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Associações diretas e indiretas entre autoavaliação de saúde, indicadores objetivos de saúde e neuroticismo em idosos

Resumo

Objetivo

analisar associações diretas e indiretas entre autoavaliação de saúde, indicadores objetivos de saúde e neuroticismo em idosos

Método

Os dados foram extraídos dos registros de seguimento (2016-2017) do Estudo da Fragilidade em Idosos Brasileiros (Estudo FIBRA), de base populacional, sobre fragilidade e fatores associados na velhice. Trezentos e noventa e sete indivíduos com idade a partir de 73 anos no seguimento responderam a um item sobre autoavaliação de saúde. Polimedicação, dor crônica e multimorbidade foram autorrelatadas, fadiga foi mensurada pela CES-D, depressão pela EDG e neuroticismo pelo inventário NEO-PI-R. Foi realizada análise de caminhos, para verificar associações diretas e indiretas entre autoavaliação de saúde, indicadores objetivos de saúde e neuroticismo.

Resultados

Relações mais robustas foram observadas entre sexo e multimorbidade, depressão e neuroticismo, e neuroticismo e autoavaliação de saúde. Destaca-se que neuroticismo mediou a relação entre idade, dor crônica, multimorbidade e depressão com autoavaliação de saúde.

Conclusão

O neuroticismo é um importante mediador da relação entre autoavaliação de saúde e indicadores objetivos de saúde. Trabalhos longitudinais são necessários para explicar as relações observadas.

Palavras-Chave:
Idosos; Doenças Crônicas; Dor; Neuroticismo; Autoavaliação

Abstract

Objective

to analyze the direct and indirect associations between self-rated health, objective health indicators and neuroticism in older adults.

Method

Data were extracted from follow-up records (2016-2017) of the Study of Frailty in Brazilian Elderly (FIBRA Study), a population-based study of frailty and associated variables in old age. Three hundred and ninety-seven individuals aged 73 years and over at follow-up answered an item on self-rated health. Polimedication, chronic pain and multimorbidity were self-reported, fatigue was measured by CES-D, depression by GDS and neuroticism by NEO-PI-R. Path analysis was performed to verify direct and indirect associations between self-rated health, objective health indicators and neuroticism in the follow-up.

Results

Neuroticism mediated the relationship between sex and age with self-rated health, and between depression and self-rated health. More robust relationships were observed between depression and neuroticism, pain and neuroticism, and sex and neuroticism; the least robust occurred between age and fatigue.

Conclusion

Neuroticism is an important mediator of the relationship between self-rated health and objective health indicators. Longitudinal work is needed to

Keywords
Elderly; Chronic Diseases; Pain; Neuroticism; Self-Assessment

INTRODUÇÃO

A autoavaliação de saúde é considerada um construto plurifatorial11 Jylhä M. What is self-rated health and why does it predict mortality? Towards a unified conceptual model. Soc Sci Med. 2009;69(3):307-16. Disponível em: doi: 10.1016/j.socscimed.2009.05.013 que reflete diversas influências, desde as de base genética até as ambientais22 Hill WD, Weiss A, Liewald DC, Davies G, Porteous DJ, Hayward C, et al. Genetic contributions to two special factors of neuroticism are associated with af fluence, higher intelligence, better health, and longer life. Mol Psychiatry. 2020;25:3034-52. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41380-019-0387-3. Autoavaliação de saúde pode ser considerada importante medida de saúde global, física e mental do indivíduo ou de uma população. Ela tem sido amplamente usada em pesquisas epidemiológicas, nas ciências médicas e nas ciências sociais33 Cachioni M, Cipolli GC, Borim FSA, Batistoni SST, Yassuda MS, Neri AL, et al. Factors Associated With Positive Self-Rated Health: Comparing Older Adults in Brazil and in Portugal. Front Public Health. 2021;9:650294. Disponível em: 10.3389/fpubh.2021.650294,44 Stephan Y, Sutin AR, Luchetti M, Hognon L, Canada B, Terracciano A. Personality and self-rated health across eight cohort studies. Soc Sci Med. 2020;263:113245. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2020.113245.

