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OCORRÊNCIA DE LEUCOSE ENZOÓTICA BOVINA NA FORMA DE LINFOSSARCOMAS NO DISTRITO FEDERAL: RELATO DE CASO

OCCURRENCE OFENZOOTIC BOVINE LEUKOSIS IN THE FORM OF LYMPHOSARCOMAS IN THE DISTRITO FEDERAL, BRAZIL

RESUMO

Os autores deste trabalho relatam um caso de Leucose Enzoótica Bovina em uma fêmea de 3 anos de idade, atendida no Hospital Veterinário da Universidade de Brasília. O referido animal apresentou achados clínicos característicos da enfermidade como exoftalmia, paresia dos membros posteriores, aumento de linfonodos superficiais e massa endurecida palpável localizada no corno uterino esquerdo. À necropsia foram observadas massas esbranquiçadas, firmes e/ou macias, com formações nodulares ou difusas nos diferentes órgãos como coração, rúmen, útero, pulmão, medula, rins e tecido retro bulbar do globo ocular direito. O hemograma revelou leucocitose com pleomorfismo, citoplasma vacuolizado e presença de plasmócitos flamejantes e já no exame químico do líqüor evidenciou-se uma redução da glicemia. Os achados clínicos associados aos achados de necropsia e resultados laboratoriais contribuíram para se chegar a uma suspeita de Leucose Enzoótica Bovina.

PALAVRAS-CHAVE
Leucose Enzoótica Bovina; linfossarcoma; patogenia; linfocitose; bovino

ABSTRACT

This paper reports a case of enzootic bovine leukosis in a 3-year-old cowtreatedat the Veterinary Hospital of the University of Brasília. This animal presented characteristic clinical findings of the disease like exophthalmia, paresia of the hind legs, growth of superficial lymph nodes, and a hard palpable mass localized inside the left uterine horn. At the necropsy there were observed white masses of hard or soft consistencies with nodular or diffused formation invarious organs like the heart, rumen, uterus, lungs, medulla, kidneys and retro-bulbar tissue behind the right eye. The hematological exam showed leukocytosis with pleomorfism, vacuolated cytoplasm, and the presence of flamejant plasmocytes. The chemical examination of the liquor revealed reduction of the glycemic level. The clinical finding associated with the necropsy findings and laboratorial results contributed to a suspicion of enzootic bovine leukosis.

KEY WORDS
Enzootic bovine leukosis; lymphosarcoma; pathogeny; lymphocytosis; bovine

A leucose enzoótica bovina (LEB) é uma doença infecciosa altamente contagiosa, de evolução crônica, que acomete bovinos, principalmente o rebanho leiteiro, causando prejuízos econômicos consideráveis, com capacidade de ocasionar, após longos períodos, (1 a 8 anos) uma proliferação de linfócitos infectados com a formação de linfossarcomas. Cerca de 30% dos animais infectados por este vírus desenvolvem uma linfocitose persistente (LP) e apenas 0,1 a 0,5% dos animais infectados, com idade entre 4 e 8 anos, desenvolvem linfossarcomas, caracterizando a forma clínica da doença (BURNY et al., 1985BURNY, A.; BRUCK, C.; CLEUTER, Y.; COUEZ, D.; DESCHAMPS, J.; GREGOIRE, D.; GHYSDAEL, J.; KETTMANN, R.; MAMMERICKX, M.; MARBAIX, G.; PORTELLE, D. Bovine Leukaemia Virus and Enzootic Bovine Leukosis. Onderstepoort Journal of Veterinary Research, v.52, p.133-144, 1985.; FERRER, 1980FERRER, J.F. Bovine lymphosarcoma. Advaces in Veterinary Science and Comparative Medicine, v.24, p.2-65, 1980; JOHNSON; KANEENE, 1992JOHNSON, R.; KANEENE, J.B. Bovine leukaemia virus and Enzootic Bovine Leukosis. Veterinary Bulletin, v.62, p.287-312, 1992.; BRAGA; LAAN, 2001BRAGA, F.M.; van der LAAN, C.W., Leucose enzoótica bovina. In: RIET-CORREA, F.; SCHILD, A.; MÉNDEZ, M.D.C.; LEMOS, R.A.A. (Ed.). Doenças de ruminantes e eqüinos. São Paulo: Ed. Varela, 2001. p.126-134.).

