Acessibilidade / Reportar erro

Gasto de internação de idosos em unidades de terapia intensiva nos hospitais privados de uma capital do nordeste brasileiro

Resumo

Objetivo: Analisar a associação entre variáveis demográficas, de morbidade e relativas às condições da hospitalização com os gastos decorrentes da internação de idosos em unidades de terapia intensiva (UTI) de hospitais privados em uma capital do nordeste brasileiro. Método: Trata-se de um estudo epidemiológico, analítico e do tipo seccional, com abordagem quantitativa, no qual foram coletados dados referentes a 312 internações de idosos em UTI de todos os hospitais privados de Natal (RN), Brasil. A variável dependente foi o custo de internação e as variáveis independentes relacionadas à caracterização dos indivíduos quanto ao perfil sociodemográfico, ao quadro mórbido e às características da internação. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva, teste qui-quadrado, teste t e regressão logística múltipla com as razões de prevalência (RP). Resultados: O custo médio por internação foi de R$ 4.266,05±3.322,50 para o grupo de baixo custo e R$ 39.753,162 ± 4.929,12 para o grupo alto custo. Constatou-se que a hospitalização decorrente de agravos clínicos (RP=1,81; IC95%=1,06-3,09) e respiratórios (RP=2,48; IC95%=1,48-5,24), a necessidade de ventilação mecânica (RP=2,33; IC95%=1,43-3,78) e a desorientação completa ou parcial no momento da admissão (RP=1,81; IC95%=1,15-2,84) estiveram associadas ao maior gasto nas internações no modelo estatístico múltiplo. Conclusão: Esses achados trazem evidências de que a implantação de ações capazes de promover melhores condições de saúde para os idosos, por meio da criação de protocolos e linhas de cuidado, especificamente criados para esse público, podem ser relevantes na redução dos gastos decorrentes da internação de idosos em terapia intensiva.

Analyze the association between demographic variables, morbidity and relative to the conditions of hospitalization with the expenses resulting from the admission of elderly people in intensive care units (ICU) of private hospitals in a capital of northeastern Brazil. Method: This is an epidemiological, analytical and sectional study, with a quantitative approach, in which data were collected regarding 312 hospitalizations of elderly people in the ICU of all private hospitals in Natal (RN), Brazil. The dependent variable was the cost of hospitalization and the independent variables related to the characterization of individuals in terms of socio-demographic profile, morbid condition and characteristics of hospitalization. Data were analyzed using descriptive statistics, Chi-square test, t test and multiple logistic regression with prevalence ratios (PR). Results: The average cost per hospitalization was R$ 4.266,05±3.322,50 for the low cost group and R$ 39.753,162±4.929,12 for the high cost group. It was found that hospitalization due to clinical (PR=1,81; 95%CI=1,06-3,09) and respiratory conditions (PR=2,48; 95CI%=1,48-5,24), the need for mechanical ventilation (PR=2,33; 95%CI=1,43-3,78) and complete or partial disorientation at the time of admission (PR=1,81; 95%CI=1,15-2,84) were associated with higher expenditure on hospitalizations in the multiple statistical model. Conclusion: The knowledge produced by the study may serve as a subsidy for the implementation of actions capable of promoting better health conditions for the elderly, reducing expenses related to their hospitalization in highly specialized sectors. In addition, the research raises evidence that the construction of protocols and lines of care guiding the work process in the intensive care sector, specifically created for the elderly, may be relevant in reducing the expenses resulting from hospitalization of the elderly.

Palavras-Chave:
Unidades de Terapia Intensiva; Saúde do Idoso; Gastos em Saúde

Abstract

Objective: Analyze the association between demographic variables, morbidity and relative to the conditions of hospitalization with the expenses resulting from the admission of elderly people in intensive care units (ICU) of private hospitals in a capital of northeastern Brazil. Method: This is an epidemiological, analytical and sectional study, with a quantitative approach, in which data were collected regarding 312 hospitalizations of elderly people in the ICU of all private hospitals in Natal (RN), Brazil. The dependent variable was the cost of hospitalization and the independent variables related to the characterization of individuals in terms of socio-demographic profile, morbid condition and characteristics of hospitalization. Data were analyzed using descriptive statistics, Chi-square test, t test and multiple logistic regression with prevalence ratios (PR). Results: The average cost per hospitalization was R$ 4.266,05±3.322,50 for the low cost group and R$ 39.753,162±4.929,12 for the high cost group. It was found that hospitalization due to clinical (PR=1,81; 95%CI=1,06-3,09) and respiratory conditions (PR=2,48; 95CI%=1,48-5,24), the need for mechanical ventilation (PR=2,33; 95%CI=1,43-3,78) and complete or partial disorientation at the time of admission (PR=1,81; 95%CI=1,15-2,84) were associated with higher expenditure on hospitalizations in the multiple statistical model. Conclusion: The knowledge produced by the study may serve as a subsidy for the implementation of actions capable of promoting better health conditions for the elderly, reducing expenses related to their hospitalization in highly specialized sectors. In addition, the research raises evidence that the construction of protocols and lines of care guiding the work process in the intensive care sector, specifically created for the elderly, may be relevant in reducing the expenses resulting from hospitalization of the elderly.

Keywords
Intensive Care Units; Health of the Elderly; Health Expenditures

INTRODUÇÃO

Na maioria das unidades da federação, o aumento gradativo e proporcional do número de idosos tem se consolidado e trazido demandas sociais significativas, também relativas à mudança de perfil epidemiológico decorrente do envelhecimento populacional. Tais mudanças são associadas aos avanços na qualidade de vida conquistados pela população, todavia, por outro lado, também implicam consequências sociais e econômicas até certo ponto previsíveis, mas que os estados brasileiros ainda não estão plenamente preparados para enfrentá-las11 Oliveira MR, Veras RP, Cordeiro HD, Pasinato MT. A mudança de modelo assistencial de cuidado ao idoso na Saúde Suplementar: identificação de seus pontos-chave e obstáculos para implementação. Physis 2016 [acesso em 11 ago. 2020];26(4):1383-1394. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312016000401383&lng=en.,22 Schenker M, Costa DH. Avanços e desafios da atenção à saúde da população idosa com doenças crônicas na Atenção Primária à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva 2019 [acesso em 11 ago. 2020];24(4):1369-1380. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018244.01222019..

