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Jornalismo online e eleições em 2014: uma análise a partir da iniciativa Candibook, do jornal paranaense Gazeta do Povo1 1 A preliminary version of this article was presented on the 14° Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo - SBPJor, which took place on Palhoça (Brazil) between November 9th and 11th, 2016.

Periodismo online y elecciones proporcionales en 2014 en Brasil: un análisis de la iniciativa Candibook, del periódico Gazeta do Povo (Paraná)

Resumo

O presente artigo tem por objetivo analisar o Candibook como ferramenta de monitoramento da democracia em momento eleitoral e identificar, a partir dos dados disponíveis nessa plataforma, o perfil dos candidatos a Deputado Estadual e Federal, pelo Paraná, em 2014. Parte-se das seguintes hipóteses: 1) o Candibook é uma experiência inovadora que se constitui como uma prática de monitoramento da democracia representativa; 2) a partir dele, pode-se traçar o perfil socioideológico dos candidatos, identificando preferências políticas e propostas. Como metodologia, utiliza-se estatística descritiva aplicada à base de dados construída a partir das informações disponibilizadas no site do Candibook, baseando-se no universo dos respondentes aos questionários aplicados pelo jornal. Dentre os resultados, vê-se que 1) o Candibook é uma importante contribuição do jornalismo para a qualidade da democracia e dos processos eleitorais; 2) os espectros (direita, centro, esquerda) não se diferenciam pelas temáticas mais defendidas por candidatos e candidatas.

Palavras-chaves
Jornalismo; Eleições proporcionais; Candibook; Democracia monitorada; Controle social das elites

Resumen

Este artículo presenta un análisis del Candibook como herramienta de monitorización de la democracia en tiempos de elecciones e identificar, a partir de los datos disponibles en esta plataforma, el perfil de los candidatos a diputado estatal y federal, en Paraná (Brasil), en 2014. Parte de los siguientes supuestos: 1) el programa es una experiencia innovadora, una práctica de vigilancia de la democracia representativa; 2) en él se puede seguir el perfil socio-ideológico de los candidatos, y se identifican preferencias políticas y propuestas. La metodología utilizada es la estadística descriptiva, basado en el universo de los encuestados a los cuestionarios aplicados. Entre los resultados, vemos que, 1) el Candibook es una contribución importante del periodismo para la calidad de la democracia y los procesos electorales; 2) Los espectros (derecha, centro, izquierda) no difieren en los temas más defendidos.

Palabras-clave
Periodismo; Elecciones; Candibook; Democracia monitorizada; Controle social de las elites

Abstract

This paper aims to analyze the Candibook as a monitoring tool for democracy during elections, as well as to identify from the data available the profile of candidates running to national (federal) and local deputy positions for Paraná (Brazil), in 2014. The hypotheses are: 1) the program is an innovative experience which constitutes a democracy monitoring practice; 2) from its information one might identify the social and ideological profile of the candidates, by observing political preferences and propositions. The methodology consists of descriptive statistics of the information available on the Candibook website, which is based on the candidates who answered the surveys. Among the results one might find that 1) the Candibook is an important journalistic contribution to improve democratic quality and electoral processes; 2) right wing, left wing and centrist candidates do not present differences among them related to the themes they support.

Keywords
Journalism; Elections; Candibook; Monitory democracy; Elites social control

Introdução

Os estudos sobre a relação entre Internet e Política, percebida como campo a ser explorado pela literatura a partir de meados dos anos 1990, oscilaram entre extremos, de uma euforia excessiva segundo a qual a Internet poderia refundar os pilares da própria democracia (GROSSMAN, 1995GROSSMAN, L. The Electronic Republic: Reshaping Democracy in America. New York: Vinking, 1995.; CORRADO; FIRESTONE, 1996CORRADO, A.; FIRESTONE, C. Elections in cyberspace: Towards a new era in American politics. Aspen Institute: Communications and Society Program, 1996.) a um ceticismo segundo o qual ela apenas reproduziria padrões existentes offline, sem agregar nada ao funcionamento dos sistemas políticos democráticos (MARGOLIS; RESNICK, 2000MARGOLIS, M.; RESNICK, D. Politics as usual: The Cyberspace “Revolution”. London: Sage, 2000.). Com o tempo e o acúmulo de pesquisas empíricas, especialmente desde os anos 2000, a área passa a ajustar a lupa sobre o tema, deixando de pensar as “potencialidades” do ambiente digital (DAHLBERG, 2001DAHLBERG, L. Democracy via cyberspace; mapping the rhetorics and practices of three prominent camps. New Media & Society. Vol 3, n°2, p. 157-177, 2001.) para investir nos resultados gerados pelo uso político dessa plataforma.

Nesse contexto, passa-se a refletir sobre o jornalismo online, que cria possibilidades para aumento na consolidação e na ampliação de mecanismos de monitoramento público da política, especialmente por ocasião dos processos eleitorais e de representação. Com efeito, nas últimas décadas, tem sido crescente o número de estudos sobre o impacto das tecnologias digitais nas relações de representação política e nas estratégias de comunicação dos parlamentares tanto durante quanto após as eleições (COLEMAN; MOSS, 2008COLEMAN, S.; MOSS, G. Governing at a distance – Politicians in the blogosphere. Information Polity, v. 13, n.1-2, p.7-20, 2008.; LESTON-BANDEIRA; BENDER, 2013LESTON-BANDEIRA, C.; BENDER, D. How deeply are parliaments engaging on social media? Information Polity, v.18, n.4, p.281-297, 2013.; LILLEKER, 2015LILLEKER, D. Interactivity and Political Communication: hypermedia campaigning in the UK. Comunicação Pública [Online], v.10, n.18, 2015.; MARQUES et al, 2014MARQUES, F. P. J.; AQUINO, J.; MIOLA, E. Parlamentares, representação política e redes sociais digitais: perfis de uso do Twitter na Câmara dos Deputados. Opinião Pública, Campinas, v.20, n.2, p.178-203, 2014.). Essa quantidade crescente de pesquisas é indicador da importância do tema e das tecnologias digitais para a dinâmica das relações entre elites políticas e cidadãos, bem como o funcionamento das instituições representativas.