O agente causador é um retrovírus pertencente ao gênero Deltaretrovírus e à família Retroviridae, subfamília Oncovirinae, sendo, portanto, um vírus RNA tumoral (REBHUN, 2000REBHUN, W.C. Doenças infecciosas variadas. In: Doenças do Gado Leiteiro. São Paulo: Ed. Roca, 2000. p.577-612.). Infecta preferencialmente os linfócitos, principalmente, os do tipo B embora o DNA pró-viral do VLB também tenha sido detectado em células T, monócitos e granulócitos (BRAGA; LAAN, 2001BRAGA, F.M.; van der LAAN, C.W., Leucose enzoótica bovina. In: RIET-CORREA, F.; SCHILD, A.; MÉNDEZ, M.D.C.; LEMOS, R.A.A. (Ed.). Doenças de ruminantes e eqüinos. São Paulo: Ed. Varela, 2001. p.126-134.). Atua principalmente no sistema linfóide, determinando a desorganização dos seus tecidos e órgãos, principalmente os linfonodos, que perdem suas características primárias e são substituídos por um novo tecido, de natureza neoplásica, formando os linfossarcomas, podendo acarretar em um processo leucêmico (CORDEIRO et al., 1994CORDEIRO, J.L.F.; DESCHAMPS, F.C.; MARTINS, E.; MARTINS, V.M.V. Identificação e controle da leucose enzóotica bovina (LEB) em um rebanho leiteiro. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.29, n.8, p.1287-1298, 1994.; SCHWARTZ et al., 1994SCHWARTZ, I.; BENSAID, A.; POLACK, B.; PERRINI, B.; BERTHELEMY, M.; LEVY, D. In vivo leukocyte tropism of bovine leukemia virus in sheep and cattle. Journal of Virology, v.68, n.7, p.4589-4596, 1994.).

A transmissão horizontal é a principal via de disseminação do Vírus da Leucose Enzoótica Bovina (VLEB). O vírus pode ser transmitido, principalmente, por contato direto com sangue e outros fluídos biológicos contaminados com linfócitos infectados. A transmissão vertical/transplacentária do VLEB também é possível, mas provavelmente ocorre em menos de 10% das fêmeas infectadas (REBHUN, 2000REBHUN, W.C. Doenças infecciosas variadas. In: Doenças do Gado Leiteiro. São Paulo: Ed. Roca, 2000. p.577-612.). Portanto, a contaminação pelo VLEB está estritamente relacionada às práticas de manejo adotadas nas propriedades, principalmente as mais tecnificadas e conseqüentemente, as que possuem os maiores índices de produção devido ao manejo intenso como palpação retal, imunização, transfusão sanguínea e cirurgias, as quais permitem a transferência de linfócitos infectados. Há ainda a ação mecânica de tabanídeos nos meses com temperatura elevada e a importação de animais para melhoramento genético (BRAGA; LAAN, 2001BRAGA, F.M.; van der LAAN, C.W., Leucose enzoótica bovina. In: RIET-CORREA, F.; SCHILD, A.; MÉNDEZ, M.D.C.; LEMOS, R.A.A. (Ed.). Doenças de ruminantes e eqüinos. São Paulo: Ed. Varela, 2001. p.126-134.; BURNY et al., 1988BURNY, A.; CLEUTER, Y.; KETTMANN, R.; MAMMERICKX, M.; MARBAIX, G.; PORTETELLE, D.; van den BROEKE, A.; WILLEMS, L.; THOMAS, R. Bovine Leukaemia: facts and hypotheses derived from the study of an infectious cancer. Veterinary Microbiology, v.17, n.3, p.197-218, 1988.; JOHNSON; KANEENE, 1992JOHNSON, R.; KANEENE, J.B. Bovine leukaemia virus and Enzootic Bovine Leukosis. Veterinary Bulletin, v.62, p.287-312, 1992.; HUBNER et al., 1997HUBNER, S.O.; WEIBLEN, R., MORAES, M.P.; SILVA, A.M.; CARDOSO, M.J.L.; PEREIRA, N.M.; ZANINI, M. Infecção intra-uterina pelo vírus da leucose bovina. Revista Brasileira de Reprodução Animal, v. 21, n.4, p-8-11, 1997.; LUCAS, 1992LUCAS, M.H. Enzootic Bovine Leukosis. In: ANDREWS, A.H.; BLOWEY, R.W.; BOYD, H. (Ed.). Bovine medicine. London: Blackwell Scientific Publications, 1992. p.530-537.).