Devido às transições demográfica e epidemiológica, tem-se observado uma ampliação na demanda dos serviços de saúde. Tal perspectiva decorre do fato de que os idosos são portadores de patologias crônicas múltiplas, necessitam de cuidados prolongados, apresentam uma maior frequência de internações hospitalares quando comparados a outras faixas etárias, além de necessitarem de intervenções contínuas e de estarem associados a uma maior demanda por leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI)33 Miranda GM, Mendes AD, Da Silva AL. O envelhecimento populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2016 [acesso 11 ago. 2020];19(3):507-519. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232016000300507&lng=en.,44 Lisboa T, Faria M, Hoher JA, Borges LAA, Gómes J, Schifelbain L, et al. Prevalência de Infecção Nosocomial em Unidades de Terapia Intensiva do Rio Grande do Sul. Rev Bras Ter Intensiva 2007 [acesso em 20 ago. 2020];19(4):414-20. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-507X2007000400002&lng=en.. Verifica-se que 42% a 52% das admissões em UTI são de idosos, os quais consomem cerca de 60% das diárias disponíveis44 Lisboa T, Faria M, Hoher JA, Borges LAA, Gómes J, Schifelbain L, et al. Prevalência de Infecção Nosocomial em Unidades de Terapia Intensiva do Rio Grande do Sul. Rev Bras Ter Intensiva 2007 [acesso em 20 ago. 2020];19(4):414-20. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-507X2007000400002&lng=en..

Sob o ponto de vista do impacto orçamentário, o aumento da demanda por serviços de saúde e o desenvolvimento médico-tecnológico promovem a ampliação dos gastos financeiros em saúde. Ao analisar os custos por internação de acordo com o perfil etário da população, identifica-se um maior gasto proporcional entre os idosos em relação aos pacientes mais jovens55 Silveira RE, Santos AS, Sousa MC, Monteiro TS. Gastos relacionados a hospitalizações de idosos no Brasil: perspectivas de uma década. Einstein 2013 [acesso em 20 ago. 2020];11(4):514-20. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-45082013000400019&lng=en..

A magnitude dessa diferença foi evidenciada em um estudo de abrangência nacional, que analisou os gastos de internação entre os anos 2002 e 2011 e mostra uma razão de gastos com internação oito vezes maior na população idosa masculina em relação à faixa etária de adultos, e de 2,5 vezes mais cara quando compara-se a mulher idosa acima de 80 anos com a adulta55 Silveira RE, Santos AS, Sousa MC, Monteiro TS. Gastos relacionados a hospitalizações de idosos no Brasil: perspectivas de uma década. Einstein 2013 [acesso em 20 ago. 2020];11(4):514-20. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-45082013000400019&lng=en.. Com isso, o debate sobre os gastos em saúde e sobre a eficiência na alocação dos recursos vem ocupando papel importante na pauta das discussões sobre políticas públicas relacionadas ao financiamento dos serviços de saúde, frente ao envelhecimento populacional66 Vianna CMM, Caetano R. Avaliações econômicas como um instrumento no processo de incorporação tecnológica em saúde. Cad Saúde Col 2005 [acesso em 20 ago. 2020];13(3):747-66. Disponível em: http://www.cadernos.iesc.ufrj.br/cadernos/images/csc/2005_3/artigos/CSC_2005-3_cid.pdf..

No Brasil, tem-se um total de 45.848 leitos de UTI adulto, entre estes, 23.004 pertencem a à iniciativa privada77 Brasil, Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde – DATASUS, Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Atenção à Saúde – CNES. [Acesso em 20 jan. 2020]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?cnes/cnv/leiintbr.def.
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
. Considerando o número total de leitos de UTI adulto e a sua distribuição per capita nas macrorregiões brasileiras, observa-se que o Sudeste tem o maior número absoluto de leitos e também a melhor distribuição per capita, enquanto a região Norte tem o menor número de leitos e a pior razão habitantes/leito. Por sua vez, a região Nordeste tem o segundo maior número de leitos voltados ao cuidado intensivo de adultos, mas apresenta a segunda pior relação entre habitantes e leito disponível88 Brasil, Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde – DATASUS, Informações de Saúde, Epidemiológicas e Morbidade. [Acesso em 20 nov. 2016]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?%20area=0203.
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
.

Enquanto o Sistema Único de Saúde (SUS) procura distribuir seus leitos de UTI conforme uma rede regionalizada e hierarquizada de atenção à saúde, na tentativa de responder as demandas populacionais, o setor hospitalar privado não atua de maneira complementar ao SUS, conforme disposto nas leis orgânicas de saúde, instalando-os onde a população apresenta condições financeiras para arcar com o serviço. Além disso, o segmento oferta cuidados intensivos de maneira não regulada, caracterizada pela multiplicação dos atos diagnósticos e terapêuticos, o que é vantajoso para os prestadores dos serviços, mas, muitas vezes, não traz benefícios reais para os pacientes internados99 Brasil, Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde – Datasus, Óbitos por causas evitáveis. [Acesso em 20 nov. 2016]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/evitb10sp.def.
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
.

Pesquisa de revisão sistemática de literatura, realizada nas bases de dados em saúde, demonstram um volume maior de publicações sobre a pessoa idosa com foco nas temáticas das doenças crônicas, das síndromes geriátricas, educação e da prevenção do envelhecimento em seu aspecto biológico1010 Prado SD, Sayd JD. A pesquisa sobre envelhecimento humano no Brasil: pesquisadores, temas e tendências. Ciênc. saúde coletiva 2004 [acesso em 11 ago. 2020];9(3):763-772. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232004000300027&lng=en.. De fato, existe uma carência na produção de conhecimentos que procurem compreender os fatores que permeiam o envelhecimento populacional e o aumento de gastos em saúde, especialmente em se tratando do sistema de hospitais privados, enquanto complementar ao SUS, e que, portanto, precisa voltar-se também para a defesa do sistema público de saúde no Brasil.

