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Medida de independência funcional nas atividades de vida diária em idosos com seqüelas de acidente vascular encefálico no Complexo Gerontológico Sagrada Família de Goiânia

Functional independence measure in daily life activities in elderly with encephalic vascular accident sequels in the Sagrada Família Gerontologic Complex of Goiania

Resumo

O acidente vascular encefálico (AVE) é uma das maiores causas de seqüelas permanentes que geram a incapacidade funcional. O objetivo deste estudo foi avaliar, por meio da Medida de Independência Funcional (MIF), as atividades de vida diária em idosos com AVE. Para isto, 14 idosos com seqüela de AVE do Complexo Gerontológico Sagrada Família de Goiânia foram avaliados por meio da MIF. A MIF é um instrumento que avalia a capacidade funcional e cognitiva em relação a seis dimensões: autocuidados, controle de esfíncteres, transferências, locomoção, comunicação e cognição social. Os resultados para o domínio motor foram 43,0±0,8, para domínio cognitivo, 17,0±1,3, e a MIF total, 60,0±0,9. Os resultados demonstraram que 57,1% dos indivíduos com seqüela de AVE apresentaram dependência modificada – assistência de até 50%, e 21,4% dependência modificada – assistência de até 25% e 21,4% de independência completa. Pode-se concluir que a maioria dos idosos possui dependência significativa para a realização das AVDs, resultante de uma baixa performance funcional. Desta forma, esses idosos necessitam de acompanhamento e orientações direcionadas que possibilitem uma maior independência.

Palavras-chave:
idoso; acidente cerebrovascular; idoso débil; avaliação; Goiânia

Abstract

The encephalic vascular accident (EVA) is one of the greatest causes of permanent sequels that generate functional disability. This study aims to evaluate daily life activities of elderly with EVA through the Functional Independence Measurement (FIM). So the 14 elderly people with EVA sequel of the Gerontologic Complex Sagrada Família of Goiânia were evaluated through the FIM. FIM is an instrument that assesses the functional and cognitive capacity concerning six dimensions: self-care, sphincters control, transfers, locomotion, communication and social cognition. The result for motor control was 43, cognitive control was 17, and total MIF was 60. The results show that 57.1% presented modified dependence - assistance up to 50%, 21.4% had modified dependence - assistance up to 25% and 21.4%, complete independence. It is possible to conclude that the majority of the elderly have significant dependence for daily life activities, as consequence of low functional performance. In that way, those elderly require follow-up and directed orientations to allow a greater independence.

Key words:
aged; cerebrovascular accident; frail elderly; evaluation; Goiânia city

INTRODUÇÃO

No Brasil, a expectativa de vida aumentou consideravelmente nos últimos 30 anos.11. Keller I, Makipaa A, Kalenscher T, Kalache A. Global Survey on Geriatrics in the Medical Curriculum. Geneva, World Health Organization [on line] 2002; [cited 2007 Jun 27] [59 p]. Available from: URL: http://www.who.int/ageing/publications/alc_tegeme_survey.pdf
http://www.who.int/ageing/publications/a...
Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2000. [acesso 2004 set. 1] Disponível em: URL: http/www.ibge.gov.br
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em 2025 a população idosa será 15 vezes maior e no futuro o Brasil poderá representar a sexta população de idosos do mundo. Desta forma, tem-se modificado o perfil das morbi-mortalidades, e as doenças crônico-degenerativas ocupam lugar de destaque.33. Costa EFA, Porto CC, Almeida JC, Cipullo JP, Martin JFV. Semiologia do Idoso. In: Porto CC. Semiologia Médica. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2001, p.165-97.

Os idosos estão predispostos a ter pelo menos algum bloqueio do suprimento sangüíneo arterial no cérebro, e este déficit de suprimento desencadeia os acidentes vasculares encefálicos (AVE).44. André C. Manual do AVC. 2ªed. Rio de Janeiro: Revinter; 2006.

Segundo André,44. André C. Manual do AVC. 2ªed. Rio de Janeiro: Revinter; 2006. o AVE é um déficit neurológico focal súbito, devido a uma lesão vascular. Essas lesões podem ser causadas por distúrbios de coagulação e hemodinâmicos, mesmo que não haja alterações detectáveis nas veias ou artérias.