Estudos prévios demonstraram que a autoavaliação de saúde negativa apresenta associações com desfechos negativos de saúde como depressão 55 Peleg S, Nudelman G. Associations between self-rated health and depressive symptoms among older adults: Does age matter? Soc Sci Med. 2021;280:114024. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2021.114024, polifarmácia66 Bazargan M, Smith J, Saqib M, Helmi H, Assari S. Associations between polypharmacy, self-rated health, and depression in african american older adults; mediators and moderators. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(9):1-14. Disponível em: https://doi.org/10.3390/ijerph16091574, fadiga77 Lisko I, Törmäkangas T, Jylhä M. Structure of self-rated health among the oldest old: Analyses in the total population and those living with dementia. SSM - Popul Health. 2020;11:1-9. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ssmph.2020.100567 e multimorbidades88 Song X, Wu J, Yu C, Dong W, Lv J, Guo Y, et al. Association between multiple comorbidities and self-rated health status in middle-aged and elderly Chinese: The China Kadoorie Biobank study. BMC Public Health. 2018;18(1):1-24. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12889-018-5632-1. A presença de doenças crônicas que cursam com o processo de envelhecimento pode acarretar autoavaliação negativa de saúde e agravar sintomas depressivos99 Lee J, Jang SN, Cho Sl. Gender differences in the trajectories and the risk factors of depressive symptoms in later life. Int Psychogeriatrics. 2017;29(9):1495-505. Disponível em: https://doi.org/10.1017/S1041610217000709. Mais especificamente, o estudo de Lee et al.99 Lee J, Jang SN, Cho Sl. Gender differences in the trajectories and the risk factors of depressive symptoms in later life. Int Psychogeriatrics. 2017;29(9):1495-505. Disponível em: https://doi.org/10.1017/S1041610217000709 verificou que a autoavaliação negativa de saúde e a dor são fatores de risco para sintomas depressivos; Krug et al.1010 Krug RDR, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, Confortin SC, Mazo GZ, et al. Sociodemographic, behavioral, and health factors associated with positive self-perceived health of long-lived elderly residents in Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2018;21:1-9. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-549720180004 avaliaram idosos com 80 anos ou mais e verificaram que os participantes sem sintomas depressivos pontuaram mais alto em autoavaliação de saúde do que aqueles com sintomas depressivos. Nos estudos supracitados, observou-se que autoavaliação de saúde se relaciona com saúde física e mental.

A personalidade é importante recurso psicológico que pode amenizar ou agravar o impacto de condições físicas sobre a autoavaliação de saúde1111 Henning-Smith C, Gonzales G. The Relationship Between Living Alone and Self-Rated Health Varies by Age: Evidence From the National Health Interview Survey. J Appl Gerontol. 2020;39(9):971-80. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0733464819835113. O modelo de Cinco Grandes Fatores de Personalidade, de Costa e McCrae1212 Costa PT, McCrae RR. Personality in Adulthood: A Six-Year Longitudinal Study of Self-Reports and Spouse Ratings on the NEO Personality Inventory. J Pers Soc Psychol. 1988;54(5):853-63. Disponível em: https://doi.org/10.1037//0022-3514.54.5.853, o assim chamado “Big Five” é uma generalização empírica sobre a covariação de traços de personalidade, construto que tenta explicar o que define a pessoa de maneira individual1212 Costa PT, McCrae RR. Personality in Adulthood: A Six-Year Longitudinal Study of Self-Reports and Spouse Ratings on the NEO Personality Inventory. J Pers Soc Psychol. 1988;54(5):853-63. Disponível em: https://doi.org/10.1037//0022-3514.54.5.853. É presidido por cinco variáveis latentes (traços) explicativas: neuroticismo, introversão-extroversão, abertura à experiência, amabilidade e conscienciosidade1212 Costa PT, McCrae RR. Personality in Adulthood: A Six-Year Longitudinal Study of Self-Reports and Spouse Ratings on the NEO Personality Inventory. J Pers Soc Psychol. 1988;54(5):853-63. Disponível em: https://doi.org/10.1037//0022-3514.54.5.853.

O neuroticismo reflete a tendência dos indivíduos de responder às ameaças com emoções negativas1212 Costa PT, McCrae RR. Personality in Adulthood: A Six-Year Longitudinal Study of Self-Reports and Spouse Ratings on the NEO Personality Inventory. J Pers Soc Psychol. 1988;54(5):853-63. Disponível em: https://doi.org/10.1037//0022-3514.54.5.853. Pesquisas mostram que ele se relaciona com comportamentos de saúde ruins (p.ex. o tabagismo, o alcoolismo e a inatividade física) que podem resultar em depressão1313 Assari S. Neuroticism predicts subsequent risk of major depression for whites but not blacks. Behav Sci (Basel). 2017;7(4):64. Disponível em: https://doi.org/10.3390/bs7040064 e em condições crônicas1414 Weston SJ, Graham EK, Turiano NA, Aschwanden D, Harrison F, James BD, et al. Is Healthy Neuroticism Associated with Chronic Conditions? a Coordinated Integrative Data Analysis. Collabra Psychol. 2020;6(1):1-9. Disponível em: https://doi.org/10.1525/collabra.267. Indivíduos que pontuam alto em neuroticismo tendem a ser mais preocupados, nervosos, emocionais, inseguros, inadequados e hipocondríacos, ao passo que, os que pontuam baixo tendem a ser calmos, relaxados, não-emocionais, esforçados, seguros e satisfeitos consigo mesmos1212 Costa PT, McCrae RR. Personality in Adulthood: A Six-Year Longitudinal Study of Self-Reports and Spouse Ratings on the NEO Personality Inventory. J Pers Soc Psychol. 1988;54(5):853-63. Disponível em: https://doi.org/10.1037//0022-3514.54.5.853.

