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Diabetes mellitus em idosos, prevalência e incidência: resultados do Estudo Fibra

Resumo

Objetivo

estimar a prevalência e incidência de diabetes mellitus em uma coorte retrospectiva de idosos e identificar os principais fatores associados à doença em dois momentos, 2008/2009 e 2016/2017; e descrever a prevalência de diabetes de acordo com o excesso de peso.

Método

2008/2009 e

Resultados

a prevalência de diabetes mellitus aumentou de 21,95% para 27,46% em nove anos (p=0,001), e a incidência foi de 5,51%. Na linha de base, as prevalências foram maiores entre os idosos que apresentavam excesso de peso e pior percepção de saúde. O excesso de peso se manteve associado no seguimento, assim como a presença de duas ou mais doenças crônicas e o consumo de 3 a 5 lanches/dia.

Conclusão

em 2008/2009, um em cada cinco idosos apresentava diabetes e, em 2016/2017, essa relação era cerca de um para quatro. Destaca-se a importância do excesso de peso na determinação da doença, em ambos os períodos. Fazem-se necessárias intervenções educativas, ampliação da cobertura de cuidados, com maior frequência de atendimento e avaliação multiprofissional que considere as comorbidades, a inserção social e familiar do idoso, e sua rede de apoio.

Palavras-Chave:
Diabetes Mellitus; Doença Crônica; Saúde do Idoso; Envelhecimento; Obesidade; Estudos Longitudinais

Abstract

Objective

to estimate the prevalence and incidence of diabetes mellitus in a retrospective cohort of older adults, identify the main factors associated with the disease for both periods 2008-2009 and 2016-2017 and describe the prevalence of diabetes according to overweight status.

Method

a retrospective longitudinal study with 442 community-dwelling older adults (≥65 years old) participating in the FIBRA study (baseline 2008-2009 and follow-up 2016-2017) in Campinas and Ermelino Matarazzo (São Paulo State). Prevalences were estimated and associations were verified using Pearson’s chi-square test or Fisher’s exact test (p<0.05). Crude and adjusted prevalence ratios for sex, age and education were also estimated using Poisson regression.

Results

the prevalence of diabetes mellitus increased from 21.95% to 27.46% in nine years (p=0.001), and the incidence was 5.51%. At baseline, the prevalence was higher among older adults who were overweight and had a worse perception of health. Overweight status remained associated at follow-up, together with the presence of two or more chronic diseases and the consumption of 3 to 5 snacks/day.

Conclusion

in 2008-2009, one in five older adults had diabetes and, in 2016-2017, this ratio was about one in four. The importance of being overweight in determining the disease in both periods is highlighted. Educational interventions, expansion of care coverage, greater frequency of care and multi-professional assessment that considers comorbidities, the social and family insertion of the older adult, and their support network are required.

Keywords
Diabetes Mellitus; Chronic Disease; Health of the Elderly; Aging; Obesity; Longitudinal Studies

Introdução

Dados sobre a morbimortalidade por diabetes demonstram a importância da doença como um problema de saúde pública na população mundial - globalmente, uma a cada cinco pessoas com idade entre 65 e 69 anos vivem com diabetes (cerca de 136 milhões)11 International Diabetes Federation. IDF Atlas 9th edition 2019 [Internet]. Brussels: IDF; 2019 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: https://www.diabetesatlas.org/upload/resources/material/20200302_133351_IDFATLAS9e-final-web.pdf
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. Projeta-se que o número de indivíduos com mais de 65 anos com diabetes chegará a 195,2 milhões em 2030 e 276,2 milhões em 204522 Sinclair A, Saeedi P, Kaundal A, Karuranga S, Malanda B, Williams R. Diabetes and global ageing among 65-99-year-old adults: Findings from the International Diabetes Federation Diabetes Atlas, 9th ed. Diabetes Res. Clin. Pract. 2020;162:1-10.,33 Saeedi P, Petersohn I, Salpea P, Malanda B, Karuranga S, Unwin N, et al. Global and regional diabetes prevalence estimates for 2019 and projections for 2030 and 2045: Results from the International Diabetes Federation Diabetes Atlas, 9th ed. Diabetes Res. Clin. Pract. 2019;157:107843.. O aumento progressivo é principalmente devido ao aumento do diabetes mellitus tipo 2 (resistência à insulina), que representa 90% a 95% dos casos e acomete, majoritariamente, adultos e idosos44 Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020 [Internet]. São Paulo: Clannad; 2019 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/02/Diretrizes-Sociedade-Brasileira-de-Diabetes-2019-2020.pdf
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Em todo o mundo, a prevalência de diabetes é impulsionada por uma complexa interação de fatores socioeconômicos, demográficos, ambientais, genéticos e comportamentais. Níveis crescentes na adoção de estilos de vida pouco saudáveis (dietas não saudáveis ​​e sedentarismo, que levam à obesidade) e a progressiva urbanização respondem importantemente pelo aumento da incidência e prevalência do diabetes no mundo. Complicações crônicas ou aquelas que se desenvolvem em longo período podem apresentar-se nas pessoas com diabetes (principalmente nos idosos) já no momento do diagnóstico. Neste sentido, a detecção precoce e o tratamento são imprescindíveis para evitar incapacidades e morte55 International Diabetes Federation. Individual, social and economic impact Diabetes affects the health of individuals, societies and economies [Internet]. Brussels: IDF; 2019 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: https://www.diabetesatlas.org/en/sections/individual-social-and-economic-impact.html.
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O maior uso dos serviços de saúde pelos indivíduos com diabetes, a perda de produtividade e cuidados prolongados requeridos para tratar suas complicações crônicas (insuficiência renal, problemas cardíacos, pé diabético, entre outros) representa, para a maioria dos países, um dispêndio entre 5% e 20% do gasto total com saúde, e um importante desafio para os sistemas de saúde55 International Diabetes Federation. Individual, social and economic impact Diabetes affects the health of individuals, societies and economies [Internet]. Brussels: IDF; 2019 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: https://www.diabetesatlas.org/en/sections/individual-social-and-economic-impact.html.
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. No Brasil, em 2018, os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com hospitalizações, procedimentos ambulatoriais e medicamentos corresponderam a 30% para diabetes (mais de R$ 1 bilhão) e 11% para a obesidade (mais de R$ 370 milhões). Os custos da obesidade como fator de risco para o diabetes também são elevados66 Nilson EAF, Andrade RCS, Brito DA, Oliveira ML. Custos atribuíveis a obesidade, hipertensão e diabetes no Sistema Único de Saúde, Brasil, 2018. Rev. Panam. Salud Publica. 2020;44:e32..