Além disso, o objeto de estudo desta pesquisa materializa-se no espaço dos determinantes das condições de saúde/vida dos idosos internados em UTI, assim como, no âmbito do conhecimento das múltiplas facetas da velhice e do processo de envelhecer em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Isso circunscreve uma lacuna no campo das pesquisas geriátricas que implica uma fragilidade para a assistência, pois as necessidades de saúde de um grupo populacional relacionam-se diretamente com suas características sociais, demográficas, econômicas e aos quadros de morbidade e de mortalidade dos indivíduos, bem como, à capacidade financeira e operacional para responder essas demandas1111 Barbosa SL, Kalinke LP. Característica da clientela idosa internada no centro de terapia semi-intensiva do hospital de clínicas da Universidade Federal do Paraná de Curitiba. Boletim de enfermagem 2009;3(1):54-6..

Nesse contexto, este trabalho inclui-se entre as propostas que se articulam com um desafio necessário à Saúde Coletiva e do idoso no Brasil: colaborar nas discussões orçamentárias para que a alocação dos recursos em saúde parta da crítica sobre a realidade social e epidemiológica, para, enfim, materializar-se em ações de saúde condizentes com uma sociedade ética e justa, especialmente no que se refere a qualidade de vida e dos direitos constitucionais do idoso brasileiro.

Diante dessa perspectiva, o objetivo da pesquisa foi analisar a associação entre variáveis demográficas, de morbidade e relativo às condições da hospitalização com os gastos decorrentes da internação de idosos em UTI de hospitais privados em uma capital do nordeste brasileiro.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa epidemiológica, observacional, analítica e do tipo seccional, com abordagem quantitativa, realizada na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Dados demográficos apontaram que, na década passada, 10% dos 803.739 habitantes do município eram idosos. Além disso, a baixa cobertura oferecida pelos serviços de atenção básica em saúde no município contrasta com o crescimento de uma população idosa carente e com dificuldade de acesso aos serviços em todos os seus níveis de complexidade1212 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese dos Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira. 2010 [acesso em 20 nov. 2016]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv45700.pdf.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
.

A variável dependente do estudo foi o custo em real brasileiro (R$) decorrente da internação dos idosos em UTI. Esse dado foi expresso inicialmente por um valor quantitativo, retirado da fatura do prontuário auditada. Esse valor refere-se somente àquilo que foi avaliado como despesa decorrente da internação do idoso na UTI, desconsiderando-de procedimentos cobrados na fatura de internação de outras unidades do Hospital.

Por sua vez, as variáveis independentes estavam distribuídas em três grupos (Quadro 1): relacionadas à caracterização dos indivíduos quanto ao perfil sociodemográfico; referentes ao quadro mórbido; e relacionadas às características da internação. Essas informações foram obtidas dos prontuários, mais especificamente dos registros clínicos realizados pela equipe médica e de enfermagem.

Quadro 1
Quadro resumo das variáveis do estudo. Natal (RN), 2019.

Além das variáveis dispostas no quadro acima, foram coletadas informações sobre religião, etnia, renda, situação conjugal e ocupação dos idosos. Contudo, elas apresentaram um percentual de perda >90%, devido ao não preenchimento nos prontuários e foram excluídas para não prejudicar a amostra e as análises.

A categorização da variável idade deu-se pela definição de idoso longevo (≥80 anos). O local de residência foi dividido entre aqueles que moram na capital e região metropolitana e os idosos procedentes do interior, pois, normalmente, aqueles que são transferidos de suas cidades para Natal (RN) possuem quadros que demandam necessidades terapêuticas complexas que os serviços de saúde das pequenas cidades não possuem capacidade de responder.

O tempo de internação foi dividido com base em critérios estatísticos, que demostraram que os dois grupos se comportavam diferentes para diversos desfechos, como maior percentual de óbito em internações com 10 ou mais dias, por exemplo. Os tipos de leitos de UTI são os mesmos padronizados pelo Ministério da Saúde a partir da Portaria Nº 3.432, de 12 de agosto de 1998. Conforme essa legislação, os leitos de UTI são classificados em tipos I, II e III, em ordem de complexidade e preço de diária crescente, segundo a listagem de insumos, profissionais e tecnologias disponíveis no setor1313 Brasil, Ministério da Saúde. Portaria nº. 3.432, de 12 de agosto de 1998. Estabelece critérios de classificação para as Unidades de Tratamento Intensivo – UTI. Diário Oficial da União 13 ago. 1998; Seção 1.. Por fim, os idosos com deficit cognitivos importantes e/ou com graus moderados ou graves de incapacidade funcional foram classificados como vulneráveis.

Para ser incluído como participante era preciso ter idade ≥60 anos no período da internação, ter sido admitido entre primeiro de novembro de 2013 e 31 de janeiro de 2014 na UTI das instituições participantes e ter internações pagas pelos usuários/famílias ou por planos de saúde. Dos 335 prontuários avaliados, 23 foram excluídos por estarem danificados ou ilegíveis. Diante desses critérios, foram coletados dados referentes a 312 internações de idosos em leitos de UTI adulto de todos os cinco hospitais privados em Natal (RN), que oferecem esse serviço por meio de 54 leitos de UTI no total.

O recorte temporal foi escolhido com base em estudo piloto, feito em outubro de 2013, como forma de dimensionar previamente uma estimativa de casos que fosse consistente em relação aos objetivos e métodos do estudo, pré-requisitos teóricos a serem observados durante o processo de determinação do recorte temporal em estudos seccionais com foco orçamentário1414 Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde. Diretrizes metodológicas. Análise de impacto orçamentário. Manual para o Sistema de Saúde do Brasil. 2012 [acesso em 11 ago. 2020]. Disponível em: http://www.saude.gov.br/images/pdf/2014/novembro/10/Diretrizes-metodologicas-manual-de-analise-de-impacto-orcamentario-cienciasus.pdf.
http://www.saude.gov.br/images/pdf/2014/...
.

Os dados captados foram tratados através do uso da estatística descritiva e tabelas de frequência absoluta e percentual.

A variável dependente foi dicotomizada pelo percentil 75 (R$13.761,40), os valores acima desse percentil foram considerados como uma internação com alto gasto. As variáveis independentes categóricas foram submetidas ao teste qui-quadrado e as quantitativas foram submetidas ao teste t de Student, tendo a variável dependente como referência. O uso de testes paramétricos foi respaldado pela distribuição normal dos dados, avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, onde valores não significativos (p>0,05) indicam distribuição Gaussiana.