Destacam-se as contribuições de Keane (2009)KEANE, J. The life and death of democracy. Londres: Simon & Schuster, 2009. que se relacionam com o problema central do presente texto, ou seja, os impactos da Internet nas relações de representação política e nas relações entre as elites políticas (ou quase-elites, aspirantes ao exercício do poder) e o eleitor durante o processo eleitoral. O autor afirma que há uma tendência cada vez maior ao escrutínio público do sistema político entre períodos eleitorais, processo que é potencializado com o desenvolvimento das tecnologias, caracterizando a existência de uma “democracia monitorada” nas sociedades contemporâneas. Aqui, tenta-se aplicar o conceito para períodos eleitorais, já que o jornalismo, instituição que proporcionou a ferramenta estudada, tem se inserido mais no espaço de visibilidade política e, consequentemente, aproximado o eleitor do momento que inicia um ciclo democrático-governamental.

O objetivo do texto não é fazer um inventário de todo o debate sobre a aplicação do conceito exposto, nem tecer considerações normativas sobre os possíveis efeitos das TICs nas relações de representação política e nas campanhas eleitorais. Ao invés disso, procura-se demonstrar por meio das análises duas proposições gerais: 1) O programa Candibook, iniciativa do grupo Gazeta do Povo (PR) que agrupou informações sobre os candidatos, pode ser considerado exemplo de prática de monitoramento da democracia representativa, ao disponibilizar informações sobre variáveis de perfil social dos candidatos, assim como de suas preferências ideológicas, e um vídeo com motivos que os levaram a se candidatarem. Logo, é um programa original e inovador de oferta de informações sobre candidatos a pleitos proporcionais no Brasil, usando a plataforma digital para sua difusão; 2) a partir dos dados no Candibook, pode-se traçar o perfil socioideológico dos candidatos e relacioná-lo com o partido ao qual pertencem, identificando, assim, suas preferências políticas e propostas, o que agrega accountability ao sistema, cumprindo um dos requisitos para a existência de uma democracia monitorada.

Assim, a parte empírica se inicia por uma descrição geral do programa, enumerando suas características e analisando as informações mais significativas que se podem extrair dos dados disponibilizados na ferramenta, além daquelas obtidas em outras fontes, tais como o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e sites de monitoramento das elites políticas. Em um segundo momento, analisam-se os perfis dos candidatos a cargos proporcionais (Deputado Estadual e Federal), partindo de duas questões: a) há diferenças significativas entre os dois conjuntos de candidatos no tocante às variáveis examinadas?; b) há diferenças significativas entre correntes ideológicas (direita, centro e esquerda) e partidos políticos em relação a características de perfil e comportamento político disponibilizadas no Candibook?

O texto parte de duas discussões: uma sobre representação e sua relação com práticas de democracia digital e democracia monitorada; e outra sobre jornalismo online e sua contribuição para o fortalecimento do conhecimento político e eleitoral dos cidadãos. Logo após, realizam-se a apresentação do Candibook e a análise acerca do perfil dos candidatos a cargos proporcionais (Deputado Estadual e Federal). Por fim, discutem-se os achados, confrontando-os com as questões de pesquisa.

Representação e monitoramento digital: novas questões sobre democracia

O modelo de democracia representativa contemporâneo é alvo de muitas críticas. O distanciamento entre os cidadãos e os atores políticos e, ainda, a participação limitada dos cidadãos nas questões políticas são os principais desafios dos regimes democráticos, que acarretam efeitos indesejáveis para a qualidade da democracia (GOMES, 2005GOMES, W. A democracia digital e o problema da participação civil na decisão política. Revista Fronteiras – estudos midiáticos, v.2, n.3, p.214-222, 2005.; MARQUES, 2008MARQUES, F.P.J. Participação política e Internet: meios e oportunidades digitais de participação civil na democracia contemporânea, com um estudo do caso do estado brasileiro [Tese de Doutorado]. Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, 2008.; ROSSETTO; CARREIRO, 2012ROSSETTO, G.; CARREIRO, R. Democracia digital e sociedade civil: uma perspectiva do estado atual no Brasil. Comunicação e Sociedade, v.34, n.1, p.273-296, 2012.; AGGIO; SAMPAIO, 2013AGGIO, C.; SAMPAIO, R. Democracia digital e participação: os modelos de consulta e os desafios do Gabinete Digital. In: Gabinete digital: análise de uma experiência. Porto Alegre: Companhia Rio-Grandense de Artes Gráficas (CORAG), 2013.; FARIA, 2012FARIA, C.F. O Parlamento Aberto na Era da Internet: Pode o Povo Colaborar com o Legislativo na Elaboração das Leis?. Biblioteca digital da Câmara dos Deputados: Brasília, 2012.). Para Aggio e Sampaio (2013)AGGIO, C.; SAMPAIO, R. Democracia digital e participação: os modelos de consulta e os desafios do Gabinete Digital. In: Gabinete digital: análise de uma experiência. Porto Alegre: Companhia Rio-Grandense de Artes Gráficas (CORAG), 2013., esse distanciamento pode ocasionar ampla autonomia em suas ações e baixo índice de prestação de contas. Assim, os interesses coletivos não seriam bem representados, gerando cidadãos apáticos em relação a assuntos políticos. Consequentemente, as decisões políticas teriam baixa legitimidade.