É vasta a literatura sobre a relação de traços de personalidade com a autoavaliação de saúde44 Stephan Y, Sutin AR, Luchetti M, Hognon L, Canada B, Terracciano A. Personality and self-rated health across eight cohort studies. Soc Sci Med. 2020;263:113245. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2020.113245, mas pouco se sabe sobre a interação entre neuroticismo autoavaliação de saúde em idosos1111 Henning-Smith C, Gonzales G. The Relationship Between Living Alone and Self-Rated Health Varies by Age: Evidence From the National Health Interview Survey. J Appl Gerontol. 2020;39(9):971-80. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0733464819835113, além dos dados segundo os quais pontuação alta em neuroticismo associa-se com avaliação negativa de saúde33 Cachioni M, Cipolli GC, Borim FSA, Batistoni SST, Yassuda MS, Neri AL, et al. Factors Associated With Positive Self-Rated Health: Comparing Older Adults in Brazil and in Portugal. Front Public Health. 2021;9:650294. Disponível em: 10.3389/fpubh.2021.650294-44 Stephan Y, Sutin AR, Luchetti M, Hognon L, Canada B, Terracciano A. Personality and self-rated health across eight cohort studies. Soc Sci Med. 2020;263:113245. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2020.113245 e que o neuroticismo tende a aumentar com o avanço da idade1515 Graham EK, Weston SJ, Gerstorf D, Yoneda TB, Booth TOM, Beam CR, et al. Trajectories of Big Five Personality Traits: a Coordinated Analysis of 16 Longitudinal Samples. Eur J Personal 2021;34(3):301-21. Disponível em: https://doi.org/10.1002/per.2259. Compreender determinantes e correlatos da autoavaliação de saúde pode auxiliar profissionais a priorizar ações voltadas à promoção de saúde e à prevenção de doenças, ações essas que têm impacto positivo na vida da população idosa.

O presente estudo teve como objetivo investigar relações diretas e indiretas entre variáveis sociodemográficas, indicadores de saúde física e mental, neuroticismo e autoavaliação de saúde em uma coorte avaliada em um estudo sobre fragilidade em idosos recrutados na comunidade.

MÉTODOS

Os dados derivaram dos registros contidos nos bancos eletrônicos de dados do Estudo Fibra Campinas e Ermelino Matarazzo (subdistrito de São Paulo), ambas localizadas no Estado de São Paulo. Fibra é o acrônimo de Fragilidade em Idosos Brasileiros, um estudo de base populacional, tipo linha de base e seguimento envolvendo 1,284 idosos de 65 a 97 anos na linha de base realizada em 2008 e 2009, e 549 idosos de 72 anos e mais no seguimento realizado em 2016-2017.

Na linha de base, a amostra incluiu cotas de homens e mulheres representativos dos respectivos segmentos de sexo e idade (65-69, 70-74, 75-79 e 80 anos e mais), residentes em setores censitários sorteados dentre os pertencentes à área urbana das duas localidades, mais 25% para cobrir eventuais perdas. O recrutamento da amostra da linha de base foi realizado por duplas treinadas que percorreram domicílios e pontos de fluxo localizados nos setores censitários sorteados. Os critérios de elegibilidade foram ter 65 anos ou mais, residir permanentemente no domicílio e setor censitário e mostra-se capaz de compreender e responder perguntas e instruções. Foram critérios de exclusão: restrição transitória ou permanente ao leito e à cadeira de rodas, problemas sensoriais graves, sequelas de acidente vascular encefálico, afasia, doença de Parkinson em estágio avançado, problemas cognitivos que se afiguravam como impossibilidade de participação, câncer, exceto o de pele, estar em tratamento quimioterápico e estar em fase terminal. A coleta de dados ocorreu em centros de convivência, igrejas, escolas e unidades básicas de saúde, em datas e horários previamente conveniados com os idosos.

Em 2016 e 2017 foi realizada a segunda onda de medidas ou seguimento desse estudo, que focalizou os idosos nascidos entre 1º de janeiro de 1936 e 31 de dezembro de 1944. O recrutamento foi realizado nos domicílios, com base nas listas de endereços constantes do banco de dados da LB e nos registros das respostas aí consignados. Dentre os 1.284 idosos da amostra de LB, 192 (14,9%) eram falecidos, conforme informado pelos moradores e pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade. Dentre os sobreviventes, 549 (42,8%) não foram localizados e concordaram em participar do estudo de seguimento e 543 (42,3%) foram perdidos por não localização (60,2%), recusa (31,8%), exclusão (5,3%) desistência (1,8%) e falta de segurança no entorno (0,9%).

No início da coleta de dados do estudo de seguimento, os sobreviventes (n=549) foram submetidos à avaliação do status cognitivo, cujo resultado foi considerado como critério de inclusão na segunda parte do protocolo, da qual constavam as variáveis de interesse desta pesquisa. Foram admitidos os participantes que pontuaram acima da nota de corte no Mini-Exame do Estado Mental (n=419), ponto de corte esse baseado nas pontuações médias do MEEM para cada faixa de educação menos um desvio padrão: 17 para os analfabetos ou os que nunca foram à escola, 22 para os com 1 a 4 anos de escolaridade, 24 para os com 5 a 8 e 26 para os com 9 anos ou mais1616 Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(B):777-81. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0004-282X2003000500014. Foram excluídos mais 22 idosos que não tinham registro de resposta a qualquer um dos itens das variáveis de interesse no seguimento. Dessa forma, a amostra para este estudo ficou composta por 397 idosos.

Foram feitas medidas das variáveis sociodemográficas sexo e idade, de condições objetivas de saúde física e mental (multimorbidade, polifarmácia, fadiga, dor crônica e sintomas depressivos), de autoavaliação de saúde e de neuroticismo. Sexo e idade foram avaliados mediante questões de autorrelato, a primeira com as alternativas masculino e feminino e a segunda com pergunta sobre a data de nascimento, que foi confrontada com a data da entrevista, para obter o dado de anos desde o nascimento.

