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DETECÇÃO DE RESPOSTA SOROLÓGICA CONTRA MYCOPLASMA EM AVES DE CRIATÓRIOS DE “FUNDO DE QUINTAL” PRÓXIMOS A EXPLORAÇÕES COMERCIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO

DETECTION OF SOROLOGICAL RESPONSE AGAINST MYCOPLASMA IN DOMESTIC BACKYARD POULTRY AROUND COMERCIAL POULTRY FLOCKS IN THE STATE OF SÃO PAULO, BRAZIL

RESUMO

Pesquisou-se anticorpos anti Mycoplasma gallisepticum (MG) e Mycoplasma synoviae (MS) nas populações de aves de produção não tecnificada e com finalidade de subsistência, em propriedades rurais em áreas geográficas próximas a granjas de reprodutoras (matrizeiros) do Estado de São Paulo. Foram selecionadas quinze criações vizinhas a 3 granjas de matrizes, consideradas livres de MG e MS. Soros sanguíneos de 406 galinhas foram estudados quanto a presença de anticorpos anti MG e MS. A avaliação foi realizada pela técnica de soroaglutinação rápida em placa. As freqüências de positividade encontradas foram de 73% e 100% das aves aos antígenos de MG e MS, respectivamente. As ocorrências observadas de aves sororreagentes foram de 30,3% e 40,6% para os antígenos de MG e MS, respectivamente. Os resultados indicaram que MG e MS estão amplamente difundidos nas criações informais de aves de “fundo de quintal”, colocando em risco constante os criatórios de exploração industrial, os quais necessitam adotar e manter boas práticas de biossegurança para preservar a integridade sanitária dos plantéis.

PALAVRAS-CHAVE
Biossegurança; epidemiologia; infeccões; saúde das aves; micoplasmose

ABSTRACT

This investigation aimed to demonstrate the occurrence of serological reactions to Mycoplasma gallisepticum and Mycoplasma synoviae in domestic backyard poultryfor self consumtion located next to parent flocks in the State of São Paulo. Fifteen backyard flocks around 3 parent flocks officially recognized as free from MG and MS were selected.Sera from 406 chickens were researched on antibodies anti MG and MS, by means of plate agglutination test. The frequencies found were 73% and 100% of flocks with chickens reacting to the antigens of MG and MS, respectively. The frequencies of reacting chickens were 30.3% and 40.6% for the antigens of MG and MS, respectively. The results showed that the aetiological agents studied are widespread among the backyard flocks, posing a constant risk for the commercial poultry flocks, which need to adopt and keep good biosecurity practices to preserve their sanitary status.

KEY WORDS
Biosecurity; epidemiology; infections; poultry healther; micoplasmoses

INTRODUÇÃO

As infecções de aves por micoplasmas permanecem sendo as causas mais comuns de perdas na produção avícola (NASCIMENTO, 1995NASCIMENTO, E.R. Epidemiologia com ênfase no diagnóstico epidemiológico em avicultura. Curso para médicos veterinários oficiais em Sanidade Avícola. Cuiabá, 1995.), razão pela qual são contempladas pelo Programa Nacional de Sanidade Avícola (PNSA). As empresas avícolas, matrizeiras e avozeiras (multiplicadoras genéticas) devem estar obrigatoriamente livres dessas enfermidades. Duas espécies são patogênicas para galinha, Mycoplasma gallisepticum (MG) e Mycoplasma synoviae (MS) cujo habitat é o trato respiratório superior (JORDAN, 1981JORDAN, F.T. Mycoplasmosis in poultry. Israel Journal of Medical Sciences, v.17, n.7, p.540-547, 1981.) e causam aerossaculite, com possibilidade de colonizar o trato reprodutivo de fêmeas e de machos, comprometendo a fertilidade e a produção de ovos (JORDAN, 1975JORDAN, F.T. Immunity to mycoplasma infections of the respiratory system in the domestic fowl and turkey. Developments in Biological Standartization, v.28, p.590-596, 1975.).