As variáveis que apresentaram p≤0,20 foram pré-selecionadas para compor o modelo de regressão logística múltipla. No modelo construído pelo método de inserção de variáveis (stepwise), os valores das Odds Ratio (OR) e seu intervalo de confiança de 95% (IC95%) foram transformados em Razão de Prevalência (RP) devido ao desenho do estudo. Estudos seccionais com desfecho dicotômico costumam priorizar a obtenção da RP por meio dos métodos de regressão de Poisson, Cox e log-binomial. A principal justificativa apresentada é que a OR, obtida pelo método da regressão logística, superestima os efeitos das variáveis sobre o desfecho, especialmente em eventos de alta prevalência1515 Coutinho L, Scazufca M, Menezes PR. Methods for estimating prevalence ratios in cross-sectional studies. Revista de saude publica 2008;42(6):992-8.. Com o intuito de reduzir esse tipo de viés e evitar as análises inflacionadas, obteve-se, por meio de fórmulas estatísticas, a medida de RP e de seus intervalos de confiança.

Antes da fase de campo e da aplicação dos instrumentos para coleta de dados, o projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa CEP-HUOL, em conformidade com as diretrizes da resolução 466/12 que norteia a realização de pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo CEP-HUOL com CAAE N° 20578913.1.0000.5292.

RESULTADOS

Na Tabela 1 pode-se observar a caracterização da amostra a partir de algumas variáveis sociodemográficas e referentes à própria internação dos indivíduos, além de teste bivariado de associação estatística com a variável dependente.

Tabela 1
Análise descritiva e bivariada das variáveis sociodemográficas e relativas à internação. Natal (RN), 2019.

Na Tabela 2 são apresentados dados descritivos das variáveis independentes e sua análise bivariada, em função do gasto de internação em UTI. Foi possível observar que as 312 internações resultaram em um gasto médio de R$13.137,95 com desvio padrão de R$ 2.225,19 e IC95% (15.363,13-10.912,76).

Tabela 2
Análise descritiva e bivariada das variáveis quantitativas do estudo. Natal (RN), 2019.

A Tabela 3 apresenta as variáveis independentes com associação importante (p<0,20) com a variável dependente. Variável idade, em sua forma quantitativa não foi significativa para entrar no modelo múltiplo. Além disso, o tempo de internação e o valor da diária da UTI também foram excluídas do modelo final, pois elas são componentes da fórmula que calcula todo o gasto dispendido e, caso incluídas, responderiam por toda a variância da variável dependente.

Tabela 3
Variáveis selecionadas para a análise de regressão logística múltipla das internações na terapia intensiva pela significância do teste qui-quadrado. Natal (RN), 2019.

Na Tabela 4 tem-se a apresentação do modelo de regressão logística múltipla final. Não apresentaram p<0,20 as seguintes variáveis: infarto agudo do miocárdio, angina, quadros infecciosos inespecíficos, hipertensão, diabetes, doença cardíaca, doença renal, mais de três doenças crônicas, idoso longevo e história de tabagismo.

Tabela 4
Modelo de Regressão Logística Múltiplo das internações na rede Privada de terapia intensivaa. Natal (RN), 2019.

O modelo de regressão para as internações na rede privada apresentou quatro variáveis significativas. Quanto à análise de resíduos, houve cinco casos com valores de resíduos maiores que 2 e um teste de Hosmer e Lemeshow de 0,82. Do ponto de vista estatístico, o desse teste não ser significativo (p>0,05) já indica ajuste no modelo. No entanto, quanto mais próximo de 1, melhor é seu ajuste final. Outro critério utilizado para demonstrar a qualidade da modelagem é a análise de resíduos que possuem valores acima de 2. Isso evidencia os casos que não se ajustam aos preceitos apontados no modelo. O esperado é que o número de casos nessa situação não ultrapasse 10% do valor da amostra1616 Hair JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. Bookman editora; 2009.. Ainda em vistas a manter um ajuste apropriado, todas as variáveis do modelo foram testadas quanto a sua colinearidade e não houve associação significativa que pudesse superestimar qualquer um dos valores apresentados.

DISCUSSÃO

Os diagnósticos mais frequentes entre os idosos internados em terapia intensiva foram decorrentes de agravos relacionados aos sistemas circulatório e respiratório, além das crises hipertensivas. Quanto ao quadro de comorbidades, vale destacar que grande parte dos idosos tinham três ou mais doenças crônicas no momento da admissão, sendo as mais comuns a hipertensão, o diabetes e os problemas cardíacos. Nogueira et al.1717 Nogueira LS, Sousa RMC, Padilha KG, Koike KM. Características clínicas e gravidade de pacientes internados em UTIs públicas e privadas. Texto contexto - enferm. 2012 [acesso em 11 ago. 2020];21(1):59-67. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072012000100007&lng=en. e Fuchs et al.1818 Fuchs L, Chronaki C, Park S, Novack V, Baumfeld Y, Scott D, et al. ICU admission characteristics and mortality rates among elderly and very elderly patients. Intensive Care Med 2012;38(10):1654-61. encontraram em seus estudos semelhantes perfis clínicos de idosos internados em UTI, com alta prevalência de agravos respiratórias e cardiovasculares entre as causas de internação e elevado percentual de doenças crônicas secundárias ao diagnóstico principal.

Percebe-se que, para atingir melhores condições de saúde para esses indivíduos, diminuir as complicações decorrentes de agravos sensíveis à Atenção Primária à Saúde (APS), como doenças crônicas, maximizar sua qualidade de vida e, consequentemente, reduzir os gastos com internações em UTI, seria importante considerar a implantação de uma proposta de gerenciamento de cuidado longitudinal ao idoso nos serviços de alta, média e baixa complexidade. Assim, as estratégias de promoção da saúde e prevenção de agravos/doenças voltadas para os idosos precisam ser pensadas em um programa amplo, organizado em níveis hierárquicos, com garantia de assistência interprofissional e integral, na qual as ações sejam pensadas de maneira individualizada, considerando as particularidades de cada indivíduo1919 Rocha EN, Lucena AF. Projeto Terapêutico Singular e Processo de Enfermagem em uma perspectiva de cuidado interdisciplinar. Rev. Gaúcha Enferm. 2018 [acesso em 11 ago. 2020];39:e2017-0057. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472018000100500&lng=pt..