Segundo a OIE, a LEB é uma doença cosmopolita, mas com situações epidemiológicas distintas em cada país e com variações de ocorrências entre os rebanhos, sendo maior no leiteiro. No Brasil, devido à importação indiscriminada de animais do hemisfério norte e a ausência de controle sanitário, ocorre a disseminação da doença em todos os estados, principalmente nas regiões de pecuária leiteira (BIRGEL et al., 1995BIRGEL, J.E.H.; D’ANGELINO, J.L.; BENESI, F.J. Prevalência da Leucose Enzoótica dos Bovinos em animais da raça Jersey, criados no estado de São Paulo. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.15, p.93-99, 1995.; CAMARGOS et al., 2002CAMARGOS, M.F.; MELO C.B.; LEITE, R.C.; STANCEK, D.; LOBATO, Z.I.P.; ROCHA, M.A.; SOUZA, G.N.; REIS, J.K.P. Freqüência de soropositividade para leucose enzoótica bovina em rebanhos de Minas Gerais. Ciência Veterinária Tropical, v.5, n.1, p.20-26, 2002.; D’ANGELINO, 1998D´ANGELINO, J.L.; GARCIA, M.; BIRGEL, E.H.. Epidemiological study of enzootic bovine leukosis in Brazil. Tropical Animal Health and Production, v.30, p.13-15, 1998; GARCIA et al., 1991GARCIA, M.; D’ANGELINO, J.L.; BENESI, F.J.; BIRGEL, E.H.; MARÇAL, W.S. Avaliação do leucograma de fêmeas naturalmente infectadas pelo Vírus da Leucose Bovina. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.11, n.3/4, p.67-73, 1991.; LEITE et al., 2001LEITE, R.C.; LOBATO, Z.I.P.; CAMARGOS, M.F. Leucose enzoótica bovina. Revista do Conselho Federal de Medicina Veterinária, v.7, n.24, p.20-28, 2001.). Estudos sobre a importância econômica da doença nos Estados Unidos demonstraram uma perda de 42 milhões de dólares relacionados à produção leiteira (DA et al., 1993DA, Y.; SHANKS, R.D.; STEWART, J.A.; LEWIN, H.A. Milk and fat yelds decline in bovine leukemia virusinfected Holstein cattle with persitent lymphocytosis. Proceedings National Academy Sciencies USA, v.90, p.6538-6541, 1993.). No Brasil, a leucose bovina foi diagnosticada pela primeira vez em 1959 (WEIBLEN, 1992WEIBLEN, R. Doenças víricas que interferem na produção leiteira. In: CHARLES, T.P.; FURLONG, J. (Ed.). Doenças dos bovinos de leite adultos. Juiz de Fota: Embrapa-CNP Gado de leite, 1992. 82p.), sendo que, tanto a forma tumoral (RIET-CORREA et al., 1982RIET-CORREA, F.; SCHILD A L.; MENDEZ, M. C.; OLIVEIRA, J. A.; GILTURNES, C.; GONÇALVES, A. Atividades do Laboratório Regional de Diagnóstico e Doenças da Área de Influência. Peotas: Editora da Universidade, 1982. p.25-26.; ROMERO; ROWE, 1981ROMERO, C.H.; ROWE, C. A enzootic bovine leukosis virus in Brazil. Tropical Animal Health and Production, v.13, p.107-111, 1981.), quanto a pré-tumoral (ALENCAR FILHO, 1979ALENCAR FILHO, R.A.; MAZANTI, M.T.; SAAD, AD.; POHL, R. Levantamento preliminar da infecção pelo vírus da leucemia linfática crônica (LLC) dos bovinos no estado de São Paulo. Biológico, São Paulo, v.45, p.47-54, 1979.; ROMERO; ROWE, 1981ROMERO, C.H.; ROWE, C. A enzootic bovine leukosis virus in Brazil. Tropical Animal Health and Production, v.13, p.107-111, 1981.) são bem documentadas.

O presente trabalho tem como objetivo relatar essa enfermidade clínica em uma fêmea de três anos de idade, atendida no Hospital Veterinário de Grandes Animais da Universidade de Brasília (UnB) apresentando as principais alterações ocasionadas pela forma tumoral da LEB, além da diversidade de sintomas demonstrados pelo animal em questão.

Um bovino da raça Jersey, fêmea, de três anos de idade, pertencente a um rebanho de 130 animais, foi atendido no Hospital Veterinário de Grandes Animais (HVET) da Faculdade de Medicina Veterinária da UnB, localizado na Granja do Torto, Brasília-DF, com o histórico de queda de produção, aumento de volume no flanco direito, dificuldade de locomoção com paresia dos membros posteriores. O animal era vacinado contra Febre Aftosa, Brucelose, Carbúnculo Sintomático, Raiva, Enterotoxemia e Leptospirose, vermifugado e alimentava-se de silagem de milho, capim Cameron e cana-de-açúcar.

