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Escolarização e seus efeitos no letramento de idosos acima de 65 anos

Schooling and its effects on literacy of elderly over 65 years

Resumos

OBJETIVO:

Analisar as condições de letramento de pessoas com idade mínima de 65 anos, comparando tais condições entre idosos que têm grau de instrução compatível com nível superior completo e aqueles que não têm.

MÉTODOS:

Foram aplicados um questionário e um teste de leitura contendo textos de gêneros diversos a 72 sujeitos idosos residentes na cidade de Curitiba-PR. O questionário contemplou idade, nível de escolarização e práticas atuais de leitura e escrita. No teste de leitura, os sujeitos foram convocados a localizar informações explícitas e implícitas em uma fábula, um cartaz, um bilhete e uma notícia de jornal. Os dados foram categorizados e analisados por meio do software de análise estatística Sphinx (r) e como estatística inferencial foram aplicados os testes de significância Fisher e qui-quadrado.

RESULTADOS:

Os sujeitos da pesquisa tinham acesso fácil a diversos materiais de leitura, mas o vínculo com esses materiais ainda era deficitário. Independentemente do nível de escolaridade, constatou-se a utilização restrita de práticas relacionadas com a linguagem escrita, visto que tanto os idosos que possuíam formação superior, quanto aqueles que não a tinham apresentaram dificuldades significativas para extrair informações de textos simples.

CONCLUSÃO:

É necessário desenvolver atividades de intervenção que possam trabalhar com a linguagem escrita, para que sujeitos em processo de envelhecimento possam efetivamente inserir-se na sociedade grafocêntrica atual.

Leitura; Escrita Manual; Envelhecimento; Linguagem; Escolaridade


OBJECTIVE:

This study analyzed the conditions of literacy of people aged at least 65, comparing these conditions among the elderly whose education level was compatible with higher education and those who do not.

METHODS:

We used a questionnaire and a reading test containing texts of various genres for 72 elderly over 65 years, living in the city of Curitiba-PR. The questionnaire included age, educational level and current practices in reading and writing. In the reading test, subjects were asked to find explicit and implicit information in four texts: a fable, a poster, a ticket and a newspaper. Data were categorized and analyzed using statistical analysis software Sphinx(r), and like inferential statistics were applied the significance tests of Fisher and chi-square.

RESULTS:

The study subjects had easy access to various reading materials, but the link to these materials was still lacking. Regardless of the level of education it was found the restricted use of practices related to written language, as both the elderly who have higher education, and those who do not have such training showed significant difficulties to extract information from simple texts.

CONCLUSION:

It is necessary to develop intervention activities that can work with written language, so that subjects in aging process can effectively insert themselves into the current society focused in the writing.

Reading; Handwriting; Aging; Language; Educational Status


INTRODUÇÃO

Com o aumento da longevidade humana e, consequentemente, da população envelhecida, é preciso considerar uma vida com qualidade e autonomia. Para se alcançar qualidade de vida satisfatória no processo de envelhecimento, é necessário que sejam viabilizadas possibilidades capazes de dar suporte para lidar com as questões individuais e sociais das pessoas que envelhecem.11. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico: Brasil 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2013.

2. Frank S, Santos SMA, Asmann A, Alves KL. A avaliação da capacidade funcional: repensando a assistência ao idoso na Saúde Comunitária. Estud Interdiscip Envelhec 2007;11:123-34.
- 33. Stacheski DR, Massi GAA. Índices sociais de valor: mass media, linguagem e envelhecimento. Interface 2011;15(37):425-36. Uma via facilitadora de acesso a tais questões é o trabalho com a linguagem,44. Massi G, Torquato R, Guarinello AC, Berberian AP, Santana AP, Lorenço RCC. Práticas de letramento no processo de envelhecimento. Rev Bras Geriatr Gerontol 2010;13(1):59-72. pois é por meio desta que nos relacionamos com o mundo, com o outro e com nós mesmos.

A linguagem não é um simples veículo de informação, mas um meio de resgate do homem como um ser social, histórico e cultural. De acordo com uma perspectiva que a toma como atividade social e histórica, o sujeito é o autor das transformações sociais. Como atividade intersubjetiva e intrasubjetiva, ela promove a (re)organização contínua da história de cada sujeito, tornando-o autor da vida singular, que está em constituição permanente, a partir da constante relação que estabelece com a palavra do outro.55. Machado MLCA, Berberian AP, Santana AP. Linguagem escrita e subjetividade: implicações do trabalho grupal. Rev CEFAC 2009;11(4):713-19. , 66. De Souza Filho PP, MASSI GAA. A influência da estrutura de um grupo na linguagem escrita de idosos: um estudo de caso. J Soc Bras Fonoaudiol 2011;16(3):350-55.

Dessa forma, merece destaque o papel que a linguagem escrita assume no processo de envelhecimento por dois motivos fundamentais: um, voltado ao número de idosos que o Brasil apresenta na atualidade; o outro, vinculado ao fato de a sociedade atual estar centrada na linguagem escrita.77. Ferraro AR. Escolarização no Brasil: articulando as perspectivas de gênero, raça e classe social. Educ Pesqui 2010;36(2):505-26. , 88. Gamburgo LJL, Monteiro MIB. Singularidades do envelhecimento: reflexões com base em conversas com idosos institucionalizados. Interface Comun Saúde Educ 2009;13(28):31-41.

