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Dossiês da ditadura militar sobre José Marques de Melo como revivais temáticos e abonadores biográficos

Dossiers de dictadura militar sobre José Marques de Melo como avivamientos temáticos y acreditadores biográficos

Resumo

O artigo tem por base a documentação do Serviço Nacional de Informações (SNI) sobre o professor José Marques de Melo guardada no Arquivo Nacional. A partir de prontuários e dossiês encontrados no Banco de Dados Memórias Reveladas, mencionando o fundador da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e emérito estudioso, pesquisador e teórico das áreas do Jornalismo e Comunicação, é possível fazer a reconstituição temática durante o período da ditadura militar (1964-1985) e conceber como elegia e abonador biográficos ser prontuariado pela comunidade de informações.

Palavras-chave
Dossiês; Ditadura Militar; Revival temático; Abonador biográfico; José Marques de Melo

Resumen

El artículo se basa en la documentación del Servicio Nacional de Información (SNI) sobre el profesor José Marques de Melo almacenada en los Archivos Nacionales. A partir de los registros y los dossiers encontrados en la base de datos Memorias reveladas, que mencionan al fundador de la Sociedad Brasileña de Estudios de Comunicación Interdisciplinaria (Intercom) y erudito emérito, investigador y teórico de las áreas de Periodismo y Comunicación, es posible realizar la reconstitución temática durante el período de la dictadura militar (1964-1985) y concebir cómo elegía y patrocinador biográfico ser registrado por la comunidad de información.

Palabras clave
Dossiers; Dictadura militar; Avivamiento temátic; Acreditación biográfica; José Marques de Melo

Abstract

The paper is based on the National Information Service (SNI) documentation about Professor José Marques de Melo stored in the National Archives. From records and dossiers found in the Database Memories Revealed, mentioning the founder of the Brazilian Society of Interdisciplinary Communication Studies (Intercom) and emeritus scholar, researcher and theorist of the areas of Journalism and Communication, it is possible to make the thematic reconstitution during the period of the military dictatorship (1964-1985) and to conceive how it elected biographical sponsors to be recorded by the informations community.

Keywords
Dossiers.; Military dictatorship; Thematic Revival; Biographical sponsor; José Marques de Melo

Introdução

A Escola Superior de Guerra (ESG) e as entidades Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e Instituto Brasileiro de Ação Democrática (o complexo IPES/IBAD) foram a matriz e vanguarda do golpe militar de 1964. Pensada nos moldes do National War College, unidade militar responsável pela formação da elite do oficialato das forças armadas dos Estados Unidos, a ESG foi criada em 1949 predisposta a apregoar a doutrina de segurança nacional concebida pelos colegas norte-americanos, alicerçada no combate ao comunismo. O dueto IPES/IBAD se responsabilizaria pela ação político-ideológica voltada a desestabilizar governos reformistas e progressistas associados à esquerda. O IBAD centrado nas atividades político-partidárias, financiando campanhas e candidaturas aos Executivo e Legislativo, e o IPES direcionado à formação de uma intelectualidade orgânica para o movimento e na cooptação ideológica da opinião pública.

O núcleo diretivo da ESG, e futuro estado-maior do Golpe, integrava o IPES, instituto lançado em 1962 e composto pelos Grupo de Assessoria Parlamentar – para municiar o IBAD; Grupo de Opinião Pública – divulgação midiática; Grupo de Publicação – produção editorial; Grupo de Estudo e Doutrina – produção ideológica; e o Grupo de Levantamento da Conjuntura (DREIFUSS, 1981DREIFUSS, R. A. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981.). Este último acessava o material dos setores de informação do Exército das zonas militares no país e produzia uma circular bimestral entregue aos associados – militares, empresários, banqueiros, proprietários rurais, empresas, entidades e sindicatos patronais – sobre as atividades de quem – indivíduos, entidades, organizações e movimentos – consideravam comunistas ou simpatizantes. Todo este acervo, comportando 400 mil fichários, foi incorporado ao Serviço Nacional de Informações (SNI), quando da sua criação em junho de 1964, e em 2005, por decreto presidencial, a documentação sobrevivente do centro de espionagem do regime militar, sob custódia da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), foi encaminhada ao Arquivo Nacional.

Em pesquisa no Arquivo Nacional a respeito do Ato Institucional Nº 5 (AI-5) e respectivas sequelas por cassações dos direitos políticos, banimentos e perseguições nos meios acadêmico e científico, deparamos no Fundo SNI com dossiês e prontuários sobre o professor José Marques de Melo, fundador da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e emérito estudioso, pesquisador e teórico das áreas do Jornalismo e da Comunicação, falecido em junho de 2018. Percebeu-se ter em mãos material expressivo, nos sentidos quantitativo e qualitativo, exemplificador de uma trajetória intelectual e profissional caracterizada pela coerência de princípios e proposições teóricas e ilustrativo das temáticas, reflexões, discussões e inquietações da Comunicação e Jornalismo nos anos 1970 e 1980 e ainda candentes no atual horizonte déjà vu do momento político-ideológico brasileiro, além do resgate histórico e conceitual da própria Intercom, razões pelas quais derivou o achado documental para o presente estudo.

