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ISOLAMENTO E SELEÇÃO DE FUNGOS PARA CONTROLE DE LARVAS DE TERCEIRO INSTAR DE MUSCA DOMESTICA

ISOLATION AND SELECTION OF FUNGI IN ORDER TO CONTROL MUSCA DOMESTICA THIRD-INSTAR LARVAE

RESUMO

O controle biológico no Brasil vem crescendo devido aos problemas gerados pelo uso indiscriminado de inseticidas químicos. A Musca domestica representa o maior problema em granjas avícolas devido às condições favoráveis para seu crescimento populacional. Sendo assim, foram realizadas capturas de dípteros muscoides em um aviário na região de Montes Claros, MG, usando armadilhas contendo isca química e captura por busca direta e, destas moscas, foram isolados e identificados fungos residentes nestes insetos. Os fungos isolados foram duas espécies do gênero Aspergillus sp., um do gênero Memnoniella sp., Scopulariopsis sp., Paecilomyces sp e um fungo da família Moniliaceae. Foram também requeridos junto ao CENARGEM/EMBRAPA as espécies de fungos entomopatogênicos Beauveria bassiana CG 470 e CG 472; Metarhizium anisopliae CG 34 e CG 312 e o Paecilomyces sp. CG 301. As espécies selecionadas para os bioensaios foram um Aspergillus sp., Memnoniella sp. e os Metarhizium anisopliae CG 34 e CG 312 por terem boa esporulação. Os fungos Aspergillus sp. e o Memnoniella sp. não apresentaram capacidade entomopatogênica, os fungos M. anisopliae CG 34 e CG 312 foram bastante eficientes em controlar a emergência dos adultos de M. domestica, mostrando-se bons agentes de controle biológico.

PALAVRAS-CHAVE
Fungos entomopatogênico; bioensaios; controle biológico

ABSTRACT

Use of biological control measures in Brazil has been increasing because of the problems generated from the indiscriminate use of chemical insecticides. Musca domestica represents the biggest problem to poultry farms due to the favorable conditions for its population growth. The present study was therefore conducted, beginning with captures of muscoid diptera on a poultry farm in the Montes Claros region, state of Minas Gerais, Brazil, using traps containing chemical bait and as well as capture by direct search, and the fungi resident on these flies was isolated and identified. The isolated fungi were two species of Aspergillus sp., one each from the genera Memnoniella sp., Scopulariopsis sp., Paecilomyces sp., and one fungi of the family Moniliaceae. Also, the entomopathogenic species of fungi Beauveria bassiana CG 470 and CG 472, Metarhizium anisopliae CG 34 and CG 312, and Paecilomyces sp. CG 301 were requested from CENARGEM/EMBRAPA. The species selected for the bioassays were Aspergillus sp., Memnoniella sp. and Metarhizium anisopliae CG 34 and CG 312. The fungi Aspergillus sp. and the Memnoniella sp. did not present entomopathogenic capacity; the fungi Metarhizium anisopliae CG 34 and CG 312 were sufficiently efficient in controlling the emergence of the adults of Musca domestica, showing themselves good agents of biological control.

KEY WORDS
Entomopathogenic fungi; biossay; biological control

INTRODUÇÃO

Os dípteros muscoides são considerados o principal problema em granjas de galinha de postura, por seu grande potencial biótico neste ambiente e pelos danos diretos e indiretos causados pela presença de altas densidades destes dípteros em granjas. (AXTELL; ARENDS, 1990AXTELL, R.C.; ARENDS, J.J. Ecology and management of arthropod pests of poultry. Annual Review of Entomology, v.35, p.101-126, 1990.). Estas moscas produzidas no esterco da granja podem migrar e colonizar cidades e vilarejos próximos dos empreendimentos, causando um problema de saúde pública (WINPISINGER, 2005WINPISINGER, K.A; FERKETICH, A.K; BERRY, R.L.; MOESCHBERGER. M.L. Spread of Musca domestica (Diptera: Muscidae), from two caged-layer facilities to neighboring residences in rural Ohio. Journal of Medical Entomology, v.42, n.5, p.732-738, 2005.). Perante a situação, a população atingida pode acionar o serviço de saúde local e exigir até o fechamento da granja.

