UTILIZAÇÃO DE UMA TÉCNICA RÁPIDA EM CAMADA DELGADA PARA AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE MICOBACTERICIDA DE DESINFETANTES QUÍMICOS

USE OF A FAST THIN-LAYER TECHNIQUE FOR THE EVALUATION OF THE MYCOBACTERICIDAL ACTIVITY OF CHEMICAL DISINFECTANTS

RESUMO

A atividade micobactericida do hipoclorito de sódio (2,5 % de cloro ativo) foi avaliada frente a uma estirpe de Mycobacterium bovis utilizando-se a técnica de cultivo em camada delgada de ágar Middlebrook 7H11 modificado, a qual foi comparada ao teste padrão realizado em tubos contendo meio de Stonebrink. Os testes foram realizados na presença e ausência de matéria orgânica e em duas temperaturas (21 ± 2° C e à 4° C). Os resultados obtidos nas contagens das unidades formadoras de colônias (U.F.C) nas placas e tubos foram transformados em percentual de redução (Tabela 1) os quais foram comparados entre as duas técnicas, mostrando que o hipoclorito de sódio apresentou percentuais iguais entre as placas e os tubos em todas as condições testadas (teste de Mann-Wihtney p > 0,05; α = 5%). O desinfetante atingiu atividade micobactericida de 100 % em todas as condições, exceto quando à temperatura de 4° C e presença de matéria orgânica (teste de Kruskal-Wallis e teste de Dunn; p < 0,05 ). O percentual de redução foi maior quando na ausência de matéria orgânica e à temperatura ambiente (teste de Mann-Wihtney; p < 0,05). A técnica de cultivo em camada delgada mostrou-se viável para realização de testes de desinfetantes e permitiu uma visualização precoce das micobactérias (média de 7 dias). O hipoclorito de sódio 2,5% teve a atividade micobactericida diminuída quando na presença de matéria orgânica e à temperatura de 4° C.

PALAVRAS-CHAVE
Desinfetantes; Mycobacterium bovis ; tuberculose; Middlebrook; camada delgada

ABSTRACT

The mycobactericidal activity of sodium hypochlorite (2.5% of active chlorine) was evaluated against a strain of Mycobacterium bovis using the modified thin-layer Middlebrook 7H11 cultivation technique and it was compared to the test made in tubes with Stonebrink medium. The assays were performed either in the presence or absence of organic matter, at temperatures of 4° C and 21 ± 2° C. The colonycounting results were transformed into reduction percentages (Tabela 1) which were compared between the two techniques, showing the disinfectant had similar reduction percentages between plates and tubes in all conditions tested (Mann-Whitney test p < 0.05; α = 5%). The 2.5% sodium hypochlorite had a mycobactericidal activity of 100% in all conditions, except when in the presence of organic matter and at 4º C (Kurskall-Wallis test and Dunn test, p > 0.05). The reduction percentage was higher when in the absence of organic matter and at 21 ± 2° C (Mann-Whitney test p > 0.05). The modified thin layer cultivation technique was practicable for the realization of the disinfectant tests and allowed an earlier visualization of the colonies (7 days medium). The 2.5% sodium hypochlorite had its mycobactericidal activity diminished when in the presence of organic matter and at the temperature of 4° C.

KEY WORDS
Disinfectants; Mycobacterium bovis ; tuberculosis; Middlebrook; thin layer

INTRODUÇÃO

A tuberculose é uma doença transmissível de importância em saúde pública e saúde animal, pois determina um quadro grave de doença no homem, e acarreta acentuadas perdas econômicas, devido à diminuição da produtividade dos rebanhos afetados. Sob condições favoráveis, o Mycobacterium bovispode causar, em seres humanos, as mesmas formas clínicas e lesões patológicas que o M. tuberculosis, e a infecção de seres humanos pelo M. bovisocorre, principalmente pela via aerógena, ou pela ingestão de alimentos contaminados (ACHA; SZYFRES, 1986).

Muito antes da descoberta de medicamentos para o tratamento dos doentes, a tuberculose em humanos já estava diminuindo nos países desenvolvidos, pois os programas sanitários adotados abrangiam linhas de ação em relação às fontes de infecção, às vias de transmissão, aos animais suscetíveis e ao controle de produtos de origem animal. (KLEEBERG, 1984). Dentre as principais ações aplicadas nos programas sanitários destinados ao controle da tuberculose bovina, destacam-se os procedimentos de desinfecção como instrumento efetivo no combate ao agente da doença no meio ambiente (POLIAKOV, 1975; VERA et al., 1985).