Ao exame clínico, foram observados comportamento atento e curioso, estado nutricional ruim, mucosas normocoradas, exolftalmia, cegueira unilateral direita, massa fibrosada na altura da virilha esquerda estendendo-se até o linfonodo pré-crural, aumento da cadeia linfática na ampola retal e uterina, bruxismo e fezes pastosas de coloração castanha e odor pútrido. No exame ginecológico realizado, a mucosa genital estava levemente hipocorada e à palpação retal detectou-se uma massa endurecida no corno uterino esquerdo. O hemograma e exame citológico do líqüor (Tabelas 1, 2, 3, 4 e 5) revelaram leucocitose com pleomorfismo, citoplasma vacuolizado e presença de plasmócitos flamejantes, sugerindo o diagnóstico de Leucose Enzoótica Bovina.

Tabela 1
Comparação entre os valores de referência e os valores obtidos na série branca do hemograma do animal.
Tabela 2
Comparação entre os valores de referência e os valores obtidos na série vermelha do hemograma bovino.
Tabela 3
Comparação entre os valores de referência e os valores obtidos na avaliação bioquímica do animal.
Tabela 4
Comparação entre os valores de referência e os valores obtidos na análise do líquor do animal.
Tabela 5
Avaliação citológica do líquor.

Com a evolução dos sinais clínicos, a paresia dos membros posteriores progrediu para tetraparesia em um período de três semanas. O animal parou de se alimentar e apresentava-se muito apático. Dessa forma, optou-se pela eutanásia. À necropsia foram observadas massas esbranquiçadas, de consistência firme a macia, com formações nodulares ou difusas nos diferentes órgãos como coração, rúmen, útero, pulmão, medula, cadeia de linfonodos mesentéricos, rins e tecido retro bulbar do globo ocular direito (Figs. 1, 2 e 3).

Fig. 1
Exolftalmia decorrente de massa neoplásica atrás do globo ocular.
Fig. 2
Massa neoplásica na pelve renal.
Fig. 3
Massa neoplásica localizada no epicárdio e endocárdio.

No Brasil, desde a primeira descrição em bovinos, de linfossarcomas, por RANGEL; MACHADO (1943)RANGEL, N.M.; MACHADO, A.V. Contribuição à oncologia comparada em Minas Gerais. Arquivos da Escola Superior de Veterinária da Faculdade Estadual de Minas Gerais, v.1, p.83-96, 1943. e da comprovação científica da ocorrência da LEB no Rio Grande do Sul por MERCKT et al. (1959)MERKT, H., GILDICE, J.C.O., MULLER, J.A. Leucose Bovina: concepção moderna e primeira verificação da doença no RS. Revista da Escola de Agronomia e Veterinaria da Universidade do Rio Grande do Sul, v.2, p.719, 1959. e no Rio de Janeiro por SANTOS et al. (1959)SANTOS, J.A.; PINHEIRO, P.V.; SILVA, L.J. Linfossarcoma com lesões da lingua e câmaras cardíacas em bovinos. Anais da Escola Fluminense de Medicina Veterinária, v.2, p.1-8, 1959., vários estudos epidemiológicos foram conduzidos. A presença da doença ocorre em todos os rebanhos brasileiros e embora haja inúmeros estudos sobre a mesma, sua distribuição precisa de maiores investigações (CAMARGOS et al., 2002CAMARGOS, M.F.; MELO C.B.; LEITE, R.C.; STANCEK, D.; LOBATO, Z.I.P.; ROCHA, M.A.; SOUZA, G.N.; REIS, J.K.P. Freqüência de soropositividade para leucose enzoótica bovina em rebanhos de Minas Gerais. Ciência Veterinária Tropical, v.5, n.1, p.20-26, 2002.; LEITE et al., 2001LEITE, R.C.; LOBATO, Z.I.P.; CAMARGOS, M.F. Leucose enzoótica bovina. Revista do Conselho Federal de Medicina Veterinária, v.7, n.24, p.20-28, 2001.).