BICHO et al. (2004)BICHO, C.L.; ALMEIDA, L.M. de; RIBEIRO, P.B.; SILVEIRA JÚNIOR, P. Flutuação de díptera em granja avícola, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Iheringia. Série Zôologia, v.94, n.2, p.205-210, 2004., em coleta feita em um aviário, constataram que 61,47% dos artrópodes existentes no local correspondiam a dípteros. A alta densidade de aves e o acúmulo de esterco servem de substrato ideal para a proliferação de moscas, destacando-se a Musca domestica que é veiculadora de micro-organismos que causam diversas patologias tanto em pessoas que trabalham ou moram nas redondezas e também causam sérias doenças nas aves (COSTA et al., 2004COSTA, V.A., FILHO, E.B., NETO, S.S. Parasitóides (Hymenoptera: Chalcidoidea) de moscas sinantrópicas (Díptera: Muscidae) em aviários de Echaporã, SP. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.71, n.2, p.203-209, 2004.; BERNARDI et al., 2006BERNARDI, E.; PINTO, D. M.; NASCIMENTO, J. S. do; RIBEIRO, P.B.; SILVA, C.I. da. Efeito dos fungos entomopatogênicos Metarhizium anisopliae e Beauveria bassiana sobre o desenvolvimento de Musca domestica L. (Díptera: Muscidae) em laboratório. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.73, n.1, p.127-129, 2006.).

O controle das populações de moscas é altamente desejável, devido aos danos que causam e, na maioria das vezes, é conseguido através do manejo químico, com a aplicação de inseticidas. A utilização dos inseticidas de maneira indiscriminada ou não-estratégica faz com que muitas espécies de insetos desenvolvam resistência. A M. domestica é uma das espécies com maior capacidade de desenvolver resistência aos inseticidas, e os fatores que influenciam o desenvolvimento desta resistência são genéticos, biológicos e operacionais. O surgimento da resistência faz com que seja necessário o desenvolvimento de novas classes de pesticidas, o que aumenta o preço final do controle químico (KEIDING, 1999KEIDING, J. Review of the global status and recent development of insecticide resistance in field populations of the housefly, Musca domestica (Diptera: Muscidae). Bulletin of Entomological Research. v.89, 67p. 1999. Supplement 1.).

Como alternativa ao controle químico, o controle microbiano de insetos utilizando fungos entomopatogênicos vem sendo aplicado utilizando-se principalmente as espécies Metarhizium anisopliae e Beauveria bassiana. Entretanto, poucos são os estudos direcionados ao controle biológico de moscas por fungos entomopatogênicos, avaliando a ação destes sobre as diversas formas evolutivas destes dípteros (BERNARDI et al., 2006BERNARDI, E.; PINTO, D. M.; NASCIMENTO, J. S. do; RIBEIRO, P.B.; SILVA, C.I. da. Efeito dos fungos entomopatogênicos Metarhizium anisopliae e Beauveria bassiana sobre o desenvolvimento de Musca domestica L. (Díptera: Muscidae) em laboratório. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.73, n.1, p.127-129, 2006.; NUNES et al., 2002NUNES, M.S.; COSTA, G.L. da; BITTENCOUNT, V.R.E.P.; SOUZA, E.J. Avaliação in vitro dos fungos Aspergillus flavus e Penicillium corylophilum em larvas de Musca domestica (Díptera: Muscidae). Parasitologia Latinoamericana, v.57, n.3/4, p.134-140, 2002.).