No Brasil, os custos econômicos44 Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020 [Internet]. São Paulo: Clannad; 2019 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/02/Diretrizes-Sociedade-Brasileira-de-Diabetes-2019-2020.pdf
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,77 Stopa SR, Cesar CLG, Alves MCGP, Barros MBA, Goldbaum M. Uso de serviços de saúde para controle da hipertensão arterial e do diabetes mellitus no município de São Paulo. Rev. Bras. Epidemiol. 2019;22:E190057. e sociais (como os atribuíveis à mortalidade prematura e às incapacitações temporárias e permanentes, o comprometimento da qualidade de vida e sentimento de encargo familiar) do diabetes são expressivos, tanto para as famílias quanto para o SUS44 Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020 [Internet]. São Paulo: Clannad; 2019 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/02/Diretrizes-Sociedade-Brasileira-de-Diabetes-2019-2020.pdf
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,77 Stopa SR, Cesar CLG, Alves MCGP, Barros MBA, Goldbaum M. Uso de serviços de saúde para controle da hipertensão arterial e do diabetes mellitus no município de São Paulo. Rev. Bras. Epidemiol. 2019;22:E190057.. De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 (PNS), cerca de 7,7% da população recebeu o diagnóstico da doença (12,3 milhões de pessoas) e 80,0% relataram assistência médica no último ano, o que corresponde a 9,7 milhões de pessoas. Ressalta-se que 66,5% receberam atendimento na rede pública de saúde (SUS), com metade de todas as consultas realizadas nos postos de saúde distribuídos pelo país88 Brasil. Ministério da Saúde. No Brasil, maioria dos pacientes com hipertensão e diabetes faz acompanhamento de saúde no SUS [Internet]. Brasília, DF: MS; 2020 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/no-brasil-maioria-dos-pacientes-com-hipertensao-e-diabetes-faz-acompanhamento-de-saude-no-sus
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. Embora dados sobre a prevalência de diabetes em subgrupos populacionais sejam frequentes, estimativas da incidência da doença são menos relatadas na literatura nacional.