Foi possível perceber que a idade entre 60 e 79 ou ≥80 anos não foi associada a uma maior taxa de internação hospitalar (Tabela 1). Outros estudos, contudo, reconhecem que os gastos de internação hospitalar entre idosos longevos foi maior, demonstrado unicamente em análise bivariada55 Silveira RE, Santos AS, Sousa MC, Monteiro TS. Gastos relacionados a hospitalizações de idosos no Brasil: perspectivas de uma década. Einstein 2013 [acesso em 20 ago. 2020];11(4):514-20. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-45082013000400019&lng=en.,2020 Velasco MB, Leitão MA, Dalcomune DM. Study of the costs of an ICU according to age groups relating to SAPS 3 gravity, stay and outcomes. Critical Care 2015; 19(1):P528-530.. Um deles verificou-se que a razão custo/habitante aumenta 1,85 vezes na faixa etária de 60 a 69 anos, 2,65 na de 70 a 79 anos e 3,05 vezes na faixa de ≥80 anos2020 Velasco MB, Leitão MA, Dalcomune DM. Study of the costs of an ICU according to age groups relating to SAPS 3 gravity, stay and outcomes. Critical Care 2015; 19(1):P528-530.. Tal perspectiva demostra a necessidade de realização de mais pesquisas, preferencialmente com desenhos longitudinais, que possam aferir as variáveis associadas ao alto gasto de internação em UTI, tendo em conta, ainda, a construção de modelos múltiplos de análise estatística, como foi proposto no presente estudo.

Uma das variáveis presentes no modelo múltiplo de análise deste trabalho, como prognóstico para alto custo de internação, foram as doenças do trato respiratório, as quais apresentaram uma frequência de 28% do total das internações. Semelhante achado foi identificado por Piuvezam et al.2121 Piuvezam G, Freitas MR, Costa JV, Freitas PA, Cardoso PM, Medeiros AC, et al. Fatores associados ao custo das internações hospitalares por doenças infecciosas em idosos em hospital de referência na cidade do Natal, Rio Grande do Norte. Cadernos Saúde Coletiva 2015 [acesso em 20 ago. 2020];23(1):63-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-462X2015000100063&lng=en., demonstrando que as infecções pulmonares, tuberculose pulmonar e extrapulmonar apresentaram correlação positiva com os gastos relacionados à internação de idosos, confirmando que as doenças do sistema respiratório oneram significativamente a hospitalização.

Dentre as doenças respiratórias, identificou-se que 57,1% do total de casos de pneumonias infecciosas foram consideradas de alto custo (Tabela 3). Tal doença figura-se como uma das principais patologias respiratórias que afetam a população idosa, além de estar relacionada à elevada morbimortalidade e a maiores gastos de internação de idoso2222 Michelin L, Weber FM, Scolari BW, Menezes BK, Gullo MC. Mortality and costs of pneumococcal pneumonia in adults: a cross-sectional study. J bras pneumol. 2019 [acesso em 20 ago. 2020];45(6):e20180374. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-37132019000600204&lng=en.. Ribeiro et al.2323 Ribeiro MG, Sancho LG, do Lago RF. Gastos com internação do idoso em serviços privados de terapia intensiva em três capitais da região sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Cadernos Saúde Coletiva 2015 [acesso em 20 ago. 2020];23(4). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-462X2015000400394&lng=en., em um estudo analisando os gastos relativos à internação de idosos em UTI por três patologias, pneumonia, doença coronariana e AVE, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, identificaram que 53,7% do gasto total era relativo à hospitalização por pneumonia. Sendo assim, é possível evidenciar a associação entre a pneumonia infecciosa entre idosos e o aumento dos gastos com a internação de idosos em UTI, mesmo em regiões de climas diferentes, como é o caso do sudeste e nordeste brasileiro.

A alta incidência de pneumonia e sua relação com o aumento de gastos em UTI acontece mesmo diante da vacinação sistemática de idosos, em campanhas promovidas pelo governo federal em todo o país, anualmente2424 Medeiros KKAS, Pinto EPJ, Bousquat A, Medina MG. O desafio da integralidade no cuidado ao idoso, no âmbito da Atenção Primária à Saúde. Saúde debate 2017 [acesso em 11 ago. 2020];41(spe3):288-295. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-11042017000700288&lng=en.. Mesmo diante dessa aparente contradição, há evidências suficientes na literatura científica de que a vacinação contra influenza está associada com redução de mortalidade e com menores índices de hospitalização2525 Aoyama EA, Nunes EC, Oliveira MS, Silva SL, Araújo JAF, Firmino TAB. Os benefícios da vacina H1N1 em idosos/The benefits of H1N1 vaccine in elderly. Brazilian Journal of Health Review 2019 [acesso em 11 ago. 2020];2(1):185-91. Disponível em: https://www.brazilianjournals.com/index.php/BJHR/article/view/880/762..

No entanto, a internação de idosos em UTI por causas respiratórias infecciosas deve envolver medidas que vão além da vacinação contra influenza e pneumonia. É preciso efetivar estratégias de gerenciamento e manejo de condições crônicas mais abrangentes e focadas nos grupos de maior risco, como, por exemplo, os idosos mais longevos e/ou os que se encontram acamados. Já que parte significativa desses indivíduos apresentam fraqueza muscular, tosse ineficiente e função ciliar comprometida, favorecendo o acúmulo de secreção nas vias áreas e o aparecimento de infecções no trato respiratório2626 Oliveira TC, Medeiros WR, Lima KC. Diferenciais de mortalidade por causas nas faixas etárias limítrofes de idosos. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2015 [acesso em 11 ago. 2020];18(1):85-94. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232015000100085&lng=en..