Devido aos patógenos transmitidos por esses insetos-pragas, o controle microbiano usando fungos entomopatogênicos é uma alternativa viável e segura, pois são considerados seguros tanto para os animais como para o ambiente e, além disso, a permanência desses micro-organismos no ambiente é potencialmente maior do que a dos produtos químicos (ALVES, 1998ALVES, S.B. Controle microbiano de insetos. 2.ed. São Paulo: Fealq, 1998. 1163p.; ALEXANDRE et al., 2006ALEXANDRE, T.M.; ALVES, L.F.A.; NEVES, P.M.O.J.; ALVES, S.B. Efeito da temperatura e cama do aviário na virulência de Beauveria bassiana (Bals.) Vuill. e Metarhizium anisopliae (Metsch.) para o controle do cascudinho (Alphitobius diaperinus) (Panzer) (Coleoptera: Tenebrionidae). Neotropical Entomology, v.35, n.1, 2006.).

O objetivo deste trabalho foi isolar fungos residentes em M. domestica e, por meio de bioensaios, avaliar a competência de cada isolado em controlar larvas de 3º instar de M. domestica em laboratório e compará-los com a ação de fungos entomopatogênicos de uso comercial.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os experimentos de campo foram realizados em dois galpões em uma granja aviária, localizada na BR 365, km14, no Município de Montes Claros, MG. As coletas foram realizadas de fevereiro a maio de 2007, sendo realizadas coletas semanais, utilizando armadilhas feitas com garrafas plásticas do tipo PET de dois litros, furadas perto da base para entrada das moscas e pintadas de amarelo para aumentar a atratividade (BURG; AXTELL, 1984BURG, J.C.; AXTELL, R.C. Monitoring house fly, Musca domestica (Diptera: Muscidae) in caged-layer poultry houses using a baited jug-trap. Environmental Entomology, v.13, n.4, p.1083-1090, 1984.). Como isca atrativa, foi usada a isca comercial Vetor® (Novartis Biociências). Foram colocadas quatro armadilhas em cada galpão na granja. As coletas foram feitas também utilizando um puçá de tela de Nylon para captura de indivíduos vivos de M. domestica, e essas moscas capturadas foram criadas no Laboratório de Zoologia da UNIMONTES.

Os adultos vivos de M. domestica coletados no aviário foram levados ao Laboratório de Zoologia e criados em caixa entomológica de acrílico a temperatura ambiente. Dentro da caixa entomológica foi mantida uma placa de Petri com algodão e água para manter a umidade. A alimentação dos adultos ocorreu com leite em pó adicionado de açúcar ad libidum e para obtenção das larvas foi utilizado um meio de cultura composto de ração avícola de postura mais farelo de trigo na proporção de 50% cada.

As amostras coletadas no aviário foram individualizadas em sacos plásticos e identificadas no Laboratório de Biotecnologia da UNIMONTES e transferidas para bandejas plásticas, sendo coletados adultos vivos ou mortos de M. domestica. Todos os insetos passaram por desinfecção por imersão em álcool 70% por 2 segundos e, em seguida, imersos em hipoclorito 1% por 1 minuto, posteriormente repetindo-se a lavagem em água destilada estéril para a retirada do excesso de cloro.

Concluído o processo de desinfecção, os insetos foram transferidos para câmara úmida, com 25 insetos por placa, totalizando 450 moscas. Todos os indivíduos foram mantidos a 26 ± 1º C e fotofase de 14h por 27 dias para obter o crescimento dos fungos residentes.

Os fungos foram isolados dos cadáveres, transferindo-os para placas contendo meio de cultura Batata Dextrose Agar, acrescido de tetraciclina (na proporção de 100 mg de tetraciclina para 0,1 L de BDA). Posteriormente, os fungos foram identificados por meio de microcultivo e chave taxonômica proposta por ALVES (1998)ALVES, S.B. Controle microbiano de insetos. 2.ed. São Paulo: Fealq, 1998. 1163p. e BARNETT; HUNTER (1998)BARNETT, H.L.; HUNTER, B.B. Illustrated Genera of imperfect fungi. 4.ed. Minnesota: Burgués Publishing Company, 1998. 218p., e armazenados em tubos de ensaio com meio BDA, recobertos por óleo mineral estéril e usados posteriormente nos bioensaios (ALVES, 1998ALVES, S.B. Controle microbiano de insetos. 2.ed. São Paulo: Fealq, 1998. 1163p.).

