de S. Paulo (hoje, Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo), levou a cabo uma revisão nomenclatural do mesmo, publicada no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, vol. 10, 1949, p. 1-80 (Pinto, 1949PINTO, Olivério. Notas e impressões naturalísticas de uma viagem fluvial a Cuiabá. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, v. 10, p. 1-80, 1949.). Nesta revisão, foram atualizados os nomes de gêneros, espécies e subespécies em particular. Posteriormente, a obra de Snethlage e a revisão de Olivério Pinto vêm sofrendo alterações, de acordo com a evolução dos estudos sistemáticos.

Durante o ano de 1913, Emília viajou, a partir de abril, aos Museus da Alemanha e Viena para realizar estudos comparativos sobre aves. Esta foi a última visita à terra em que nascera. Depois, em 1914, resolveu explorar por alguns meses o rio Iriri, afluente do Xingu, e o Curuá, também afluente daquele. Esta viagem, de suma importância para a geografia, a zoologia, a botânica e a etnografia, deveria ser publicada no Boletim do Museu, volume 9, com várias estampas, mapas e um vocabulário da língua dos índios locais. Infelizmente, a miséria financeira que, após a Primeira Guerra Mundial, se abatera sobre o Pará impediu definitivamente a publicação dos Boletins do Museu, seguida de outros transtornos que vieram acabar com as atividades da instituição.

Somente em 1925 Emília Snethlage conseguia divulgar os resultados de sua exploração ao Iriri e Curuá na revista alemã Zeitschrift der Gesellschaft für Erdkunde, de Berlim, às páginas 238-354, com o título de “Die Flüsse Iriri und Curuá im Gebiete des Xingu” [Os rios Iriri e Curuá na região do Xingu] (Snethlage, 1925SNETHLAGE, Emília. Die Flüsse Iriri und Curuá im Gebiet des Xinghú. Zeitschrift der Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin, Berlim, p. 328-354, 1925.).

Ainda no ano de 1914, haviam de surgir muitos óbices para a continuidade dos trabalhos científicos do Museu Paraense, o que de certo modo acarretaria prejuízos às atividades de Emília Snethlage. O principal acontecimento foi a morte inesperada do diretor do Museu, o botânico Jacques Huber, ocorrido a 18 de fevereiro desse ano, impelindo inevitavelmente a Dra. Emília para substituí-lo interinamente logo em seguida, através de portaria do governador Enéas Martins. Alguns meses após, sobrevém a eclosão da Primeira Guerra Mundial, acarretando com seus problemas profundos transtornos ao Pará, em especial ao normal desenvolvimento do Museu e à sua diretoria, por ser Snethlage de nacionalidade alemã.

Esta situação tornou-se mais complicada a partir do momento em que o Brasil se declarou em estado de beligerância com a Alemanha e seus aliados em 1917, obrigando o então governador Lauro Sodré a demitir Emília do cargo de diretora do Museu, mas mantendo-a na chefia da Seção de Zoologia. Porém, com o desenrolar da guerra, a posição do Brasil agravou-se em virtude do torpedeamento de navios mercantes e outras ocorrências, e nesta situação o mesmo Lauro Sodré viu-se uma vez mais constrangido a afastar totalmente Snethlage das atividades do Museu, em 4 de março de 1918.

Como sempre ocorre nestas ocasiões inesperadas, as divergências entre nações vêm interferir formalmente nas relações entre cidadãos de nacionalidades diferentes, ainda que estejam engajados em propósitos acima das questões de política internacional. Emília Snethlage, que era indiferente a tais ocorrências, porque era uma mulher de paz, voltada exclusivamente para a ciência, considerava-se acima disto, cidadã do mundo. Porém, a política de relações internacionais assim discorda toda vez nesses momentos de angustiante expectativa.

Justificando esta incoerência da atitude das pessoas em tais circunstâncias, em 1916 visitou o Museu o naturalista Paul Serre, do Museu de História Natural de Paris, o qual publicou no mesmo ano, no Bulletin n. 6 daquele Museu, um sucinto relato de tudo o que viu no Museu do Pará, não sem o ferir com maledicência despeitada de francês que via na Alemanha sempre [a] inimiga (Serre, 1916SERRE, Paul. Le Museé Goeldi, au Pará. Bulletin du Muséum National d’Histoire Naturelle, Paris, n. 6, p. 351-356, 1916.). E assim arguiu, ao deparar-se no Pará, com uma mulher alemã ocupando importante posição de chefia em uma instituição científica brasileira, enquanto o mundo europeu decrépito lutava desesperadamente contra a superioridade técnica e a arrogância dos povos germânicos.