Ainda que o envelhecimento não seja sinônimo de adoecimento, nos idosos ocorre um aumento da vulnerabilidade clínico-funcional e da predisposição às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)99 Leite BC, Oliveira-Figueiredo DST, Rocha FL, Nogueira MF. Multimorbidade por doenças crônicas não transmissíveis em idosos: um estudo de base populacional. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(6):e190253.. Em relação à prevalência de diabetes em idosos brasileiros, dados da PNS de 2013 e de 2019 mostraram, para a faixa etária de 65 a 74 anos, 17,7% e 19,9%, respectivamente; naqueles acima de 75 anos os valores foram de 19,5% e 21,1%, sem aumento significativo no período1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional de saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas: Brasil, grandes regiões e unidades da federação [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2014 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv91110.pdf.
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,1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal: Brasil, grandes regiões [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2020 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101764.pdf.
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. Essas prevalências observadas em estudos de base populacional possibilitam prospectar a importância das complicações crônicas em decorrência do diabetes, assim como indicam a magnitude da carga da doença para os idosos, familiares, serviços de saúde e para a sociedade44 Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020 [Internet]. São Paulo: Clannad; 2019 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/02/Diretrizes-Sociedade-Brasileira-de-Diabetes-2019-2020.pdf
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Nos Estados Unidos, uma pesquisa com adultos de 20 anos ou mais (n=58.186) identificou maiores prevalências de diabetes tipo 2 no sexo masculino, nos indivíduos com menores níveis de escolaridade e renda familiar, nos que apresentavam excesso de peso e nos idosos (idade ≥65 anos), cuja prevalência atingiu 18,2%1212 Xu G, Liu B, Sun Y, Du Y, Snetselaar LG, Hu FB, et al. Prevalence of diagnosed type 1 and type 2 diabetes among US adults in 2016 and 2017: population based study. BMJ. 2018;362:k1497.. No estudo longitudinal de base populacional EpiFloripa Idoso, a prevalência de diabetes foi de 22,1%, maior nos idosos que não possuíam escolaridade formal, nos que estudaram entre 5 e 8 anos versus ≥12 anos e nos que estavam com a circunferência da cintura aumentada e com hipertensão arterial1313 Santos CES, Rech CR, Antes DL, Schneider IJC, D’Orsi E, Benedetti TRB. Incidence and prevalence of diabetes self-reported on elderly in south of Brazil: results of EpiFloripa Ageing Study. Ciênc. Saúde Colet. 2019;24(11):4191-9.. Estudo realizado na cidade de Viçosa, MG com 621 idosos (idade entre 60 e 98 anos) encontrou prevalência de 22,4% de diabetes e a ocorrência foi maior nas mulheres, naqueles com pior percepção da saúde, com história de hipertensão, de dislipidemia e com obesidade abdominal; a escolaridade esteve inversamente associada à doença1414 Vitoi NC, Fogal AS, Nascimento CM, Franceschini SCC, Ribeiro AQ. Prevalência e fatores associados ao diabetes em idosos no município de Viçosa, Minas Gerais. Rev. Bras. Epidemiol 2015;18(4):953-65..

Enquanto medida de frequência da doença, os novos casos (incidência) de diabetes nos idosos estimam o risco médio dessa população adquirir a doença e constituem também, um parâmetro para a avaliação do impacto alcançado por medidas de prevenção44 Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020 [Internet]. São Paulo: Clannad; 2019 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/02/Diretrizes-Sociedade-Brasileira-de-Diabetes-2019-2020.pdf
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. Além disso, a identificação dos fatores de risco associados à doença permite subsidiar estratégias para a promoção da saúde e prevenção, nos âmbitos individual e coletivo, a fim de reduzir a carga do diabetes sobre os custos para o SUS, o indivíduo e a sociedade. Os objetivos deste estudo foram estimar a prevalência e incidência de diabetes mellitus em uma coorte retrospectiva de idosos e identificar os principais fatores associados à doença em dois momentos, 2008/2009 e 2016/2017; e descrever a prevalência de diabetes de acordo com o excesso de peso.

Método

Estudo longitudinal retrospectivo com idosos de 65 anos ou mais de idade, realizado com dados da linha de base (2008/2009) e do seguimento (2016/2017) do Estudo Fibra Campinas, SP e Ermelino Matarazzo, subdistrito da cidade de São Paulo, Brasil.

Na linha de base, foram selecionados por meio de amostragem simples, 90 setores censitários urbanos em Campinas e 62 em Ermelino Matarazzo, para os quais foram estimadas amostras da população de homens e mulheres por idade (900 idosos em Campinas e 384 em Ermelino Matarazzo)1515 Neri AL, Yassuda MS, Araújo LF, Eulálio MC, Cabral BE, Siqueira MEC, et al. Metodologia e perfil sociodemográfico, cognitivo e de fragilidade de idosos comunitários de sete cidades brasileiras: Estudo FIBRA. Cad. Saúde Pública. 2013;29(4):778-92.. No seguimento (2016/2017), o recrutamento partiu das listas dos endereços domiciliares registrados nos bancos de dados da linha de base, que foram percorridos pelos recrutadores para a realização da coleta de dados. Realizaram-se até três tentativas de localização do participante e, em ambos os municípios, obtiveram-se a confirmação dos óbitos e as informações sobre os falecidos, de um familiar e/ou um conhecido do idoso.

Neste estudo, foram considerados os idosos que estiveram presentes na linha de base e no seguimento, e que responderam à pergunta sobre diagnóstico médico de diabetes (n=442). Para a análise dos fatores associados ao diabetes nos idosos, foram consideradas as seguintes variáveis:

  • Sociodemográficas: sexo (feminino e masculino), faixa de idade (65 a 69, 70 a 79 e 80 anos ou mais), escolaridade em anos de estudo (0, 1 a 4 e 5 ou mais) e arranjo familiar (sozinho, com cônjuge e com descendentes/outros).