Foram gentilmente cedidos pelo CENARGEN – Embrapa Recursos Genéticos, Brasília, DF, os seguintes fungos entomopatogênicos: B. bassiana CG 470 e CG 472; M. anisopliae var. anisopliae CG 34 e CG 312; Paecilomyces sp. CG 301; Trichoderma harzianum CG 502.

As larvas das moscas foram obtidas da criação do Laboratório de Zoologia da UNIMONTES, a partir da F2 (2ª geração) e todas estavam sadias e bem nutridas, sendo selecionadas as larvas com 72 horas de eclosão. Por meio desses bioensaios, foram analisados os diferentes níveis de respostas dos hospedeiros tratados. As larvas tiveram a mesma idade, e fase de desenvolvimento biológico e o número mínimo para cada tratamento foi de 60 indivíduos. Os fungos selecionados para os bioensaios foram os que esporularam em meio de cultura BDA ou BDA com adição de caldo obtido com fervura de arroz.

Os fungos que não esporularam, foram transferidos para meio de cultura BDA modificado. A alteração do meio de cultura ocorreu acrescentando água retirada da fervura de arroz integral em substituição a água destilada, melhorando assim o valor nutricional do meio de cultura.

As suspensões de conídios foram preparadas acrescentando 6 mL de água destilada estéril adicionado de espalhante adesivo (Tween 80) na proporção de 0,01%, sobre a superfície de cada placa contendo as culturas esporuladas. Em seguida, foi feita a raspagem superficial para a retirada dos conídios e essas suspensões de esporos foram então transferidas para tubos de ensaio, para posterior homogeneização e quantificação, em câmara de Neubauer.

Após a obtenção das larvas de M. domestica, estas foram colocadas em uma placa de Petri, sendo 60 larvas para cada tratamento com diferentes diluições de esporos. As suspensões de esporos foram então despejadas nas placas sobre as larvas de M. domestica, transferindo-se, em seguida, essas larvas para potes plásticos de 280 mL, previamente esterilizados por radiação ultravioleta, contendo chumaços de algodão estéril, umedecidos com água destilada estéril, sendo o tratamento controle composto por água destilada estéril adicionada de 0,01% de Tween 80. As larvas foram divididas em 3 grupos de 20 indivíduos cada e o tratamento com cada diluição de esporo foi feito em triplicata. Todos os grupos foram mantidos em incubadoras B. O. D com fotofase de 14h a 27° C ± 1. As observações foram feitas diariamente. As larvas não foram alimentadas durante a incubação e este foi avaliado por um período de dez dias, sendo a porcentagem de mortalidade o fator analisado.

Para verificar o efeito da concentração de esporos das quatro espécies de fungo sobre a mortalidade dos indivíduos foi construído e ajustado um modelo linear generalizado, com distribuição de erros quasibinomial, por ter sido a mais adequada para o tipo de dados (proporção de indivíduos mortos). As variáveis independentes do modelo foram: concentração de esporos, fungo (com quatro níveis, correspondentes às espécies de fungo) e a interação entre concentração de esporos e fungo (concentração de esporos x fungo). Os valores de concentração de esporos foram linearizados com a função Log10(x), exceto os valores iguais a zero. Foi realizada uma Análise de Desvio (ANODEV) do mode-lo, que é uma generalização da análise da variância para os Modelos Lineares Generalizados (GLM). Uma Análise de Contrastes foi realizada para verificar quais fungos são diferentes entre si, quanto aos seus efeitos na mortalidade das larvas. Todas as análises estatísticas foram realizadas no software estatístico R (R Core Team, 2008R DEVELOPMENT CORE TEAM. .: A language and environment for statistical computing. Vienna: Foundation for Statistical Computing, 2008.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os fungos isolados e identificados foram pertencentes a duas espécies de Aspergillus sp., Paecilomyces sp., Memnoniella sp., Scopulariopsis sp. e um fungo da família Moniliaceae.