Procedimentos de coleta e filtro da documentação

O acervo no Arquivo Nacional da ditadura militar armazena, em 43 fundos documentais, próximo a 16,5 milhões de páginas de texto (ISHAQ; FRANCO, 2008ISHAQ, V.; FRANCO, P. Os acervos dos órgãos federais de segurança e informações do regime militar no Arquivo Nacional. Acervo: revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, jul./dez. 2008.) da documentação do Conselho de Segurança Nacional (CSN), da Comissão Geral de Investigações (CGI) e, a maior parte, do Sistema Nacional de Informações e Contrainformação (SISNI), formado pelo SNI – ao qual se integravam as comunidades de informação dos ministérios militares (Centro de Informações do Exército – CIE; Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica – CISA; e o Centro de Informações da Marinha – CENIMAR), as comunidades setoriais de informações dos ministérios civis (as Divisões de Segurança e Informações – DSIs ministeriais; e Assessorias de Segurança e Informações – ASIs, nas estatais, autarquias e fundações), e as Secretarias Estaduais de Segurança Pública – SESPs e os respectivos Departamentos Estaduais de Ordem Política e Social – DEOPS e Divisões Municipais de Polícia – DMPs – e pelo Departamento de Polícia Federal (DPF), subordinado ao Ministério da Justiça.

Na pesquisa livre pelo Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN) ao banco de dados do portal Memórias Reveladas – centro de referência de informações da repressão política no período ditatorial, composto por uma rede nacional de informações contendo acervos provenientes de 80 entidades públicas e privadas, dentre elas arquivos históricos municipais e estaduais, bibliotecas, centros de documentação de fundações, sindicatos, tribunais e universidades – encontramos 137 registros do nome do professor José Marques de Melo, envolvendo episódios monitorados pela comunidade de informações, como no processo interno na Universidade de São Paulo (USP) por uso em sala de aula de material considerado subversivo, organização e participação em congressos e diretorias de entidades científicas vigiados pelo governo militar, palestras e entrevistas, relação de amizade ou proximidade com pessoas investigadas ou presas por subversão.

Especificando por fundos documentais, havia [porque pelo volume da documentação mencionada ocorrem seguidas atualizações] 96 dossiês do SNI, um da DSI do Ministério das Minas e Energia, um da Comissão Nacional da Verdade (CNVCOMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório: volume II: Textos temáticos. Brasília, dezembro, 2014.), dois da Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Federal, seis da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, nove do CISA, dois da DSI do Ministério da Justiça, um da ASI da Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebras), um da Delegacia de Ordem Política e Social de Goiás (DOPS/GO), dois da ASI da Universidade de Brasília (UnB), um da DSI do Ministério das Relações Exteriores e 15 da Delegacia de Ordem Política e Social de Pernambuco (DOPS/PE). Excetuados o processo administrativo envolvendo o professor Luiz Beltrão (ASI/UnB), a reprodução do livro O controle ideológico na USP (fundo CNV), os processos da Comissão Geral de Investigação Sumária da Prefeitura Municipal do Recife e os fragmentos do Inquérito Policial Militar da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em 1964 (fundo DOPS/PE), todos os demais documentos dos outros fundos encontram-se no Fundo SNI.

Havendo então 113 dossiês a filtrar, foram desconsiderados aqueles com homônimos, menções em índices remissivos, documentos repetidos, o inquérito do professor Luiz Beltrão – por haver a citação do nome de Marques de Melo en passant – e o documento da Comissão Nacional da Verdade. Restaram 69 dossiês com 88 documentos. Com base na premissa de avaliar o material sob os prismas da retomada temática da época e elegia biográfica, a documentação foi dividida em dois grupos – Revival Temático (subdividido em Entidades Científicas; Entidades Religiosas e Comunicação; Comunicação, Jornalismo e Ensino; e Intercom) e Elegia Biográfica –, a seguir especificados:

Revival temático

Elegia biográfica

O modus operandi do SISNI para a formulação e circulação dos dossiês e prontuários foi sistematizado no “Manual de Operações de Informações” da Escola Nacional de Informações (EsNI) – instituição criada em 1971, para aperfeiçoamento dos civis e militares das áreas da informação, e subordinada ao chefe do SNI – e no “Manual Básico” da Escola Superior de Guerra. O primeiro detalha os procedimentos de coleta e busca das informações. A fase da coleta consiste na consulta a arquivos da comunidade de informações ou outras fontes de fácil acesso, como registros e fichas funcionais. A etapa da busca é subdividida em ostensiva, acompanhando eventos como congressos, simpósios, assembleias e reuniões de classe, e sigilosa, correspondendo à vigilância individual e aquisição de documentos sigilosos protegidos. Inquéritos e IPMs, por exemplo.

O circuito da informação, detalhado no manual da ESG, compreendia a interseção entre a espionagem e a política governamental. Trabalho conjunto e circular. O planejamento condicionava o processamento da informação. Na etapa do aproveitamento do material, havia a necessidade da retroalimentação dos dados para a fase seguinte, a da orientação das políticas ensejadas no Conceito Estratégico Nacional, e dos órgãos de planejamento saía a demanda dos órgãos de informações, resultando em novas buscas e coletas (ESCOLA SUPERIOR..., 1975ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual básico: Departamento de Estudos: MB-75. Rio de Janeiro: ESG, 1975., p. 497-498). A realimentação contínua dos documentos também era uma questão de sobrevivência: “‘Alimentar’ permanentemente o sistema de informações com novos dados sobre velhos casos era uma forma de evidenciar a necessidade dos órgãos de informações, que assim mostravam-se atentos à evolução dos problemas” (FICO, 2001FICO, C. Como eles agiam: os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. São Paulo: Record, 2001., p. 104).