  • Número de doenças crônicas e sintomas depressivos: o número de doenças (0 a 1, 2 ou mais) foi obtido do relato dos idosos quanto ao diagnóstico prévio das seguintes doenças/condições crônicas: hipertensão arterial sistêmica, doença do coração, acidente vascular cerebral/isquemia/derrame, câncer, artrite ou reumatismo, depressão, doenças dos pulmões e osteoporose (sim ou não). A versão brasileira da Escala de Depressão Geriátrica (Geriatric Depression Scale – GDS-15), composta por 15 itens dicotômicos (sim ou não) foi aplicada e o ponto de corte ≥6 foi adotado para o rastreio de idosos com sintomas depressivos1616 Almeida OP, Almeida SA. Confiabilidade da versão brasileira da Escala de Depressão em Geriatria (GDS) versão reduzida. Arq Neuropsiquiatr. 1999;57(2-B):421-6..

  • Excesso de peso e comportamentos relacionados à saúde: para classificar os idosos em relação ao excesso de peso foi utilizada a razão cintura-estatura (RCE), calculada a partir da medida da circunferência da cintura dividida pela estatura, em centímetros. Os valores de RCE foram categorizados segundo pontos de corte definidos para idosos do sexo masculino e feminino: valores de RCE ≥0,58 foram considerados indicativos de excesso de peso1717 Assumpção D, Ferraz RO, Borim FSA, Neri AL, Francisco PMSB. Pontos de corte da circunferência da cintura e da razão cintura/estatura para excesso de peso: estudo transversal com idosos de sete cidades brasileiras, 2008-2009. Epidemiol. Serv. Saúde. 2020;29(4):e2019502.; tabagismo (nunca fumou, ex-fumante, fumante), consumo de bebidas alcoólicas (não bebe, 1 a 4 vezes/mês, ≥2 vezes/semana). A atividade física foi avaliada por meio dos exercícios físicos e esportes ativos realizados em contexto de lazer, extraídos da versão brasileira do Minnesota Leisure Time Activity Questionnaire, composta por 16 itens1818 Lustosa LP, Pereira DS, Dias RC, Britto RR, Parentoni AN, Pereira LSM. Tradução e adaptação transcultural do Minnesota Leisure Time Activities Questionnaire em idosos. Geriatr. Gerontol. Aging. 2011;5(2):57-65.. Para cada tipo de atividade, foi investigado se o idoso praticava (sim ou não), quantas vezes por semana e quantos minutos por sessão. Em seguida, foram calculadas as intensidades absolutas em equivalentes metabólicos1919 Ainsworth BE, Haskell WL, Whitt MC, Irwin ML, Swartz AM, Strath SJ, et al. Compendium of physical activities: an update of activity codes and MET intensities. Med .Sci. Sports Exerc. 2000;32(9 Suppl):498-504., cujo total foi classificado em quintis, de acordo com o sexo. Os idosos localizados no 1º quintil da distribuição observada foram considerados inativos em contexto de lazer.

  • Pequenas refeições (seguimento): avaliada por meio da pergunta, “Quantos lanches entre as refeições o (a) sr. (a) faz por dia?”, e classificada em 0 a 1, 2 e 3 ou mais.

Foram utilizadas estatísticas descritivas (média, desvio padrão e proporção) para caracterizar os idosos quanto a idade e sexo nos dois períodos. Estimaram-se as prevalências de diabetes na linha de base e no seguimento e sua associação com as variáveis consideradas no estudo foram verificadas pelo teste qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher, considerando-se um nível de significância de 5%. Em seguida, foram estimadas as razões de prevalência brutas e ajustadas por sexo, idade e escolaridade (características relacionadas à ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis e ao uso de serviços de saúde)77 Stopa SR, Cesar CLG, Alves MCGP, Barros MBA, Goldbaum M. Uso de serviços de saúde para controle da hipertensão arterial e do diabetes mellitus no município de São Paulo. Rev. Bras. Epidemiol. 2019;22:E190057.,2020 Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Doenças crônicas não transmissíveis e a utilização de serviços de saúde: análise da Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil. Rev. Saúde Pública. 2017;51(Suppl 1):1-4.,2121 Wu H, Meng X, Wild SH, Gasevic D, Jackson CA. Socioeconomic status and prevalence of type 2 diabetes in mainland China, Hong Kong and Taiwan: a systematic review. J. Glob. Health. 2017;7(1):1-10. utilizando-se regressão de Poisson com variância robusta.

Também foi verificada a frequência (pontual e o intervalo de confiança - IC95%) de idosos com diabetes, de acordo com o excesso de peso (sim ou não). Considerando-se as perdas no período, inicialmente foi analisado o padrão de não-resposta e, posteriormente realizou-se imputação múltipla, método totalmente condicional, 5 imputações e as seguintes variáveis preditoras: idade, sexo, escolaridade, diabetes, hipertensão e excesso de peso na linha de base, para recomposição dos dados faltantes.