O AVE é a segunda causa de morte mundial, anualmente mais de 20 milhões de indivíduos são acometidos por esta patologia, 5 milhões destes vão a óbito55. Lessa I. Epidemiologia das doenças cerebrovasculares no Brasil. Revista SOCESP 1999; 9(4): 509-18.. No Brasil, é a principal causa de morte com exceção do Estado de São Paulo e outras três capitais.55. Lessa I. Epidemiologia das doenças cerebrovasculares no Brasil. Revista SOCESP 1999; 9(4): 509-18.

A incidência do AVE aumenta com a idade e dobra a cada década de vida após os 55 anos.66. O' Sullivan SB, Schmitz TJ. Fisioterapia: avaliação e tratamento. 3a ed. Rio de Janeiro (RJ): Manole; 2004.

Estudos epidemiológicos relatam que os principais fatores de riscos são classificados em fatores de risco não-modificáveis, como a idade, o sexo, a raça e a história familiar, e os fatores de risco modificáveis, como a hipertensão arterial, a história de ataques isquêmicos transitórios (AIT), a estenose significativa da artéria carótida, a fibrilação atrial de início recente, a obesidade, o diabetes, o uso de contraceptivos principalmente associado ao fumo, o abuso de álcool, a inatividade física, entre outros.77. Chaves MLF. Acidente vascular encefálico: conceituação e fatores de risco / Stroke: definition and risk factors. Revista Brasileira de Hipertensão 2000; 7(4): 372-82.

O AVE pode ser classificado como isquêmico ou hemorrágico. Os resultados neurológicos decorrentes do AVE são determinados pela área cerebral afetada, pela causa do AVE, extensão da lesão e as funções das áreas lesadas.66. O' Sullivan SB, Schmitz TJ. Fisioterapia: avaliação e tratamento. 3a ed. Rio de Janeiro (RJ): Manole; 2004. Esta patologia é a principal causa de incapacidades neurológicas em adultos. Acomete a função das extremidades dos membros, controle motor, equilíbrio, força e mobilidade.88. Pereira S, Coelho FB, Barros H. Acidente vascular cerebral: hospitalização, mortalidade e prognóstico. Acta Med Port 2004; 17: 187-92.

Após a ocorrência do AVE, freqüentemente o indivíduo apresenta paralisia parcial ou total de um hemicorpo (hemiparesia ou hemiplegia), rebaixamento do nível de consciência, demência, cefaléias, disfunção proprioceptiva decorrente de distúrbios do campo visual, dificuldade em deambular, tonteira ou desequilíbrio, disfunção sensorial, distúrbios da fala e da linguagem, disfagia, disfunção intestinal, vesical, entre outros.44. André C. Manual do AVC. 2ªed. Rio de Janeiro: Revinter; 2006.

O declínio da função cognitiva e a incapacidade motora são as complicações mais freqüentes e temidas após a ocorrência do AVE.99. Kakihara CT, Neves CG. Avaliação do grau de funcionalidade de pacientes que sofreram acidente vascular encefálico antes e após intervenção fisioterapêutica no solo e na hidroterapia. Fisioterapia Brasil 2005; 5(5): 332-6.

A recuperação da hemiplegia ocorre em uma seqüência estereotipada de episódios, que se inicia com breve período de flacidez, durante os primeiros estágios do AVE, que posteriormente poderá ser substituída pelo desenvolvimento da espasticidade, hiper-reflexia e padrões de movimentos em massa, conhecidos como sinergismos. Tanto os efeitos da espasticidade como da flacidez levam a incapacidade do indivíduo em estabilizar adequadamente as articulações proximais e o tronco, tendo como resultado o desalinhamento postural. Ainda ocorrerão as ataxias, os padrões sinergísticos anormais, os padrões primitivos de movimento e os movimentos involuntários. Assim como os distúrbios sensitivos, sendo o mais grave a negligência do hemicorpo paralisado (somatoagnosia).44. André C. Manual do AVC. 2ªed. Rio de Janeiro: Revinter; 2006.