O número de doenças diagnosticadas por médico nos últimos 12 meses foi obtido mediante a apresentação de nove itens descritivos de condições crônicas não transmissíveis de maior prevalência entre idosos (doenças do coração, hipertensão, AVC/isquemia/derrame, diabetes mellitus, câncer, artrite ou reumatismo, doenças dos pulmões, depressão e osteoporose), e realizado a somatória de doenças (0=não e 1=sim). Foi considerada como multimorbidade a presença de duas ou mais doenças crônicas1717 de Melo LA, Braga LDC, Leite FPP, Bittar BF, Oséas JMF, de Lima KC. Fatores associados à multimorbidade em idosos: uma revisão integrativa da literatura. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(1):1-11. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232019000100302&tlng=en. Foi levantado o número de medicamentos receitados por médicos ou autoadministrados nos últimos três meses. A resposta esperada era de enumeração da quantidade de medicamentos, e considerou-se como polimedicação ou polifarmácia, o consumo diário de 5 ou mais remédios1818 Ramos LR, Tavares NUL, Bertoldi AD, Farias MR, Oliveira MA, Luiza VL, et al. Polypharmacy and polymorbidity in older adults in Brazil: A public health challenge. Rev Saúde Pública. 2016;50(suppl 2):1-12. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006145.

Fadiga foi aferida por dois itens escalares extraídos da Center for Epidemiological Studies – Depression (CES-D)1919 Batistoni SST, Néri AL, Cupertino AP. Validade e confiabilidade da versão Brasileira da Center for Epidemiological Scale - Depression (CES-D) em idosos Brasileiros. Psico USF. 2010;15(1):13-22. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-82712010000100003 com quatro possibilidades de resposta em cada um (sempre, na maioria das vezes, poucas vezes e nunca ou raramente). O idoso que respondesse sempre ou na maioria das vezes a qualquer um dos dois itens pontuava para fadiga. Dor crônica foi avaliada por pergunta sobre esse tipo de ocorrência nos últimos 12 meses, com resposta sim ou não. Depressão foi avaliada por meio da Escala de Depressão Geriátrica, instrumento de rastreio com 15 itens dicotômicos descritivos de humores disfóricos. Pontuações maiores que 5 foram registradas como sugestivas de depressão 2020 Almeida OP, Almeida SA. Reliability of the Brazilian version of the geriatric depression scale (GDS) short form. Arq Neuropsiquiatr. 1999;57(2 B):421-6. Disponível em:: https://doi.org/10.1590/S0004-282X1999000300013. A autoavaliação de saúde foi medida por um item escalar com cinco intensidades (1 = muito ruim, 2 = ruim; 3 = regular, 4 = boa, e 5 = muito boa) apresentadas como alternativas à pergunta: Como avalia sua saúde neste momento?

Para a medida de neuroticismo foi aplicada a versão brasileira da subescala de neuroticismo, que integra a bateria de testes de personalidade conhecida pela sigla NEO-PI-R, acrônimo de Neuroticismo, Extroversão, Abertura à Experiência, Amabilidade e Conscienciosidade, os assim chamados Cinco Grandes Fatores de Personalidade1212 Costa PT, McCrae RR. Personality in Adulthood: A Six-Year Longitudinal Study of Self-Reports and Spouse Ratings on the NEO Personality Inventory. J Pers Soc Psychol. 1988;54(5):853-63. Disponível em: https://doi.org/10.1037//0022-3514.54.5.853. Composto por 12 itens estilo Likert, com cinco possibilidades de resposta, de 1 = discordo totalmente a 5 = concordo totalmente, e pontuação de 12 a 60, o instrumento não dispõe de nota de corte calculada em comparação com uma pontuação considerada padrão-ouro, nem dispõe de normas populacionais para brasileiros com 60 anos e mais. Dessa forma, a distribuição dos valores resultantes de sua aplicação nos idosos entrou nas análises como variável contínua. Caso os idosos concordassem com 8 dos itens estariam pontuando para o máximo de neuroticismo; se discordassem dos outros 4, estariam pontuando para calma e relaxamento. Por este motivo, estes quatro itens (1, 3, 6, e 7) foram invertidos para análise. Quanto mais alta a pontuação, mais alta a intensidade do neuroticismo; quanto mais baixa, menor a intensidade2121 Flores-Mendoza C. Inventário de Personalidade NEO Revisado NEO PI-R: Manual. São Paulo: Vetor; 2008..

Foi realizada análise descritiva para caracterização da amostra, com medidas de frequência absoluta e relativa para as variáveis categóricas e de média, mediana e desvio padrão para as variáveis numéricas. A normalidade da distribuição dos dados foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, que mostrou que a maioria das variáveis não apresentou distribuição normal. Para estudar as relações entre as variáveis de interesse, segundo o modelo hipotético estabelecido para o estudo, foi utilizada a análise de equações estruturais via análise de caminhos (path analysis). Trata-se de extensão da análise de regressão múltipla que vai além dela, na medida em que permite a análise de modelos complexos. A a análise de caminhos é considerada uma análise estatística de regressão múltipla que é usada para avaliar modelos causais, examinando as relações entre uma variável dependente e duas ou mais variáveis independentes. Com ele, pode-se estimar tanto a magnitude quanto a significância das conexões causais entre as variáveis (coeficientes β). O modelo inclui setas retas que indicam associações diretas e indiretas. Setas elípticas indicam covariância. Após ajustes dos indicadores e testes de significância, é desenvolvido o modelo final da análise de caminhos, sustentando ou eliminando relações do modelo teórico prévio.