Os projetos do Estudo Fibra foram encaminhados e aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas, com CAAE - 39547014.0.1001.5404 (linha de base) e 49987615.3.0000.5404 e 92684517.5.1001.5404 (seguimento). Todos os idosos foram informados sobre os objetivos da pesquisa, procedimentos e seus direitos, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Os critérios usados para selecionar os idosos participantes deste estudo são apresentados na Figura 1 (n=442).

Figura 1
Fluxograma de seleção da amostra. Estudo Fibra, Idosos, Campinas e Ermelino Matarazzo, SP, Brasil.

Na linha de base e no seguimento, a média de idade dos idosos foi de 72,07 anos (±5,12) e 80,62 (±4,69), respectivamente, e 67% eram mulheres. Para o conjunto dos idosos, a prevalência da doença aumentou no período (p=0,001) passando de 21,95% (n=97) para 27,46% (n=121), com incidência de 24 casos de diabetes (5,51%) no período. Na Tabela 1, são apresentados os resultados para a ocorrência da doença na linha de base e no seguimento, segundo as variáveis consideradas no estudo. Na linha de base (2008/2009), observaram-se maiores prevalências entre idosos com excesso de peso (p<0,001) e que pior avaliaram a sua saúde (p=0,005). No seguimento, além do excesso de peso (p<0,001), a presença de duas ou mais doenças crônicas (p=0,038) e o consumo de lanches/dia (p=0,015) estiveram associados ao diabetes (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização da amostra e prevalências de diabetes em idosos (≥ 65 anos) segundo variáveis sociodemográficas, condições de saúde, autoavaliação da saúde, estilo de vida e consumo de lanches. Estudo Fibra, Idosos, Campinas e Ermelino Matarazzo, SP, Brasil, 2008/2009 e 2016/2017.

Na linha de base, as prevalências de diabetes foram maiores entre os idosos que apresentavam excesso de peso (RP=1,99; IC95%:1,36-2,91) e pior percepção de saúde (RP=1,80; IC95%:1,15-2,80). O excesso de peso se manteve associado no seguimento (RP=1,47; IC95%:1,05-2,06), assim como a presença de duas ou mais doenças crônicas (RP=1,60; IC95%:1,12-2,28) e o consumo de 3 a 5 lanches/dia (RP=2,01; IC95%:1,36-2,96) (Tabela 2).

Tabela 2
Razões de prevalência brutas e ajustadas por sexo, idade e escolaridade para diabetes em idosos (≥ 65 anos), segundo ano de estudo. Estudo Fibra, Idosos, Campinas e Ermelino Matarazzo, SP, Brasil, 2008/2009 e 2016/2017.

Nas Figuras 2a e 2b são apresentadas as prevalências de diabetes e a distribuição dos idosos com diabetes, de acordo com o excesso de peso para os dados de 2008/2009 e 2016/2017. Observou-se maior frequência daqueles com excesso de peso em ambos os períodos, com a manutenção do padrão observado (cerca de duas vezes maior). Ressalta-se que, por meio da imputação múltipla a prevalência de diabetes foi de 30,28% (IC95%:27,40-33,15), estatisticamente semelhante aos valores observados considerando as perdas no período (27,46%; IC95%:23,28-31,64). Quanto ao excesso de peso, também não houve diferença estatisticamente significativa: 18,54% (IC95%:14,89-22,18) e 21,76% (IC95%:19,17-24,34) para os dados sem e com imputação múltipla, respectivamente.

Figura 2a
Prevalência do diabetes, segundo excesso de peso. Estudo Fibra, Idosos, Campinas e Ermelino Matarazzo, SP, Brasil, 2008/2009.
Figura 2b
Prevalência do diabetes, segundo excesso de peso. Estudo Fibra, Idosos, Campinas e Ermelino Matarazzo, SP, Brasil, 2016/2017.

Discussão

Os resultados do estudo mostraram que em 2008/2009, um em cada cinco idosos apresentava diabetes e, em 2016/2017, essa relação era cerca de um em cada quatro. No período (em média de 9 anos) a incidência da doença nos idosos foi de 5,51%. Pior percepção de saúde e excesso de peso estiveram associados ao diabetes nos idosos na linha de base, mantendo-se este último, assim como a presença de duas ou mais doenças crônicas e o consumo de 3 a 5 lanches/dia, associados no seguimento.