O tal naturalista francês, cheio de desdém, chegou ao ponto de escrever que todo o Museu do Pará desprendia um ‘perfume germânico’, insinuando que as autoridades brasileiras deviam evitar o namoro da Alemanha e seguir o exemplo da mãe-pátria, isto é, Portugal (que então lutava na França contra os alemães), e juntar-se aos países aliados.

Ainda em 1916, quando chefiava a Seção de Zoologia, Emília seguiu em excursão ao rio Negro para estudar as aves da região. Com seu afastamento temporário do Museu, a irrequieta exploradora resolveu recolher-se, em 1918, à comunidade indígena de Santo Antônio do Prata, então dirigida pelos frades e freiras lombardos. O núcleo missionário do Prata localizava-se em um ponto privilegiado da chamada zona bragantina, às margens do rio Maracanã superior, então uma área com extenso revestimento florestal e fauna pouco explorada. Atualmente, Santo Antônio do Prata é o célebre leprosário, próximo da rodovia e da localidade de Santa Maria do Pará11 11 O leprosário do Prata foi desativado na década de 1980, de acordo com as transformações verificadas nas políticas públicas brasileiras da época. Atualmente, a vila pertence ao município de Igarapé-Açu. .

A respeito da internação de Snethlage nessa comunidade indígena católica, correram em Belém muitas histórias falsas sobre a cientista, segundo as quais ela teria se abrigado em um convento da cidade. Pelo que já foi exposto, é bem fácil de aquilatar que Emília não era mulher para esconder-se ou viver em conventos de religiosas, tendo em vista a sua própria maneira de encarar a vida em completa liberdade, estudando as belezas da natureza e os seres que lhes dão vida. O único convento da Dra. Emília foi apenas a própria natureza, onde percorreu florestas, rios, montanhas e campos do Brasil.

Naquele sítio, Emília Snethlage passou alguns meses fazendo estudos ornitológicos e ecológicos, prevendo a rápida e irreversível degradação pela qual já estaria passando a região, então servida pela ferrovia de Bragança e pelas primeiras estradas carroçáveis, que rompiam a floresta da região. Os resultados dessas pesquisas são publicados na revista americana The Geographical Review, N. York, sob o título “Nature and man in Eastern Pará” [Natureza e homem no leste do Pará], vol. 4, p. 41-50, uma importante análise ecológica dessa região (Snethlage, 1917SNETHLAGE, Emília. Nature and man in Eastern Pará. The Geographical Review, New York, v. 4, p. 41-50, 1917.)12 12 Esse texto de Snethlage pode ser melhor caracterizado como uma etnografia dos índios Tembé que ainda residiam em Santo Antônio do Prata, incluindo a relação que mantinham com o meio natural. .

O armistício com a Alemanha e países aliados em novembro de 1918 facilitaria a Emília Snethlage reintegrar-se nos cargos dos quais fora afastada. No dia 1º de agosto de 1919, o governador Lauro Sodré a reconduz à direção do Museu e também à chefia da Seção de Zoologia. Mas a situação econômica do Pará, as mudanças políticas no governo e bem como o ambiente no Museu eram já outros e Emília sentiu que o momento estava totalmente desfavorável para desenvolver qualquer atividade científica. As finanças do estado desbaratadas, o Tesouro vazio e nenhum auxílio se poderia vislumbrar do governo federal. Nada. O Pará começava a cair em catastrófica depressão, que duraria pelo menos 10 anos, até o advento da Revolução de 1930, e certamente por mais algum tempo.

Da época áurea de Emílio Goeldi só restara no Museu, em 1919, Emília Snethlage como cientista e mais alguns antigos preparadores, em especial o Sr. Rodolfo Siqueira Rodrigues, e auxiliares. Adolfo Ducke, no início de sua carreira entomólogo e depois botânico, desde fins de 1918 transferiu-se para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Assim, em meados de 1919 a junho de 1921, Emília Snethlage procurou salvar as aparências deste instituto científico que já entrava em agonia. Mas já tudo havia mudado e o momento era de grave crise. No Museu a situação já era bastante crítica com a falta de verbas e atraso dos pagamentos dos ordenados dos funcionários, que refletiam desesperadamente naqueles servidores de categorias mais humildes. Emília Snethlage, em sua simplicidade de mulher do povo e por isso muito inclinada ao humanitarismo, sentindo do mesmo modo como seus subordinados as agruras da vida, procurou atenuar as dificuldades deles com ajuda que ia desde dinheiro do seu próprio bolso até certas facilidades prodigalizadas pelo Museu. Com esta atitude de Snethlage, não demorou muito a maledicência dos insensíveis, dos invejosos e dos que se sentem bem criando intrigas e desprezando a solidariedade humana, para armarem o patíbulo no qual sacrificariam de vez a talentosa e arrojada pesquisadora do Museu do Pará.