A necessidade de uma freqüente avaliação dos desinfetantes está embasada no princípio de que a análise química dos produtos não fornece todas as informações necessárias para a mensuração de sua atividade antimicrobiana, isto é possível com a execução de ensaios que avaliem adequadamente a influência de outros fatores tais como: o tipo e a origem da estirpe que está sendo testada, o preparo do inóculo, o princípio ativo do produto químico e a sua respectiva concentração, bem como a seleção dos produtos neutralizantes (PINHEIRO et al., 1992; CASTILLO GUERRERO et al., 1993; PINHEIRO et al., 1997).

As micobactérias apresentam elevada capacidade de sobrevivência às mais variadas condições ambientais, e por este motivo, têm sido alvo de estudo por parte de outros pesquisadores há décadas. WANG et al. (2005) afirmaram que as micobactérias são mais resistentes a desinfetantes que às demais bactérias em estado vegetativo devido à parede celular rica em lipídios.

No comércio estão disponíveis diversos tipos de desinfetantes químicos, no entanto, o critério para a escolha de um determinado princípio ativo é o potencial que o mesmo apresenta para o combate ao agente que se deseja eliminar. RUBIN (1983) destacou a atividade micobactericida do formaldeído, iodo, iodóforos e dos compostos clorados.

Considerando o fator crescimento lento de micobactérias patogênicas nos meios de cultura tradicionais, atualmente, uma avaliação da atividade micobactericida de desinfetantes químicos que atenda às recomendações já mencionadas anteriormente, levaria cerca de quatro meses para ser realizado. O aperfeiçoamento do método microbiológico convencional para um rápido diagnóstico representa uma grande vantagem na luta contra a tuberculose no homem e no bovino (SCHABERG et al., 1995; MEJIA et al., 1999).

A técnica da camada delgada foi desenvolvida para a pesquisa e detecção rápida de micobactérias no meio de Middlebrook 7H11 com visualização microscópica (IDIGORAS et al., 1995), e oferece como principais vantagens resultados mais precoces e a possibilidade do estabelecimento de uma identificação preliminar da micobactéria isolada, baseando-se nas características morfológicas das colônias. Portanto, pode ser utilizada como um método complementar para o diagnóstico da tuberculose humana e animal (MEJIA et al., 1999; MARCONDES, 2002; DIB et al., 2006). Além disso, essa técnica dispensa microscópios especiais ou qualquer outro aparato técnico sofisticado, e pode ser usada em qualquer laboratório. Os técnicos que a executam devem ser treinados, porém, o aprendizado é rápido (IDIGORAS et al., 1995).

MARCONDES (2002) e DIB et al. (2006) utilizaram a técnica da camada delgada para o cultivo do M. bovisobtendo bons resultados com tempo de crescimento entre 5 e 13 dias. Até o momento, não há registros na literatura pesquisada sobre um “teste rápido” de desinfetantes utilizando-se estirpes patogênicas de M. bovisrecém isoladas de material de campo. Desta forma, justifica-se o presente trabalho, que valida uma técnica de cultivo em camada delgada de ágar Middlebrook 7H11 para o teste da atividade micobactericida de um desinfetante químico, reduzindo assim o tempo de realização do teste e acelerando a indicação de um produto desinfetante eficaz.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os testes foram feitos em cabine de fluxo laminar, utilizando-se 8 placas de Petri de vidro estéreis (9,5 cm de diâmetro) contendo quatro círculos de papel filtro de 2,5 cm de diâmetro. Todas as placas receberam 4 mL de suspensão bacteriana de 0,06 g de colônias diluídas em 100 mL de solução salina 0,85 % estéril com 0,05% de Tween 80 (PINHEIRO, 1990; PINHEIRO, 1992). Duas placas do grupo A e duas do grupo B (constituídos de 4 placas cada) receberam como matéria orgânica 1 mL de soro de coelho estéril, e duas placas receberam o placebo (1 mL de solução salina 0,85% estéril). Posteriormente, adicionou-se 4 mL do hipoclorito de sódio 2,5% (grupo B) diluído a 1:8, e a solução salina 0,85% estéril no grupo controle (grupo A). Duas placas por grupo foram mantidas à temperatura de 21 ± 2° C e duas à de 4° C por 60 minutos, tempo padronizado para avaliar-se a ação do desinfetante. Em seguida, foram retirados 3 círculos de papel filtro por placa, os quais foram macerados em cadinho com 10 mL de solução neutralizante (meio de cultura TSB acrescido de 5% de soro de coelho estéril). Da suspensão anterior retirou-se 1 mL para diluir em 9 mL de solução salina 0,85% resultando em uma suspensão a 1:100. Após centrifugação a 1000 G, durante 15 minutos, o sedimento foi ressuspenso em 2 mL de solução salina 0,85% estéril, semeados em duplicatas, as placas contendo 7 mL de meio de Middlebrook 7H11 modificado (UNIVERSIDAD DELAS NACIONES UNIDAS, 1998), e tubos contendo 7 mL de meio de Stonebrink (CENTRO PANAMERICANO DE ZOONOSIS, 1979).