Para a prevalência, dados similares foram observados com idosos de Florianópolis/SC (idade ≥60 anos) em 2009/2010 (22,1%; IC95%:20,1-24,1) e, em relação à incidência, após uma média de quatro anos de seguimento, 8,3% (IC95%:6,7-10,3) apresentaram a doença1313 Santos CES, Rech CR, Antes DL, Schneider IJC, D’Orsi E, Benedetti TRB. Incidence and prevalence of diabetes self-reported on elderly in south of Brazil: results of EpiFloripa Ageing Study. Ciênc. Saúde Colet. 2019;24(11):4191-9.. Dados da PNS 2013 mostraram que a média de idade de diagnóstico do diabetes foi de 58,5 anos nos idosos com idade ≥65 anos, e cerca de 75% tiveram o diagnóstico médico antes de atingir essa idade2222 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNS - Pesquisa Nacional de Saúde [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2021 [acesso em 09 set. 2021]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=microdados.
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. Deste modo, ressalta-se a importância da prevenção de sua ocorrência (primária) e, para os acometidos, de suas complicações agudas e crônicas (secundária), considerando-se o curso prolongado do diabetes mellitus - neste estudo a média de idade dos idosos com diabetes foi de 71,36 e 80,31 anos na linha de base e no seguimento - e a presença de multimorbidade, que refletem diretamente na maior procura por serviços de saúde77 Stopa SR, Cesar CLG, Alves MCGP, Barros MBA, Goldbaum M. Uso de serviços de saúde para controle da hipertensão arterial e do diabetes mellitus no município de São Paulo. Rev. Bras. Epidemiol. 2019;22:E190057.,2020 Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Doenças crônicas não transmissíveis e a utilização de serviços de saúde: análise da Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil. Rev. Saúde Pública. 2017;51(Suppl 1):1-4.,2323 Flor SF, Campos MR. Prevalência de diabetes mellitus e fatores associados na população adulta brasileira: evidências de um inquérito de base populacional. Rev. Bras. Epidemiol. 2017;20(1):16-29..

A autoavaliação da saúde (AAS) é um indicador importante para identificar pessoas com maior risco de eventos adversos como mortalidade e incapacidade funcional. Estudo que utilizou o EuroQol (EQ VAS) para investigar a AAS como preditor independente de eventos vasculares e complicações nos indivíduos com diabetes tipo 2, identificou, após o controle de fatores de risco clínicos, que um maior escore na autoavaliação de saúde (EQ VAS >10 pontos) associou-se a riscos 6% e 22% menores de eventos vasculares e complicações do diabetes, respectivamente2424 Hayes AJ, Clarke PM, Glasziou PG, Simes RJ, Drury PL, Keech AC. Can self-rated health scores be used for risk prediction in patients with type 2 diabetes? Diabetes Care. 2008;31(4):795-7.. A AAS caracteriza-se como uma ferramenta de triagem abrangente do estado de saúde e traz informação importante em relação a magnitude dos efeitos da doença sobre o indivíduo2525 Laursen DH, Christensen KB, Christensen U, Frølich A. Self-rated health as a predictor of outcomes of type 2 diabetes patient education programmes in Denmark. Public Health. 2016;139:170-7.. No presente estudo, a pior AAS associou-se ao diabetes na linha de base, mas não no seguimento. Deve-se considerar que o aumento da idade cronológica no seguimento (na linha de base os idosos já tinham 65 anos) pode superestimar avaliações positivas em decorrência da adaptação psicológica, resultante de processos de comparação social descendente, ou seja, os idosos podem sentir alta satisfação por se perceberem em melhores condições de saúde - mesmo apresentando condições crônicas como o diabetes - do que seus contemporâneos2626 Baron-Epel O, Kaplan G. General subjective health status or age-related subjective health status: does it make a difference? Soc. Sci. Med. 2001;53(10):1373-81..

Neste estudo, o sobrepeso associou-se ao diabetes na linha de base e no seguimento. A literatura mostra uma relação entre excesso de peso e diabetes independentemente do indicador utilizado1212 Xu G, Liu B, Sun Y, Du Y, Snetselaar LG, Hu FB, et al. Prevalence of diagnosed type 1 and type 2 diabetes among US adults in 2016 and 2017: population based study. BMJ. 2018;362:k1497.,1313 Santos CES, Rech CR, Antes DL, Schneider IJC, D’Orsi E, Benedetti TRB. Incidence and prevalence of diabetes self-reported on elderly in south of Brazil: results of EpiFloripa Ageing Study. Ciênc. Saúde Colet. 2019;24(11):4191-9.,2323 Flor SF, Campos MR. Prevalência de diabetes mellitus e fatores associados na população adulta brasileira: evidências de um inquérito de base populacional. Rev. Bras. Epidemiol. 2017;20(1):16-29.,2727 Gupta S, Bansal S. Does a rise in BMI cause an increased risk of diabetes?: Evidence from India. PLoS ONE. 2020;15(4):e0229716.. Nos idosos, além da obesidade, o próprio envelhecimento se associa a maior infiltração de tecido gorduroso nos músculos e no fígado, que se relacionam com resistência à insulina e a intolerância à glicose2828 Santos RR, Bicalho MAC, Mota P, Oliveira DR, Moraes EN. Obesidade em idosos. Rev. Med. Minas Gerais. 2013;23(1):64-73.. Diversos índices antropométricos são utilizados para diagnosticar o excesso de peso2929 Corrêa MM, Facchini LA, Thumé E, Oliveira ERA, Tomasi E. Habilidade da razão cintura-estatura na identificação de risco à saúde. Rev Saúde Pública. 2019;53:1-10.,3030 Corrêa MM, Thumé E, de Oliveira ER, Tomasi E. Performance of the waist-to-height ratio in identifying obesity and predicting non-communicable diseases in the elderly population: a systematic literature review. Arch. Gerontol. Geriatr. 2016;65:174-82.. Ressalta-se que a relação cintura-estatura, indicador utilizado neste estudo para medir o excesso de peso, é reconhecida como melhor marcador antropométrico em relação à outros índices (índice de massa corpórea, circunferência da cintura e relação cintura-quadril)2929 Corrêa MM, Facchini LA, Thumé E, Oliveira ERA, Tomasi E. Habilidade da razão cintura-estatura na identificação de risco à saúde. Rev Saúde Pública. 2019;53:1-10., pois além de apresentar superioridade na predição de fatores de risco cardiometabólicos, o seu ajuste pela estatura permite definir um único limiar aplicável à população em geral, independentemente da idade, sexo ou etnia3030 Corrêa MM, Thumé E, de Oliveira ER, Tomasi E. Performance of the waist-to-height ratio in identifying obesity and predicting non-communicable diseases in the elderly population: a systematic literature review. Arch. Gerontol. Geriatr. 2016;65:174-82..