No dia 19 de abril de 1921, o jornal “O Estado do Pará” publicava em destaque o tópico seguinte: “Grave denúncia – Do Museu Goeldi era retirada parte do alimento dos animais. Uma carta ao Estado. O que a polícia apurou. A Diretora, segundo declarou, consente na ‘muamba’”.

A citada carta fazia denúncias, algumas falsas, entre as quais a de que funcionários levavam alimentos, inclusive carne, para as suas casas, subtraindo da ração dos animais; e por isso os poucos animais presos no Museu morriam de fome. Outra denúncia dizia que na casa dos funcionários solteiros, que moravam no interior do Museu, ocorriam escândalos com a visita de “mulheres de vida duvidosa sem o menor respeito à direção e às famílias também lá residentes” (Grave..., 1921GRAVE denúncia. O Estado do Pará, Belém, 19 e 20 abril 1921. p. 12., p. 12).

A polícia fizera sigilosas investigações, tendo prendido um garoto e um cidadão irmão de um funcionário, os quais portavam embrulhos contendo carne. Um inquérito foi então iniciado, enquanto o governador Emiliano de Souza Castro era informado da questão.

Emília Snethlage estava plenamente senhora de si e da autoridade que exercia como diretora do Museu, confirmando apenas que havia autorização sua para distribuir sobras de alimentos dos animais a alguns funcionários de muito baixa renda, já que a época era de muita carência. Adiantava, ainda, que os animais nada sofriam com esta medida, pois a carne que vinha do matadouro e o peixe do mercado do Ver-o-Peso eram suficientes. As outras denúncias Snethlage derrubou completamente e tudo ficou em nada, pelo menos aparentemente. No mesmo dia 19 de abril de 1921, Emília foi a uma conferência com o governador do estado, por ele convocada, para relatar as tais ocorrências e acertar medidas para o Museu.

Não temos ideia do resultado de sua palestra com o governador, porque a diretora do Museu era muito sisuda e respeitava a autoridade superior. Contudo, o vexame inédito que passava agora em Belém ter-lhe-ia deixado com certeza alguma mágoa e lhe mostrado às escancaras a ingratidão dos paraenses.

O resultado desses fatos foi a imediata exoneração de Emília Snethlage da diretoria do Museu Paraense em 31 de maio desse ano, mantendo-se, porém, na chefia de Seção de Zoologia. Apesar das aparências, nada mais restava à pesquisadora senão abandonar de vez o Museu, e para este [sic] cair na total apatia e decadência. No dia 1º de junho de 1921, o governador nomeava para o Museu o Dr. Antônio Ó de Almeida, então conceituado médico e político de tradicional família do Pará. Como médico, o Dr. Ó de Almeida não possuía os requisitos para dirigir um instituto de pesquisa de ciências naturais de renome como o Museu e em especial naquele momento de franca falência da economia do estado. Por isso, nos quase 10 anos de sua administração no Museu, nada mais fez do que pedir licenças para fazer política no Senado do estado.

Para dar continuidade aos seus trabalhos científicos, Emília Snethlage permaneceu no Museu até 15 de janeiro de 1922, quando solicitou licença de 6 meses para tratar de seus interesses. Em face da precariedade daqueles momentos para desenvolver pesquisas, Emília Snethlage aceitou a proposta do diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Dr. Bruno Lobo, paraense, para o cargo de naturalista viajante, com vigência a partir e 1º de julho desse ano. O contrato foi de 6 meses, mas desde abril já vinha recebendo pagamento, embora ainda continuasse funcionária do Museu do Pará. Criara-se, com isto, uma posição ambígua para o governo do Pará, o que insinuava um certo desdém que a ilustre cientista possuía pelo mesmo.

Antes de ter viajado para o Rio, Snethlage conseguiu, em 16 de dezembro de 1921, enviar para o Museu Nacional 1.050 exemplares de couro de aves e 110 mamíferos, com o consentimento do novo diretor do Museu Paraense e do governo do Pará, que foram enriquecer as coleções daquela instituição com material amazônico então bastante pobre13 13 Cunha pretendeu dizer que o Museu Nacional, à época, não dispunha de uma boa coleção de aves amazônicas. .

Tendo o Dr. Ó de Almeida ciência de que Emília Snethlage estava já desempenhando função federal, comunicou ao governo o fato, ao mesmo tempo que solicitava, no dia 6 de julho de 1922, o desligamento da naturalista do quadro do Museu Goeldi.