No Brasil, até a década de 50 do século passado, antes de o país apresentar forte crescimento industrial, a leitura e a escrita eram pouco usadas pela maioria da população. Ler e escrever eram atividades que se resumiam à assinatura de um documento e à elaboração de uma carta.99. Ferraro AR, Oliveira J. Gênero, cor/raça e níveis de letramento em Santa Catarina e Alagoas: um experimento com base em microdados do censo 2000. Perspectiva 2009;27(1):249-71. Essa situação se alterou profundamente. Basta caminhar pelas ruas de uma cidade, lotadas de textos escritos, ou entrar em uma Unidade Básica de Saúde, com vários cartazes pendurados pelas paredes, para verificar que, hoje, quem não tem acesso à linguagem escrita está à margem da estrutura social vigente, a qual privilegia tecnologias da informação e da informatização.

O uso e domínio da leitura e da escrita vêm sendo reconhecidos como "letramento". Esse termo se refere à condição de quem sabe ler e escrever, sendo capaz de responder à intensa demanda social pelo uso amplo e diversificado da leitura e da escrita. É um processo contínuo que insere cada sujeito nas tramas sociais da sua comunidade, na medida em que ele pode ler e compreender informações contidas em diferentes tipos de textos.9 9. Ferraro AR, Oliveira J. Gênero, cor/raça e níveis de letramento em Santa Catarina e Alagoas: um experimento com base em microdados do censo 2000. Perspectiva 2009;27(1):249-71.

Cabe explicitar, contudo, que letramento difere-se de alfabetização, na medida em que esta última é o processo de apropriação de um conjunto de procedimentos necessários a práticas de leitura e de escrita. A alfabetização está relacionada à possibilidade de utilização de instrumentos vinculados a tais práticas, incluindo habilidades motoras para o uso de lápis, de caneta, de teclados de um computador, habilidades para ler e escrever seguindo a direção da escrita em uma página de papel, habilidade para transformar som em letra e vice-versa, bem como para entender a arbitrariedade existente entre eles.44. Massi G, Torquato R, Guarinello AC, Berberian AP, Santana AP, Lorenço RCC. Práticas de letramento no processo de envelhecimento. Rev Bras Geriatr Gerontol 2010;13(1):59-72.

O letramento, diferentemente da alfabetização, é um processo pelo qual o sujeito passa a fazer uso efetivo da tecnologia da escrita, o qual implica sua competência de ler e de escrever para atingir diversos objetivos, tais como interagir com outros, desenvolver e ampliar conhecimentos, informar e informar-se, dar apoio à memória, para comentar, seduzir, encontrar-se com mundos imaginários, produzir e interpretar diferentes gêneros textuais.66. De Souza Filho PP, MASSI GAA. A influência da estrutura de um grupo na linguagem escrita de idosos: um estudo de caso. J Soc Bras Fonoaudiol 2011;16(3):350-55.

De forma tradicional, a escola é tomada como instituição responsável por garantir acesso de seus alunos ao mundo da escrita. Assim, é consensual e amplamente disseminada em nossa sociedade, uma visão que assume que quanto maior o tempo de escolaridade, mais amplas seriam as condições apresentadas pelos sujeitos para ler e escrever diferentes gêneros textuais. Mas é preciso considerar que dados de pesquisas anunciam claramente que não há uma relação direta entre escolarização e letramento.44. Massi G, Torquato R, Guarinello AC, Berberian AP, Santana AP, Lorenço RCC. Práticas de letramento no processo de envelhecimento. Rev Bras Geriatr Gerontol 2010;13(1):59-72. , 66. De Souza Filho PP, MASSI GAA. A influência da estrutura de um grupo na linguagem escrita de idosos: um estudo de caso. J Soc Bras Fonoaudiol 2011;16(3):350-55. , 88. Gamburgo LJL, Monteiro MIB. Singularidades do envelhecimento: reflexões com base em conversas com idosos institucionalizados. Interface Comun Saúde Educ 2009;13(28):31-41. Segundo o Índice Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF), é surpreendente o número de pessoas, entre 15 e 64 anos de idade, que apesar de contarem com curso superior completo, não conseguem ler e compreender textos longos, localizando e relacionando as informações contidas neles e identificando suas fontes.1010. Passamai MPB, Sampaio HAC, Dias AMI, Cabral LA. Letramento funcional em saúde: reflexões e conceitos. Interface Comun Saúde Educ 2012;16(4):301-14. , 1111. Instituto Paulo Montenegro, Ação Educativa. INAF Brasil 2009. Indicador de alfabetismo funcional: principais resultados [Internet]. Instituto Paulo Montenegro: São Paulo; 2009 [acesso em 01 Jun. 2010]. Disponível em: http://www.ipm.org.br/ipmb.
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Atualmente, diversos trabalhos científicos vêm sendo realizados na tentativa de desenvolver melhor compreensão acerca da relação da população idosa com atividades discursivas orais e escritas.88. Gamburgo LJL, Monteiro MIB. Singularidades do envelhecimento: reflexões com base em conversas com idosos institucionalizados. Interface Comun Saúde Educ 2009;13(28):31-41. , 1212. Torquato R, Massi GAA, Santana AP. Envelhecimento e letramento: a leitura e a escrita na perspectiva de pessoas com mais de 60 anos de idade. Psicol Reflex Crítica 2011;24(1):89-98. , 1313. Gamburgo LJL, Monteiro MIB. Envelhecimento e linguagem: algumas reflexões sobre aspectos cognitivos na velhice. Rev Kairós 2007;10(1):35-49. Uma dessas pesquisas, que analisou as condições de letramento de sujeitos com idade superior a 60 anos, revelou que, de forma geral, pessoas idosas apresentam uma relação restrita com a linguagem escrita.44. Massi G, Torquato R, Guarinello AC, Berberian AP, Santana AP, Lorenço RCC. Práticas de letramento no processo de envelhecimento. Rev Bras Geriatr Gerontol 2010;13(1):59-72. Grande parte delas, embora tenha amplo acesso a materiais escritos, não consegue extrair informações explicitamente apresentadas em textos simples, que circulam corriqueiramente em nosso cotidiano.