A assimetria corporal e o desequilíbrio postural poderão interferir na capacidade do indivíduo com seqüela de AVE executar as atividades de vida diária (AVD's), tais como vestir-se, alimentar-se, mudar de posição, andar, alcançar objetos, tomar banho, toalete e mobilidade dentro de casa; tarefas de rotina, necessárias para sobreviver.99. Kakihara CT, Neves CG. Avaliação do grau de funcionalidade de pacientes que sofreram acidente vascular encefálico antes e após intervenção fisioterapêutica no solo e na hidroterapia. Fisioterapia Brasil 2005; 5(5): 332-6. O quanto mais precoce iniciar o processo de reabilitação, melhor será o prognóstico, menor a dependência e os custos com os cuidadores.1010. Yamashita LF, Fukujima MM, Granitoff N, Prado GF. Paciente com acidente vascular encefálico já é atendido com mais rapidez no Hospital de São Paulo. Revista Neuro-Psiquiátrica 2004; 62(1): 103-7.

Com base nos estudos anteriores, avaliar as dificuldades dos idosos com seqüela de AVE auxiliará no planejamento terapêutico adequado otimizará a reabilitação e a readaptação do indivíduo para realização das atividades de vida diária, repercutindo na melhoria da qualidade de vida.

Desta forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar, por meio da Medida de Independência Funcional (MIF), o desempenho dos idosos com seqüela de acidente vascular encefálico nas atividades de vida diária e posteriormente verificar os níveis de dependência ou independência predominante.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal e descritivo. O estudo foi realizado no Complexo Gerontológico Sagrada Família de Goiânia. É uma instituição filantrópica administrada pela Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), que visa à obra social de proteção à velhice desamparada. A entidade abriga atualmente 62 idosos, destes 22,6% possuem história de acidente vascular encefálico.

Foram avaliados 14 idosos, sendo dez do sexo masculino e quatro do sexo feminino. Os participantes inclusos na pesquisa foram idosos com idade igual e superior a 60 anos, residentes do Complexo Gerontológico Sagrada Família e portadores de seqüela de acidente vascular encefálico, na fase espástica.

A coleta dos dados foi feita por meio de entrevista com observação do desempenho do indivíduo durante a realização das tarefas do instrumento de Medida de Independência Funcional (MIF). A MIF foi escolhida por ser uma medida que atende a critérios de confiabilidade, validade, precisão, praticidade e facilidade. Além disso, têm como meta determinar quais os cuidados necessários a serem prestados para que o paciente realize as AVDs. A escala foi desenvolvida e organizada com o objetivo de mensurar o grau de solicitação de cuidados de terceiros que o paciente portador de deficiência exige para a realização de tarefas motoras e cognitivas.1111. Riberto M, Miyazaki MH, Filho DJ, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiátrica 2001; 8(1): 45-52.

A MIF faz parte do Sistema Uniforme de Dados para Reabilitação Médica (SUDRM), sendo amplamente utilizada e aceita como medida de avaliação funcional internacionalmente.1212. Ottenbacher KJ, Hsu Y, Granger CV, Fiedler RC. The reliability of the Functional Independence Measure: a quantitative review. Arch Phys Med Rehabil 1996; 77: 1226-32. No Brasil, a MIF teve sua tradução e reprodutibilidade da versão em 2001 por Riberto et al.1111. Riberto M, Miyazaki MH, Filho DJ, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiátrica 2001; 8(1): 45-52. e apresenta boa confiabilidade para o escore total da MIF e para as dimensões. Sua natureza é multidimensional, e pode ser utilizada para trazer resultados quanto ao tratamento, como forma de planejamento terapêutico, dentre outros.1111. Riberto M, Miyazaki MH, Filho DJ, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiátrica 2001; 8(1): 45-52.

A revisão da literatura aponta que a MIF é utilizada principalmente em lesões neurológicas (como os acidentes vasculares cerebrais e lesões medulares) e também pode ser utilizada em crianças.1212. Ottenbacher KJ, Hsu Y, Granger CV, Fiedler RC. The reliability of the Functional Independence Measure: a quantitative review. Arch Phys Med Rehabil 1996; 77: 1226-32. A forma de se obter informações deriva da observação do desempenho do paciente, e/ou nas informações fornecidas pelo paciente/familiar/acompanhantes/equipe. Tem como vantagem o fato de não compreender somente as atividades motoras, mas também os aspectos cognitivos e capacidade de comunicação.1111. Riberto M, Miyazaki MH, Filho DJ, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiátrica 2001; 8(1): 45-52.