No Museu Nacional, Emília Snethlage foi trabalhar com intensa obstinação depois de verificar que as coleções ornitológicas desta instituição eram deficientes com relação à Amazônia, e por isso formalizou de imediato projetos de viagens para coleta de aves e para aprofundar as observações ecológicas. Conforme nos informa Hélio Camargo, em rápidas notas sobre Emília (ver Ciência e Cultura, v. 3, n. 1, p. 66-67, 1951CAMARGO, Hélio. Pequena contribuição ao estudo da história do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciência e Cultura, Campinas, v. 3, n. 1, p. 66-67, 1951.), o Museu Nacional ofereceu-lhe sucessivamente os contratos de 3 anos, a partir de 1º de janeiro de 1923 e o segundo de março de 1926 e mais 3 ao término deste, quando veio a falecer em novembro de 1929 (Camargo, 1951CAMARGO, Hélio. Pequena contribuição ao estudo da história do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciência e Cultura, Campinas, v. 3, n. 1, p. 66-67, 1951.).

Em 1923, explorou a zona de transição da hileia e cerrado entre Maranhão e o Nordeste. Ainda em junho desse ano, veio visitar o Museu Paraense e tentar fazer estudos comparativos de aves em suas coleções e conseguir uma amostragem delas por empréstimo, com o Dr. Ó de Almeida. Obteve o empréstimo, mas depois de alguns anos Emília demorou a devolvê-lo, o que ocasionou muitos aborrecimentos ao diretor do Museu. Não sabemos o motivo da demora do retorno das coleções, se por necessidade de mais longos estudos ou de insinuar para que ficassem no Museu Nacional.

Por algum tempo, Snethlage viajou, no correr de 1925, pelos principais museus da Europa, fazendo estudos comparativos para um tão almejado “Catálogo das aves brasileiras”, com o inteiro apoio que então tinha da direção do Museu Nacional. Ainda nesse ano, com esse objetivo, Emília explorou o Espírito Santo e o vale do rio Doce, sofrendo amargurada com as derrubadas das matas e também ao verificar que os poucos índios da região já estavam completamente corrompidos em sua primitiva cultura. Várias regiões de Minas Gerais, como Mariana, as serras e depois o rio São Francisco nesse estado e depois na Bahia, foram, em 1926, percorridas pela intrépida cientista e exploradora, em busca do material ornitológico que carecia para completar suas pesquisas.

O ano de 1927 marcaria para a naturalista mais um ponto em sua trajetória, como uma das maiores exploradoras do espaço brasileiro, na maior parte das excursões, visando vários objetivos científicos de uma só vez14 14 O trecho está cortado no original. Certamente falta uma ou mais linhas. Cunha, provavelmente, pretendeu destacar a expedição que Snethlage fez por São Paulo, Goiás e rio Araguaia. . Bertha Lutz, a famosa zoóloga do Museu Nacional, muito semelhantes às atividades científicas que Snethlage desenvolvia15 15 Esse é outro trecho cortado. Cunha pretendeu dizer que Bertha Lutz desenvolveu, no Museu Nacional, atividades semelhantes às de Snethlage (embora os editores deste texto discordem da afirmação, uma vez que a trajetória de Bertha é totalmente diferente da de Emília). , estudou com alguns pormenores a vida de sua colega, tendo com este fim publicado pequenas notas no “Relatório Anual” do diretor do Museu Nacional, relativo a 1957, quando era diretor José Candido de Melo Carvalho. Sobre as viagens de 1927 que Emília realizou, assim esclareceu Lutz (1958, p. 42)LUTZ, Bertha. Emilie Snethlage (1868-1929). In: RELATÓRIO Anual, 1957, pelo Diretor José C. M. Carvalho. Rio de Janeiro: Museu Nacional, 1958. p. 29-34.:

Naquele ano a Dra. Emília Snethlage foi a pioneira das naturalistas, que em levas sucessivas e crescentes viajaram pelo rio Araguaia. A sua viagem teve início no Estado de S. Paulo e abrangeu grande parte do Território de Goiás e longo trecho do rio Araguaia, sendo cheia de aventuras e peripécias, que narra com maior simplicidade no seu relatório. Antes disso estivera no Itatiaia, aumentando a ornis conhecida de lá, com mais um terço. No ano seguinte (1928), visitou o sul, desde o Paraná até o rio Grande, demorando-se no vale do rio Uruguai, indo a Posadas, na Argentina, e às celebres cataratas do Iguaçu, de onde passou para Mato Grosso. Em 1929 foi ao ponto culminante da República, mas essa viagem ao Caparaó foi fatídica. O guia perdeu-se e a Dra. Emília passou noite e dia ao relento, debaixo de chuva e da neblina frias que nessas altitudes zombam da nossa posição subtropical.

Finalmente, Emília Snethlage resolveu, no segundo semestre de 1929, partir para o rio Madeira, o maior tributário do Amazonas e que lhe faltava explorar. Pretendia realizar aprofundadas observações ecológicas sobre certas espécies de aves e fazer coleta de material. Depois que realizasse esta viagem, Emília já estava projetando explorar o rio Branco, através do rio Negro, e estudar as aves das fronteiras Brasil-Colômbia e Brasil-Venezuela.