Marques (2008)MARQUES, F.P.J. Participação política e Internet: meios e oportunidades digitais de participação civil na democracia contemporânea, com um estudo do caso do estado brasileiro [Tese de Doutorado]. Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, 2008. admite a existência de deficiências na participação dos cidadãos para além do voto. O pesquisador aponta haver exigências cada vez maiores quanto à melhoria nas condições de participação da esfera civil e essa demanda pode ser explicada por alguns fatores, dentre eles a maior dinamização dos movimentos civis, com demandas reivindicatórias, e o aparato digital de comunicação, que pode influenciar positivamente o processo democrático (MARQUES, 2008MARQUES, F.P.J. Participação política e Internet: meios e oportunidades digitais de participação civil na democracia contemporânea, com um estudo do caso do estado brasileiro [Tese de Doutorado]. Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, 2008.).

A Internet pode contribuir para a superação desses desafios, ampliando e facilitando, por exemplo, a participação da esfera civil nos processos políticos, e diminuindo a distância entre cidadãos e representantes (GOMES, 2005GOMES, W. A democracia digital e o problema da participação civil na decisão política. Revista Fronteiras – estudos midiáticos, v.2, n.3, p.214-222, 2005.). Neste sentido, o termo e-democracia ou democracia digital pode ser entendido como “o ramo de estudo que se interessa pela incorporação de mecanismos digitais nas práticas democráticas e seu impacto nas instituições políticas” (FARIA, 2012FARIA, C.F. O Parlamento Aberto na Era da Internet: Pode o Povo Colaborar com o Legislativo na Elaboração das Leis?. Biblioteca digital da Câmara dos Deputados: Brasília, 2012., p.63). Democracia digital envolve práticas de fortalecimento da participação dos cidadãos nos assuntos políticos. Envolve também outros aspectos, tais como a prestação de contas aos cidadãos (accountability) e a acessibilidade a informações relevantes, de qualidade e com clareza (transparência), para que a participação cidadã seja mais bem orientada.

Outro conceito que se encaixa nesse âmbito é aquele que Keane (2009)KEANE, J. The life and death of democracy. Londres: Simon & Schuster, 2009. denomina como “democracia monitorada”. Segundo o autor, os impactos dos modernos meios de comunicação e da Internet provocaram uma metamorfose na democracia representativa, dando origem a um novo formato desse modelo democrático. A característica básica da reconfiguração é tornar possível a criação de diversos instrumentos de monitoramento cidadão do sistema político e dos atores que dele fazem parte, entre períodos eleitorais. Assim, a democracia adquire vários mecanismos para tentar “castigar e constranger” (FEENSTRA; KEANE, 2014FEENSTRA, R.; KEANE, J. Politics in Spain: A case of Monitory Democracy. Voluntas, n.25, p.1262-1280, 2014., p.1265 – Nossa tradução) aqueles que exercem poder, especialmente quando em plataforma digital. Essas instituições ou instrumentos de monitoramento das atividades políticas são de vários tipos, indo de jornalismo cidadão a instituições civis especializadas em fiscalizar os atores e instituições do sistema político para além do período eleitoral, agindo “em nome do público” (FEENSTRA; KEANE, 2014FEENSTRA, R.; KEANE, J. Politics in Spain: A case of Monitory Democracy. Voluntas, n.25, p.1262-1280, 2014.; ALBUQUERQUE, 2013______. “Em nome do público”: jornalismo e política nas entrevistas dos presidenciáveis ao Jornal Nacional. E-Compós, Brasília, v.16, n.2, p.1-23, 2013.).

Rossetto e Carreiro (2012)ROSSETTO, G.; CARREIRO, R. Democracia digital e sociedade civil: uma perspectiva do estado atual no Brasil. Comunicação e Sociedade, v.34, n.1, p.273-296, 2012. realizaram um mapeamento de portais brasileiros que se encaixam na definição de democracia digital e, sendo muitos deles de iniciativa civil, também podem ser considerados ações de monitoramento. Ao todo, eles localizaram 31 portais: três deles tinham por objetivo o monitoramento de contas públicas, obras e políticas; oito visando efetuar um acompanhamento das ações dos representantes; seis com o intuito de informar e educar para a cidadania; seis que incentivam a participação; seis que abrem espaço para a reivindicação civil; um com o intuito de promover deliberação; e, por fim, um voltado a direitos e acesso à justiça (ROSSETTO; CARREIRO, 2012ROSSETTO, G.; CARREIRO, R. Democracia digital e sociedade civil: uma perspectiva do estado atual no Brasil. Comunicação e Sociedade, v.34, n.1, p.273-296, 2012.).

A iniciativa analisada aqui pode ser vista como mais um desses portais, mas constituindo-se caso único, pois é a apropriação do ambiente digital por um veículo jornalístico para proporcionar à população mais que notícias, uma apuração sobre os postulantes nas eleições de 2014. Tendo em vista essa atuação do jornalismo online como mecanismo de reforço democrático, mesmo que nem sempre o provimento de informação desse teor sirva para estimular os cidadãos a se engajarem politicamente (MARQUES, 2008MARQUES, F.P.J. Participação política e Internet: meios e oportunidades digitais de participação civil na democracia contemporânea, com um estudo do caso do estado brasileiro [Tese de Doutorado]. Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, 2008.)2 2 Segundo Gomes (2011, p.31), as pessoas precisam de razões para participar, de acreditar que estão utilizando uma “oportunidade adequada para atingir fins desejáveis”. , discute-se a seguir como a literatura apresenta essas novas possibilidades e como o campo político tem reagido a tais mudanças.