A escala avalia 18 categorias pontuadas de um a sete e classificadas quanto ao nível de dependência para a realização da tarefa. As categorias são agrupadas em seis dimensões: autocuidados (alimentação, higiene pessoal, banho, vestir metade superior, vestir metade inferior, utilização do vaso sanitário), controle de esfíncteres (controle da diurese e defecação), transferências (leito, cadeira, cadeira de rodas, vaso sanitário, banheiro, chuveiro), locomoção (marcha, cadeira de rodas, escadas), comunicação (compreensão, expressão) e cognição social (interação social, resolução de problemas, memória). Cada dimensão é analisada pela soma de suas categorias referentes; quanto menor a pontuação, maior é o grau de dependência. Somando-se os pontos das dimensões da MIF, obtém-se um escore total mínimo de 18 e o máximo de 126 pontos, que caracterizam os níveis de dependência pelos subescores.1111. Riberto M, Miyazaki MH, Filho DJ, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiátrica 2001; 8(1): 45-52.

A pontuação de cada categoria varia de um a sete (1 – 7), de acordo com o grau de dependência: 7– independência completa; 6- independência modificada; 5- supervisão; 4- ajuda mínima (indivíduo realiza >=75% da tarefa); 3- Ajuda moderada (indivíduo realiza >=50% da tarefa); 2- Ajuda máxima (indivíduo realiza >=25% da tarefa), 1- Ajuda total. A MIF total pode ser dividida em quatro subescores, de acordo com a pontuação total obtida: a) 18 pontos: dependência completa (assistência total); b) 19 – 60 pontos: dependência modificada (assistência de até 50% da tarefa); c) 61 – 103 pontos: dependência modificada (assistência de até 25% da tarefa); d) 104 – 126 pontos: independência completa / modificada.1111. Riberto M, Miyazaki MH, Filho DJ, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiátrica 2001; 8(1): 45-52.

A Escala MIF é dividida em dois domínios, o motor e o cognitivo. 1) Motor: comer, aprontar-se, banho, vestir parte superior do corpo, vestir parte inferior do corpo, vaso sanitário, controle de bexiga, controle de intestino, transferência da cama para a cadeira de rodas, transferência da cadeira de rodas para o vaso sanitário, transferências no banheiro e chuveiro, marcha/cadeira de rodas, escadas; 2) Cognitivo: compreensão, expressão, integração social, resolução de problemas, memória.1111. Riberto M, Miyazaki MH, Filho DJ, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiátrica 2001; 8(1): 45-52.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Católica de Goiás, por estar de acordo com a Resolução CNS n° 196/96,1313. Resolução n°196/96. Normas de pesquisa envolvendo seres humanos, Bioética [periódico on-line] 2006 [acesso 2006] 4 (Suppl): 15-25. Disponível em: URL: http://www.portalmedico.org.br/revista/ind2sv4.htm.
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segundo todos os preceitos éticos exigidos. Este trabalho não acarretou nenhum risco, dano ou malefício para os indivíduos avaliados.

A apresentação estatística se deve unicamente à descrição das médias em porcentagens e desvio padrão do desempenho dos idosos com seqüela de acidente vascular encefálico nas atividades de vida diária e os níveis de dependência ou independência predominante.

RESULTADOS

Para este trabalho foram avaliados 14 idosos com seqüelas de AVE, com idade média de idade de 75 anos.

A pontuação média das 18 categorias da MIF está apresentada e agrupada em 6 dimensões na Tabela 1. A maior pontuação foi para a categoria alimentação e a menor para a categoria resolução de problemas. A pontuação da MIF total, que compreende o domínio motor e cognitivo, foi de 60 (Tabela 2).

Tabela 1
Pontuação média de cada uma das categorias da MIF agrupadas em dimensões
Tabela 2
Pontuação média dos domínios motor e cognitivo da MIF

As maiores pontuações médias em relação à dimensão foram para comunicação e locomoção, as menores para controle de esfíncteres, cognição e autocuidado (Tabela 3).

Tabela 3
Médias de pontuação quanto às dimensões da MIF e seu escore total

Foi verificado que os idosos com seqüela de AVE apresentam dependência em todas as dimensões (Tabela 4). Segundo a pontuação, a maioria destes é portadora de dependência modificada, necessitando de assistência de até 50%.