Em novembro de 1929, a ornitóloga-exploradora chegava à cidade de Porto Velho, no rio Madeira, hoje capital do estado de Rondônia. Hospedara-se no Hotel Brasil, mas, na madrugada do dia 25 do citado mês, vem a falecer subitamente de colapso, atestado pelo médico paraense Antônio Magalhães. Morreu tristemente só, sem o aconchego dos amigos ou o calor de seus familiares, irmãos e sobrinhos que viviam na Alemanha. No Brasil possuía apenas alguns amigos, mas naqueles confins que era o oeste da Amazônia, as autoridades locais resolveram sepultar Emília Snethlage no cemitério de Porto Velho, hoje abandonada em campa rasa, muito modesta, que anos depois foi restaurada pelo então prefeito de Porto Velho, em 1945-1948, jornalista Carlos Mendonça, e homem de letras que por muitos anos desenvolveu também atividades na antiga “Folha do Norte” e depois em “O Liberal”, falecido há pouco, com 82 anos de idade. Ele era um admirador de Emília Snethlage, a quem conheceu pessoalmente na década de vinte. Escreveu na “Folha do Norte”, de 14 de setembro de 1969, um artigo de meia página relembrando alguns episódios da inesquecível doutora Emília, como ela era conhecida em todo o interior do Brasil.

Estava Emília Snethlage, então, com 62 anos de idade, desprendida dos prazeres da vida e do comodismo, que nesta fase da vida muitas pessoas já abandonaram a luta por dias de repouso. Emília não temera nem a vida e nem a morte, porque passara a sua existência enfrentando-as paralelamente com entusiasmo e destemor. Foi assim a mulher que mostrou com tal destemor do que era capaz o seu sexo, tal como tantas outras no passado e ainda no presente.

No cemitério de Porto Velho, atualmente, depois de mais de 50 anos, talvez nem exista mais a sua modesta sepultura, tragada pela destruição do tempo e da terrível ingratidão dos homens que dela nem mais se lembram. Mas, na esfera científica do mundo, Emília Snethlage é sempre recordada com respeito e carinho pelos zoólogos, etnólogos e exploradores audazes.

O Museu Paraense Emílio Goeldi reverenciará sempre a sua memória, embora tardia, pois aqui foi onde passou os melhores anos de sua maturidade científica, ajudando com o esforço e o vigor do seu trabalho a impor nesta instituição o respeito que hoje desfruta no seio da comunidade científica internacional.

Hoje, no Departamento de Zoologia, setor de Aves e Mamíferos do Museu Paraense, guarda-se com toda cautela e desvelo a histórica coleção de 10.000 peles de aves (muitas foram inutilizadas pelo descuido) coletadas, identificadas e deixadas por Emília Snethlage pelo fim de 1921. Apresentam valor taxonômico importante para o estudo comparativo da ornitologia amazônica, em todos os tempos.

No dia 26 de outubro de 1926, a Academia Brasileira de Ciências recebeu em seu seio Emília Snethlage. Fez a sua recepção o Prof. Alípio de Miranda-Ribeiro, decano dos zoólogos brasileiros, exaltando as qualidades e o caráter da modesta cientista. Tanto Alípio de Miranda-Ribeiro como o famoso escritor Humberto de Campos conheceram Emília Snethlage em 1909, que contava já com 41 anos e achava-se no apogeu de sua carreira. Ambos deixaram para a posteridade alguns traços da personalidade da pesquisadora. Também dela se ocupou o Prof. Edgard Roquette-Pinto, antigo diretor do Museu Nacional. Miranda-Ribeiro (1936, p. 81)MIRANDA-RIBEIRO, Alípio. Discurso de recepção da Dra. Emília Snethlage na Academia Brasileira de 28 de outubro de 1926. Boletim do Museu Nacional, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 77-85, 1936., no seu discurso de recepção à Academia de Ciências, teceu o seguinte retrato de Snethlage:

Percebe-se bem que não é o “feminismo” que a empolga; rejubila-se porque a tomaram por um homem, mas gosta de pedir conselhos a Hellmayr, a Hartert, de ouvir-lhes os veredictos, como gosta de ler Berlepsch ou Salvadori. Traz o seu cabelo como Sophia Kovalevsky – à moda antiga – (Sophia Kovalevsky, russa nascida em 1853 e morta em 1891. Recebeu o título de Doutora com 21 anos, foi uma cientista, formada em Ciências Matemáticas [nas universidades] de Berlim e Göttingen. Escreveu vários livros sobre física e matemática, ganhando o prêmio Bordin da Academia de Ciências de Paris. Escreveu também novelas e memórias de infância. Foi casada com o paleontólogo russo Kovalesky) e usa o chapéu severo das senhoras de idade; o seu vestuário não deslumbra nas demasias do apuro, mas no[s] agrada na severidade da forma. Vê-se às vezes um leve vestígio de escolha de moça nas flores do chapéu ou na disposição da moda; mas a sisudez domina-lhe as maneiras, a simplicidade acentua-lhe a sua predileção constante – a zoologia. Não é, pois, a suffragette despeitada e resolvida a rasgar telas raras ou a derribar governos; é a criatura bondosa e experiente de sabedoria que se apraz em estudar, arriscando para tanto a vida, com a mesma naturalidade e modéstia com que deseja só encontrar, nos outros, as qualidades angelicais dos santos; e com a mesma fineza de ânimo com que prepara e executa as viagens pelo sertão adentro.

Humberto de Campos consignou assim as suas impressões sobre Emília Snethlage, quando a viu, em 1909, em seu gabinete de trabalho do Museu Goeldi:

O meu primeiro espanto veio da figura que me aparecia, de súbito, na pequena sala rodeada de estantes e de mostruários em que Emílio Goeldi escreveu as suas eruditas monografias sobre as aves e os mamíferos do Brasil. De estatura mediana, tez clara, mordida do sol e crestada pelos ventos ardentes do equador, cabelos longos e castanhos soltos nas espáduas, mostrando na fisionomia a um tempo enérgica e bondosa ter pouco mais de 30 anos, a mulher que me recebia para uma palestra sobre as suas excursões dava-me mais a impressão de uma bondosa senhora sertaneja, trabalhada pelos cuidados domésticos, do que de uma famosa desbravadora de florestas, e apanhadora de pássaros. (Campos, 1930CAMPOS, Humberto de. Emília Snethlage. Revista da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, v. 32, n. 99, p. 345-349, mar. 1930., p. 344).

“Trajava as roupas de seu sexo, vestindo, todavia, calças e perneiras de couro nas suas excursões” (Roquette-Pinto, 1930ROQUETTE-PINTO, Edgard. Snethlage. Revista da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, v. 32, n. 99, p. 349-351, mar. 1930., p. 17)16 16 Esse trecho, assim como os que aparecem nos dois próximos parágrafos, são citações do discurso de Edgar Roquette-Pinto na Academia Brasileira de Letras, publicado nos Anais da Academia Brasileira de Letras. .

Roquette-Pinto (1930, p. 19)ROQUETTE-PINTO, Edgard. Snethlage. Revista da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, v. 32, n. 99, p. 349-351, mar. 1930., que bem conheceu a naturalista, sobre ela deixou impresso o seguinte esboço de sua personalidade: “Snethlage uma modéstia meiga, tão atraente que ninguém a encontrava sem que a estimasse logo. Espírito vivo e sensível, adora música”.

Cortou o Brasil em todos os rumos e nunca encontrou quem lhe quisesse fazer o menor mal. E a mulher que conservou os seus lindos cabelos longos até pouco tempo, explicando que a moda dos cabelos curtos seria de fato muito cômoda para uma naturalista; mas as senhoras, no interior, poderiam no começo do uso, estranhar [...]

(Roquette-Pinto, 1930ROQUETTE-PINTO, Edgard. Snethlage. Revista da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, v. 32, n. 99, p. 349-351, mar. 1930., p. 350).

O famoso escritor paraense Raymundo Moraes também teve a oportunidade de conhecer Emília Snethlage durante os seus grandes momentos de exploradora. Raymundo Moraes tinha incomum admiração pela intrépida cientista, ao ponto de escrever um livro com um título “Os igaraúnas” (ou os que viajam em canoas negras), abordando em estilo romanceado os costumes dos paraenses interioranos, cujo principal personagem real é a extraordinária Emília. A trama do romance é fictícia, como a maioria das pessoas, mas Moraes aproveitou a descrição da viagem de exploração que Snethlage efetuou aos rios Tocantins e Araguaia, em 1910/11 e 1927, para incluí-la no enredo de sua história, que ele batizava de ‘dama de branco’. “Os igaraúnas” foi uma homenagem que Raymundo Moraes, um profundo conhecedor do rio Amazonas, prestou à modesta cientista do Museu Paraense Emílio Goeldi, feita então à sua maneira, prevendo já em 1938 o esquecimento em que a mesma ficaria um dia.