Os testes e os valores de aceitação para os caminhos foram: Goodness of fit >0,05; Razão de Qui-Quadrado (X2/GL) <2; SRMR (Standardized Root Mean Square Residual) ≤0,10; RMSEA (Root Mean Square Error of Approximation) ≤0,08; CFI (Comparative fit index) ≥0,90 e TLI (Tucker-Lewis index) ≥0,90. Para analisar a qualidade do ajuste dos dados aos caminhos propostos foram feitos testes de significância para os coeficientes dos caminhos (path coefficients). Valores absolutos de t>1,96 indicam que o caminho tem coeficiente estatisticamente significativo.

As hipóteses subjacentes ao modelo teórico (modelo 1) são que sexo e idade têm efeitos diretos sobre multimorbidades, polifarmácia, dor crônica e fadiga. Estas, por sua vez, afetam diretamente o neuroticismo, que afeta a autoavaliação de saúde. Sexo e idade afetam diretamente a autoavaliação de saúde. Os efeitos indiretos ou mediados são entre sexo, idade e neuroticismo mediados por multimorbidade; sexo, idade e neuroticismo mediados por polifarmácia; sexo, idade e neuroticismo, mediados por dor crônica; sexo, idade e neuroticismo mediados por fadiga, e sexo, idade e neuroticismo, mediados por depressão (Figura 1).

Figura 1
Modelo hipotético de associações entre sexo, idade, condições objetivas de saúde, neuroticismo e autoavaliação de saúde. Estudo Fibra, Idosos, Campinas e Ermelino Matarazzo, SP, Brasil, 2016-2017.

Os dados foram coletados na residência dos idosos, por duplas treinadas, que se apresentavam uniformizadas e devidamente identificadas pelo material visual da pesquisa. Os idosos participaram voluntariamente. Antes da entrevista, assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido com relação aos objetivos e ao conteúdo da entrevista, ao caráter sigiloso dos dados, aos direitos e deveres dos participantes e aos compromissos éticos dos pesquisadores. Os projetos de pesquisa e os TCLE foram aprovados pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Campinas mediante os pareceres 907.575 de 15/12/2014, CAAE 39547014.0.1001.5404 e 1.332.651, de 23/11/2015, CAAE 49987615.3.0000.5404.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 397 idosos, 44,5% dos quais com idade de 72 a 79 anos (Média = 80,3 ± 4,64) e 55,5% com 80 anos e mais. Predominaram mulheres (70%). A maioria dos participantes pontuou para multimorbidade e 41% para polifarmácia. Um percentual de 20,1% pontuou acima da nota de corte na escala de rastreio de depressão. A maioria avaliou a própria saúde de maneira positiva (boa e muito boa). Mais de a metade (56,1%) relataram apresentar dor crônica e 29,2% apresentaram fadiga. De modo geral os idosos pontuaram baixo na escala de neuroticismo, dado que se refletiu na média de 26±8,4 na escala total (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas, indicadores objetivos de saúde, autoavaliação de saúde e neuroticismo. Estudo Fibra, Idosos, Campinas e Ermelino Matarazzo, SP, Brasil, 2016-2017.

Foram realizadas medidas de adequação dos ajustes das variáveis para a realização das análises de caminhos. A primeira revisão sugeriu a exclusão das seguintes associações diretas: idade com multimorbidade, sexo com fadiga, idade com dor crônica, idade, fadiga e multimorbidade com neuroticismo, e polifarmácia. Ainda na primeira etapa foram excluídas as associações diretas de sexo e idade com autoavaliação de saúde e idade e sexo com depressão. A segunda revisão acrescentou relação recíproca entre fadiga e dor crônica, a associação direta entre multimorbidade e dor crônica, e de cada uma delas com depressão, e associação direta entre multimorbidade e fadiga, e ambas com neuroticismo. A terceira revisão incluiu as associações de dor crônica com morbidade, fadiga com depressão, fadiga com multimorbidade e multimorbidade com autoavaliação de saúde. Os resultados são mostrados na Tabela 2.

Tabela 2
Medidas de qualidade de ajuste para as variáveis investigadas na análise de caminhos. Estudo Fibra, Idosos, Campinas e Ermelino Matarazzo, SP, Brasil, 2016-2017.

A Figura 2 apresenta as direções das relações diretas estatisticamente significativas observadas (p<0,05) entre pares de variáveis e os respectivos coeficientes β, indicativos da intensidade das associações. Relações mais robustas foram observadas entre depressão e neuroticismo, dor e neuroticismo, e neuroticismo, sugerindo que os idosos que pontuaram mais alto em depressão pontuaram mais alto em neuroticismo; que houve mais idosos que pontuaram para dor crônica entre os que pontuaram mais alto para neuroticismo e que mais mulheres do que homens pontuaram alto para neuroticismo. Além dessas, foram observadas associações negativas entre dor e autoavaliação de saúde, neuroticismo e autoavaliação de saúde, e associações positivas entre dor e multimorbidade, e multimorbidade e depressão.