O MG causa uma doença infecciosa denominada de doença respiratória crônica (DCR), com manifestação de tosse e descargas nasais nas galinhas e sinusite em perus. Infecções secundárias por Escherichia coli, principalmente, determinam um quadro de aerossaculite em galinhas e aerossaculite-sinusite em perus. Quando o MG é introduzido no plantel, é rapidamente disseminado para quase todas as aves, causando desenvolvimento da doença. No inverno a doença respiratória é mais freqüente e mais severa em aves jovens, e nas adultas a manifestação está mais relacionada com a queda da postura. Ao lado do MS, o MG é um dos agentes mais disseminados em aves domésticas (YODER JUNIOR, 1997YODER JUNIOR, H.W. Mycoplasmosis. In:CALNEK, B.W.; BARNES, H.J.; BEARD, C.W.; REID, W.M.; YODER JUNIOR, H.W. Diseases of poultry. Ames: Iowa State University Press, 1997. p.197-235.). A letalidade total por MG e MS observada na Califórnia, USA e com perus entre 1988 e 1989 foi de aproximadamente 9,0%, 10,9% para machos e 6,6% para fêmeas (CHRISTIANSEN et al., 1996CHRISTIANSEN, K.H.; HIRD, D.W.; SNIPES, K.P.; DANAYE-ELMI, C.; PALMER, C.W.; MC BRIDE, M.D.; UTTERBACK, W.W. California National Animal Health Monitoring System for meat turkey flocks 1988-89 pilot study: management practices, flock health, and production. Avian Diseases, v.40, n.2, p.278-284, 1996.).

Surtos de MG foram estudados em granjas comerciais de galinhas e perus, e verificou-se que a doença foi originária de criações informais existentes na vizinhança (LEY et al., 1993LEY, D.H.; AVAKIAN, A.P.; BERKHOFF, J.E. ClinicalMycoplasma gallisepticuminfection in multiplier breeder and meat turkeys caused by F. strain: identification by sodium dodecyl sulfate-polyacrylamide gel electrophoresis, restriction endonuclease analysis, and the polymerase chain reaction. Avian Diseases, v.37, n.3, p.854-862, 1993.). Anticorpos contra MG foram detectados em 32 de 56 criações de fundo de quintal distantes uma milha de granjas comerciais (MC BRIDE et al., 1991MC BRIDE, M.D.; HIRD, D.W.; CARPENTER, T.E.; SNIPES, K.P.; DANAYE-ELMI, C.; UTTERBACK, W.W. Health survey of backyard poultry and other avian species located withinonemileofcommercial Californiameat-turkey flocks. Avian Diseases, v.35, n.2, p.403-407, 1991.). Estudo de galinhas de fundo de quintal destinadas à subsistência familiar revelou ocorrência de 33% de aves infectadas com MG e MS, indicando risco iminente para criações comerciais próximas (KELLY et al., 1994KELLY, P.J.; CHITAURO, D.; ROHDE, C.; RUKWAVA, J.; MAJOK, A.; DAVELAAR, F.; MASON, P.R. Diseases and management of backyard chicken flocks in Chitungwiza, Zimbabwe. Avian Diseases, v.38, n.2, p.626-629, 1994.).

A via de transmissão mais importante é o ovo, o que torna a doença um fator de limitação do comércio internacional (LEVISOHN et al., 1985LEVISOHN, S.; GLISSON , J.R.; KLEVEN, S.H. Ovo pathogenicity of Mycoplasma gallisepticumstrains in the presence and absence of maternal antibody. Avian Diseases, v.29, p.188-197, 1985.), além de contágio direto de ave a ave, contágio indireto (aerógena e fômites), alimentos e água contendo fezes e penas contaminadas (YODER JUNIOR, 1997).

A enfermidade causada por MS apresenta-se sob a forma subclínica que acomete preferencialmente sacos aéreos e usualmente associada à doença de Newcastle, bronquite infecciosa ou ambas. Raramente apresenta-se sob forma sistêmica, que resulta em sinovite exsudativa, tendinite ou bursite. A sinovite infecciosa foi inicialmente observada em aves em crescimento, quatro a 12 semanas de idade, em regiões de alta densidade de aves de corte no período de 1950 a 1960, nos USA. Nas duas décadas que se sucederam, o aparecimento de sinovite foi decaindo, dando lugar à crescente incidência de doença respiratória, a qual é mais freqüentemente observada em criações de postura comercial de múltiplas idades (YODER JUNIOR, 1997YODER JUNIOR, H.W. Mycoplasmosis. In:CALNEK, B.W.; BARNES, H.J.; BEARD, C.W.; REID, W.M.; YODER JUNIOR, H.W. Diseases of poultry. Ames: Iowa State University Press, 1997. p.197-235.).