Jornalismo político online: nova modalidade de atuação “em nome do público”

O uso da Internet como plataforma de comunicação social abriu espaços a novas modalidades de produção e difusão de conteúdos. A evolução, desde o modelo fac-simile – em que há a mera reprodução do formato offline do conteúdo, como digitalização – ao multimídia – cujas publicações se aproveitam ao máximo do formato hipertexto (CANAVILHAS, 2012CANAVILHAS, J. M. Do jornalismo online ao webjornalismo: formação para a mudança. Comunicação e Sociedade, v.9, n.10, p.113-119, 2012.) –, levou o leitor a esperar mais dos conteúdos e tornou mais formalmente qualificado o que se produz na web para alcançar audiência.

Os veículos jornalísticos tradicionais, especialmente os impressos (que têm perdido audiência devido a facilidade e gratuidade de acesso daqueles que já se desenvolveram no ambiente online) migram, então, para a Internet3 3 As assinaturas digitais pagas aumentaram 118% entre 2013 e 2014 (ANJ, 2015). . Todavia, o ato de postar as notícias da mesma forma que o fazem no papel não se constitui diferencial para que atraiam mais audiência, já que o usuário da rede ainda possui um perfil jovem e espera das informações postadas na web velocidade, dinamismo e conteúdo audiovisual compatível com as tecnologias digitais, sendo que muitas vezes a expectativa é de que todos estes fatores sejam ofertados em conjunto (HARPER, 2003HARPER, C. Journalism in a digital age. In: JENKINS, H.; THORNBURN, D. (orgs). Democracy and New Media. Cambridge/London: The MIT Press, 2003.).

A interação também é requisito fundamental. Uma prova do envolvimento almejado pelo usuário com o que se produz no ambiente online é o ativismo digital. As manifestações de 2013 e 2015 no Brasil, a Primavera Árabe e o movimento Occupy são exemplos de ações essencialmente organizadas por meio de redes digitais, fazendo emergir uma pauta que entra na ordem do dia qualquer que seja o conteúdo das forças que tomam as ruas para protestar. Desse modo, passou a ser exigida do campo da política uma maior atenção ao ambiente digital, visto que este permite expansão das novas formas de fiscalizar, reivindicar e participar da esfera pública, tornando-a mais conflitual e instável. Embora as iniciativas citadas tenham partido da sociedade, o jornalismo, com sua ampliação de visibilidade das pautas, ocupa papel de destaque.

A entrada dos grandes veículos tradicionais de mídia no meio digital aproximou os produtores de notícias de seus leitores e abriu espaços para que estes pudessem tanto praticar a função fiscalizadora do jornalismo diretamente, junto ao centro de poder, quanto a observar e avaliar em tempo real a própria atividade jornalística. Postar informação nas redes sociais, por exemplo, deixa de ser exclusividade dos jornais, como fora nos meios tradicionais. É necessário ir além do que já se fazia para atrair e satisfazer os leitores. Nesse âmbito, o ponto de partida que os veículos encontraram foi escutar seus espectadores, realizando enquetes acerca de matérias dos veículos tradicionais e entrevistas com candidatos, como o faz a Rede Globo há algumas campanhas presidenciais (ALBUQUERQUE, 2013______. “Em nome do público”: jornalismo e política nas entrevistas dos presidenciáveis ao Jornal Nacional. E-Compós, Brasília, v.16, n.2, p.1-23, 2013.). Outra ação foi perguntar e apresentar os problemas dos bairros, como alguns jornais locais tanto impressos quanto televisionados fazem.

Nos meios digitais, ações que atingem maiores níveis de interação com os usuários são desejar “bom dia” ou pedir para o leitor enviar fotos de sua cidade/bairro, movimento que não explora, de fato, o potencial que a Internet proporciona no sentido de debate público. As enquetes, quando aplicadas, geralmente não põem em questão assuntos mais polêmicos, como a própria avaliação da cobertura. É interessante observar como essa restrição do jornalismo tradicional vai contra a chamada democratização da comunicação, sua própria luta histórica no Brasil, que

[...] representou uma tomada de consciência de que a configuração dos meios de comunicação eletrônicos em um país é resultado de decisões políticas de instâncias governamentais e da dinâmica legislativa, influenciadas pelos sistemas de pressão de atores bem posicionados no momento em que se instalam os meios.

(SOARES, 2009SOARES, M. C. Representações, jornalismo e a esfera pública democrática. São Paulo: Cultura acadêmica, 2009., p.257).

Os atores que prevaleceram, nesse caso, foram os lobbies das grandes empresas de comunicação. Assim, de maneira geral, em um primeiro momento o jornalismo não pareceu, com o advento das tecnologias digitais, ter mudado estratégias para exercer sua autointitulada função representativo-fiscalizadora. Nesse contexto, o jornal Gazeta do Povo (PR) se torna inovador ao lançar a iniciativa Candibook com o objetivo de funcionar como mecanismo de reforço democrático, a partir do momento que interroga publicamente agentes políticos, abrindo espaço a questionamento e atuação civil “na decisão de quem ganha e quem perde” (FEENSTRA; KEANE, 2014FEENSTRA, R.; KEANE, J. Politics in Spain: A case of Monitory Democracy. Voluntas, n.25, p.1262-1280, 2014., p.1266 – Nossa tradução). O programa se caracteriza, então, como mecanismo de monitoramento das democracias representativas no sentido dado ao termo por estes autores, como se procura demonstrar na análise.