Figura 2
Associações diretas entre sexo, idade, condições objetivas de saúde, neuroticismo e autoavaliação da saúde. Estudo Fibra, Idosos, Campinas e Ermelino Matarazzo, SP, Brasil, 2016-2017.

As relações menos robustas ocorreram entre idade e fadiga, sugerindo que no grupo com mais idosos mais velhos ocorreram menos relatos de perda de vitalidade. A associação observada de sexo com multimorbidade sugere maior presença de mulheres entre os idosos com múltiplas doenças. A relação entre dor crônica e depressão pode significar maior frequência de idosos com dor crônica entre os que pontuaram mais alto em depressão.

Quatro variáveis destacaram-se como mediadoras das associações de pares formados pelas variáveis em estudo: neuroticismo, depressão, multimorbidade e dor crônica. Neuroticismo apresentou-se como mediadora das associações das variáveis sexo, idade, dor crônica, multimorbidade e depressão com autoavaliação de saúde. Depressão mediou as associações de fadiga, dor crônica e multimorbidade com neuroticismo, assim como com a de fadiga com autoavaliação de saúde. Multimorbidade fez a mediação de dor com depressão. Dor crônica mediou as associações de sexo com multimorbidade, sexo com depressão, sexo com Neuroticismo e sexo com autoavaliação de saúde (ver Tabela 3).

Tabela 3
Associações indiretas ou mediadas observadas entre pares de variáveis. Estudo Fibra, Idosos, Campinas e Ermelino Matarazzo, SP, Brasil, 2016-2017

DISCUSSÃO

O presente estudo é relevante à investigação sobre as relações entre autoavaliação de saúde, indicadores objetivos de saúde e neuroticismo em pessoas idosas que vivem na comunidade. Até onde se sabe, não há estudos similares a este na literatura psicológica brasileira sobre o envelhecimento. Neuroticismo mediou a relação entre idade, depressão, dor crônica e autoavaliação de saúde.

Condições de saúde, tais como dores provocadas por doenças crônicas, são associadas com autoavaliação de saúde negativa1111 Henning-Smith C, Gonzales G. The Relationship Between Living Alone and Self-Rated Health Varies by Age: Evidence From the National Health Interview Survey. J Appl Gerontol. 2020;39(9):971-80. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0733464819835113. O presente estudo observou correlação positiva entre multimorbidades e dor crônica, similarmente aos resultados do estudo de Cai et al.2222 Cai J, Coyte PC, Zhao H. Determinants of and socio-economic disparities in self-rated health in China. Int J Equity Health. 2017;16(1):1-27. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1186/s12939-016-0496-4. Estes autores consideram que a presença de doenças crônicas pode resultar em dores e incapacidades físicas que podem levar a avaliações negativas da própria saúde e aumentar os níveis de depressão em idosos. O estudo de Jang et al.2323 Jang Y, Yoon H, Li M, Park NS, Chiriboga DA, Wu B, et al. Self-rated health as a mediator between physical health conditions and depressive symptoms in older Chinese and Korean Americans. PLoS ONE. 2021;16(1):1-10. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0245136 concluiu que doenças crônicas e incapacidade funcional estavam fortemente associadas com avaliações negativas de saúde e sintomas de depressão em participantes sino-americanos e coreano-americanos maiores de 60 anos. Estudo envolvendo idosos suíços evidenciou associação positiva de fadiga com autoavaliação de saúde2424 Galland-Decker C, Marques-Vidal P, Vollenweider P. Prevalence and factors associated with fatigue in the Lausanne middle-aged population: a population-based, cross-sectional survey. BMJ Open. 2019;9(8):1-10. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2018-027070..

A depressão mediou a relação entre fadiga, dor e multimorbidades com neuroticismo, assim como a relação entre fadiga, dor e multimorbidade com autoavaliação de saúde. A prevalência da depressão foi de 20,1%, como nos dados obtidos por Leite et al.2525 Leite TSM, Fett CA, Stoppiglia LF, Neves T, Figueiredo KRFV, Rodrigues RAS, et al. Prevalence and factors associated with depression in the elderly: A cross-sectional study. Medicina (Ribeirão Preto). 2020;53(3):205-14. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v53i3p205-214, que encontraram prevalência de 17% em idosos da comunidade, na cidade de Cuiabá (Mato Grosso). A depressão é uma doença que pode ocorrer ao longo da vida. É uma das principais causas de incapacidade, elevando o risco de mortalidade prematura, prejudicando a qualidade de vida e onerando os sistemas de saúde2626 Arias-de la Torre J, Vilagut G, Ronaldson A, Serrano-Blanco A, Martín V, Peters M, et al. Prevalence and variability of current depressive disorder in 27 European countries: a population-based study. Lancet Public Health. 2021;2667(21):1-10. Disponível em: https://doi.org/10.1016/ S2468-2667(21)00047-5. No presente estudo, depressão teve correlação direta e positiva com multimorbidades (66,8%), dado igualmente obtido por Read et al.2727 Read JR, Sharpe L, Modini M, Dear BF. Multimorbidity and depression: A systematic review and meta-analysis. J Affect Disord. 2017;221:36-46. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jad.2017.06.009, cujo estudo revelou que a depressão é de duas a três vezes mais provável em pessoas com multimorbidades do que em pessoas sem condições físicas crônicas.