Entre os fungos isolados, apenas os fungos Paecilomyces sp. e o Aspergillus sp. já haviam sido isolados de M. domestica (ALVES, 1998ALVES, S.B. Controle microbiano de insetos. 2.ed. São Paulo: Fealq, 1998. 1163p.; SALES et al., 2002SALES, M.S.N.; COSTA, G.L.; BITTENCOURT, V.R.E.P. Isolation of fungi in Musca domestica Linnaeus, 1758 (Diptera: Muscidae) captured at two natural breeding grounds in the municipality of Seropédica, Rio de Janeiro, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v.97, n.8, 2002.; BANJO et al., 2005BANJO, A.D.; LAEAL, O.A.; ADEDUJI, O.O. Bacteria and fungi isolated from housefly (Musca domestica L.) larvae. African Journal of Biotechnology, v.4, n.8, p.708-704, 2005.), entretanto, não foram encontrados registros do isolamento de Memnoniella sp. e Scopulariopsis sp. em M. domestica. O fungo também isolado pertencente à família Moniliceae ainda será identificado para que então, posteriormente à identificação, ele possa ser confirmado ou não como sendo um fungo já isolado de indivíduos de M. domestica.

Desses fungos isolados, o gênero Aspergillus pode crescer sobre um grande número de substratos, em virtude da sua capacidade de produção de diferentes tipos de enzimas (CARLILE et al., 2001CARLILE, M.J.; WATKINSON, S.C.; GOODAY, G.W. The fungi. 2.ed. London: Academic Press, 2001. 608p.). Embora em estudos como o de NUNES et al. (2002)NUNES, M.S.; COSTA, G.L. da; BITTENCOUNT, V.R.E.P.; SOUZA, E.J. Avaliação in vitro dos fungos Aspergillus flavus e Penicillium corylophilum em larvas de Musca domestica (Díptera: Muscidae). Parasitologia Latinoamericana, v.57, n.3/4, p.134-140, 2002. e confirmado pelos resultados desse trabalho, espécies do gênero Aspergillus não sejam consideradas entomopatogênicas, esse gênero é relatado como um agente secundário no processo-doença, sendo mais comum sua ocorrência em insetos moribundos, já colonizados por outros patógenos ou submetidos a diferentes tipos de estresse (ALVES, 1998ALVES, S.B. Controle microbiano de insetos. 2.ed. São Paulo: Fealq, 1998. 1163p.).

O gênero Paecilomyces, tal como isolado de M. domestica neste trabalho, reúne diversas espécies entomopatogênicas, sendo as mais frequentes P. farinosus, P. tenuipes, P. amoeneroseus, P. cicadidae, P. fumosoroseus e outros. Esse gênero causa em insetos a doença denominada muscardine amarelo (ALVES, 1998ALVES, S.B. Controle microbiano de insetos. 2.ed. São Paulo: Fealq, 1998. 1163p.) e, apesar de reunir diversas espécies entomopatogênicas, também são considerados saprófitas no meio ambiente (BARNETT; HUNTER, 1998BARNETT, H.L.; HUNTER, B.B. Illustrated Genera of imperfect fungi. 4.ed. Minnesota: Burgués Publishing Company, 1998. 218p.).

O gênero Scopulariopsis, também isolado desses dípteros, apresenta espécies de importância médica. O S. brevicaulis é o patógeno mais comum desse gênero e um dos frequentes contaminantes de laboratórios. Sua importância na medicina é devido ao fato dele causar infecção nas unhas dos pés e, menos comumente, das unhas das mãos (MURRAY, 2002MURRAY, P.R. Microbiologia clínica. 2.ed. Belo Horizonte: MEDSI, 2002. 392p.). Dentro desse gênero, existem espécies que podem causar deterioração de laticínios e carnes (FRANCO; LANDGRAF, 2005FRANCO, B.D.G.M.; LANDGRAF, M. Microbiologia dos Alimentos. São Paulo: Atheneu, 2005.) sendo também considerado saprófita no solo (BARNETT; HUNTER, 1998BARNETT, H.L.; HUNTER, B.B. Illustrated Genera of imperfect fungi. 4.ed. Minnesota: Burgués Publishing Company, 1998. 218p.). Não foram encontrados registros de isolamento desse gênero em M. domestica, e também não foram localizados trabalhos que tenham avaliado se espécies desse gênero apresentam alguma atividade entomopatogênica.