Candibook: jornalismo online em prol da qualidade da democracia

As eleições são um período ímpar de envolvimento do jornalismo na esfera pública, que se põe muitas vezes na postura de watchdog, procurando representar os supostos interesses de seus leitores e clientes potenciais. Esse “quarto poder” atua no sentido de fiscalizar os três democraticamente instituídos, especialmente aqueles que acumulam a função representativa direta, o executivo e o legislativo (ALBUQUERQUE, 2000ALBUQUERQUE, A. Um outro “Quarto Poder”: Imprensa e Compromisso Político no Brasil. Contracampo, n.4, p.23-57, 2000.).

Nessa perspectiva, o jornal paranaense Gazeta do Povo, a partir das eleições de 2010, coloca à disposição de seus leitores uma plataforma de informação acerca dos candidatos a todos os cargos em seu site. Assim, o chamado Candibook passou a ser uma iniciativa única no país a agregar conteúdo desde os mais básicos, como a região do estado à qual os candidatos pertenciam, por exemplo, à declaração de bens feita por eles junto ao TSE e uma série de outras informações em formato interativo que permite o acompanhamento cidadão de vários aspectos da atuação dos candidatos, auxiliando a escolha eleitoral.

A ferramenta

A Gazeta do Povo é considerada o mais importante e atuante jornal do Paraná, conforme pesquisa da ANJ4 4 Ocupando a 27ª posição no país, com circulação média diária de 40.525 exemplares, impressos e digitais. Disponível em: <http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil/>. Acesso em: 25 abr. 2016. , ocupando lugar de destaque na promoção de campanhas de conscientização política, assim como em denúncias sobre políticos paranaenses (QUADROS, 2013QUADROS, D. Jornal impresso e eleições municipais: da opinião à informação nas páginas da Gazeta do Povo. Estudos da Comunicação, Curitiba, v.14, n.35, p.415-430, 2013.). O jornal traz informações acerca de representantes e candidatos mostrando o quanto a política influencia o cotidiano das pessoas, buscando, ainda, esclarecer dúvidas sobre “o que fazem e como funcionam o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e como tais instituições são afetadas – ou nos afetam – pela política e, consequentemente, pelo voto de cada cidadão” (GAZETA DO POVO, 2012GAZETA DO POVO. Informação antes do voto, necessária e disponível. Curitiba, 30 out. 2012. Editorial. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/informacao-antes-do-voto-necessaria-e-disponivel-1exg7g7znek9yw2lt9wkp08cu>. Acesso em: 21 fev. 2015.
http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/i...
, p.1).

Baseando-se em pesquisas de opinião realizadas durante disputas eleitorais, que demonstram parcelas significativas da população paranaense sem voto definido, a partir de 2010, esse jornal começa a empreender campanhas, almejando tornar-se fonte de informações político-eleitorais, juntamente com várias outras campanhas cívicas e de jornalismo político investigativo patrocinadas pelo jornal, cujo maior destaque é a série de reportagens sobre os “Diários Secretos” da Assembleia Legislativa, ao longo do ano de 20105 5 Cf. as reportagens auxiliaram 15 condenações (Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/especiais/diarios-secretos/caso-dos-diarios-secretos-gerou-15-condenacoes-8mggea9ef4jsy4iaxwfqla1ji>. Acesso em: 12 mar. 2016). .

Destaca-se ainda a campanha pelo “Voto Consciente”, realizada em conjunto com a Rede Paranaense de Comunicação (RPC), lançada no ano de 20106 6 Juntamente com outros veículos de comunicação do estado: RPC TV, o jornal Folha de Londrina e as rádios 98 FM e Mundo Livre FM. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/eleicoes/2010/o-que-e-o-voto-consciente/>. Acesso em: 21 fev. 2015. . O Candibook Portal dos Candidatos foi inaugurado pela Gazeta em agosto de 20107 7 Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/conteudo.phtml?id 1282943>. Acesso em: 21 fev. 2015. , como uma extensão daquela primeira campanha. O objetivo do portal é fornecer uma gama de informações sobre os postulantes a diversos cargos, desde a Câmara Municipal à Presidência da República.

A navegação no site é simples. Na página inicial, há um campo de busca, por meio do qual o candidato pode ser localizado a partir de nome, partido ou cargo. Ainda nessa página, há links com conteúdo de aprofundamento e esclarecimento. Em “saiba como os deputados são eleitos” há explicações acerca da distribuição das vagas, o que é quociente eleitoral e como funciona o cálculo de sobras. O link “entenda o que faz cada cargo” é um guia que explica, a partir de vídeos bem humorados, quais as atribuições de cada cargo político representativo. Ao clicar em “consulte a prestação de contas da Assembleia Legislativa do Paraná”, o internauta é direcionado ao Portal da Transparência e, caso o usuário veja alguma irregularidade, poderá notificar a Gazeta através de e-mail disponível na página. Constam também informações sobre justificativa do voto, documentos aceitos para apresentar no local de votação, opção de imprimir a “cola” para anotar os números dos candidatos e um guia acerca de como usar o Candibook.

Figura 1
Página inicial do Candibook

Para reunir informações sobre os candidatos, a Gazeta aplica um questionário-padrão aos postulantes, com perguntas que julga relevantes para auxiliar a escolha do voto, tais como nome completo e nome de urna, partido, data e local de nascimento, cidade onde mora, grau de instrução, ocupação/profissão, religião, time de futebol, se já ocupou cargo político e qual(is), se tem parentes na política, o livro preferido, nome de uma pessoa e de uma figura política que admira.