Revival temático

Nos primeiros anos do regime militar, foram instaurados 5 mil Inquéritos Policiais Militares (IPMs) para apurar atos de subversão em todo o país. Envolveram 40 mil pessoas. Em um deles, o IPM do Partido Comunista Brasileiro, 889 pessoas depuseram na condição de indiciadas. As investigações sumárias conduzidas pelos militares poderiam ser direcionadas a instâncias administrativas específicas – IPMs em ministérios, departamentos, institutos, superintendências, universidades, faculdades, entidades científicas, estudantis e sindicais, empresas –, generalistas, como o IPM da Imprensa Comunista, e conceituais, como o IPM da História Nova do Brasil, sobre a ideia da releitura histórica crítica proposta na coleção de livros homônima lançada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em janeiro de 1964. O cerco aos opositores da ditadura centrava nos polos tidos pelos militares como focos subversivos naturais, como entidades e meios acadêmicos, científicos, culturais, estudantis, midiáticos e religiosos.

Em avaliação da conjuntura brasileira relacionada à segurança interna, realizada pelo Conselho de Segurança Nacional em julho de 1968, artistas, intelectuais, cientistas, acadêmicos, estudantes, eclesiásticos e mídia retornariam à pauta da subversão. A imprensa, acometida por significativa infiltração subversiva, ao invés de enaltecer, critica e desmoraliza o militarismo e dá voz aos cassados e exilados. O clero progressista, escudado em encíclicas papais e no Concílio Vaticano II, assume demandas dos segmentos populares e apregoa reformas sociais. Intelectuais e artistas tomam a frente nas manifestações de rua (como na Passeata dos Cem Mil), incitando à contestação generalizada. A classe estudantil universitária e secundarista visaria o enfrentamento do governo e a tomada do poder, respaldada pela omissão, conivência e consentimento de reitores, diretores e docentes.

Específica à comunidade acadêmica, a Comissão Nacional da Verdade contabilizaria 800 a mil pesquisadores atingidos nos 21 anos do regime militar, incluindo o levantamento do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICTCIÊNCIA na ditadura – projeto do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Disponível em: http://site.mast.br/ciencia_na_ditadura/index.html.
http://site.mast.br/ciencia_na_ditadura/...
) de 471 cientistas afligidos no período por IPMs, prisões, exílios, assassinatos, desaparecimentos, aposentadorias compulsórias e expurgos como nos emblemáticos casos da Universidade de Brasília, Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da demissão e cassação dos direitos políticos de dez cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, em 1970, no episódio conhecido como “Massacre de Manguinhos”.

Entidades científicas, religiosas e comunicacionais sob a ótica da comunidade de informações

A documentação pesquisada ilustra a mencionada inquietação do regime militar com as instâncias científica, religiosa, comunicacional e acadêmica. A contestação às políticas educacionais do regime, como, por exemplo, a Reforma Universitária implementada em 1968 com a assessoria técnica da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e sem consulta a entidades acadêmicas e estudantis, proviria do meio acadêmico. Citando o caso da USP e nominando os departamentos de Ciências Sociais Aplicadas, Geografia, Ciências Sociais, História, Filosofia, Letras e da Escola de Comunicações e Artes, células de subversão intelectual, valendo-se da autonomia didática, promoveriam o proselitismo político na sala de aula, conquistando a simpatia dos alunos e direcionando pesquisas e trabalhos por meio da doutrina e literatura marxista-leninistas.

A 28ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em 1976, seria classificada como conclave da agitação estudantil e conluio preparatório à rebeldia por cientistas e intelectuais agitadores. Respaldava-se a agência central do SNI das palestras do sociólogo Florestan Fernandes (“A Sociologia no Brasil: tendências e condições em seu desenvolvimento recente”) e do historiador Sérgio Buarque de Holanda (“Estudos Históricos no Brasil”) denunciando o sufocamento das pesquisas desde 1964, principalmente na área da Ciência Política, a submissão do trabalho científico aos interesses das empresas norte-americanas, os expurgos universitários, o terrorismo cultural e a marginalização científica e defendendo a anistia aos presos políticos, a reintegração dos docentes cassados e demitidos e os términos do atestado de ideologia para ingresso no serviço público e da triagem ideológica para o exercício da docência.

A Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), entidade formada para acompanhar o cumprimento da carreira de pesquisador científico criada pelo Governo do Estado de São Paulo em 1975, seria enquadrada como socialista por se predispor a popularizar o conhecimento científico e conscientizar leigos da necessidade da justiça social. Similar ajuizamento sofreriam as moções da 1ª Conferência Brasileira de Educação pela extinção das disciplinas de Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Estudo de Problemas Brasileiros (EPB), desmantelamento das ASIs e DSIs das autarquias, universidades e ministérios, apoio à greve dos metalúrgicos do ABC paulista e repúdio às intervenções nos sindicatos.

Embora parte expressiva da cúpula do episcopado católico tivesse apoiado a destituição do presidente João Goulart, participando das Marchas da Família com Deus pela Liberdade e subscrevendo o novo governo em carta da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicada em maio de 1964, a Igreja Católica brasileira enveredaria pelo caminho da oposição à ditadura a partir do alinhamento às questões sociais e populares priorizadas pelo Concílio Vaticano II, encerrado em 1965, e à “opção pelos pobres” definida na 2ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, reunida em 1968 em Medellín, Colômbia.