Para o gênero Memnoniella, não foram encontrados muitos trabalhos, inclusive sobre se possuem potencial entomopatogênico. Como observado nos resultados dos bioensaios, não foi observada atividade entomopatogênica em indivíduos de M. domestica.

Foi isolado um fungo da família Moniliaceae e neste grupo encontram-se espécies que possuem atividade entomopatogênica como Beauveria, Trichorderma e outros não entomopatogênicos como Aspergillus e Penicillium (SILVEIRA, 1995SILVEIRA, V.D. Micologia. 5.ed. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural Edições, 1995. 332p.).

Dentre os fungos usados no experimento, apenas os M. anisopliae CG 34 e CG 312 e um dos Aspergillus sp. apresentaram esporulação em meio de cultura BDA, sendo assim, foi realizada uma tentativa de modificar o meio de cultura BDA acrescentando água retirada da fervura contendo arroz integral e, após esse procedimento, apenas o fungo Memnoniella sp. apresentou esporulação. Devido ao fato dos outros fungos não terem produzido esporos em quantidades satisfatórias, os bioensaios foram realizados com esses quatro fungos e cada um obteve uma produção de esporos diferenciada (Tabela 1).

Tabela 1
Concentrações de esporos/mL usadas nos bioensaios após recuperação da suspensão micelial no meio de cultura.

O efeito da concentração de esporos sobre a mortalidade de larvas dependeu da espécie de fungo (P < 0,0001) (Tabela 2, Fig. 1). A mortalidade de larvas aumenta com o aumento da concentração de esporos nas duas linhagens de M. anisopliae, que não apresentaram efeitos diferentes na mortalidade (P < 0,0001). Aspergillus sp. e Memnoniella sp. não provocaram aumento na mortalidade das larvas, e também não apresentaram efeitos diferentes na mortalidade (Fig. 1).

Fig. 1
Porcentagem de larvas mortas após tratamento com diferentes concentrações de esporos/mL de cada espécie fúngica analisadas neste experimento. Os valores 0, 5, 10 e 15 no eixo x significam respectivamente as diluições 10-4, 10-3, 10-2 e 10-1.

Nos bioensaios, verificou-se que o fungo Memnoniella sp. não impediu a pupação das larvas, mostrando-se sem potencial entomopatogênico, sendo que o aumento da concentração de esporos na suspensão aumentou a emergência de adultos (Fig. 1).

O Aspergillus sp. também se mostrou pouco eficiente para o controle de larvas como entomopatógeno (Fig. 1). NUNES et al. (2002)NUNES, M.S.; COSTA, G.L. da; BITTENCOUNT, V.R.E.P.; SOUZA, E.J. Avaliação in vitro dos fungos Aspergillus flavus e Penicillium corylophilum em larvas de Musca domestica (Díptera: Muscidae). Parasitologia Latinoamericana, v.57, n.3/4, p.134-140, 2002. observaram emergências de adultos entre 57,50% e 86,25% quando as larvas foram tratadas com suspensões de 108 esporos/mL, sendo que estes valores indicam que a porcentagem de emergência de adultos foi inversamente proporcional aos aumentos das concentrações das suspensões de esporos com as duas espécies de Aspergillus sp. avaliadas. O mesmo resultado não foi observado nestes bioensaios, onde não houve diferença entre o aumento da concentração de esporos/mL e a taxa de mortalidade larval (Tabela 2, Fig. 1).

Tabela 2
Resultado da análise de desvio do modelo linear generalizado que explica a mortalidade de larvas. Todas as variáveis independentes tiveram um efeito significativo sobre a mortalidade.