Dentre as internações de idosos em UTI, 17,6% dos indivíduos apresentavam necessidade de ventilação mecânica no momento da sua admissão no setor, estando associado a maiores gastos de internação na análise múltipla. A literatura científica corrobora com esses achados e destaca a ventilação mecânica como fator relacionado a um maior tempo de internação de idosos em UTI, ao aumento da mortalidade, aos mais altos gastos e à menor relação de custo efetividade1818 Fuchs L, Chronaki C, Park S, Novack V, Baumfeld Y, Scott D, et al. ICU admission characteristics and mortality rates among elderly and very elderly patients. Intensive Care Med 2012;38(10):1654-61.,2727 Iheanacho I, Zhang S, King D, Rizzo M, Ismaila AS. Economic Burden of Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD): A Systematic Literature Review. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis 2020;15:439-460.

28 Puchades R, González B, Contreras M, Guillón A, de Miguel R, Martín D. et al. Cardiovascular profile in critically ill elderlymedical patients: Prevalence, mortality and length of stay. European Journal of Internal Medicine 2015;26(1):49–55

29 Loss SH, Oliveira RP, Maccari G, Savi A, Boniatti MM, Hetzel MP, et al. A realidade dos pacientes que necessitam de ventilação mecânica prolongada: um estudo multicêntrico. Rev. bras. ter. intensiva 2015 [acesso em 11 ago. 2020];27(1):26-35. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-507X2015000100026&lng=en.
-3030 Wieske L, Dettling-Ihnenfeldt DS, Verhamme C, Nollet F, Van Schaik IN, Schultz MJ, et al. Impact of ICU-acquired weakness on post-ICU physical functioning: a follow-up study. Crit Care 2015;19:196.. Sendo assim, uma vez instituída a ventilação mecânica, é importante o estabelecimento de monitorização e manejo adequado da função respiratória para identificar eventuais complicações, avaliar constantemente a resposta ao tratamento e realizar o desmame ventilatório assim que possível.

Além da questão da gravidade clínica, a associação da ventilação mecânica com maiores gastos na rede privada de terapia intensiva também pode encontrar elementos explicativos na forma como as despesas são compostas. Fatura-se a internação conforme o número de diárias na UTI e, suplementarmente, por taxas relativas ao uso dos equipamentos de ventilação artificial, quantias referentes ao volume de oxigênio e ar comprimido utilizados ao longo do tempo, e por despesas relativas à necessidade de procedimentos especializados, como, por exemplo, fisioterapia respiratória e avaliação de pneumologista.

O tipo de internação, classificada como clínica ou cirúrgica, também foi associada ao alto gasto no modelo de regressão múltiplo. Nesses casos, os pacientes que foram hospitalizados devido aos agravos clínicos que tiveram um maior gasto por internação em UTI. Uma pesquisa realizada com 22.710 idosos constatou que pacientes que foram submetidos a intervenção cirúrgica permaneceram menos dias em terapia intensiva e apresentaram um custo menor de hospitalização frente àqueles internados por razões clínicas3131 Adams, P.D. et al. The differential effects of surgical harm in elderly populations. Does the adage: “they tolerate the operation, but not the complications” hold true? American Journal of Surgery 2014; 208(4):656-662.. Além disso, o estudo de Fuchs et al.1818 Fuchs L, Chronaki C, Park S, Novack V, Baumfeld Y, Scott D, et al. ICU admission characteristics and mortality rates among elderly and very elderly patients. Intensive Care Med 2012;38(10):1654-61. destaca que a internação clínica de idosos em UTI é associada à maior gravidade, sinistralidade e custos, quando comparada às intervenções cirúrgicas.

No entanto, para se obter medidas mais precisas sobre esse dado, é necessário trabalhar com duas potenciais variáveis de confusão. Em primeiro lugar seria importante comparar as internações clínicas com as cirurgias de urgência e as eletivas, separadamente. A hipótese aqui levantada é que intervenções agudas e inesperadas podem explicar o maior uso de recursos em UTI, independentemente do tipo de internação, uma vez que as cirurgias eletivas costumam ser antecedidas por avaliações de risco que contemplam aspectos sanguíneos, cardiovasculares e respiratórios que permitem um planejamento prévio, o que não se pode fazer em cirurgias de emergência e internações clínicas.

A desorientação completa ou parcial no momento da admissão do idoso também foi associada ao maior gasto nas internações. Esse achado corrobora com os resultados obtidos por Vasilevskis et al.3232 Vasilevskis EE, Chandrasekhar R, Holtze CH, Graves J, Speroff T, Girard TD, et al. The cost of ICU delirium and coma in the intensive care unit patient. Medical care 2018 [acesso em 20 ago. 2020];56(10):890. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6200340/., os quais identificaram, a partir de um estudo de coorte prospectivo, que a desorientação está diretamente associada ao aumento dos gastos referentes às internações em UTI. A importância da variável para o fenômeno estudado também é confirmada por alguns dos principais instrumentos utilizados para avaliar o prognóstico de uma internação em terapia intensiva, tais como o Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE II), o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) e o Logistic Organ Dysfunction System (LODS), que usam a variável como critério nos seus escores3333 Pedrosa IL, Freire DMC, Schneider RH. Construção de um instrumento de avaliação prognóstica para idosos em unidade de terapia intensiva. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2017 [acesso em 11 ago. 2020];20(3):319-329. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232017000300319&lng=en..

Dessa forma, a desorientação de pacientes idosos internados é um desafio para toda equipe de profissionais de saúde em um hospital. Em primeiro lugar porque trata-se de um evento comum, de alta prevalência com o qual muitos profissionais não estão qualificados para promover cuidado especializado. Além disso, o quadro de desorientação em idosos torna o trabalho mais desgastante para a equipe, requer manejo diferenciado e um maior número de profissionais disponíveis para prestar o devido cuidado3434 Fontoni MR, Oliveira WL, Kaneta CN. Winnicotti e o desafio do atendimento a pacientes idosos em estado confusional. Psic., Saúde & Doenças 2014 [acesso em 11 ago. 2020];15(3):816-827. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-00862014000300020&lng=pt..

Sobre esse aspecto, percebe-se a relevância da construção de protocolos e linhas de cuidado, levando em consideração as particularidades do público idoso, e da utilização de instrumentos de gerenciamento do seu quadro clínico e de avaliação de seu prognóstico. Para tanto, pode-se utilizar instrumentos de avaliação de gravidade de doenças, tais como os já citados, o APACHE II, o SOFA e o LODS, mesmo ciente de que eles não foram criados e validados especificamente para os idosos.