As placas foram incubadas a 37° C, em jarra de microaerofilia (5 – 10% CO₂), e lidas no sétimo dia pós-semeadura com auxílio de microscópio óptico comum no aumento de 100x. Os tubos com meio de Stonebrink foram incubados horizontalmente a 37° C por 24 horas, até a obtenção da secagem da porção líquida quando foram fechados com rolha de cortiça e mantidos a 37° C por 28 dias, quando foi realizada a leitura utilizando-se critério de escores segundo o preconizado por PINHEIRO (2001) superfície demarcada (colônias quase confluentes), 5: 81 a 100% da superfície demarcada (toda a superfície do meio tomada por colônias).

Foram calculadas as médias das contagens, das duas duplicatas, das U.F.C. nas placas e dos escores nos tubos. O valor médio obtido foi transformado em percentual de redução (Tabela 1) (PINHEIRO, 2001), o qual foi analisado estatisticamente com o auxílio dos softwaresSPSS for WindowsRealese 9.01 (1999) e INSTAT 3.01 (1998). As Figuras 1 e 2, do tipo “boxplot”, representam a ação do desinfetante nas diferentes condições testadas. O desinfetante foi avaliado nas diferentes situações de temperatura e matéria orgânica (teste de Kruskal-Wallis e o teste de Dunn como confirmatório), e comparou-se o desempenho do produto entre placas e tubos (teste de Mann-Wihtney; nível de confiança α = 5%).

Tabela 1
Percentual de redução de crescimento de M. bovisfrente ao hipoclorito de sódio 2,5% em placas de meio de Middlebrok 7H11 e tubos de meio de Stonebrink, considerando a temperatura de contato e a presença ou ausência de matéria orgânica São Paulo – 2007.

R	Placas								Tubos
	4º C				TA				4ºC				TA
	smo		cmo		smo		cmo		smo		cmo		smo		cmo
1ª	100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0
2ª	100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0
3ª	100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0
4ª	100,0		98,6		100,0		100,0		100,0		71,4		100,0		100,0
5ª	100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0
6ª	100,0		97,7		100,0		100,0		100,0		60,0		100,0		100,0
7ª	100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		100,0
8ª	100,0		100,0		100,0		100,0		100,0		88,9		100,0		100,0
9ª	100,0		81,8		100,0		100,0		100,0		33,3		100,0		100,0
10ª	100,0		89,0		100,0		100,0		100,0		40,0		100,0		77,8

• R Repetições
• 4° C Temperatura de 4 Graus Celsius
• TA Temperatura ambiente 21 ± 2°C.
• SMO Ausência de matéria orgânica
• CMO Presença de matéria orgânica

Fig. 1
Atividade micobactericida do hipoclorito de sódio 2,5% em placas com meio de Middlebrook 7H11, em diferentes condições de temperatura e na presença ou ausência de matéria orgânica.

Fig. 2
Atividade micobactericida do hipoclorito de sódio 2,5% em tubos com meio de Stonebrink, em diferentes condições de temperatura e na ausência ou presença matéria orgânica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As leituras de U.F.C. obtidas na avaliação da atividade micobactericida do desinfetante em placas, com meio de Middlebrook 7H11, puderam ser efetuadas em aproximadamente sete dias. Entretanto, o tempo de leitura dos tubos com meio de Stonebrink só foi possível ser realizado com 28 dias. A variável tempo de leitura e execução das duas técnicas foi avaliada por MARCONDES et al. (2006) que comparou o tempo de crescimento nas placas e nos tubos, demonstrando que o método de cultivo em placas possibilita a realização de leitura em menor tempo. DURMAZ et al. (1985), WELCH et al. (1993), IDIGORAS et al. (1995) e MEJIA et al. (1999) também demonstraram as vantagens do diagnóstico da técnica de camada delgada frente aos métodos tradicionais de cultivo de micobactérias relatando significativa redução no tempo para a observação das primeiras colônias com elevada sensibilidade em favor da técnica de camada delgada.