A linfocitose persistente nos casos pré-tumorais é caracterizada pelo acréscimo no nível de linfócitos B circulantes, com um aumento de 40 a 80% em relação aos valores normais de referência, e nem sempre precede a forma tumoral (BURNY et al., 1985BURNY, A.; BRUCK, C.; CLEUTER, Y.; COUEZ, D.; DESCHAMPS, J.; GREGOIRE, D.; GHYSDAEL, J.; KETTMANN, R.; MAMMERICKX, M.; MARBAIX, G.; PORTELLE, D. Bovine Leukaemia Virus and Enzootic Bovine Leukosis. Onderstepoort Journal of Veterinary Research, v.52, p.133-144, 1985.). Já os linfossarcomas descritos como uma infiltração linfocitária exacerbada em órgãos linfóides (linfonodos e baço) e em órgãos como abomaso, coração, rins, fígado e músculos, são a principal característica da doença clínica, acometendo diversos sistemas do organismo animal (digestório, circulatório, genital), colaborando para a diversidade sintomatológica da doença (CAMARGOS et al., 2001CAMARGOS, M.F.; MELO C.B.; LEITE, R.C.; STANCEK, D.; LOBATO, Z.I.P.; ROCHA, M.A.; SOUZA, G.N.; REIS, J.K.P. Freqüência de soropositividade para leucose enzoótica bovina em rebanhos de Minas Gerais. Ciência Veterinária Tropical, v.5, n.1, p.20-26, 2002.).

Os linfossarcomas ocorrem de dois a cinco anos após a infecção, entretanto a maneira como ocorre a transformação celular ainda permanece obscura. Algumas hipóteses são descritas como a que atribui a transformação celular às alterações provocadas na estrutura do DNA: mutações, deleções, amplificações ou translocações (LEITE et al., 2001LEITE, R.C.; LOBATO, Z.I.P.; CAMARGOS, M.F. Leucose enzoótica bovina. Revista do Conselho Federal de Medicina Veterinária, v.7, n.24, p.20-28, 2001.; TAVARES; PEREIRA, 1998TAVARES, L.; PERERIA, J.M. Patogênese das infecções por retrovírus da sub-família Oncornavirinae. Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias, v.526, p.61-72, 1998.).

A sintomatologia da doença como o emagrecimento progressivo, anorexia, paralisia progressiva dos membros posteriores, associados às avaliações post-mortem, que demonstram formações tumorais de aspecto firme e coloração esbranquiçada em tecidos linfóides, abomaso e útero podem colaborar no diagnóstico clínico da enfermidade. Avaliações histopatológicas e hematológicas também contribuem na confirmação da doença em um animal infectado (LEITE et al., 2001LEITE, R.C.; LOBATO, Z.I.P.; CAMARGOS, M.F. Leucose enzoótica bovina. Revista do Conselho Federal de Medicina Veterinária, v.7, n.24, p.20-28, 2001.; LUCAS, 1992LUCAS, M.H. Enzootic Bovine Leukosis. In: ANDREWS, A.H.; BLOWEY, R.W.; BOYD, H. (Ed.). Bovine medicine. London: Blackwell Scientific Publications, 1992. p.530-537.).

A sintomatologia apresentada pelo animal sugeriu um processo generalizado. Os achados clínicos da doença como exoftalmia e o aumento da cadeia linfocitária estavam presentes e os diagnósticos laboratoriais realizados contribuíram para a suspeita de Leucose Enzoótica Bovina.

O número exacerbado de leucócitos é grande indicativo da presença da LEB e a linfocitose evidencia seu caráter crônico. A eosinofilia é encontrada, principalmente, nos casos de processos tumorais com lesões pulmonares e gastrintestinais, as quais foram observadas no referido animal. O aumento dos valores absolutos das demais células da série branca é típico em processos infecciosos.

Com os resultados obtidos por estes exames, concluiu-se que o animal provavelmente apresentava também uma insuficiência hepática, uma vez que o fígado não conseguia conjugar a bilirrubina indireta em direta, explicando o aumento do valor da primeira. O aumento de GGT é indicativo de colestase hepática e o aumento de AST é característico de lesão hepática com fibrose (substituição dos hepatócitos por tecido fibrótico). A uréia diminui nas condições de baixa ingestão de proteínas na dieta, o que pode ser justificado pela inapetência apresentada pelo animal, e disfunção hepática. A albumina é sintetizada exclusivamente nos hepatócitos, alguns destes estando comprometidos, leva a menor produção desta proteína. Além disso, aumentos monoclonais ou policlonais nas imunoglobulinas podem inibir a síntese de albumina, de acordo com as alterações induzidas na pressão oncótica.