Em certa passagem do livro, Moraes (1938, p. 170)MORAES, Raymundo. Os igaraúnas. Romance amazônico: costumes paraenses. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira Editora, 1938. escreveu o seguinte sobre Emília:

Quanto à naturalista, valia por um atestado de altas qualidades germânicas. Se não era formosa possuía, no entanto, uma graça e uma simpatia que a tornavam envolvente, além de fina inteligência do trato ameno e da coragem que a sobrepunha, em qualquer momento, do tipo comum de mulher. Possuía, além disso, um golpe de vista psicológico e seguro sobre as pessoas, de maneira a surpreender pela máscara humana, os refolhos da alma.

Concluindo o seu romance, Moraes (1938, p. 326)MORAES, Raymundo. Os igaraúnas. Romance amazônico: costumes paraenses. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira Editora, 1938. assinalava de maneira veemente o seu apelo em memória de Emília Snethlage:

Quem se deu ao esforço de verificar o labor de Emília Snethlage, funcionária e diretora do nosso Museu, é que vê a indiferença com que os responsáveis pelo departamento científico lhe declinam o nome glorioso e memorável. Figura feminina emocionante, impávida e corajosa, basta ler-se-lhe a travessia por terra entre o Xingu e o Tapajós para se verificar o sentido de sua bravura. Temos, no entanto, além dessa parte etnográfica, de referir o seu trabalho formidável sobre a avifauna, cujo documento é esse volumoso livro intitulado “Catalogo das aves amazônicas”.

Carlos Mendonça, no artigo que escreveu sobre Snethlage, já citado antes, delineou em rápidos traços o que ele achava:

Realmente, era uma bela mulher. Tinha o riso generoso, e claro riso dos sábios, que Michelet raramente via nos seus heróis guerreiros. Sua sensibilidade transparecia em sua modéstia meiga, tão atraente, que, como observou Roquette-Pinto em curta biografia após sua morte, ninguém dela se aproximava que não a estimasse logo. Por ser assim, bela e de espírito tão vivo, lembrava Aspásia, a que que foi esposa de Péricles.

(Mendonça, 1969MENDONÇA, Carlos A. Uma naturalista alemã na Amazônia. Folha do Norte, Belém, 14 set. 1969. p. 11., p. 11).

Para finalizar estas notas sobre a vida e os trabalhos de Emília Snethlage, inserimos aqui um trecho que a Dra. Bertha Maria Julia Lutz escreveu ao abordar a atividade científica daquela naturalista, fazendo salientar a meta principal que a mesma perseguiu durante os 24 anos que estudou [sic] no Brasil17 ALBERTO, Diana; SANJAD, Nelson. Emília Snethlage (1868-1929) e as razões para comemorar seus 150 anos de nascimento. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 14, n. 3, p. 1047-1070, set.-dez. 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981.81222019000300018 . A distribuição geográfica das aves brasileiras por ela definido[a] e quase todo[a] fundamentado[a] em pesquisas de campo é um modelo de trabalho sério e judicioso. Este conceito foi assim sintetizado por Bertha Lutz na palestra que realizou sobre Emília Snethlage no Museu Nacional, publicada em resumo no Relatório Anual do diretor de 1958, p. 42:

A parte mais preciosa de sua obra fica sendo o sistema original e baseado em conhecimentos geográficos e profundos e exatos que elaborou sobre a Avifauna do Brasil. Divide o país em duas regiões, norte e sul, separadas em diagonal NE-SO, pelo divisor de águas do Tocantins-Araguaia e São Francisco, Paranaíba e Paraná. A região norte compreende a Hyleia e a Chapada, cujos campos se insinuam em direção à primeira pelas margens dos rios e clareiras, envolvendo a selva em rede campestre de malhas amplas. O rio Negro serve de transição entre as Guianas, a Colômbia e o Equador. Na região sul a floresta ocupa as serras costeiras e se estende ao longo dos vales dos rios, como o médio Paraná e o alto Uruguai, sendo ela a rede, e constituindo os campos e ilhas. Os campos são ora gramíneas, ora altos; os últimos, muito heterogêneos, abrangem o campo aberto, a caatinga, os capões, o cerrado e o cerradão. O denominador comum é a iluminação ampla. A Dra. Snethlage inclui os pinhais entre os campos altos. A zona de transição NE é quase desértica, com aves claras e desbotadas. A outra, a SO, é rica em água e abrange a parte oriental da Bolívia e do Paraguai. As aves dos campos altos não encontram obstáculos nas terras, mas apresentam máximos e mínimos. Nas florestas serranas, menos densas que equatorial, o ótimo decresce em altitude à medida que a latitude aumenta. Exemplifica com os Tangarás e os Tyrannidae, mormente com tiranos brancos dos grupos dominicana e irupero. Biologicamente, as aves insetívoras são de distribuição restrita, máxime as do solo e as das camadas baixas da floresta. As onívoras ostentam distribuição ampla. A Dra. Snethlage limita as suas considerações à ornis, mas muitas delas serão aplicáveis a outros grupos e aos países cisandinos limítrofes.