Ainda conforme essa pesquisa,44. Massi G, Torquato R, Guarinello AC, Berberian AP, Santana AP, Lorenço RCC. Práticas de letramento no processo de envelhecimento. Rev Bras Geriatr Gerontol 2010;13(1):59-72. o Estatuto do Idoso brasileiro, que preconiza que o idoso tem direito à vida, à saúde, à educação, à cidadania, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária, só pode se efetivar na medida em que forem implementadas ações capazes de garantir a promoção de práticas de letramento junto a pessoas em processo de envelhecimento. Sem o desenvolvimento dessas ações, não é possível que a pessoa idosa assuma sua condição de sujeito com direito à saúde, à educação, à cidadania, ao respeito e à convivência social.

Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo analisar as condições de letramento de pessoas com idade mínima de 65 anos, comparando-as entre idosos que têm grau de instrução compatível com nível superior completo e aqueles que não têm.

MÉTODO

O estudo foi realizado na cidade de Curitiba-PR. Os dados foram coletados no período de janeiro a julho de 2011, em grupos de instituições privadas, como associações, clubes, igrejas e casas de repouso, voltados especificamente ao atendimento da população idosa.

Como critério de inclusão dos sujeitos neste estudo, além da idade mínima de 65 anos que fora definida previamente, eles deveriam ser alfabetizados, ou seja, saber como fazer uso de um lápis, de uma caneta, a direção da leitura e da escrita, bem como estabelecer correspondências entre sons e letras. Foram recolhidos 107 questionários que permitiram a seleção de 72 participantes, sendo excluídos da pesquisa sujeitos com problemas de acuidade visual, com doenças cerebrais degenerativas ou com lesões neurológicas relacionadas à linguagem. O foco deste estudo não foi investigar sujeitos com debilidades clínicas como demências e afasias, mas analisar a condição de letramento de idosos com plenas capacidades para compreender e produzir novos conhecimentos por meio da linguagem, na sua modalidade escrita.

Para analisar as condições de letramento desses 72 sujeitos, as ferramentas utilizadas para a coleta de dados foram um questionário e um teste, elaborados e adaptados com base na pesquisa desenvolvida pelo Instituto Paulo Montenegro, responsável pelo desenvolvimento do Índice Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF).1111. Instituto Paulo Montenegro, Ação Educativa. INAF Brasil 2009. Indicador de alfabetismo funcional: principais resultados [Internet]. Instituto Paulo Montenegro: São Paulo; 2009 [acesso em 01 Jun. 2010]. Disponível em: http://www.ipm.org.br/ipmb.
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O questionário buscou caracterizar os sujeitos da pesquisa, abrangendo questões relacionadas a idade, nível de escolarização e renda mensal. Além disso, focou-se em perguntas voltadas às práticas atuais de leitura e de escrita presentes na vida dos sujeitos da pesquisa, considerando os materiais escritos mais lidos e a frequência com que leem esses materiais. Também voltou sua atenção para a noção que os sujeitos têm sobre suas próprias possibilidades e dificuldades para ler e escrever, voltadas a aspectos orgânicos, tais como questões visuais, cognitivas e de motricidade visomotora, bem como a aspectos especificamente relacionados à linguagem escrita, tais como critérios vinculados ao conteúdo e à forma de uma produção textual.

O teste de leitura, com textos de gêneros diversos como cartaz, fábula, notícia publicada em jornal escrito e bilhete, contém algumas questões propostas que exigiam que os sujeitos da pesquisa localizassem informações em textos breves, com estruturas simples, temáticas e vocabulários familiares. Outras questões, vinculadas a textos mais longos, com estruturas mais complexas, exigiram que os sujeitos produzissem inferências para conseguirem compreender o texto. Nesse teste foram usados os textos descritos a seguir, com as respectivas perguntas:

Texto 1: Cartaz

"Você que tem carteira de trabalho assinada há mais de dois anos CERTIFIQUE-SE DE SEUS DIREITOS!!!! Dirija-se a uma agência da Caixa Econômica Federal, até 30 de outubro e verifique seu PIS/PASEP."

Perguntas: 1) "Para quem esse cartaz foi escrito?" 2) "Até quando os trabalhadores devem dirigir-se à Caixa Econômica Federal?"