Entre as doenças consideradas pelo Estudo Fibra, tanto a hipertensão arterial quanto as doenças do coração possuem fatores de risco em comum, particularmente o sobrepeso/obesidade, que estão associados com outras doenças crônicas não transmissíveis, incluindo o diabetes99 Leite BC, Oliveira-Figueiredo DST, Rocha FL, Nogueira MF. Multimorbidade por doenças crônicas não transmissíveis em idosos: um estudo de base populacional. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(6):e190253.. Além disso, neste estudo, cerca de 85% dos idosos com diabetes apresentavam hipertensão arterial, que é uma morbidade e ao mesmo tempo um fator de risco para outras doenças99 Leite BC, Oliveira-Figueiredo DST, Rocha FL, Nogueira MF. Multimorbidade por doenças crônicas não transmissíveis em idosos: um estudo de base populacional. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(6):e190253.,1414 Vitoi NC, Fogal AS, Nascimento CM, Franceschini SCC, Ribeiro AQ. Prevalência e fatores associados ao diabetes em idosos no município de Viçosa, Minas Gerais. Rev. Bras. Epidemiol 2015;18(4):953-65.. Deve-se considerar também, que no seguimento a média de idade dos idosos avaliados era de 80,62 anos, elevando per se o risco de incidência de doenças crônicas e da multimorbidade, a qual também esteve associada à maior ocorrência de diabetes.

Foi verificado nesta pesquisa que a prevalência de diabetes foi duas vezes superior nos idosos que consumiram maior número de pequenas refeições por dia (3 a 5 versus 0 a 1). Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, os planos alimentares para pessoas com diabetes devem considerar o consumo de cinco a seis refeições diárias, as três principais (café da manhã, almoço e jantar) e outras duas ou três compostas por lanches, visando promover a saciedade44 Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020 [Internet]. São Paulo: Clannad; 2019 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/02/Diretrizes-Sociedade-Brasileira-de-Diabetes-2019-2020.pdf
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. Entretanto, a qualidade dos alimentos consumidos nos lanches é fundamental para evitar o ganho de peso corporal e manter o controle glicêmico.

Deve-se considerar que o Protocolo de Uso do Guia Alimentar para a População Brasileira para idosos recomenda o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados como frutas frescas ou secas, oleaginosas, tapioca, leite e iogurte natural, e que se evite o consumo de alimentos ultraprocessados como biscoitos/bolachas, pães de pacote, embutidos, suco de caixinha/refrigerantes, incluindo aqueles com alegações nutricionais “rico em fibra” e diet ou light 3131 Brasil. Ministério da Saúde. Universidade de São Paulo Fascículo 2 Protocolos de uso do Guia Alimentar para a população brasileira na orientação alimentar da população idosa [Internet]. Brasília, DF: MS; 2021 [acesso em 07 de set. 2021]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolos_guia_alimentar_fasciculo2.pdf.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
. Estudo de intervenção identificou que o consumo mais frequente de alimentos (6 versus 3 refeições/dia), em quantidades menores, melhorou as concentrações de glicose, o controle glicêmico, reduziu a sensação de fome e o desejo de comer em indivíduos obesos com estabilidade do peso corporal3232 Papakonstantinou E, Kontogianni MD, Mitrou P, Magriplis E, Vassiliadi D, Nomikos T, et al. Effects of 6 vs 3 eucaloric meal patterns on glycaemic control and satiety in people with impaired glucose tolerance or overt type 2 diabetes: a randomized trial. Diabetes Metab. 2018;44(3):226-34.. Os resultados observados no presente estudo podem aventar a hipótese de que os participantes do Fibra priorizavam o consumo de alimentos ultraprocessados nos lanches, assim como propor ações para a promoção de práticas alimentares saudáveis.