Portanto, a criação de ferramentas de avaliação prognóstica validadas para idosos poderia melhorar a assistência em saúde prestada em UTI, o processo de trabalho dos profissionais intensivistas e, consequentemente, reduzir os gastos com internação no setor. Parte-se da premissa de que conduzir adequadamente o tratamento e a assistência destinada aos idosos em terapia intensiva, otimizando recursos em função das necessidades de saúde individuais, pode influenciar diretamente no custo da internação.

Isso circunscreve uma lacuna no conhecimento que pode ser o Norte para pesquisas posteriores. Sendo assim, sugere-se que estudos longitudinais, com amostras robustas e que tenham o propósito de analisar o incremento do gasto ao longo de todo o curso da internação em terapia intensiva em função do uso de instrumentos de avaliação clínica, possam ser conduzidos.

As limitações do estudo referem-se principalmente ao seu desenho transversal, o qual causa e efeito são mensurados em um mesmo intervalo de tempo, porém, essa abordagem metodológica permitiu que fossem analisados os gastos de internação de um número maior de pacientes fora dos grandes centros urbanos mais tradicionais do eixo sul/sudeste brasileiro.

CONCLUSÃO

O presente estudo observou que idade igual ou superior a 80 anos não foi associada a uma maior taxa de internação hospitalar e que parte considerável das internações de idosos em terapia intensiva foi causada por condições clínicas, sendo estas majoritariamente decorrentes de agravos relacionados aos sistemas circulatório e respiratório. Além disso, ao analisar os fatores associados ao alto gasto com internação de idosos em terapia intensiva, foi possível constatar que a hospitalização decorrente de agravos clínicos e respiratórios, a necessidade de ventilação mecânica e a desorientação completa ou parcial no momento da admissão estiveram associadas ao maior gasto nas internações.

Diante das discussões inerentes aos gastos decorrentes das internações de idosos em terapia intensiva e sua associação com fatores demográficos, de morbidade e relativos às condições da internação, o conhecimento produzido pelo estudo poderá servir de subsídio para a formulação e implantação de ações capazes de promover melhores condições de saúde para os idosos, maximizar sua qualidade de vida e reduzir os gastos relacionados à hospitalização em setores altamente especializados.

Durante o curso da internação, a pesquisa levanta evidências de que a construção de protocolos e linhas de cuidado norteadores do processo de trabalho no setor de terapia intensiva, especificamente criados para o público idoso, via utilização de instrumentos de gerenciamento de quadros clínicos e avaliação prognóstica, podem ser importantes na redução dos gastos decorrentes da internação de idosos.

  • Financiamento da pesquisa: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES). Nº do processo: 10634-14-2 - Código de Financiamento 001.