Tabela 4
Classificação do nível de independência dos idosos por meio dos sub-escores da MIF

DISCUSSÃO

O acidente vascular encefálico causa a incapacidade em aproximadamente 5 milhões de pessoas por ano.1414. Oliveira RMC. Acidente Vascular Cerebral isquêmico com efeito em massa. Revista de Neurociências 2000; 8(3): p.86-92.

No atual estudo, a média de idade dos idosos com seqüela de acidente vascular encefálico foi de 75 anos. Segundo Cruz,1515. Cruz KCT. Avaliação da capacidade funcional e da qualidade de vida de indivíduos com acidente vascular encefálico com idade maior ou igual à 55 anos. [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2004. os indivíduos acometidos por AVE e que apresentam idade igual ou superior a 55 anos apresentam dificuldade de autonomia e de independência, redução na capacidade funcional, e estes fatores associados repercutem no agravo da qualidade de vida.

A avaliação da capacidade funcional está relacionada aos aspectos práticos das atividades de cuidado pessoal e do grau de manutenção da capacidade para o desempenho das atividades básicas e mais complexas do cotidiano.1616. Ricci NA, Kubota MT, Cordeiro RC. Concordância de observações sobre a capacidade funcional de idosos em assistência domiciliar. Rev Saúde Pública 2005; 39(54): 655-62. O desempenho funcional do idoso é importante preditor de saúde. Um dos recursos utilizados para verificar os níveis de independência ou dependência dos idosos para realizar as tarefas do cotidiano é por meio da Medida de Independência Funcional (MIF).1717. Guimarães LHCT, Galdino DCA, Martins FLM, Abreu SR, Lima M, Vitorino DFM. Avaliação da capacidade funcional de idosos em tratamento fisioterapêutico. Revista de Neurociências [serie online] [2004 jul-set]; 12 (3). Disponível em: URL:http://www.unifesp.br/dneuro/neurociencias/vol123/capacid_funcional.htm.
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Após utilizar a MIF para avaliar os idosos com seqüelas de AVE, foi verificado que as maiores médias de pontuação foram para as dimensões comunicação e locomoção (Tabela 3).

A dimensão comunicação se refere a três categorias, que são compreensão, expressão e interação social (Tabela 1). Desta forma, a categoria de maior pontuação foi a compreensão, demonstrando que esses idosos com seqüelas de AVE necessitam de ajuda mínima para compreender as conversações acerca das atividades de vida diária (25% a 10% de ajuda). Já na interação social, os idosos necessitam de orientação para lidar com suas próprias necessidades, em conjunto com as necessidades dos outros em 25% a 50% do tempo (Tabela 1).

Na dimensão locomoção, isto é, andar a partir de pé ou utilizar cadeira de rodas, os avaliados necessitam de assistência com contado mínimo, desta forma, realizam com esforço próprio 75% da locomoção para andar um mínimo 50 metros. Entretanto, na categoria escadas, segundo a pontuação obtida, estes necessitam da ajuda de uma pessoa que executa de 25 a 49% do trabalho para subir e descer de 4 a 6 degraus (Tabela 1).

As médias de menor pontuação com relação às dimensões foram para cognição social e controle de esfíncteres.

O controle de esfíncteres envolve as categorias controle de diurese e defecção (Tabela 1). Os avaliados utilizam fraldas e apresentam apenas 25 a 49% do controle vesical, semelhante aos resultados observados por Maciel.1818. Maciel AC. Incontinência Urinária. In: Freitas EV et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2002. p.635-44. Além disso, segundo o autor, quando essa patologia atinge os idosos, outros fatores podem estar envolvidos, como por exemplo: a integridade anatômica do trato urinário inferior, os mecanismos fisiológicos envolvidos na estocagem e na eliminação da urina, assim como a capacidade cognitiva, a mobilidade, a destreza manual e a motivação para ir ao toalete. Ainda descreve que a restrição da mobilidade limita o acesso do indivíduo ao banheiro, predispondo-o à incontinência.

Com relação à defecação, os avaliados realizam 50 a 74% das tarefas de controle de defecção, não sendo observados outros trabalhos que avaliam idosos nas mesmas condições.