A depressão foi negativamente associada com autoavaliação de saúde sugerindo que idosos que apresentaram mais sintomas depressivos avaliaram a saúde como ruim e muito ruim. A prevalência de dor crônica observada no estudo foi 56,1%, maior do que a encontrada por Carvalho et al.2828 de Carvalho RC, Maglioni CB, Machado GB, de Araújo JE, da Silva JRT, da Silva ML. Prevalence and characteristics of chronic pain in Brazil: a national internet-based survey study. Brazilian. J Pain. 2018;1(4):331-8. Disponível em: https://doi.org/10.5935/2595-0118.20180063 (48,1%). Provavelmente, essa diferença ocorreu devido a fatores raciais, étnicos e culturais. No estudo de IsHak et al. (2018) foi observada correlação positiva e recíproca entre depressão e dor crônica, assim como ocorre entre tempo de recuperação e duração dos sintomas2929 IsHak WW, Wen RY, Naghdechi L, Vanle B, Dang J, Knosp M, et al. Pain and Depression: a Systematic Review. Harv Rev Psychiatry. 2018;26(6):352-63. Disponível em: https://doi.org/10.1097/HRP.0000000000000198.

Mais neuroticismo tem sido associado com dor crônica3030 Suso-Ribera C, Martínez-Borba V, Martín-Brufau R, Suso-Vergara S, García-Palacios A. Individual differences and health in chronic pain: are sex-differences relevant? Health Qual Life Outcomes. 2019;17(1):1-9. Disponível em:: https://doi.org/10.1186/s12955-019-1182-1, sexo e idade3131 Nikolic S, Mladenovic IP, Vukovic O, Barišić J, Švrakić D, Milovanović S. Individual and gender differences in personality influence the diagnosis of major depressive disorder. Psychiatr Danub. 2020;32(1):97-104. Disponível em: https://doi.org/10.24869/psyd.2020.97. Os dados do estudo de Banzonic et al.3232 Banozic A, Miljkovic A, Bras M, Puljak L, Kolcic I, Hayward C, et al. Neuroticism and pain catastrophizing aggravate response to pain in healthy adults: an experimental study. Korean J Pain. 2018;31(1):16-26. Disponível em: https://doi.org/10.3344/kjp.2018.31.1.16 evidenciaram associações entre neuroticismo e dores induzidas experimentalmente em laboratório, mostrando que, em situações de dor, o neuroticismo pode influenciar a maneira pela qual uma pessoa pode considerar-se ameaçada. Aqueles com alto neuroticismo podem interpretar estressores como dor e limitação funcional de maneira mais intensa e problemática porque tendem a se preocupar mais com a saúde, relatar mais sintomas e ruminar mais os problemas do que os com baixo neuroticismo3232 Banozic A, Miljkovic A, Bras M, Puljak L, Kolcic I, Hayward C, et al. Neuroticism and pain catastrophizing aggravate response to pain in healthy adults: an experimental study. Korean J Pain. 2018;31(1):16-26. Disponível em: https://doi.org/10.3344/kjp.2018.31.1.16.

O presente estudo confirmou a hipótese de que o neuroticismo está associado negativamente com as variáveis objetivas e subjetivas de saúde. Este achado é similar ao encontrado por Cachioni et al.33 Cachioni M, Cipolli GC, Borim FSA, Batistoni SST, Yassuda MS, Neri AL, et al. Factors Associated With Positive Self-Rated Health: Comparing Older Adults in Brazil and in Portugal. Front Public Health. 2021;9:650294. Disponível em: 10.3389/fpubh.2021.650294 em pesquisa que envolveu idosos portugueses. Dor crônica mediou a relação entre sexo e multimorbidade e entre sexo e depressão. As mulheres parecem ser mais sensíveis à dor, exibem respostas mais negativas a ela, envolvem-se em comportamentos de dor por períodos mais longos e são mais propensas a se concentrar nas emoções negativas associadas à dor3030 Suso-Ribera C, Martínez-Borba V, Martín-Brufau R, Suso-Vergara S, García-Palacios A. Individual differences and health in chronic pain: are sex-differences relevant? Health Qual Life Outcomes. 2019;17(1):1-9. Disponível em:: https://doi.org/10.1186/s12955-019-1182-1. Estudo recente de Peng et al.3333 Peng X, Bao XY, Xie YX, Zhang XX, Huang JX, Liu Y, et al. The mediating effect of pain on the association between multimorbidity and disability and impaired physical performance among community-dwelling older adults in southern China. Aging Clin Exp Res. 2020;32(7):1327-34. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s40520-019-01324-1 encontrou resultados semelhantes aos nossos, mostrando que a dor foi mediadora dos efeitos adversos da multimorbidade sobre a incapacidade e sobre prejuízo no desempenho físico em mulheres.