Representada pela militância social das Juventudes Universitária e Estudantil Católicas, Comunidades Eclesiais de Base (CEBS), Pastorais da Terra e Operária da CNBB, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Comissões de Justiça e Paz das arquidioceses e o Comitê de Defesa dos Direitos Humanos para Países do Cone Sul (CLAMOR), a instituição religiosa passaria a se envolver com o problema agrário – invasão das terras indígenas e a concentração fundiária: os 13% dos latifúndios donos de 80% das terras, sobrando 13% para os 71% dos minifúndios (COMBLIN, 1978COMBLIN, J. A Ideologia da Segurança Nacional: o poder militar na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978., p. 93) –, desigualdade de renda – 56% dos assalariados brasileiros recebendo até um salário mínimo e 19%, no máximo dois (ALVES, 1989ALVES, M, H. M. Estado e oposição no Brasil: 1964 a 1984. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 1989.) – e desrespeito aos direitos humanos – compilado no trabalho realizado desde 1979 pela Arquidiocese de São PauloARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: nunca mais. Petrópolis: Vozes, 2011. (Coleção Vozes de Bolso). e o Conselho Mundial de Igrejas e publicado em 1985 na obra Brasil: Nunca Mais.

O caso paradigmático do atravessamento comunidade acadêmica-ciência-religião-comunicação-comunidade de informação seria o XI Congresso Brasileiro de Comunicação Social, em 1982, promovido pela União Cristã Brasileira de Comunicação Social (UCBC) e com apoio da CNBB, Igreja Evangélica Luterana do Brasil, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UnescoUNESCO. Um mundo e muitas vozes: comunicação e informação na nossa época. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1983.) e Anistia Internacional. Nos eventos anteriores, a UCBC abordara como temas centrais Comunicação Social e Educação (1970), Comunicação Regional e Cultura Popular (1972), Comunicação Popular e Região no Brasil (1974), Incomunicação Social (1975), Comunicação de Massa e Descaracterização da Cultura Brasileira (1976), Comunicação e Participação dos Pequenos Grupos (1977), Comunicação e Consciência Crítica (1978), Comunicação e Ideologia (1979), Comunicação e Cultura Popular (1980) e Comunicação, Juventude e Participação (1981).

Para o 11º encontro, a entidade criada em 1969 para desenvolver a comunicação na perspectiva ecumênica definiu Direitos Humanos como temática central, convidando cassados, exilados e banidos pelo regime militar recém-anistiados – como o líder comunista Luís Carlos Prestes, o jornalista Flávio Tavares e o sociólogo Herbert José de Souza –, expoentes da Teologia da Libertação – freis Betto e Leonardo Boff e o bispo do Araguaia, d. Pedro Casaldáliga – e os representantes da Anistia Internacional na América Latina para mesas-redondas e palestras. Presidida pelo arcebispo metropolitano de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns – o coordenador dos levantamentos de tortura, mortes e desaparecimentos políticos, cujo trabalho embasaria as publicações Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964 e Brasil: Nunca Mais –, na mesa de abertura do congresso uma cadeira vazia com a tarjeta de identificação “Desaparecidos”.

O congresso na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com quatro conferências, 19 mesas de discussão, 39 painéis, 60 debatedores, 250 expositores e 2.500 participantes, mobilizou equipes do SNI, DOPS e, por conta própria, a “Operação Olho Vivo” do II Exército, interessado em acompanhar as denúncias de tortura e morte nas dependências das seções paulistas do Destacamento de Operações e Informações e do Centro de Operação de Defesa Interna (DOI-CODI), a ele subordinados. Em relatório os agentes militares concluiriam ter o encontro reunido a nata subversiva da comunicação e do clero para propor reformulações econômica, social e política nos moldes socialistas e a implementação da nova ordem da comunicação baseada na expropriação dos meios de comunicação ratificadora da opção preferencial pelos despossuídos.

Comunicação, Jornalismo e Intercom

A aludida nova ordem comunicacional dizia respeito à Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação (NOMIC), proposta elaborada pela Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação instituída em 1976 na 19ª Conferência Geral da Unesco e condensada na obra Voix multiples, un seul monde, publicada em 1980. Propunha dirimir os desequilíbrios e desigualdades operacionados pelo modelo de dominação dos conglomerados midiáticos, enaltecer a identidade nacional, denunciar o arbítrio da violação da liberdade de imprensa sob a justificativa espúria do atentado à segurança nacional, demandar pela ordem política democrática como princípio do acesso à informação e instituir a defesa de todos os direitos humanos, individuais e coletivos, como tarefa vital para os meios de comunicação.

A NOMIC pautou as discussões na Comunicação nos anos 1980. Foi debatida no Seminário Latino-Americano sobre Igreja e a Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação, evento preparatório para o XI Congresso da UCBC, direcionou o tema central – Políticas Nacionais de Comunicação e o Ensino da Comunicação na América Latina – e foi tese – A posição possível ante uma nova ordem da informação e da comunicação – no IV Encontro Latino-Americano de Faculdades de Comunicação Social - VII Congresso da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicação (Abepec) e I Assembleia Ordinária da Federación Latinoamericana de Facultades de Comunicación Social (Felafacs), em 1983, e a referência do tema principal Comunicação para o Desenvolvimento e as mesas temáticas “Construindo uma nova ordem da Comunicação: papel das políticas nacionais de comunicação e informação” e “A Pesquisa em Comunicação nos anos 80: temáticas hegemônicas e emergentes”, no IX Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Intercom, realizado em 1986.