Texto 2: Fábula

"O burro que vestiu a pele de um leão. Um burro encontrou a pele de um leão que um caçador tinha deixado na floresta. Na mesma hora o burro vestiu a pele e inventou a brincadeira de se esconder numa moita e pular fora sempre que passasse algum animal. Todos fugiam correndo assim que o burro aparecia. O burro estava gostando tanto de ver a bicharada fugir dele correndo que começou a se sentir o rei leão em pessoa e não conseguiu segurar um belo zurro de satisfação. Ouvindo aquilo, uma raposa, que ia fugindo com os outros, parou, virou-se e se aproximou do burro rindo - Se você tivesse ficado quieto, talvez eu também tivesse levado um susto. Mas aquele zurro bobo estragou a brincadeira".

Perguntas: 1) "Por que toda a bicharada saía correndo assim que o burro aparecia?" e 2) "O que levou o burro a soltar um zurro de satisfação?"

Texto 3: Notícia

"Incêndio em depósito na Vila das Torres. Um incêndio destruiu um depósito de material reciclável e duas casas na Vila das Torres, em Curitiba. O fogo começou por volta das 18 horas da segunda-feira. Quatro caminhões do Corpo de Bombeiros trabalharam para conter as chamas. Ninguém se feriu. As causas do incêndio ainda estão sendo apuradas. Instalações elétricas precárias, uso irregular de botijões de gás ou velas perto do material reciclável - e inflamável - estão entre as hipóteses levantadas pelo Corpo de Bombeiros. Gazeta do Povo, 10/08/2005".

Perguntas: 1)"Em que dia e em que hora ocorreu o incêndio?"; 2)"O que destruiu um depósito e duas casas na Vila das Torres?"; 3) "Quais são as causas do incêndio?"

Texto 4: Bilhete

"Marília

Ontem eu fui até sua casa e você não estava. Gostaria de convidar-lhe para uma festinha surpresa. É que minha irmã vai completar 17 anos e a turma vai se reunir sábado, no salão do prédio onde eu moro. Conto com sua presença e habitual alegria! Giovana".

Perguntas: 1)"A irmã de quem estava fazendo aniversário?" e 2) "Marília escreve para Mariana com que objetivo?"

As respostas dadas pelos sujeitos foram consideradas adequadas quando as mesmas eram coerentes com o conteúdo apresentado no texto, ou seja, quando os idosos conseguiam localizar informações explícitas nos textos apresentados. E foram consideradas inadequadas quando se desvinculavam do conteúdo apresentado no texto.

O questionário e o teste foram aplicados aos participantes pelo pesquisador, durante os intervalos das atividades desenvolvidas nas instituições, de acordo com a possibilidade de cada grupo. O tamanho e a fonte da letra em que foi apresentado o material escrito foi Arial tamanho 12. Os participantes eram abordados individualmente e convidados a participar da pesquisa.

O pesquisador leu as perguntas do questionário e transcreveu as respostas que foram elaboradas oralmente por cada participante, de forma a não comprometer a integralidade e fidedignidade das mesmas, visto que no questionário o principal objetivo foi analisar as respostas dadas pelos sujeitos, dependendo apenas da compreensão e retenção de material auditivo de cada sujeito e não a avaliação de leitura. Isso já não acontecia com o teste de leitura, visto que o simples fato de o avaliador ler os textos poderia comprometer o teste. Se o participante não conseguisse ler ou compreender os textos apresentados no teste, as respectivas questões deviam ser deixadas em branco.

As respostas fornecidas ao questionário e teste foram categorizadas e analisadas por meio do software de análise estatística Sphinx (r), o qual permitiu caracterizar os sujeitos da pesquisa e suas condições de letramento, bem como suas práticas atuais de leitura.

Para contabilização e análise dos dados, os sujeitos foram divididos em dois grupos: um relativo aos idosos com nível superior completo de formação e outro grupo de idosos que não contava com essa formação - ou seja, que tinha formação completa ou incompleta no ensino fundamental e/ou médio.

Optou-se pela pesquisa quantitativa, para que o objetivo do trabalho fosse alcançado, com a coleta de dados por meio de um questionário e de um teste de leitura. Nesse sentido, cabe esclarecer que, como estatística inferencial, foi utilizado o software Estatística 7.0, com dois testes de significância, o teste Fisher e o teste qui-quadrado, considerando o nível de significância de 5% (0,05) em todas as análises.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Tuiuti do Paraná, sob protocolo nº 102/2008. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Participaram do estudo 72 idosos com idade média de 73 anos, sendo 22 (30%) com curso superior completo e 50 (69%) com grau de instrução inferior a este.

Com relação à caracterização geral do grupo com nível superior completo, observou-se que 73% eram do gênero feminino e 27% do masculino; no grupo sem nível superior completo, 86% eram do gênero feminino e 13% do masculino. A tabela 1 demonstra a renda mensal dos participantes.

Tabela 1
Comparação da renda mensal por grupos, em salários mínimos. Curitiba-PR, 2011.