A utilização de microscopia óptica na leitura das placas favorece uma contagem precisa em menor período de tempo e é um aspecto que valoriza o teste realizado em placas (MARCONDES, 2002; MARCONDES et al., 2006; DIB et al., 2006). A visualização tardia de colônias em meios de cultura tradicionais é um fator que limita a recomendação dos testes que avaliam a atividade micobactericida de desinfetantes químicos (PINHEIRO et al., 1992, PINHEIRO et al., 1997; PINHEIRO, 2001).

A observação microscópica efetuada nas placas detectou o início do crescimento das U.F.C. aos 3 dias pós semeadura (p.s), resultando na recomendação de leitura aos 7 dias p.s. onde se pode quantificar e observar o crescimento de colônias com aspecto rugoso, bordos irregulares e de coloração acastanhada (Fig. 3). Nos tubos, a visualização das U.F.C. sem ajuda de microscópio iniciou-se a partir do 21º dia p.s. sendo a leitura feita somente no 28° dia (Fig. 4). A visualização microscópica do crescimento de colônias (M. bovis), com aspecto semelhante, obtido no meio de cultura de Middlebrook 7H11 a partir do quinto dia pós-semeadura (Fig. 3), também foi observado por MARCONDES et al. (2006) que, trabalhando com a estirpe padrão M. bovisAN5, constataram que as colônias podiam ser melhor visualizadas a partir do 5° e 6° dia pós semeadura. A leitura efetuada em tubos aos 28 dias p.s. é recomendada em trabalhos que avaliam a atividade micobactericida de desinfetantes químicos (PINHEIRO, 1990). A precocidade de tempo de leitura bem como contagem mais precisa é o que diferencia a técnica da camada delgada frente as demais técnicas tradicionalmente utilizadas.

Fig. 3
Colônias de M. bovisem placa com meio de Middlebrook 7H11, com 7 dias de cultivo. Microscopia ótica sob aumento de 100 x.

Fig. 4
Colônias de M. bovisem tubos de meio de Stonebrink com 21 dias de Cultivo.

O resultado das contagens de U.F.C. obtido nas duas técnicas foi semelhante (p > 0,05, teste de MannWihtney) e indicou que à temperatura ambiente, na ausência e presença de matéria orgânica, o hipoclorito de sódio apresentou uma atividade micobactericida de 100% (Fig. 1). A boa atividade micobactericida dos clorados já foi descrita anteriormente (COSTIGAN, 1936; SMITH, 1971; PINHEIRO, 1990; CASTILLO GUERRERO, 1991). À temperatura de 4° C, na ausência de matéria orgânica, o produto manteve a atividade micobactericida a 100%, já quando submetido à presença de matéria orgânica sua atividade foi reduzida (teste de KruskalWallis e teste de Dunn; p < 0,05). O percentual de redução foi maior quando na ausência de matéria orgânica e à temperatura ambiente (teste de MannWihtney; p < 0,05). A diminuição da atividade micobactericida do hipoclorito de sódio na presença de matéria orgânica já foi relatada por HEKMATI; BRADLEY, (1979), GÉLINAS; GOULET (1983) e PINHEIRO (1990).

Dentre os fatores que podem influenciar a atuação dos hipocloritos são mencionados o pH, a temperatura, a concentração do produto e a matéria orgânica (HEKMATI; BRADLEY, 1979; GÉLINAS; GOULET, 1983; RUBIN, 1983; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1984). O efeito da temperatura sobre os produtos clorados foi demonstrado por COSTIGAN (1936) e DYCHDALA (1983), os quais constataram que o aumento da temperatura ocasionou um aumento da atividade bactericida do desinfetante.

CONCLUSÃO

A técnica de cultivo de micobactérias em camada delgada no meio de Middlebrook 7H11 se mostrou viável para realização de testes de desinfetantes quando comparada ao teste realizado em meio de Stonebrink (28 dias) e permitiu uma visualização precoce das micobactérias (média de 7 0dias). A atividade micobactericida do hipoclorito de sódio só foi prejudicada quando houve associação da presença de matéria orgânica e temperatura de 4° C.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Maio 2021
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2009

Histórico

• Recebido
  29 Set 2007
• Aceito
  06 Dez 2008