Em memorando distribuído em 1984 às sucursais pelo gabinete do ministro-chefe do SNI, a NOMIC seria considerada um projeto de inspiração comunista implementado pela Unesco com propósito do controle mundial dos meios de comunicação, a serviço da ideologia marxista. Enquadrar-se-ia nas ramificações do Movimento Comunista Internacional. Movimento esse representado oficialmente no Brasil pelo PCB, célula soviética infiltrada em organizações e entidades sindicais, estudantis, religiosas, sociais, culturais e literárias, como Fórum de Debates de Questões Sindicais e Populares; Centro de Memória Cultural, Movimento Pacifista Brasileiro; Associação Internacional contra a Tortura; Movimento pela Constituinte; Arquivo Histórico do Movimento Operário Brasileiro; Instituto Paranaense de Pesquisa e, no campo acadêmico, a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Figura 1).

Figura 1
Intercom: organização de frente do PCB

Intercom, cujo fundador e diretor era o professor José Marques de Melo (Figura 2), pertencente à Organização Internacional de Jornalistas, – integrada à frente comunista internacional – sócio-fundador da esquerdista Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicação (Abepec) – concebida durante a IV Semana de Estudos de Jornalismo, realizada em 1972 na ECA –, envolvido no trabalho de conscientização nas atividades subversivas do Centro de Pastoral Vergueiro – subordinado à Arquidiocese de São Paulo e apoiador dos movimentos sociais na periferia da capital paulista – e contemplado com prontuários individuais pela comunidade de informações em episódios a seguir detalhados.

Figura 2
JMM: atividades subversivas

Elegia biográfica

José Marques de Melo, concomitante aos cursos de Direito, frequentado pela manhã na Universidade Federal de Pernambuco, e Jornalismo, à noite, na Universidade Católica de Pernambuco, ingressou na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste em 1962. Em seguida, foi requisitado pelo governador Miguel Arraes – deposto do cargo pelo golpe militar, preso e cassado no Ato Institucional nº 1, baixado em 9 de abril de 1964 – para trabalhar na chefia de gabinete da Secretaria de Estado dos Negócios de Educação e Cultura, aproximando-se do Movimento de Cultura Popular (MCP), entidade presente na lista do IPES dos movimentos subversivos. As passagens pela Sudene e governo Arraes, mais a militância no movimento estudantil e subscrições em manifestos publicados na imprensa, determinariam as primeiras indexações do nome de Marques de Melo em informes da comunidade de informações.

Constaria em vários prontuários da Comissão Geral de Investigação Sumária da Prefeitura Municipal do Recife como estudante universitário signatário do “Manifesto ao Povo”, publicado em outubro de 1962 no Jornal do Commercio, prestando solidariedade à nação cubana, naquele momento de tensão por causa da possibilidade da irrupção da guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética em razão dos mísseis balísticos russos instalados em Cuba. O texto cobrava do governo brasileiro a posição pela paz mundial, não intervenção e repúdio à ameaça de invasão norte-americana na ilha caribenha para destituir Fidel Castro. Em depoimento em agosto de 1964, por indiciado de integrar a seção pernambucana do Partido Comunista Brasileiro, seria citado como secretário de organização da base do PCB no meio universitário.

Diante da Comissão Especial de Inquérito na Secretaria de Estado da Educação e Cultura (Figura 3), formada pelos militares para averiguar a pasta durante o governo Miguel Arraes e as ligações com o Movimento de Cultura Popular, Marques de Melo rechaçaria a pecha de “vermelhos”, atribuída ao grupo de assessores do gabinete do secretário Germano Coelho (um dos fundadores e primeiro presidente do MCP, criado em 1960 na primeira gestão de Arraes na prefeitura do Recife), do qual ele fez parte no período de fevereiro a outubro de 1963. Ressaltando ainda ser cedo para uma decisão político-ideológica aos 21 anos de idade, se definiria como democrata e também pacifista, razão do apoio ao “Manifesto ao Povo”1 1 Declaração indireta encontrada na página 58 do “Processo de Investigação Sumária na Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Cultura do município do Recife” - Fundo DOPS/PE – BR_PEAPEJE_DPE_PRT_FUN_0_00793_d0001de0001.pdf. .

Figura 3
Inquérito na Secretaria da Educação
Figura 4
Potenciais subversivos na Sudene

No Inquérito Policial Militar da Sudene, finalizado em outubro de 1964, José Marques de Melo, na época assistente administrativo no setor de divulgação e editoração lotado na Assessoria Técnica, apareceria na “Relação dos servidores da Sudene ou de sociedade de economia mista em que a Sudene detém a maioria de capital com direito a voto e sobre os quais pesam indícios de haverem praticado atos contrários ao regime democrático” (Figura 4). Porém, seria enquadrado no grupo dos funcionários suspeitos de contragosto à “revolução”, o denominado Grupo B, dos “Servidores que, embora existam contra os mesmos fortes indícios de criminalidade, deixaram de ser penalmente enquadrados, por falta de maior volume de provas hábeis”, livrando-se do Grupo A, “Servidores que estão criminalmente enquadrados neste IPM”2 2 Relações citadas constam nas páginas 77 a 79 do dossiê “Posse na Sudene” - Fundo DOPS/PE - BR_PEAPEJE_DPE_PRT_FUN_0_08376_d0001de0001.pdf. .