Todos os sujeitos do grupo com nível superior afirmavam gostar de ler. Dentre os sujeitos sem nível superior, 93% afirmaram gostar de ler. No grupo com nível superior, 95% relataram não possuir nenhuma dificuldade para ler; 4% afirmaram possuir pouca dificuldade e nenhum deles afirmou ter muita dificuldade quanto à leitura. Entre os sujeitos sem nível superior, 39% disseram possuir pouca ou muita dificuldade quanto à leitura, mostrando maior percepção quanto a suas próprias relações com a linguagem escrita.

Entre os hábitos de leitura citados pelos sujeitos com nível superior, 95% relataram ler livros com diversos conteúdos; 77% referiram ler revistas; 72% mencionaram ler jornais; 27% afirmaram ler outros materiais escritos, mas não especificaram quais seriam esses materiais; e 4% dos sujeitos não responderam a essa questão. Entre os sem nível superior, 8% afirmaram ler livros sobre assuntos variados; 4,86% referiram ler revistas; 4% mencionaram ler jornais; e 10% afirmaram ler outros materiais escritos. A diferença apresentada, em termos percentuais, é representativa entre os dois grupos, visto que os sujeitos com nível superior referiram ter o hábito de ler materiais diversificados em maior quantidade.

No que tange às práticas atuais com a escrita, 68% dos entrevistados com nível superior afirmaram gostar de escrever. A figura 1 mostra que, do total de 59% dos sujeitos com nível superior que afirmaram não apresentar dificuldade em relação à escrita, 27% alegavam ter pouca dificuldade e 9% diziam ter muita dificuldade.

Figura 1
Distribuição das respostas para a questão "Você acha que tem dificuldade de escrever?" Curitiba-PR, 2011.

Dos entrevistados sem nível superior 69% afirmaram gostar de escrever, o que é bem semelhante ao grupo dos idosos com nível superior, e 24% afirmaram não gostar de escrever. A figura 1 mostra que 40% dos componentes deste grupo afirmavam não apresentar dificuldade em relação à escrita, 32% alegavam ter pouca dificuldade e 27% referiram ter muita dificuldade.

Quanto ao teste de leitura envolvendo diferentes gêneros textuais:

  • Texto 1 - Após ler o texto, os sujeitos foram convocados a responder a pergunta "Até quando os trabalhadores devem dirigir-se à Caixa Econômica Federal?". Verificou-se que 59% dos respondentes com ensino superior completo responderam adequadamente a esta questão. É importante destacar, para essa mesma questão, que dentre os idosos sem ensino superior, 60% responderam de forma inadequada ou não a responderam.

  • Texto 2 - Foi perguntado aos respondentes "O que levou o burro a soltar um zurro de satisfação?", sendo que 36% da amostra com mais tempo de escolarização não responderam corretamente a questão. No grupo de idosos sem ensino superior, 49% erraram a resposta.

  • Texto 3 - Os sujeitos foram perguntados: "Em que dia e em que hora ocorreu o incêndio?". Foram obtidos 13% de respostas erradas no grupo de sujeitos com curso superior completo e 22% de erro no grupo de idosos sem ensino superior.

  • Texto 4 - Foram perguntados: "A irmã de quem estava fazendo aniversário?". Houve 40% de respostas erradas entre os sujeitos com formação superior e 46% de respostas erradas no grupo dos idosos sem ensino superior.

Comparando as respostas elaboradas pelos sujeitos idosos, no teste de leitura, verifica-se se há ou não diferenças significativas entre o grupo dos idosos com nível superior e o grupo daquele que não contam com nível superior. Essas comparações estão explicitadas nas tabelas apresentadas na sequência.

Na tabela 2, o resultado no teste qui-quadrado, com p=0,1342, evidencia que na comparação entre os dois grupos, a diferença de suas respostas não é significativa. O que se destaca, portanto, é que tanto os idosos com nível superior como os sem nível superior tiveram dificuldades e responderam inadequadamente a questão do primeiro texto do teste, o qual se apresenta como um cartaz.

Tabela 2
Comparação entre nível de estudo e a resposta da segunda questão do cartaz no teste de leitura. Curitiba-PR, 2011.

Da mesma forma, as tabelas 2 e 3 evidenciam que não há diferenças significativas nas respostas apresentadas pelos dois grupos de sujeitos analisados nesse estudo. Na tabela 3, o resultado no teste qui-quadrado, com p=0,2848, deixa claro que não há diferença significativa nas dificuldades para responder a uma questão relativa ao texto fábula, por parte dos idosos que não contam com ensino superior e aqueles que contam com tal formação.

Tabela 3
Comparação entre nível de estudo e a resposta da segunda questão da fábula no teste de leitura. Curitiba-PR, 2011.

Na tabela 4, o resultado no teste qui-quadrado, com p=0,2659, evidencia que na comparação entre os grupos estudados, a diferença de suas respostas não é significativa. Ou seja, com o resultado do teste, é possível afirmar que tanto os idosos com nível superior como os sem nível superior tiveram proporções iguais de respostas inadequadas para um texto de jornal.

Tabela 4
Comparação entre nível de estudo e a resposta da segunda questão do texto do jornal no teste de leitura. Curitiba-PR, 2011.

Na tabela 5, o resultado no teste qui-quadrado, com p=0,7427, evidencia que na comparação entre os dois grupos, a diferença de suas respostas também não é significativa. Ressalta-se que tanto os idosos com nível superior como os sem nível superior não apresentam diferenças significativas entre suas respostas adequadas e inadequadas para uma questão do bilhete.