Os isolados do fungo M. anisopliae mostraram-se bastantes eficientes como entomopatógenos de larvas de M. domestica (Fig. 1), sendo esses resultados já observados por BERNARDI et al. (2006)BERNARDI, E.; PINTO, D. M.; NASCIMENTO, J. S. do; RIBEIRO, P.B.; SILVA, C.I. da. Efeito dos fungos entomopatogênicos Metarhizium anisopliae e Beauveria bassiana sobre o desenvolvimento de Musca domestica L. (Díptera: Muscidae) em laboratório. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.73, n.1, p.127-129, 2006. e BARSON et al. (1994)BARSON, G.; RENN, N.; BYWATER, A.F. Laboratoy evaluation of six species of entomopathogenic fungi for the control of the house fly (Musca domestica L.), a pest of intensive animal units. Journal of Invertebrate Pathology, n.64, p.107-113, 1994.. A diferença de mortalidade observada entre os isolados do gênero Metarhizium poderia ser atribuída à diferença de concentração de esporos/mL, sendo que o M. anisopliae CG 312 teve uma maior esporulação e, consequentemente, seu inóculo foi bem mais concentrado (Tabela 1).

Por meio desses resultados, pôde ser observada a diferença quando larvas de M. domestica foram tratadas com fungos entomopatogênicos e com fungos que são saprófitas no ambiente (não entomopatogênico). Os fungos entomopatogênicos como o M. anisopliae têm a capacidade de produzir proteases, esterases, lipases, quitinases e outras enzimas que degradam a cutícula dos insetos e acabam levando a morte do hospedeiro pela invasão e colonização de seus corpos (TIAGO; FURLANETO, 2003TIAGO, P.V., FURLANETO, M.C. O papel de proteases degradadoras de cutícula produzidas por fungos entomopatogênicos. Revista do Programa de Ciências Agro-ambientais, v.2, n.1, p.40-51, 2003.).

O controle de M. domestica em locais de criação de animais vem crescendo a cada ano e já existem alguns trabalhos onde o controle dessas moscas em aviários, através de fungos entomopatogênicos, foi satisfatório (KAUFMAN et al., 2005KAUFMAN, P.E.; REASON, C.; RUTZ, D.A. KETZS, J.K.; ARENDS, J.J. Evaluation of Beauveria bassiana applications against adult house fly, Musca domestica, in commercial caged-layer poultry facilities in New York state. Biological Control, v.33, p.360-367, 2005.; LUIS; JOSÉ, 2006LUIS, J.C.O.; JOSÉ, V.S.D. Control temporal de moscas caseras (Musca domestica) en galpones avícolas mediante nebulizaciones com conídias de Beauveria bassiana. Boletin de Malariologia y Salud Ambiental, v.66, n.2, 2006.). O controle populacional de M. domestica usando fungos entomopatogênicos é muito promissor e ainda carente de pesquisas, mas vem ganhando bastante atenção principalmente pelo rápido surgimento de resistência aos inseticidas químicos que essas moscas desenvolvem, sendo o controle microbiano uma alternativa viável e segura.

CONCLUSÕES

Os fungos Scopulariopsis sp. e Memnoniella sp. foram isolados de M. domestica, sendo este trabalho o primeiro registro de sua ocorrência.

O gênero Scopulariopsis sp. apresenta espécies de importância médica e veterinária, sendo os adultos de M. domestica veiculadores desses fungos.

Os fungos Memnoniella sp. e Aspergillus sp. isolados das moscas capturadas não apresentaram capacidade entomopatogênica e não são indicados para controle de larvas de M. domestica.

O fungo M. anisopliae (isolados CG 34 e CG 312) foi bastante eficiente no controle in vitro de larvas de M. domestica.

M. anisopliae apresenta maior patogenicidade para larvas de 3° instar de M. domestica quanto maior for a produção de esporos.

AGRADECIMENTOS

À SOMAI NORDESTE S/A pelo apoio no desenvolvimento da pesquisa, à FAPEMIG pela concessão da bolsa de iniciação cientifica para o primeiro autor durante a sua graduação.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2010

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2008
  • Aceito
    05 Jun 2010
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