Na dimensão cognição social, a pontuação também foi baixa, demonstrando que os idosos necessitam de outra pessoa para resolver os problemas de rotina, no que se refere às resoluções de problemas sociais, financeiros e pessoais. Provavelmente este resultado ocorreu devido à baixa pontuação obtida também no domínio motor (43%). Os idosos têm dificuldade em mais de 75% das vezes, para resolver problemas como: verificar uma conta, auto-administrar medicamentos, confrontar problemas interpessoais e lidar com as situações não planejadas ou ocasionais, como pedir auxílio apropriado durante uma transferência, desabotoar uma camisa após tentar vesti-la, dentre outras.

Steen et al.1919. Steen G, Sonn U, Hanson AB, Steen B. Cognitive Function and Functional Ability. A cross-sectional and Longitudinal Study at Ages 85 and 95 in Non-demented Population. Aging 2001; 13 Suppl 2: 68-77. relatam que a maioria dos idosos entre 85 e 95 anos que apresentam déficit cognitivo são dependentes para a realização das atividades de vida diária (AVDs). Ainda relatam que tanto o funcionamento cognitivo como a mobilidade são preditores independentes para a dependência nas AVDs em idosos nesta faixa etária.

Na literatura atual não foram encontrados trabalhos que relacionassem as interferências do declínio cognitivo no desempenho das AVDs em idosos institucionalizados.

Outra dimensão com baixa pontuação foi autocuidado (Tabela 3), principalmente nas categorias higiene pessoal, banho, vestir metade superior e inferior (Tabela 1), nas quais os idosos necessitam de ajuda em 51% a 75% das vezes, para pentear os cabelos, lavar as mãos e face, fazer a barba ou maquiar-se, assim como tomar banho e vestir a parte superior e inferior. Entretanto, a categoria alimentação foi a maior, demonstrando que estes idosos necessitam da supervisão, como: auxílio na colocação de órteses e na preparação dos alimentos, cortar a carne. Mas conseguem levar os alimentos à boca, mastigar e engolir a refeição já preparada.

Na maioria das categorias da MIF, a pontuação foi menor que quatro (Tabela 1), representando que os idosos avaliados têm alta dependência para executar as atividades. Os idosos que têm dependência para sete ou mais categorias para realizar as atividades de vida diária, apresentam três vezes mais risco de morte do que os idosos independentes. Contudo, a dependência nas AVDs é um fator que pode ser mutável com prevenção e reabilitação.2020. Ramos LR, Simões EJ, Albert MS. Dependence in activities of daily living and cognitive impairment strongly predicted mortality in older urban residents in Brazil: a 2- years follow-up. J Am Geriatr Soc 2001; 49: 1168-75.

Os idosos (57,1%) apresentaram dependência modificada na maioria das tarefas exigidas (Tabela 4), e realiza até 50% da tarefa, sendo necessária outra pessoa para supervisão ou ajuda física para que a tarefa seja executada.

Da mesma forma, Rosa et al.2121. Rosa TEC, Benício MHD, Latorre MRDO, Ramos LR. Fatores determinantes da capacidade funcional entre idosos. Rev Saúde Pública 2003; 37: 40-8. relatam que idosos com aproximadamente 75 anos apresentam maior grau de dependência, classificada como moderada/grave, sendo aproximadamente 36 vezes maior que em idosos com 70 anos. Além disso, Silva2222. Silva F. Ischaemic Stroke – Current aspects concerning prevention: We need to act. Medicina Interna 2004; 11(2): 99-108. relata que o risco para o desenvolvimento da incapacidade funcional aumenta quando o indivíduo com seqüela de AVE, além de idoso, é institucionalizado.

Além disso, estudos realizados por Ricci et al.,1616. Ricci NA, Kubota MT, Cordeiro RC. Concordância de observações sobre a capacidade funcional de idosos em assistência domiciliar. Rev Saúde Pública 2005; 39(54): 655-62. após utilizarem a MIF para avaliar a capacidade funcional de idosos em assistência domiciliar com comorbidades variáveis, observaram que a pontuação não ultrapassou quatro, semelhante aos dados do atual trabalho. Ainda no trabalho de Ricci et.al.,1616. Ricci NA, Kubota MT, Cordeiro RC. Concordância de observações sobre a capacidade funcional de idosos em assistência domiciliar. Rev Saúde Pública 2005; 39(54): 655-62. a categoria com menor média de pontuação foi “escadas”, diferentemente do estudo em questão, que foi resolução de problemas. Possivelmente as diferenças entre os estudos é a presença da patologia específica, que no atual trabalho é o AVE.