Tabela 5
Comparação entre nível de estudo e a resposta da 1ª questão do bilhete no teste de leitura

DISCUSSÃO

A população idosa nacional com 65 anos de idade ou mais está aumentando de forma acelerada1 1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico: Brasil 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2013.e este estudo comprova esta afirmação, pois o grupo pesquisado obteve média de idade de 73 anos. Além disso, é possível perceber a prevalência feminina entre os sujeitos da pesquisa, em concordância com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,11. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico: Brasil 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2013. o qual indica que a população idosa brasileira se constitui predominantemente por mulheres.

Registrou-se que a renda mensal de cada participante com ensino superior é elevada, quando comparada com outra pesquisa,66. De Souza Filho PP, MASSI GAA. A influência da estrutura de um grupo na linguagem escrita de idosos: um estudo de caso. J Soc Bras Fonoaudiol 2011;16(3):350-55. em que 25% dos idosos disseram ter renda de dois salários mínimos ou menos. Além disso, é significativa a diferença na renda salarial entre os sujeitos da pesquisa, o que indica que o tempo de escolarização interfere claramente no rendimento dos idosos. Contudo, conforme discutido anteriormente, o processo de escolarização não é sinônimo de processo de letramento. E por isso, embora tenham maior rendimento, os sujeitos com nível superior não são necessariamente mais eficientes no trabalho que desenvolvem do que aqueles que não têm, ao menos no que se refere a suas possibilidades de fazer uso efetivo da leitura e da escrita, mostrando não haver uma relação direta entre escolarização e letramento, conforme estudos realizados com pessoas com menos de 65 anos de idade.44. Massi G, Torquato R, Guarinello AC, Berberian AP, Santana AP, Lorenço RCC. Práticas de letramento no processo de envelhecimento. Rev Bras Geriatr Gerontol 2010;13(1):59-72. , 66. De Souza Filho PP, MASSI GAA. A influência da estrutura de um grupo na linguagem escrita de idosos: um estudo de caso. J Soc Bras Fonoaudiol 2011;16(3):350-55. , 88. Gamburgo LJL, Monteiro MIB. Singularidades do envelhecimento: reflexões com base em conversas com idosos institucionalizados. Interface Comun Saúde Educ 2009;13(28):31-41.

Cabe ressaltar o fato de 100% dos entrevistados com nível superior afirmarem gostar de ler, e 68,18% gostarem de escrever. Com esses dados, pode-se constatar que eles afirmam gostar mais de ler do que escrever. Contudo, apesar de 95,45% relatarem que não têm dificuldade para ler, nas respostas que deram no teste de leitura, apresentaram problemas de compreensão do material lido. Eles responderem às questões de forma semelhante aos sujeitos da pesquisa que não contam com nível superior. Assim, é possível inferir que a dificuldade apresentada no teste de leitura não é diretamente relacionada ao grau de instrução e, portanto, ao processo de escolarização. Esta dificuldade pode estar relacionada ao processo de letramento, ou seja, às possibilidades e dificuldades de fazer usos da leitura e da escrita de forma ampla e irrestrita.

É importante pontuar que tanto as dificuldades de leitura como as de escrita devem estar associadas, em níveis de intensidade diferenciados, ao processo de letramento. Ou seja, essas dificuldades estão relacionadas às possibilidades e impossibilidades dos sujeitos da pesquisa de, em última análise, fazerem leitura do mundo e de estarem inseridos nas redes de relações sociais. Convém, nesse sentido, ressaltar que várias pesquisas têm apontado para o fato de a rede escolar não estar dando conta de viabilizar efetivamente possibilidades de leitura e escrita capazes de levar seus alunos a se assumirem como cidadãos.1414. Massi GAA, Signor R, Berberian AP, Munhoz CMA, Guarinello AC, Kruger S, et al. A análise de elementos de referenciação em textos produzidos por sujeitos em processo de apropriação da escrita. Distúrb Comun 2009;21(2):1-10. , 1515. Massi GAA, Guarinello AC, Berberian AP, Santana APO, Schemberg S, Souza CHA. Indícios do processo de apropriação da escrita versus sintomas disléxicos. Distúrb Comun 2008; 20(3):327-38.

16. Carthery-Goulart MT, Anghinah R, Areza-Fegyveres R, Bahia VS, Brucki SMDozzi, Damin A, et al . Desempenho de uma população brasileira no teste de alfabetização funcional para adultos na área de saúde. Rev Saúde Pública 2009;43(4):631-38.

17. Keske HI. Práticas sociais da vida cotidiana: o processo comunicacional em perspectiva dialógica. Intexto 2008;2(19):1-15.
- 1818. Organização Pan-Americana da Saúde. Envelhecimento Ativo: uma política de saúde. Brasília: OPAS; 2005.

Ainda no que se refere ao teste de leitura aplicado aos idosos participantes do estudo, é significativo o fato de 40% dos sujeitos com nível superior não conseguirem identificar uma informação explicitamente apresentada em um cartaz, mostrando-se incapazes de responder à primeira questão do teste de leitura. Tal situação se repete nas respostas dadas por esse mesmo grupo à segunda questão, que teve 40,91% de respostas incorretas.