REFERENCES

  • 1
    Oliveira MR, Veras RP, Cordeiro HD, Pasinato MT. A mudança de modelo assistencial de cuidado ao idoso na Saúde Suplementar: identificação de seus pontos-chave e obstáculos para implementação. Physis 2016 [acesso em 11 ago. 2020];26(4):1383-1394. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312016000401383&lng=en.
  • 2
    Schenker M, Costa DH. Avanços e desafios da atenção à saúde da população idosa com doenças crônicas na Atenção Primária à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva 2019 [acesso em 11 ago. 2020];24(4):1369-1380. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018244.01222019.
  • 3
    Miranda GM, Mendes AD, Da Silva AL. O envelhecimento populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2016 [acesso 11 ago. 2020];19(3):507-519. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232016000300507&lng=en.
  • 4
    Lisboa T, Faria M, Hoher JA, Borges LAA, Gómes J, Schifelbain L, et al. Prevalência de Infecção Nosocomial em Unidades de Terapia Intensiva do Rio Grande do Sul. Rev Bras Ter Intensiva 2007 [acesso em 20 ago. 2020];19(4):414-20. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-507X2007000400002&lng=en.
  • 5
    Silveira RE, Santos AS, Sousa MC, Monteiro TS. Gastos relacionados a hospitalizações de idosos no Brasil: perspectivas de uma década. Einstein 2013 [acesso em 20 ago. 2020];11(4):514-20. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-45082013000400019&lng=en.
  • 6
    Vianna CMM, Caetano R. Avaliações econômicas como um instrumento no processo de incorporação tecnológica em saúde. Cad Saúde Col 2005 [acesso em 20 ago. 2020];13(3):747-66. Disponível em: http://www.cadernos.iesc.ufrj.br/cadernos/images/csc/2005_3/artigos/CSC_2005-3_cid.pdf.
  • 7
    Brasil, Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde – DATASUS, Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Atenção à Saúde – CNES. [Acesso em 20 jan. 2020]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?cnes/cnv/leiintbr.def
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?cnes/cnv/leiintbr.def
  • 8
    Brasil, Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde – DATASUS, Informações de Saúde, Epidemiológicas e Morbidade. [Acesso em 20 nov. 2016]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?%20area=0203
    » http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?%20area=0203
  • 9
    Brasil, Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde – Datasus, Óbitos por causas evitáveis. [Acesso em 20 nov. 2016]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/evitb10sp.def
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/evitb10sp.def
  • 10
    Prado SD, Sayd JD. A pesquisa sobre envelhecimento humano no Brasil: pesquisadores, temas e tendências. Ciênc. saúde coletiva 2004 [acesso em 11 ago. 2020];9(3):763-772. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232004000300027&lng=en.
  • 11
    Barbosa SL, Kalinke LP. Característica da clientela idosa internada no centro de terapia semi-intensiva do hospital de clínicas da Universidade Federal do Paraná de Curitiba. Boletim de enfermagem 2009;3(1):54-6.
  • 12
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese dos Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira. 2010 [acesso em 20 nov. 2016]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv45700.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv45700.pdf
  • 13
    Brasil, Ministério da Saúde. Portaria nº. 3.432, de 12 de agosto de 1998. Estabelece critérios de classificação para as Unidades de Tratamento Intensivo – UTI. Diário Oficial da União 13 ago. 1998; Seção 1.
  • 14
    Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde. Diretrizes metodológicas. Análise de impacto orçamentário. Manual para o Sistema de Saúde do Brasil. 2012 [acesso em 11 ago. 2020]. Disponível em: http://www.saude.gov.br/images/pdf/2014/novembro/10/Diretrizes-metodologicas-manual-de-analise-de-impacto-orcamentario-cienciasus.pdf
    » http://www.saude.gov.br/images/pdf/2014/novembro/10/Diretrizes-metodologicas-manual-de-analise-de-impacto-orcamentario-cienciasus.pdf
  • 15
    Coutinho L, Scazufca M, Menezes PR. Methods for estimating prevalence ratios in cross-sectional studies. Revista de saude publica 2008;42(6):992-8.
  • 16
    Hair JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. Bookman editora; 2009.
  • 17
    Nogueira LS, Sousa RMC, Padilha KG, Koike KM. Características clínicas e gravidade de pacientes internados em UTIs públicas e privadas. Texto contexto - enferm. 2012 [acesso em 11 ago. 2020];21(1):59-67. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072012000100007&lng=en.
  • 18
    Fuchs L, Chronaki C, Park S, Novack V, Baumfeld Y, Scott D, et al. ICU admission characteristics and mortality rates among elderly and very elderly patients. Intensive Care Med 2012;38(10):1654-61.
  • 19
    Rocha EN, Lucena AF. Projeto Terapêutico Singular e Processo de Enfermagem em uma perspectiva de cuidado interdisciplinar. Rev. Gaúcha Enferm. 2018 [acesso em 11 ago. 2020];39:e2017-0057. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472018000100500&lng=pt.
  • 20
    Velasco MB, Leitão MA, Dalcomune DM. Study of the costs of an ICU according to age groups relating to SAPS 3 gravity, stay and outcomes. Critical Care 2015; 19(1):P528-530.
  • 21
    Piuvezam G, Freitas MR, Costa JV, Freitas PA, Cardoso PM, Medeiros AC, et al. Fatores associados ao custo das internações hospitalares por doenças infecciosas em idosos em hospital de referência na cidade do Natal, Rio Grande do Norte. Cadernos Saúde Coletiva 2015 [acesso em 20 ago. 2020];23(1):63-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-462X2015000100063&lng=en.
  • 22
    Michelin L, Weber FM, Scolari BW, Menezes BK, Gullo MC. Mortality and costs of pneumococcal pneumonia in adults: a cross-sectional study. J bras pneumol. 2019 [acesso em 20 ago. 2020];45(6):e20180374. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-37132019000600204&lng=en.
  • 23
    Ribeiro MG, Sancho LG, do Lago RF. Gastos com internação do idoso em serviços privados de terapia intensiva em três capitais da região sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Cadernos Saúde Coletiva 2015 [acesso em 20 ago. 2020];23(4). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-462X2015000400394&lng=en.
  • 24
    Medeiros KKAS, Pinto EPJ, Bousquat A, Medina MG. O desafio da integralidade no cuidado ao idoso, no âmbito da Atenção Primária à Saúde. Saúde debate 2017 [acesso em 11 ago. 2020];41(spe3):288-295. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-11042017000700288&lng=en.
  • 25
    Aoyama EA, Nunes EC, Oliveira MS, Silva SL, Araújo JAF, Firmino TAB. Os benefícios da vacina H1N1 em idosos/The benefits of H1N1 vaccine in elderly. Brazilian Journal of Health Review 2019 [acesso em 11 ago. 2020];2(1):185-91. Disponível em: https://www.brazilianjournals.com/index.php/BJHR/article/view/880/762.
  • 26
    Oliveira TC, Medeiros WR, Lima KC. Diferenciais de mortalidade por causas nas faixas etárias limítrofes de idosos. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2015 [acesso em 11 ago. 2020];18(1):85-94. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232015000100085&lng=en.
  • 27
    Iheanacho I, Zhang S, King D, Rizzo M, Ismaila AS. Economic Burden of Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD): A Systematic Literature Review. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis 2020;15:439-460.
  • 28
    Puchades R, González B, Contreras M, Guillón A, de Miguel R, Martín D. et al. Cardiovascular profile in critically ill elderlymedical patients: Prevalence, mortality and length of stay. European Journal of Internal Medicine 2015;26(1):49–55
  • 29
    Loss SH, Oliveira RP, Maccari G, Savi A, Boniatti MM, Hetzel MP, et al. A realidade dos pacientes que necessitam de ventilação mecânica prolongada: um estudo multicêntrico. Rev. bras. ter. intensiva 2015 [acesso em 11 ago. 2020];27(1):26-35. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-507X2015000100026&lng=en.
  • 30
    Wieske L, Dettling-Ihnenfeldt DS, Verhamme C, Nollet F, Van Schaik IN, Schultz MJ, et al. Impact of ICU-acquired weakness on post-ICU physical functioning: a follow-up study. Crit Care 2015;19:196.
  • 31
    Adams, P.D. et al. The differential effects of surgical harm in elderly populations. Does the adage: “they tolerate the operation, but not the complications” hold true? American Journal of Surgery 2014; 208(4):656-662.
  • 32
    Vasilevskis EE, Chandrasekhar R, Holtze CH, Graves J, Speroff T, Girard TD, et al. The cost of ICU delirium and coma in the intensive care unit patient. Medical care 2018 [acesso em 20 ago. 2020];56(10):890. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6200340/.
  • 33
    Pedrosa IL, Freire DMC, Schneider RH. Construção de um instrumento de avaliação prognóstica para idosos em unidade de terapia intensiva. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2017 [acesso em 11 ago. 2020];20(3):319-329. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232017000300319&lng=en.
  • 34
    Fontoni MR, Oliveira WL, Kaneta CN. Winnicotti e o desafio do atendimento a pacientes idosos em estado confusional. Psic., Saúde & Doenças 2014 [acesso em 11 ago. 2020];15(3):816-827. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-00862014000300020&lng=pt.

Editado por

Editado por: Daniel Gomes da Silva Machado

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2020
  • Aceito
    18 Set 2020
Universidade do Estado do Rio Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F, 20559-900 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: (55 21) 2334-0168 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistabgg@gmail.com