Em galinhas com sinais de sinovite, a morbidade varia de 2 a 75%, sendo mais freqüente a variação de 5 a 15%, e mesmo com a totalidade de aves infectadas a morbidade com sinais respiratórios é baixa, a letalidade não ultrapassa 1%. Em perus, a morbidade varia entre 1 e 20%, a letalidade é alta e acompanhada pelo canibalismo (YODER JUNIOR, 1997YODER JUNIOR, H.W. Mycoplasmosis. In:CALNEK, B.W.; BARNES, H.J.; BEARD, C.W.; REID, W.M.; YODER JUNIOR, H.W. Diseases of poultry. Ames: Iowa State University Press, 1997. p.197-235.). Em granjas de perus da Califórnia, EUA, MS foi detectado entre 1988 a 1989, com letalidade de 9% (CHRISTIANSEN et al., 1996CHRISTIANSEN, K.H.; HIRD, D.W.; SNIPES, K.P.; DANAYE-ELMI, C.; PALMER, C.W.; MC BRIDE, M.D.; UTTERBACK, W.W. California National Animal Health Monitoring System for meat turkey flocks 1988-89 pilot study: management practices, flock health, and production. Avian Diseases, v.40, n.2, p.278-284, 1996.).

A aerossaculite é observada em animais de qualquer idade e é causa de condenação de carcaças de frango de corte no matadouro (KING et al., 1973KING, D.D.; KLEVEN, S.H.; WENGER, D.M.; ANDERSON, D.P. Field studies with Mycoplasma synoviae. Avian Diseases, v.17, p.722-726, 1973.). Frangos que adquiriram MS por via vertical parecem apresentar lesões de aerossaculite mais graves, e com maior freqüência ocorrem condenações.

Na cadeia de transmissão, as fontes de infecção são aves doentes, principalmente, seguidos de portadores e reservatórios (NASCIMENTO, 2000NASCIMENTO, E.R. Micoplasmoses. In: BERCHIERI JUNIOR, A. & MACARI, M. (Eds.). Doenças das Aves. Campinas: Facta, 2000. p.217-224.). A transmissão é por contágio indireto, por meio de aerossóis, o que é facilmente demonstrado em lotes onde são colocados alguns pintinhos jovens experimentalmente infectados (OLSON et al., 1964OLSON, N.O.; ADLER, H.E.; DAMASSA, A.J.; CORSTVET, R.E. The effect of intranasal exposure to Mycoplasma synoviae and infectious bronchitis on development of lesions and agglutinins. Avian Diseases, v.8, p.623-631, 1964.). A disseminação, via de regra, é bastante rápida, atingindo todas as aves alojadas em um galpão e raramente é observado comprometimento articular (WEINACK et al., 1983WEINACK, O.M.; SNOYENBOS, G.H.; KLEVEN, S.H. Strain of Mycoplasma synoviae of low transmissibility. Avian Diseases, v.27, p.1151-1156, 1983.). Transmissão vertical ocorre em infecções naturais e experimentais (CARNAGHAN, 1961CARNAGHAN, R.B.A. Egg transmission of infectious synovitis. Journal of Comparative Pathology, v.71, p.279-285, 1961.). A introdução de micoplasmas em plantéis comerciais é favorecida pela transmissão vertical, enquanto a horizontal propicia a disseminação da doença (WHITHEAR, 1996WHITHEAR, K.G. Control of avian mycoplasmosis by vaccination. Revue Scientifique et Technique Office International des Epizooties, v.15, n.4, p.1527-1553, 1996.).

O controle das micoplasmoses é essencial na avicultura industrial moderna. O monitoramento periódico assegura a manutenção da condição de granjas livres da infecção por MG e MS, evitando a transmissão para a progênie. Para o diagnóstico sorológico destas enfermidades existem antígenos comerciais disponíveis para o teste de soroaglutinação rápida (SAR) em placa, podendo-se obter reações cruzadas com MG, porém os títulos são mais baixos e a reação é tardia (OLSON et al., 1965OLSON, N.O.; YAMAMOTO, R.; ORTMAYER, H. Antigenic relationship between Mycoplasma synoviae and Mycoplasma gallisepticum. American Journal of Veterinary Research, v.26, p.195-198, 1965.). Sorologia por SAR, Inibição da hemaglutinação (HI) e Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (ELISA) tem sido empregada para monitoria de granjas submetidas a programas de controle de MS em granjas comerciais de multiplicadoras e incubatórios (EWING et al., 1996EWING, m.l.; lAUERMAN , l.h.; kLEVEN, s.h.; bROWN, m.b. Evaluation of diagnostic procedures to detect Mycoplasma synoviae in commercial multiplier-breeder farms and commercial hatcheries in Florida. Avian Diseases, v. 40, n.4, p.798-806, 1996.).