São números que não deixam dúvidas quanto à restrita condição de letramento dos idosos com nível superior. Ou seja, um gênero escrito e frequentemente disposto em espaços sociais diversos não foi lido, de forma adequada, por parcela significativa de idosos com nível elevado de escolarização, na medida em que essa parcela não identificou informações explícitas no cartaz.

Além disso, a análise dos dados permite afirmar que há uma visão contraditória por parte desses sujeitos no que se refere à relação que eles têm com a linguagem escrita. Ao responderem ao questionário, eles afirmaram, em sua maioria, não apresentar dificuldades para ler um texto, mas ao responderem às questões do teste, demonstraram não conseguir compreender o conteúdo explicitado em um cartaz. Em outras palavras, são analfabetos funcionais.

Essa constatação está em conformidade com pesquisa apresentada pelo INAF,1111. Instituto Paulo Montenegro, Ação Educativa. INAF Brasil 2009. Indicador de alfabetismo funcional: principais resultados [Internet]. Instituto Paulo Montenegro: São Paulo; 2009 [acesso em 01 Jun. 2010]. Disponível em: http://www.ipm.org.br/ipmb.
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mas voltada a pessoas com menos de 65 anos de idade. De acordo com o INAF, a maioria dos brasileiros entre 14 e 65 anos de idade apresenta dificuldades para compreender o conteúdo de textos após a leitura dos mesmos. E a presente pesquisa constata que brasileiros curitibanos idosos, os quais fizeram parte da amostra investigada, também apresentam dificuldades relativas à compreensão de textos que leem.

Após a leitura da fábula, os idosos foram convocados a responder a duas perguntas, cujas respostas estavam explícitas no texto. Para a primeira, 22,72% dos sujeitos com nível superior responderam de forma inadequada ou não responderam. Já em resposta à segunda pergunta, sobre o que levou o burro a soltar um zurro de satisfação, 36,35% dos sujeitos com nível superior responderam de forma inadequada ou deixaram a questão sem resposta. A maioria dos idosos participantes da pesquisa, ou seja 70,47% deles, soube responder às questões da fábula, mas ainda é significativo o número de sujeitos que não conseguiu elaborar respostas condizentes com a pergunta ou que a deixou em branco, alcançando uma média de 29,53% de erros e falta de respostas para as duas perguntas realizadas, para o total de participantes.

Ambas as perguntas exigiam do leitor apenas a possibilidade de localizar informações que apareciam explicitamente no texto, sendo esse dado de grande relevância. Quase 30% da população pesquisada com nível superior e 50% dos sujeitos sem esse nível de formação apresentam problemas para compreender o que leem. São dados que denunciam as condições restritas de letramento dos sujeitos investigados e que estão de acordo com estudos feitos com a população brasileira que não é considerada idosa.1111. Instituto Paulo Montenegro, Ação Educativa. INAF Brasil 2009. Indicador de alfabetismo funcional: principais resultados [Internet]. Instituto Paulo Montenegro: São Paulo; 2009 [acesso em 01 Jun. 2010]. Disponível em: http://www.ipm.org.br/ipmb.
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No que se refere ao gênero "notícia", os sujeitos tinham que responder a perguntas após a leitura de um texto jornalístico. Com uma média de 73,08% de respostas corretas dos idosos com nível superior, 11,33% de pessoas não responderam às questões e 15,58% não conseguiram fazer inferência em um nível mais complexo para identificar uma informação implícita no texto. Destaca-se o número expressivo de respostas corretas, as quais evidenciam maior facilidade de leitura e compreensão do gênero em questão, o que ocorre da mesma forma com os idosos sem nível superior.

Após a leitura do gênero "bilhete", que envolvia habilidade, por parte do leitor, de encontrar uma informação explícita no texto a partir do reconhecimento da organização formal de um bilhete, os sujeitos da pesquisa foram solicitados a responder a perguntas sobre o texto. Entre o grupo de entrevistados com formação superior, 60,60% responderam de forma adequada; 30,29% deixaram as respostas em branco; e 9,10% responderam de forma inadequada.

A maioria soube responder às questões, mas há que se considerar que praticamente 40% dos idosos não responderam às questões ou responderam inadequadamente - número bem próximo ao apresentado pelos sujeitos sem nível superior, com 42,66% de respostas em branco ou inadequadas. Isso mostra a dificuldade que há, por parte dos dois grupos, em localizar uma informação em um texto breve, que nesse caso se configura como um gênero textual reconhecido como bilhete. Nesse sentido, é possível afirmar que os idosos que participaram da pesquisa mostram condições restritas de letramento, independentemente de seus níveis de escolarização.

Convém esclarecer que cartazes, bilhetes, notícias e fábulas são gêneros textuais presentes nos diversos espaços sociais. Mas os sujeitos idosos da pesquisa demonstram ter dificuldade para extrair o conteúdo básico dos materiais que leem, com exceção da notícia de jornal.

A diferença entre um grupo e o outro indica que os idosos com mais tempo de estudo possuem mais confiança quanto a suas possibilidades de leitura. Contudo, na prática, isso não se confirma. Eles, igualmente aos participantes com menos anos de escolaridade, não apresentam bom aproveitamento no teste de leitura. Está claro que houve dificuldades na compreensão das perguntas por parte de ambos os grupos de idosos.