Acossado no trabalho, Marques de Melo transfere-se para São Paulo. Em 1966, chegava à capital paulista, onde, após tentativas em impressos, enveredou para a docência. Foi contratado para lecionar Teoria e Pesquisa da Comunicação na Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e ser instrutor na disciplina Introdução ao Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo. Na condição de diretor do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA e organizador da II Semana de Estudos de Jornalismo, o convite enviado ao ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, para palestrar no evento cujo tema era “Censura e Liberdade de Imprensa” ficou incubado na ASI da universidade. Dois anos depois, em 1972, o professor José Marques de Melo ganharia prontuário próprio no SISNI em função do lançamento da 2ª edição da apostila “Técnica do Lead”, utilizada em aula e à venda na Loja de Textos da ECA.

O folheto de 20 páginas, montado e adotado em 1968, com tiragem de 500 exemplares e destinado a alunos do “Jornalismo Informativo” e “Jornalismo Empresarial”, continha os capítulos Redação do Lead, Tipos de Lead e Valorização do ângulo principal do Lead, exemplificados na maior parte com base nas matérias derivadas do assassinato do estudante Edson Luís Lima Souto no restaurante estudantil Calabouço, no centro do Rio de Janeiro (Figura 6), centelha das manifestações estudantis contra o regime militar durante todo o ano de 1968, e em adaptações hipotéticas desagradáveis, como chamar de ditadura o governo Costa e Silva (Figura 5), atribuir a morte do estudante ao DOPS (Figura 8) e aventar o assassinato do antigo aliado e artífice civil do golpe de 1964, o ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda, articulador do movimento pela redemocratização Frente Ampla cassado e preso pelo AI-5 (Figura 7).

Figura 5
Derrubar a ditadura
Figura 6
Plena aprovação do presidente
Figura 7
Carlos Lacerda assassinado
Figura 8
Policiais do DOPS metralhamestudante

A reedição do material rendeu ao autor processo sumário instaurado a pedido do reitor Miguel Reale – ideólogo e um dos fundadores em 1932 da organização fascista Ação Integralista Brasileira (AIB) –, a fim de enquadramento no Decreto-Lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, relativo a infrações disciplinares praticadas em estabelecimentos do ensino público ou particular. A comissão da USP, presidida pelo ex-reitor da Universidade de Brasília no período 1965-1967 e diretor da Faculdade de Educação da USP Laerte Ramos de Carvalho, acionou o DOPS e a agência paulista do SNI por dados do inquirido e colheu depoimentos do diretor da ECA, de nove professores e da secretária do departamento. Todos os depoentes enfatizaram desconhecer por parte do acusado posicionamento de natureza político-ideológica e ressaltaram a dedicação ao departamento criado em 1968, o empenho em tornar referência nacional o curso de Jornalismo e a ponderação e caráter moderador em situações conflitantes, a ponto de se indispor com alunos predispostos a atitudes de enfrentamento direto ao governo militar em publicações e eventos promovidos nas dependências da unidade.

A comissão, entretanto, desconsiderou as falas dos colegas do acusado e no relatório final propôs a pena da dispensa e impedimento do exercício da docência por cinco anos em qualquer estabelecimento de ensino no país, por haver o réu infringido os incisos IV (Conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza) e VI (Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública) do artigo 1º (Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que...) do decreto-lei nº 477. O diretor da ECA, Antonio Guimarães Ferri (prontuariado na sequência do episódio), se contraporia à comissão e pediria a decisão absolutória no caso, proposta homologada em setembro pelo ministro da Justiça, Jarbas Passarinho. Expirada em abril de 1974 a renovação por três anos do contrato para regente da cadeira de Técnica e Prática de Jornal e Periódicos, a reitoria da USP, pressionada pelo Comando do II Exército, demitiria Marques de Melo em outubro.

Passados três anos do episódio do livreto sobre técnicas do lead e nem 12 meses da dispensa da USP, Marques de Melo retornaria na mira da espionagem. A direção do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero demitira nove professores por indisciplina e insubordinação no final das férias de julho de 1975. Dentre eles, um sócio-fundador e diretor da ultradireitista Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) e quatro fundadores e articulistas da revista tradicionalista Hora Presente, lançada em 1968 para apontar os desvios da doutrina católica deturpada pela Igreja progressista e cujo colaborador era o integralista, proponente e mentor do AI-5 e ex-ministro da Justiça (1969-1974) Alfredo Buzaid. Motivo para a contrariedade da comunidade de informações e a distribuição, por parte da DSI do Ministério da Justiça, do informe “Infiltração comunista e subversiva na Faculdade de Comunicação Casper Líbero/São Paulo”, no qual constaria o nome de José Marques de Melo:

Assim é que, para pôr cobro à incontinência de conduta de dois professores da Faculdade [...], CLOVIS LEMA GARCIA [um dos demitidos], quando Diretor, se viu forçado a afastá-los das funções docentes. Essa medida levou o então professor de “Fundamentos Científicos da Comunicação”, JOSÉ MARQUES DE MELO, elemento que se distinguiu bastante nos meios universitários, principalmente na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, da qual veio a ser demitido, por agitador e contestador da Revolução, a solidarizar-se com aqueles dois colegas, o primeiro dos quais, [...], apologista declarado do homossexualismo, fora levado para a Faculdade por indicação do referido,

JOSE MARQUES DE MELO3 3 Documento 1 do dossiê “Faculdade de Comunicação Social Casper Libero”, páginas 17 e 18. BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.75095720 – Fundo SNI. .