Além deste perfil, os candidatos são convidados a gravar entrevista de aproximadamente dois minutos – ação inédita em plataformas desse teor. Busca-se com isso mapear o motivo da candidatura, as principais propostas e o diferencial do candidato. Caso o/a postulante esteja buscando a reeleição ou a continuação da carreira política, o entrevistador questiona quais foram os destaques do mandato anterior e quais as continuidades para o seguinte, caso seja reeleito(a).

A partir do TSE, o portal informa o total de bens declarados de cada um. Outra informação importante apresentada é o posicionamento político deles, por meio do Diagrama de Nolan9 9 O diagrama foi desenvolvido pelo cientista político americano David Nolan e permite identificar o posicionamento político nas principais correntes de pensamento político. . O questionário conta com dez perguntas: cinco sobre questões sociais e as outras cinco de ordem econômica. A partir das respostas, o diagrama posiciona o participante nas categorias: esquerda, direita, centro, libertário e estatista10 10 Esquerda: defesa de restrições econômicas e não interferência do governo em questões morais; Direita: liberalismo econômico e restrições em algumas questões morais; Centro: equilíbrio entre intervenção e liberação; Libertário: defesa de liberdade em questões sociais e econômicas; Estatista: restrição nas questões sociais e econômicas. . Após fazer o teste, o participante pode procurar dentro do portal candidatos com o mesmo posicionamento político.

Figura 2
Página de candidato no Candibook,

Como se pode observar na Figura 2, o portal disponibiliza links para as redes sociais dos postulantes – Facebook, Twitter etc. Através do direcionamento a essas redes, os eleitores podem manter contato direto com os candidatos. Assim, como já dito, utilizando a categorização de Rossetto e Carreiro (2012)ROSSETTO, G.; CARREIRO, R. Democracia digital e sociedade civil: uma perspectiva do estado atual no Brasil. Comunicação e Sociedade, v.34, n.1, p.273-296, 2012., o portal Candibook pode ser considerado uma iniciativa privada que vem a contribuir para o aprimoramento da democracia ao ampliar as possibilidades de informação para o eleitor, enquadrando-se na categoria “Informação e Educação para a cidadania”. Consideram-se assim portais cujo objetivo é facilitar o acesso à informação, possibilitando maior desenvolvimento de valores para a cidadania (ROSSETTO; CARREIRO, 2012ROSSETTO, G.; CARREIRO, R. Democracia digital e sociedade civil: uma perspectiva do estado atual no Brasil. Comunicação e Sociedade, v.34, n.1, p.273-296, 2012., p.284).

Sabendo-se que a audiência do programa entre 20 de agosto e 5 de outubro de 2014 foi de 223.430 browsers acessando 1.128.740 páginas, com uma concentração de 63.794 browsers buscando 215.346 páginas no dia anterior ao pleito (05 de outubro) (Gráfico 1), pode-se constatar que o Candibook já alcançou certa credibilidade perante o público paranaense, constituindo-se como fonte de informação política.

Gráfico 1
Acessos ao Candibook, por browser e por página

No tocante ao uso do Candibook como ferramenta de accountability, como prestação de contas de mandato para o eleitor, ele apresenta os seguintes problemas: 1) não fornece informações em formato aberto ou banco de dados a ser manipulado com facilidade pelo cidadão; 2) não disponibiliza ferramentas de acompanhamento e monitoramento das atividades dos eleitos após o pleito; 3) não há ferramentas aprofundadas de interação com os cidadãos, nem durante nem após as eleições, como procura-se comentar adiante. Entretanto, mesmo com tais limitações, trata-se de um programa pioneiro, a partir do qual podemos obter várias informações relevantes sobre perfil e atuação política dos candidatos, que não são disponibilizadas tão didaticamente e em formato tão acessível ao cidadão por outros sites, como, por exemplo, do próprio TSE.

Tendo em vista estes parâmetros, duas questões básicas de pesquisa norteiam a análise que realizada: 1) há diferenças significativas entre os dois conjuntos de candidatos (Deputado Estadual e Federal) no tocante às variáveis examinadas?; 2) há diferenças significativas entre correntes ideológicas (direita, centro e esquerda) e partidos políticos quanto às características de perfil e comportamento político disponibilizadas?

O primeiro procedimento é apresentar o universo de análise discriminando entre respondentes e não-respondentes. Deve-se esclarecer que o foco desta análise serão apenas os respondentes, pois o que interessa aqui é o rendimento analítico das informações contidas no Candibook para entendimento da atuação política dos candidatos às eleições proporcionais paranaenses no pleito de 2014.

O perfil dos candidatos

A fim de ter-se uma visão geral acerca da gama de candidatos com informações disponíveis no Candibook, apresentam-se abaixo os números em relação às respostas obtidas pelo veículo jornalístico para que fosse possível toda a composição do perfil do postulante. Os dados se apresentam de forma agregada devido à grande fragmentação partidária, especialmente em relação aos candidatos a Deputado Estadual.

Tabela 1
O universo empírico de análise: respondentes e não-respondentes dos questionários12 12 PPD: Partidos pequenos de direita (PEN; PHS; PMN; PROS; PRTB; PSC; PSDC; PSL; PTdoB; PTC; PTN; SD); PPE: Partidos pequenos de esquerda (PCdoB; PCB; PCO; PPL; PSOL; PSTU); PRP: Partidos republicanos e populares (PP; PR; PRB; PRTB).