(Lutz, 1958LUTZ, Bertha. Emilie Snethlage (1868-1929). In: RELATÓRIO Anual, 1957, pelo Diretor José C. M. Carvalho. Rio de Janeiro: Museu Nacional, 1958. p. 29-34., p. 42).
  • 1
    Essas informações estão em cartas que fazem parte do acervo do Fundo Emília Snethlage, do Museu Paraense Emílio Goeldi, e que, ao lê-las em pesquisa de campo para este trabalho, se notou que a assinatura não demonstra sua identidade.
  • 2
    A primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918) iniciou com alguns pontos específicos que a fizeram eclodir, tais como disputas coloniais, econômicas, bem como movimentos de nações, como Alemanha, Rússia e França. Segundo Hobsbawm (1995, p. 16)HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX - 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., a I Guerra “[...] assinalou o colapso da civilização (ocidental) do século XIX”, que se configurava como capitalista na economia, liberal na estrutura constitucional e burguesa em sua classe.
  • 3
    Das informações colhidas nas fontes do Fundo Emília Snethlage (MPEG/MCTI), não se viu, até o momento, documentos que apresentassem o motivo de sua saída do Museu Goeldi.
  • 4
    O que se nota nas pesquisas feitas por Cunha, à época, para o artigo do jornal O Liberal, é que a causa mortis de Emília foi um ataque cardíaco. Uma pesquisa mais avançada, com consulta a mais algumas fontes, pode trazer informações mais claras sobre possíveis enfermidades e particularidades acerca do falecimento repentino dela.
  • 5
    Texto publicado originalmente no jornal O Liberal, de Belém, em 15 de novembro de 1985. A ortografia foi atualizada. Todas as notas foram acrescentadas por Diana Alberto e Nelson Sanjad.
  • 6
    Posteriormente, por sugestão de Osvaldo Cunha, o edifício que atualmente abriga a diretoria do Museu Paraense Emílio Goeldi foi batizado de Pavilhão Emília Snethlage.
  • 7
    O documento, na verdade, não é um relatório e sim um ofício que Emílio Goeldi enviou ao Secretário da Justiça e Instrução Pública do Pará no dia 23 de agosto de 1905, logo após a chegada de Snethlage a Belém. Museu Paraense Emílio Goeldi, Arquivo Guilherme de La Penha, Fundo Museu Paraense Emílio Goeldi, Livro de cópias de ofícios, folha 59.
  • 8
    Contrato de Emília Snethlage com o Governo do Estado do Pará. Arquivo Guilherme de La Penha, Fundo Museu Paraense Emílio Goeldi, Livro de cópias de ofícios, folha 60.
  • 9
    Há um equívoco nesta afirmação de Cunha. Na verdade, o “Álbum de aves amazônicas”, publicado por Goeldi entre 1900 e 1906, era um complemento do livro “As aves do Brasil”, publicado pelo mesmo autor em dois volumes, em 1894 e 1900. O “Catálogo das aves amazônicas”, publicado por Snethlage em 1914, é uma obra independente, embora tenha sido também concebido por Goeldi (Sanjad, 2010SANJAD, Nelson. A coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República (1866-1907). Brasília: IBRAM, 2010.).
  • 10
    Devido ao fato de o documento estar em formato digital, este foi transferido para arquivo em formato word, sendo que o trecho em destaque ficou na página 3 deste arquivo em doc.
  • 11
    O leprosário do Prata foi desativado na década de 1980, de acordo com as transformações verificadas nas políticas públicas brasileiras da época. Atualmente, a vila pertence ao município de Igarapé-Açu.
  • 12
    Esse texto de Snethlage pode ser melhor caracterizado como uma etnografia dos índios Tembé que ainda residiam em Santo Antônio do Prata, incluindo a relação que mantinham com o meio natural.
  • 13
    Cunha pretendeu dizer que o Museu Nacional, à época, não dispunha de uma boa coleção de aves amazônicas.
  • 14
    O trecho está cortado no original. Certamente falta uma ou mais linhas. Cunha, provavelmente, pretendeu destacar a expedição que Snethlage fez por São Paulo, Goiás e rio Araguaia.
  • 15
    Esse é outro trecho cortado. Cunha pretendeu dizer que Bertha Lutz desenvolveu, no Museu Nacional, atividades semelhantes às de Snethlage (embora os editores deste texto discordem da afirmação, uma vez que a trajetória de Bertha é totalmente diferente da de Emília).
  • 16
    Esse trecho, assim como os que aparecem nos dois próximos parágrafos, são citações do discurso de Edgar Roquette-Pinto na Academia Brasileira de Letras, publicado nos Anais da Academia Brasileira de Letras.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2018
  • Aceito
    27 Maio 2019
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