O estudo de Velly e Mohit3434 Velly AM, Mohit S. Epidemiology of pain and relation to psychiatric disorders. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatr. 2018;87:159-67. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.pnpbp.2017.05.012 sugeriu que dor e depressão se relacionam reciprocamente, ou seja, uma pode aumentar o risco de aparecimento e a gravidade da outra. Essa co-ocorrência é definida como comorbidade ou a ocorrência concomitante de duas ou mais doenças diagnosticadas clinicamente no mesmo indivíduo3434 Velly AM, Mohit S. Epidemiology of pain and relation to psychiatric disorders. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatr. 2018;87:159-67. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.pnpbp.2017.05.012. A prevalência de depressão em indivíduos com dor crônica geralmente é alta, como verificado em estudo brasileiro em que 56,1% dos idosos que tinham dor crônica eram depressivos3535 Santos KAS, Cendoroglo MS, Santos SF. Transtorno de ansiedade em idosos com dor crônica: frequência e associações. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(1):95-102. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-22562017020.160033. Além disso, dor crônica medeia a relação entre sexo e neuroticismo e as mulheres são mais propensas a experimentar emoções negativas e a pontuar alto em neuroticismo do que o masculino3131 Nikolic S, Mladenovic IP, Vukovic O, Barišić J, Švrakić D, Milovanović S. Individual and gender differences in personality influence the diagnosis of major depressive disorder. Psychiatr Danub. 2020;32(1):97-104. Disponível em: https://doi.org/10.24869/psyd.2020.97. Embora o delineamento transversal não permita fazer afirmações sobre relações de causa e efeito entre avaliação subjetiva de saúde, saúde objetiva e neuroticismo, acredita-se que sofrem a influência de variáveis genéticas compartilhadas22 Hill WD, Weiss A, Liewald DC, Davies G, Porteous DJ, Hayward C, et al. Genetic contributions to two special factors of neuroticism are associated with af fluence, higher intelligence, better health, and longer life. Mol Psychiatry. 2020;25:3034-52. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41380-019-0387-3. Parece existir sobreposição genética entre neuroticismo e condições objetivas de saúde como doenças coronarianas, tabagismo e alto Índice de Massa Corporal (IMC)22 Hill WD, Weiss A, Liewald DC, Davies G, Porteous DJ, Hayward C, et al. Genetic contributions to two special factors of neuroticism are associated with af fluence, higher intelligence, better health, and longer life. Mol Psychiatry. 2020;25:3034-52. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41380-019-0387-3.

O presente estudo apresenta limitações. A primeira refere-se ao fato de as variáveis terem sido avaliadas por meio de autorrelato, o que sujeita os dados a vieses de memória, de desejabilidade social e de compreensão. Em segundo lugar, embora se possa dizer que a atrição não foi forte o suficiente a ponto de enfraquecer os dados, teria sido interessante ter menos perdas amostrais. Em terceiro lugar, o intervalo entre a linha de base e o seguimento foi longo pode ter contribuído para as perdas observadas. Finalmente, deve ficar registrado que a falta de dados psicométricos seguros sobre a versão brasileira da escala de neuroticismo enfraquece as nossas conclusões, uma vez que não dispomos de parâmetros para julgar se os idosos lidam com os itens e tarefas da escala de forma uniforme.

No entanto, a realização de um estudo que envolveu a variável neuroticismo é um ponto forte e favorável, uma vez que por meio dele foi possível chamar a atenção para aspectos relevantes do diagnóstico e da clínica da dor crônica e da depressão, frequentemente negligenciados em idosos. Outro ponto de interesse desta investigação foi a adoção do teste de análise de caminhos por meio do método de equações estruturais, uma modalidade de análise multivariada reconhecida como promotora de importantes avanços teóricos. O fato de envolver amostra composta por idosos longevos (> 70 anos) coloca este estudo em linha com as necessidades sociodemográficas e econômicas dos idosos brasileiros, uma contribuição importante à solução de problemas da população.

CONCLUSÕES

O estudo mostrou o papel mediador do neuroticismo na relação entre dor crônica, multimorbidade, depressão e autoavaliação de saúde em idosos que vivem na comunidade. Compreender os determinantes e correlatos da autoavaliação de saúde pode auxiliar profissionais na área do envelhecimento a priorizar estratégias de promoção da saúde, bem como intervenções adequadas. Além disso, atitudes otimistas em relação à saúde objetiva e a percepções e crenças mais positivas podem fazer melhorar o estado subjetivo de saúde e podem auxiliar o estabelecimento de estratégias relevantes para otimizar as condições de saúde física e mental de pessoas idosas. Estratégias de intervenção que diminuam o neuroticismo podem auxiliar os idosos a prevenir os efeitos da saúde subjetiva negativa.

Destaca-se a relevância deste estudo na área do envelhecimento humano devido à importância da avaliação geriátrica global e multidimensional, que pode direcionar o profissional da Geriatria e da Gerontologia à adoção de melhores estratégias de promoção em saúde na velhice.

  • Financiamento de pesquisa: CAPES/PROCAD número 2972/2014-01 (Projeto nº 88881.068447/ 2014-01), FAPESP número 2016/00084-8 e CNPq número 424789/2016-7.

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Editado por

Editado por: Marquiony Marques dos Santos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2021
  • Aceito
    31 Jan 2022
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