O diabetes mellitus permanece assintomático por muitos anos, o que resulta no diagnóstico tardio e, por vezes, acompanhado de complicações sistêmicas micro e macrovasculares (doenças cardiovasculares, neuropatia periférica, retinopatia e nefropatia). Por essa razão, a Atenção Básica possui papel relevante para o controle dos fatores de risco (hábitos alimentares não saudáveis, sedentarismo e obesidade), educação em saúde, rastreamento e diagnóstico precoce, monitoramento, controle glicêmico e tratamento adequados. Nessa perspectiva, o plano terapêutico singular, o conhecimento acerca dos riscos inerentes a má adesão ao tratamento e o estímulo ao autocuidado são ferramentas que contribuem para o melhor controle do diabetes e para a redução do uso de serviços de saúde44 Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020 [Internet]. São Paulo: Clannad; 2019 [acesso em 06 set. 2021]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/02/Diretrizes-Sociedade-Brasileira-de-Diabetes-2019-2020.pdf
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,3333 Costa JHR, Silva SRT, Duarte SC, Araújo ST, Lima CM, Brasil EGM. Cuidados em saúde aos pacientes portadores de Diabetes Mellitus Tipo 2. Rev. Enferm. UFPE on line. 2021;15:e244995 [acesso em 07 de set. 2021]. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/244995/37811..

Este estudo oferece dados sobre a ocorrência de diabetes autorreferido em idosos - septuagenários e octogenários - residentes na comunidade. Os participantes do Estudo Fibra constituem uma amostra de idosos sem deficit cognitivo, com melhor condição física, emocional e cognitiva e que compareceu em espaços públicos para a coleta de dados1515 Neri AL, Yassuda MS, Araújo LF, Eulálio MC, Cabral BE, Siqueira MEC, et al. Metodologia e perfil sociodemográfico, cognitivo e de fragilidade de idosos comunitários de sete cidades brasileiras: Estudo FIBRA. Cad. Saúde Pública. 2013;29(4):778-92., o que pode ter inserido um viés de seleção com reflexo na subestimativa da condição estudada. Para a ocorrência do diabetes, tanto as melhores condições na linha de base, quanto o tempo de segmento (cerca de 9 anos), podem ter influenciado na magnitude do risco (incidência) no período. Particularmente em relação à variável uso de bebidas alcoólicas, houve perda de informação no seguimento (que pode ser diferencial se relacionada à exposição), impossibilitando a avaliação das diferenças entre as prevalências. Já para a variável prática de atividade física no lazer, as medidas não foram comparáveis na linha de base e seguimento.

No cuidado ao idoso com diabetes, a escuta qualificada, a clínica ampliada - entendendo a importância de orientação nutricional que considere as condições socioeconômicas e os arranjos de moradia, para além do tratamento medicamentoso - e o reconhecimento do idoso como principal agente no processo saúde-doença-cuidado, e com autonomia em relação ao seu tratamento, constituem, segundo Baade e Bueno:

… estratégias potentes para compreender o viver e o lidar com diabetes como um processo singular e compartilhado entre adoecidos e profissionais de saúde, onde a doença faça parte da vida e não a vida parte da doença3434 Baade RTW, Bueno E. Coconstrução da autonomia do cuidado da pessoa com diabetes. Interface. 2016;20(59):941-51..

Conclusão

Os resultados do estudo mostraram o aumento da prevalência de diabetes para o conjunto dos idosos e a importância do excesso de peso na determinação da doença, em ambos os períodos. Também a presença de duas ou mais doenças crônicas e o maior consumo de lanches relacionaram-se ao diabetes. Os achados indicam que o idoso com diabetes necessita de um manejo singular, que inclua a oferta de intervenções educativas pelos profissionais de saúde, além da ampliação da cobertura de cuidados com maior frequência de atendimento e avaliação multiprofissional, e que considere as comorbidades e outros problemas de saúde, a inserção social e familiar do idoso, e sua rede de apoio.

No âmbito das políticas públicas, paralelamente aos investimentos direcionados para o tratamento medicamentoso e cuidado adequado dos pacientes, são também fundamentais os programas e as campanhas governamentais com o intuito de incentivar mudanças comportamentais (consumo de alimentos saudáveis e prática de atividade física, entre outros), favorecendo a redução da incidência do diabetes mellitus e das complicações mais frequentes.

Estudos de seguimento com amostras maiores, que incluam o conjunto dos idosos residentes na comunidade (acamados e com deficit cognitivo) e que considerem outras variáveis preditoras, podem contribuir para a obtenção de estimativas mais abrangentes para a incidência da doença neste subgrupo etário.

  • Financiamento da pesquisa: CAPES/PROCAD, Nº do processo 2972/2014-01, FAPESP Nº 2016/00084-8, CNPq Nº 424789/2016-7.

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Editado por

Editado por: Marquiony Marques dos Santos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2021
  • Aceito
    17 Fev 2022
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