Como se verifica pela Tabela 1, do total de 993 candidatos examinados (714 Deputados Estaduais e 279 Federais), cerca de 64% responderam aos questionários propostos, sendo que o maior percentual se encontra entre os Deputados Federais (71,3%). Entre os partidos, o maior percentual de resposta encontra-se entre o bloco PSDB-PPS-PV, com 77,2% de respondentes, seguido pelos PPE (73,5%) e pelo PT (70,2%), enquanto que as legendas que menos responderam foram aquelas pertencentes ao bloco PRP (50%). Essa taxa de resposta pode ser considerada indicador indireto da preocupação dos candidatos com a accountability de cada um dos partidos que disputaram a eleição.

Descartados, então, os 358 não-respondentes, o universo empírico é composto por 436 Deputados Estaduais e 199 Federais, um total de 635 parlamentares, número bastante significativo, pois se desconhece outra pesquisa que tenha aplicado um survey à mesma quantidade de candidatos para outros estados com taxas tão altas de resposta.

Esse banco constitui uma base relevante para o conhecimento das características dos candidatos em estudo, pois permite acessar as seguintes informações sobre cada subgrupo: a) perfil social: faixa etária, profissão declarada, escolaridade, ocupação de cargo público, parentesco na política; b) preferências ideológicas: religião, esporte e cultura, autoimputação no gradiente esquerda-direita; posicionamento nos eixos “x” e “y” do diagrama de Nolan e prioridades no exercício do mandato, além das informações contidas no site do TSE.

Inicialmente, analisam-se as informações sobre perfil social disponíveis no programa e, adiante, dados sobre comportamento e posicionamento ideológico.

Tabela 2
Perfil sociopolítico dos candidatos por cargo e bloco partidário13 13 Dois candidatos respondentes a Deputado Estadual não responderam à pergunta sobre ocupação de cargo público. Um dos candidatos a Deputado Federal respondente não respondeu à pergunta sobre parentes na política. Dois respondentes do questionário como Deputado Estadual também não responderam a esta pergunta.

Analisando os dados dos respondentes aos questionários, podemos verificar que não há grandes disparidades das características entre os candidatos para os dois cargos. Com efeito, ambas as categorias possuem graus semelhantes de escolaridade, não possuem parentes na política, embora a maior parte deles já tenha ocupado cargo público (52%), com ligeira vantagem para os Deputados Federais. Esses dados indicam também a ocorrência do fenômeno de popularização da classe política brasileira, já detectado por Rodrigues (2006)RODRIGUES, L. M. Mudanças na classe política brasileira. São Paulo: Publifolha, 2006., à medida que, através dos dados disponibilizados no Candibook, podemos observar a existência de uma grande quantidade de candidatos sem vínculos com a política tradicional, com baixo grau de escolaridade e baixo nível de renda, geralmente oriundos de grupos sociais de classes C e D, que se beneficiaram direta ou indiretamente das políticas sociais.

Outro dado interessante disponibilizado nesse portal é sobre as áreas de atuação prioritárias e a autoimputação ideológica dos candidatos, obtidas a partir da aplicação do Diagrama de Nolan, sintetizadas abaixo.

Tabela 3
Posicionamento ideológico dos candidatos

Pelos dados, podemos verificar que as áreas de atuação priorizadas pelos candidatos são educação e cultura, em uma análise menos agregada, e políticas sociais, em análise mais agregada. Os Deputados Estaduais tendem a dar maior importância à “Saúde”, enquanto que os candidatos a Deputado Federal dão peso maior a questões relacionadas à “Educação e cultura”, “Segurança pública e família” e “Reforma política”. No tocante à autoimputação ideológica, também não foram encontradas grandes disparidades entre os diferentes subgrupos, excetuando uma maior propensão dos Deputados Federais a se incluírem nos extremos do espectro político-ideológico, enquanto candidatos a Deputado Estadual revelam maior propensão a se definirem como de “centro”.

No que se refere à classificação dos candidatos nas diferentes correntes ideológicas, as informações estão resumidas na tabela abaixo.

Tabela 4
Posicionamento ideológico dos candidatos de acordo com a classificação partidária

A partir da Tabela 4, percebemos que as diferenças observadas por correntes ideológicas são superiores àquelas observadas pelos candidatos aos diferentes cargos eletivos, embora existam também semelhanças em torno de um padrão mediano. Assim, candidatos de todas as correntes ideológicas tendem a priorizar uma “agenda social” e questões relacionadas a saúde, educação e cultura. Entretanto, em relação a outras questões desagregadamente, os candidatos dos partidos de direita tendem a dar um peso maior às áreas temáticas de segurança pública e família (11,7%) e assistência social (6,9%); aqueles de partidos de centro se igualam aos de direita na priorização das áreas de segurança pública e família (11,7%) e destacam-se em meio-ambiente (9,9%); e os candidatos de partidos de esquerda tendem a dar importância maior a direitos humanos e minorias (12,1%). De forma agregada, é interessante notar que os candidatos enquadrados nas três correntes apresentaram uma prioridade comum: a economia, com destaque para aqueles de esquerda (14,4%).

Outros achados interessantes que podem ser extraídos da tabela acima se referem à relação entre o autoposicionamento ideológico dos candidatos e a imputação feita a partir de sua filiação aos diferentes partidos políticos. Assim, embora parlamentares de todos os partidos tendam a se considerar mais de centro, segundo os critérios do Diagrama de Nolan, os dados mostram que candidatos à direita tendem a se considerar mais estatistas, enquanto no caso dos candidatos à esquerda a correspondência entre autoimputação (esquerda - 22,7%) e imputação externa (centro - 49,2%) é maior.

Conclusão

O artigo teve por objetivo analisar o Candibook como ferramenta de monitoramento da democracia (KEANE, 2009KEANE, J. The life and death of democracy. Londres: Simon & Schuster, 2009.) em momento eleitoral e identificar, pelos dados disponíveis nessa plataforma, o perfil dos candidatos a deputado em nível estadual e federal, no Paraná.