Cordeiro et al.,2323. Cordeiro RC, Dias RC, Dias JMD, Perracini M, Ramos LR. Concordância entre observadores de um protocolo de avaliação fisioterapêutica em idosas institucionalizadas. Revista de fisioterapia da Universidade de SaÞo Paulo 2002; 9: 69-77. por meio da MIF, verificaram que 84% dos idosos institucionalizados foram classificados com independência modificada/completa. Semelhantemente ao estudo realizado por Rigolin2424. Rigolin, Vos. Avaliação clínico-funcional de idosos hospitalizados [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 2001., que analisou que 44,3% dos idosos hospitalizados apresentam independência modificada/completa. Entretanto, nestes trabalhos os idosos não tinham seqüela de AVE.

A manutenção da capacidade funcional dos idosos, dentro da individualidade e especificidade de cada situação, constitui uma das funções mais relevantes dos profissionais de saúde, familiares e cuidadores. A avaliação funcional dos idosos torna-se, então, essencial para se estabelecer um diagnóstico, um prognóstico e um julgamento clínico adequado que servirão de alicerce para as decisões sobre os tratamentos e cuidados necessários.1717. Guimarães LHCT, Galdino DCA, Martins FLM, Abreu SR, Lima M, Vitorino DFM. Avaliação da capacidade funcional de idosos em tratamento fisioterapêutico. Revista de Neurociências [serie online] [2004 jul-set]; 12 (3). Disponível em: URL:http://www.unifesp.br/dneuro/neurociencias/vol123/capacid_funcional.htm.
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Em relação ao instrumento utilizado, outros estudos referentes ao tema em discussão relatam que a MIF é um instrumento de validade e confiabilidade, assim como a reprodutibilidade das medidas encontradas são confiáveis, mesmo para diferentes formas de observação, tornando a utilização das informações mais seguras, seja por fonte direta ou mesmo indireta.1616. Ricci NA, Kubota MT, Cordeiro RC. Concordância de observações sobre a capacidade funcional de idosos em assistência domiciliar. Rev Saúde Pública 2005; 39(54): 655-62.,2525. Kawasaki K, Cruz KCT, Diogo MJD. A utilização da Medida de Independência Funcional (MIF) em idosos: uma revisão bibliográfica. Revista Medicina de Reabilitação 2004; 23(3): 57-60.

De acordo com a classificação do nível de independência (Tabela 4), os idosos são dependentes e necessitam de cuidados especiais, principalmente no que se refere ao controle de esfíncter, cognição social e autocuidados (Tabela 1). Sugere-se que sejam implementadas estratégias para superar estas deficiências com enfoque interdisciplinar, como fisioterapia nas especialidades de uroginecologia (para melhora do controle de esfíncters) e neurologia, para aumentar a força muscular, equilíbrio, coordenação que contribuirá para aumento do desempenho das habilidades de autocuidado. E, da mesma forma, nas áreas de medicina, enfermagem, terapia ocupacional, psicologia, serviço social, para acompanhamento clínico, cuidados de higiene e dejeções, treino de AVDs e estímulo à cognição social, por meio de atividades que possibilitem a interação dos idosos com a sociedade e suas necessidades.

CONCLUSÃO

Os idosos com seqüelas de acidente vascular encefálico apresentam dependência em todas as dimensões estudadas, resultantes de uma baixa performance funcional e cognitiva. A maioria dos idosos é portadora de dependência modificada e necessita de assistência para realizar as atividades de vida diária de até 50%. De acordo com a MIF, a maior dependência foram nas dimensões autocuidados, controle de esfíncteres e cognição social, e menor dependência para as dimensões comunicação e locomoção. Considerando-se os resultados obtidos mediante a MIF, pode-se sugerir que o instrumento utilizado foi adequado às necessidades da população deste estudo. Além disso, sugere-se que sejam realizados novos estudos, com maior número de idosos institucionalizados portadores de seqüela de AVE, com o objetivo de comprovar o grau de dependência destes para realizar as AVDs. E ainda, que sejam realizados estudos aplicando-se o mesmo instrumento em idosos não-institucionalizados, com o objetivo tanto de identificar, como comparar o grau de dependência de idosos portadores de seqüelas de AVE em diferentes ambientes.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2008

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2007
  • Aceito
    26 Set 2007
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