O último dossiê sobre José Marques de Melo foi o do serviço secreto da Polícia Militar do Estado de São Paulo, em 1989, quando da posse como diretor da ECA do docente reintegrado à USP em 1979, no influxo da promulgada naquele ano Lei da Anistia e por pressão dos colegas em abaixo-assinado para readmissão dos docentes afastados em consequência direta e indireta dos Atos Institucionais e complementares. São duas páginas (Figura 9), resumindo as atividades pelas quais Marques de Melo motivara o acompanhamento da comunidade de informações desde 1964: haver participado, em Pernambuco, dos Movimento de Educação de Base (MEB) e Movimento de Cultura Popular, integrado o governo estadual de Miguel Arraes e trabalhado na Sudene; indiciado em processo administrativo na ECA por causa da apostila “Técnica do Lead”; militado na organização subversiva Centro de Pastoral Vergueiro; envolvido nas celeumas na Cásper Líbero; retornado à USP e na sequência ser eleito chefe do Departamento de Jornalismo; simpatizado com o PCB e presidido a Intercom.

Figura 9
O último dossiê sobre José Marques de Melo elaborado pela comunidade de informações

Considerações finais

Seja nas entidades da área da Comunicação por ele concebidas ou presididas – UCBC, Abepec e Intercom – ou no espaço acadêmico e em congressos e eventos das associações e sociedades científicas e religiosas monitoradas pelos setores de informação, o percurso documental do professor José Marques de Melo nos arquivos da ditadura militar perpassa as temáticas cruciais e incontornáveis da época, mesmo sob o regime castrense: políticas interna e externa, educacionais e científicas a cabresto da aquiescência norte-americana; Doutrina e Ideologia da Segurança Nacional como base para a institucionalização da tortura e eliminação física dos oponentes pelo aparelho repressivo do Estado; comunicação de massa, concentração midiática, cerceamento temático, descaracterização da cultura nacional, permissividade com o arbítrio e desconsideração às liberdades de expressão e informação e direito à cidadania.

Marques de Melo foi inserido no índex da comunidade de informações porque, em plena correnteza do AI-5, chamou à responsabilidade o ministro da Justiça proponente e fervoroso defensor das restrições institucionais à liberdade de expressão dos meios midiáticos para falar em evento acadêmico sobre censura à imprensa e perseguição política e porque, em sala de aula, ao usar exemplos ficcionais para aberturas de matérias jornalísticas, desvelava as evidências da fantasiosa democracia aventada pelos militares, registradas pelos degredos simbólicos e efetivos mesmo de quem havia arrimado a sedição em 1964, caso do ex-governador Carlos Lacerda, repressão a todas as manifestações contestatórias ao regime militar, em especial as estudantis, e ter no aparato repressivo, DOPS e congêneres, a principal via de diálogo com a sociedade.

Assim, a partir do estudo dos 137 documentos dos acervos do regime militar no Arquivo Nacional nos quais o professor José Marques de Melo é citado foi possível fazer a reconstituição temática das décadas de 1970 e 1980, percebendo semelhanças das altercações e agendamentos daquela época com o temário contemporâneo – da ressurreição do fantasma do movimento comunista internacional a enaltecimentos ao arbítrio – e conceber como elegia e abonador biográficos ser prontuariado pela comunidade de informações. Afinal, ser considerado esquerdista e subversivo por um regime ditatorial, regressista e obscuro é, em termos biográficos, enaltecedor para quem, em ações individuais e inserções coletivas, a ele se opôs.

  • 1
    Declaração indireta encontrada na página 58 do “Processo de Investigação Sumária na Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Cultura do município do Recife” - Fundo DOPS/PE – BR_PEAPEJE_DPE_PRT_FUN_0_00793_d0001de0001.pdf.
  • 2
    Relações citadas constam nas páginas 77 a 79 do dossiê “Posse na Sudene” - Fundo DOPS/PE - BR_PEAPEJE_DPE_PRT_FUN_0_08376_d0001de0001.pdf.
  • 3
    Documento 1 do dossiê “Faculdade de Comunicação Social Casper Libero”, páginas 17 e 18. BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.75095720 – Fundo SNI.

Referências

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  • CARVALHO, F. (Org.). O comunismo no Brasil: Inquérito Policial Militar nº 709. 4 vol. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1966/1967.
  • COMBLIN, J. A Ideologia da Segurança Nacional: o poder militar na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
  • COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório: volume II: Textos temáticos. Brasília, dezembro, 2014.
  • DREIFUSS, R. A. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981.
  • ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual básico: Departamento de Estudos: MB-75. Rio de Janeiro: ESG, 1975.
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Sites

Fontes primárias documentais

Arquivo Nacional

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Fundo Conselho de Segurança Nacional

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BR DFANBSB N8.0.ATA.4/2, f.39-70 - ata da 42ª sessão do conselho de segurança nacional. – Item reunião convocada para apreciação do conceito estratégico nacional. 63 p.