Primeiramente, salienta-se que a existência do programa, além de ajudar na escolha do candidato pelos cidadãos, contribui para facilitar a obtenção de dados acerca das eleições, pois, além de fornecer conteúdo sobre os candidatos, oferta informações sobre o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro, como explicações sobre a utilização da urna eletrônica, o quociente eleitoral, dentre outras questões importantes para o (e)leitor.

Quanto aos candidatos, embora a maioria tenha respondido ao questionário (64%), é preocupante que 36% não tenham se interessado sequer em postar vídeo gratuito, a partir do qual é possível obter maior visibilidade para suas candidaturas e plataformas políticas. Isso pode indicar elevado número de “candidatos-laranja”, i.e., aqueles que não estão dispostos a ganhar e, muitas vezes, candidatam-se apenas para fazer campanha para outro colega servindo, na prática, como cabo eleitoral, ou para aumentar o número de votos computados pela coligação no cálculo do quociente eleitoral.

Os candidatos têm perfis semelhantes quanto às características sociais e é interessante observar o número deles com baixos níveis de escolaridade e de renda. Outros achados importantes são as bandeiras mais levantadas pelos candidatos: “educação e cultura” e “políticas sociais”. Assim, pode-se perceber que, respondendo às questões de pesquisa, não há perfis muito diferenciados, tanto entre candidatos de um mesmo grupo quanto entre os grupos (Deputados Estaduais e Deputados Federais), excetuando o item “experiência política prévia”, maior entre os Deputados Federais, como esperado.

Por fim, as posições tradicionalmente mais ligadas à direita e esquerda se mantêm nas respostas dos candidatos, de acordo com a ideologia assumida. Quando se observam temáticas defendidas por cada espectro, por outro lado, não se identifica essa diferença, tendo mesmo sido observadas surpresas, como o fato de os candidatos de esquerda defenderem menos as pautas ligadas a “Meio ambiente e Direitos humanos” (14,4%) em comparação àqueles de centro (18,8%) e igualarem-se com a direita em defesa de “Políticas sociais”. Em relação às diferenças quanto a espectro ideológico, apenas os candidatos a Deputado Federal se posicionaram ocupando mais os extremos.

Conclui-se, portanto, que o Candibook pode ser tomado como ferramenta de democracia monitorada (KEANE, 2009KEANE, J. The life and death of democracy. Londres: Simon & Schuster, 2009.), pois lança luz sobre informações acerca dos candidatos, o que pode contribuir para escolha mais qualificada e consciente dos representantes, mesmo que não se constitua como uma ferramenta que pode mudar todo o jogo político que envolve as campanhas e as dinâmicas de voto. O programa se caracteriza, assim, como importante contribuição do jornalismo para o aumento da qualidade da democracia e dos processos eleitorais, para além da chamada cultura do escândalo.

  • 1
    A preliminary version of this article was presented on the 14° Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo - SBPJor, which took place on Palhoça (Brazil) between November 9th and 11th, 2016.
  • 2
    Segundo Gomes (2011, p.31)______. Participação política online: questões e hipóteses de trabalho. In: MAIA, R.; GOMES, W.; MARQUES, F.P.J. Internet e Participação Política no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2011., as pessoas precisam de razões para participar, de acreditar que estão utilizando uma “oportunidade adequada para atingir fins desejáveis”.
  • 3
    As assinaturas digitais pagas aumentaram 118% entre 2013 e 2014 (ANJ, 2015ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS. Cenário: A indústria jornalística brasileira. Disponível em: <http://www.anj.org.br/cenario-2/>. Acesso em: 22. out. 2015.
    http://www.anj.org.br/cenario-2/...
    ).
  • 4
    Ocupando a 27ª posição no país, com circulação média diária de 40.525 exemplares, impressos e digitais. Disponível em: <http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil/>. Acesso em: 25 abr. 2016.
  • 5
  • 6
    Juntamente com outros veículos de comunicação do estado: RPC TV, o jornal Folha de Londrina e as rádios 98 FM e Mundo Livre FM. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/eleicoes/2010/o-que-e-o-voto-consciente/>. Acesso em: 21 fev. 2015.
  • 7
    Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/conteudo.phtml?id 1282943>. Acesso em: 21 fev. 2015.
  • 8
  • 9
    O diagrama foi desenvolvido pelo cientista político americano David Nolan e permite identificar o posicionamento político nas principais correntes de pensamento político.
  • 10
    Esquerda: defesa de restrições econômicas e não interferência do governo em questões morais; Direita: liberalismo econômico e restrições em algumas questões morais; Centro: equilíbrio entre intervenção e liberação; Libertário: defesa de liberdade em questões sociais e econômicas; Estatista: restrição nas questões sociais e econômicas.
  • 11
  • 12
    PPD: Partidos pequenos de direita (PEN; PHS; PMN; PROS; PRTB; PSC; PSDC; PSL; PTdoB; PTC; PTN; SD); PPE: Partidos pequenos de esquerda (PCdoB; PCB; PCO; PPL; PSOL; PSTU); PRP: Partidos republicanos e populares (PP; PR; PRB; PRTB).
  • 13
    Dois candidatos respondentes a Deputado Estadual não responderam à pergunta sobre ocupação de cargo público. Um dos candidatos a Deputado Federal respondente não respondeu à pergunta sobre parentes na política. Dois respondentes do questionário como Deputado Estadual também não responderam a esta pergunta.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2016
  • Aceito
    26 Set 2017
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