Os plasmócitos flamejantes são linfócitos ativados, responsáveis pela resposta imunológica do animal, uma vez que secretam uma quantidade exarcebada de anticorpos. A linfocitose observada no exame do líqüor demonstra um processo infeccioso e a diminuição de monócitos pode ser explicada pelo seqüestro destes por outros órgãos. Além disso, os baixos valores de glicose encontrados podem ser explicados pelo fato de que os vírus consomem glicose para o seu metabolismo.

Não existe tratamento específico para a LEB, por se tratar de uma doença virótica. A administração de Predef® (Acetato de Isoflupredona), um corticóide, explica a piora do quadro clínico, uma vez que este medicamento é imunossupressor. Essa imunossupressão favoreceu a disseminação viral ocasionando maior resposta celular. O que se institui é a terapia de suporte, com intuito de melhorar o quadro geral do animal, para que seu sistema imune possa ser capaz de combater a doença, mas no caso de neoplasias, essa terapia se torna insatisfatória, culminado na morte do paciente.

Apesar da ausência do diagnóstico sorológico preconizado na identificação de animais acometidos pela LEB, as alterações evidenciadas no referido animal através de exames hematológicos, achados de necropsia e a avaliação histopatológica permitem a conclusão do diagnóstico.

Dessa forma, deve ser preconizado um programa de prevenção efetivo, que inclui uso de agulhas, seringas e luvas de palpação descartáveis, assepsia dos instrumentos cirúrgicos e aqueles utilizados para identificação do animal. Recomenda-se também analisar a procedência de embriões para transferência em propriedades que dispõem de biotécnicas aplicadas à reprodução.

A Leucose Enzoótica Bovina não possui tratamento e o prognóstico é desfavorável, dessa forma, é imprecindível que haja sensibilização das autoridades e das instituições de pesquisa para implantação de programas profiláticos e de controle da doença, já que no Brasil não existem programas específicos para a prevenção e controle desta enfermidade.

Uma das principais dificuldades encontradas para que isso ocorra é a falta de motivação apresentada pelos produtores, em parte devido à infecção, na maioria das vezes, ser inaparente e principalmente pela não visualização dos prejuízos acarretados pela doença.

As propriedades rurais no Distrito Federal são pequenas e, na maioria das vezes, os animais pertencentes às mesmas são oriundos de outros estados da federação. Os compradores ainda não têm a consciência da importância da LEB para a sanidade de um rebanho, dessa forma adquirem animais de propriedades sem controle epidemiológico, colaborando para a disseminação da doença.

Levantamentos sobre a incidência da enfermidade no Distrito Federal não foram realizados até a presente data. Apesar da escassez de dados, o HVETUnB já atendeu 8 animais acometidos pela LEB na forma tumoral, durante o período de 2000 a 2005.

As alterações clínicas confirmadas pelos exames complementares sugerem a presença de infecção pelo vírus da Leucose. Devido à precocidade dos sintomas, é provável que o animal tenha sido infectado nos primeiros meses de vida ou durante a gestação e desenvolvido a forma tumoral da enfermidade.

O controle e erradicação da Leucose Enzoótica Bovina consistem na adoção de rígidas medidas de vigilância sanitária animal, através da identificação, isolamento e eliminação dos animais reagentes, em conjunto com práticas de manejo capazes de diminuir as possibilidades de transmissão da infecção. O emprego freqüente de testes sorológicos nos animais com idade superior a 6 meses, e repetição semestral, permite identificar os animais positivos e auxiliar no controle da doença (BRUNNER et al., 1997BRUNNER, M.A.; LEIN, D.H.; DUBOVI, E.J. Experience with the New York State Bovine Leukosis Virus Eradication and Certification Program. Food Animal Retrovirus, v.13, n.1, p.143-150,1997.; CORDEIRO et al., 1994CORDEIRO, J.L.F.; DESCHAMPS, F.C.; MARTINS, E.; MARTINS, V.M.V. Identificação e controle da leucose enzóotica bovina (LEB) em um rebanho leiteiro. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.29, n.8, p.1287-1298, 1994.; LEITE et al., 2001LEITE, R.C.; LOBATO, Z.I.P.; CAMARGOS, M.F. Leucose enzoótica bovina. Revista do Conselho Federal de Medicina Veterinária, v.7, n.24, p.20-28, 2001.).

  • Obs.

    Os linfócitos apresentavam-se com citoplasma mais rosado e anormal com características de plasmócitos flamejantes e os monócitos apresentavam-se vacuolizados.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2008

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2007
  • Aceito
    03 Nov 2008
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