BR DFANBSB N8.0.ATA.7/1, p.1-12 - ata da 13ª consulta ao conselho de segurança nacional. - Item solicitação de parecer aos membros do conselho de segurança nacional a respeito de documento assinado pelo general-de-brigada joão baptista de oliveira figueiredo, secretário-geral do conselho, no qua. 24 p.

Fundo Delegacia de Ordem Política e Social de Pernambuco

BR_PEAPEJE_DPE_PRT_FUN_0_08376_d0001de0001.pdf

BR_PEAPEJE_DPE_PRT_FUN_0_09557_d0001de0001.pdf

BR_PEAPEJE_DPE_PRT_FUN_0_00793_d0001de0001.pdf

BR_PEAPEJE_DPE_PRT_FUN_0_04959_d0001de0001.pdf

Fundo Serviço Nacional de Informações

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.73058501 - ana araujo arruda albuquerque. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059043 - analise de fatos relativos aos campos militar, politico, economico e psicossocial, se121 ac. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.72050578 - antonio guimarães ferri e outros. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.83015058 - atividades de grupos religiosos. in. 4.6. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81016630 - atividades de grupos religiosos 4.6. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.89021520 - atividades de jose marques de melo. se14 asp. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82013239 - atividades nos campos militar, politico, psicossocial, economico e subversivo, referentes ao periodo de 01 a 31 out 82. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.80005229 - atividades subversivas do centro pastoral do vergueiro 4.6.2. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060240 - congresso da sociedade brasileira de estudos interdisciplinares, intercom, se144 ac. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.79001351 - crise na faculdade de comunicação social casper libero, fcs cl. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88068734 - eleições de nova diretoria no sindicato dos rodoviarios no distrito federal. se141 ac. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063785 - i encontro internacional de jornalismo, se144 ac. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.87019539 - i encontro internacional de jornalismo. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.74080948 - ii congresso brasileiro de ensino e pesquisa da comunicação. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81020240 - infiltração comunista nos diversos setores de atividade identificação de elementos infiltrados. 3. 3. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.75095720 - faculdade de comunicação social casper libero. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.75088176 - lei da reforma universitaria. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.73075413 - fundação padre anchieta. antonio guimarães ferri e outros. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81021230 - ligações no processo subversivo. 3. 4. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.89022524 - principais acontecimentos do campo psicossocial no mes de dezembro de 1988. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.86018065 - principais acontecimentos no campo psicossocial no mes de ago 85. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.84016418 - principais acontecimentos no campo psicossocial em ago 84. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88066008 - relatório anual das atividades do pcb. se121 ac. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064259 - seminario direito a informação, direito a opinião, em são paulo sp, se144 ac. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82012985 - seminario religioso em são paulo. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82013079 - reunião da associação dos pesquisadores cientificos no instituto biologico. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.82028997 - seminario latino americano sobre igreja e a nova ordem mundial da informação e da comunicação, nomic. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.85017190 - principais acontecimentos no campo psicossocial em abr 85. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.84016170 - seminario imprensa dos trabalhadores. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.72058326 - tecnica do lead jose marques de melo escola de comunicações e artes da universidade de são paulo. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063980 - viii congresso extraordinario do partido comunista brasileiro, pcb, se121 ac. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.83014028 - xi congresso brasileiro de comunicação social. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059706 - xi congresso brasileiro de comunicação social. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.82028324 - reunião da associação dos pesquisadores cientificos no instituto biologico em são paulo sp 4.3.1. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.81005310 - x congresso brasileiro de comunicação social. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82013129 - xi congresso da união cristã brasileira de comunicação social. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.84016567 - xiii congresso brasileiro de comunicação social ucbc. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.83014853 - sociedade brasileira de estudos interdisciplinares da comunicação intercom. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.87019535 - simposio direito a informação, direito a opinião. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.81009582 - tecnica do lead. escola de comunicações e artes da usp. jose marques de melo. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.85017504 - viii ciclo de estudos da sociedade brasileira de estudos interdisciplinares da comunicação, intercom. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.84045578 - congresso nacional de comunicação e informação, concin. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.80003358 - movimento religioso periodo relativo a abril 80. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059052 - xiii congresso brasileiro de comunicação social. se121 ac. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.83004560 - iv encontro latino americano de faculdades de comunicação social e vii congresso da abepec. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.87013037 - iv encontro nacional de orgãos laboratoriais de jornalismo, enol, ss14 abh. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.82001110 - ii congresso brasileiro de ensino e pesquisa da comunicação 3.5.3. associação brasileira de ensino e pesquisa da comunicação abepec 3.5.3. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.82003777 - união cristã brasileira de comunicação social. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82012510 - associação de seminarios teologicos evangelicos. - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.III.82003952 – edival freitas da silva. - Dossiê

BR DFANBSB V8.TXT, AGR.DNF.178 - serviço nacional de informações: relatório discriminado (revalidação da massa d menos - 2a fase) de documentos destruídos, conforme termos de destruição n. 17 (não controlado) e 19 (controlado). doc - Dossiê

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.84042284 - propaganda adversa. atividades da nova ordem mundial de informação e comunicação, nomic. - Dossiê.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2019
  • Aceito
    17 Jun 2020
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