Os resultados apresentados revelam que não há diferença significativa entre o grupo de sujeitos idosos com nível superior e o grupo de idosos que não tem esse nível de formação, no que se refere ao desempenho que apresentaram no teste de leitura. Ou seja, ambos os grupos apresentaram dificuldades para ler e compreender o que haviam lido em um cartaz, um bilhete, uma fábula e uma notícia.

Portanto, neste estudo, foi possível constatar que em todos os gêneros textuais, tanto os idosos com nível superior como os sem nível superior apresentaram dificuldades proporcionais e sem diferenças significativas para responder às perguntas que lhes foram dirigidas. Assim, é possível refletir sobre uma posição que vincula a velhice a declínios biológicos e cognitivos, independentemente de questões sociais relacionadas ao processo de envelhecimento, conforme apontado pela Organização Pan-Americana da Saúde.1616. Carthery-Goulart MT, Anghinah R, Areza-Fegyveres R, Bahia VS, Brucki SMDozzi, Damin A, et al . Desempenho de uma população brasileira no teste de alfabetização funcional para adultos na área de saúde. Rev Saúde Pública 2009;43(4):631-38. , 1717. Keske HI. Práticas sociais da vida cotidiana: o processo comunicacional em perspectiva dialógica. Intexto 2008;2(19):1-15.

É inquestionável o fato de a idade avançada ser acompanhada por dificuldades físicas.1818. Organização Pan-Americana da Saúde. Envelhecimento Ativo: uma política de saúde. Brasília: OPAS; 2005. Mas o sujeito que envelhece, com suas possibilidades e dificuldades, não pode ser considerado de forma distanciada da realidade social em que vive. Os dados desta pesquisa mostram que os sujeitos idosos apresentam limitações no uso que fazem da leitura e da escrita, não por questões biológicas vinculadas a problemas de acuidade visual ou neurológicas. Suas limitações referem-se a um processo de letramento que não deu conta de viabilizar-lhes o uso efetivo da leitura e da escrita.

Não é possível tomar as condições restritas de letramento dos sujeitos com mais de 65 anos de idade que compuseram o presente estudo, independentemente do fato de apenas 26% da população brasileira entre 15 e 64 anos de idade mostrar-se plenamente letrada, sendo capaz de ler e compreender textos, localizar e relacionar as suas partes.1111. Instituto Paulo Montenegro, Ação Educativa. INAF Brasil 2009. Indicador de alfabetismo funcional: principais resultados [Internet]. Instituto Paulo Montenegro: São Paulo; 2009 [acesso em 01 Jun. 2010]. Disponível em: http://www.ipm.org.br/ipmb.
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Como visto nos dados desta pesquisa, os idosos que participaram do estudo ainda não se apropriaram da leitura e da escrita, de forma a fazer uso delas em diversas situações sociais. Eles dão à leitura grande importância, mas não a utilizam de forma eficaz, apresentando a falsa percepção de suas próprias possibilidades como leitores. Embora dominem a tecnologia da leitura e da escrita e, portanto, sejam alfabetizados, não percebem ou, ao menos não admitem que não conseguem compreender o que está exposto em textos escritos.

Fica claro que questões como nível e anos de escolaridade não têm garantido a efetivação do processo de letramento dos idosos investigados, pois eles mostram que não conseguem ler e compreender textos simples. Assim, é possível apontar a necessidade de desenvolver atividades junto a esses sujeitos que lhes garantam estabelecer relações com a leitura e com a escrita, a partir de estratégias capazes de articular a modalidade escrita da linguagem com conteúdos vivenciais que compõem o cotidiano de tais idosos.

Tendo em vista que há uma escassez de estudos focados no letramento de brasileiros com mais de 65 anos de idade, a presente pesquisa deve ser aprofundada, buscando ampliar o número de sujeitos participantes, incluindo diversas regiões do país, aprimorando a metodologia usada com recursos que garantam a contabilização de um maior registro de dados.

Ainda no que se refere à metodologia do estudo, os sujeitos foram selecionados a partir de critérios observacionais dos pesquisadores - um psicólogo e duas fonoaudiólogas - quanto ao fato de tais sujeitos não apresentarem doenças cerebrais degenerativas, demências ou lesões neurológicas relacionadas à linguagem. De qualquer forma, sugere-se que futuras pesquisas sejam realizadas com o mesmo objetivo apresentado nesta, contando com exames detalhados de oftalmologistas, neurologistas e fonoaudiólogos.

CONCLUSÃO

Para finalizar, cabe explicitar a necessidade de mais estudos estarem focados no processo de letramento da população brasileira que está envelhecendo. Tais estudos são necessários para contribuir com a sociedade, em suas diversas organizações, no sentido de garantir a implementação de ações voltadas à promoção de práticas de letramento junto a pessoas com mais de 65 anos de idade. Sem isso, não há como sujeitos idosos assumirem deveres e cobrarem seus direitos de cidadãos, conforme explicitado nas políticas públicas voltadas a essa parcela da população.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2013
  • Revisado
    04 Dez 2013
  • Aceito
    13 Mar 2014
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