MATERIAL E MÉTODOS

Amostragem

Foram selecionadas 3 granjas de matrizes (Filial 1, Filial 2 e Filial 3), localizadas no Estado de São Paulo, pertencentes a uma mesma empresa, integrantes do PNSA, com status sanitário oficialmente reconhecido como sendo livres de micoplasmoses, conforme demonstraram as colheitas de amostras seqüenciais durante os anos de 1998, 1999 e 2000.

Foram examinadas 15 criações vizinhas, sendo 7 , 5 e 3, respectivamente, localizadas ao redor dos matrizeiros: Filial 1, Filial 2 e Filial 3.

Para a determinação da amostragem, face à ausência de informações acerca da prevalência de pelo menos uma das infecções em estudo, foram examinados 104 soros provenientes de aves caipiras de seis criações existentes nas vizinhanças de matrizeiros e foram observados 57% e 10% de aves positivas frente ao antígeno testado, para MG e MS, respectivamente. Na Tabela 1 estão apresentados o número de amostras obtidos de cada criação, e a respectiva população no momento da amostragem em relação a cada matrizeiro.

Tabela 1
Matrizeiros e respectivas criações vizinhas, segundo o número de aves e o número de amostras de soro estudadas de aves de "fundo de quintal", Estado de São Paulo, 2000.

Amostras de sangue

A colheita, o acondicionamento e a remessa das amostras de sangue ao laboratório atenderam à Instrução Normativa no 03 de 09/01/2002 (BRASIL, 2002BRASIL. Normas Técnicas para Controle e Certificação de Núcleos e Estabelecimentos Avícolas como livres de Salmonella gallinarum e Salmonella pullorum e livres ou controladas para Salmonella enteritidis e Salmonella typhimurium. Atos legais. Instrução Normativa no 03. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília – DF, 09 de janeiro de 2002. Poder Executivo.), por tratar de controle de doenças do PNSA. As amostras foram processadas no Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio Avícola do Instituto Biológico do Estado de São Paulo.

Soroaglutinaçao rápida em placa para detecção de anticorpos contra MG e MS

O procedimento seguiu as indicações do PNSA (BRASIL, 1994). As amostras de soro foram inativadas em banho-maria a 56º C. Para os testes de soroaglutinação rápida em placa (SAR), utilizou-se antígeno comercial corado (Intervet International Boxmeer-Holanda). Foram homogeinizados 30 μL de soro e 30μL de antígeno em placas de vidro, após 2min verificou-se a formação de grumos indicando a reação antígeno-anticorpo. As amostras de soro bruto que apresentaram reação positiva foram diluídas em PBS nas proporções de 1:5 e 1:10; e repetiu-se o teste de SAR. Segundo BRASIL (1994), para fins de classificação inequívoca dos soros das aves pela prova de SAR, foram considerados positivos, para MG e MS, aqueles que apresentaram reação de aglutinação na diluição 1:10.

Para fins de classificação de criatórios com aves de "fundo de quintal" sororreagentes ou não, considerou-se todo criatório que tivesse apresentado pelo menos uma ave com amostra positiva no exame sorológico ao antígeno correspondente.

Estimou-se a freqüência de ocorrência (proporção) por intervalo de confiança (IC), com 95% de probabilidade. Utilizou-se o teste da diferença entre duas proporções com aproximação normal (LESER et al., 1973LESER, W.; RIBEIRO NETTO, A.; GERMEK, O. A.; MARLET, J.M. Elementos de Estatística para a Área de Ciências da Saúde. São Paulo: Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, 1973. 180p.).

RESULTADOS

Dos 15 criatórios de aves de “fundo de quintal” estudados, 11 apresentaram pelo menos uma ave sororreagente para o antígeno de MG, resultando em freqüência igual 73% dos criatórios com aves sorreagentes; a inferência por intervalo para 95% de confiança foi igual a LC (50,5% l——l 95,5%).

Entre as 406 aves examinadas, 123 foram positivas à sorologia para MG, representando 30,3% de aves sororreagentes e um intervalo de confiança para a inferência com 95% de confiança igual a LC (25,5% l——l 35,1%). Os resultados observados, de acordo com a empresa de multiplicação genética (matrizeiro) e as propriedades com aves de “fundo de quintal” circunvizinhas, encontram-se na Tabela 2.

Tabela 2
Resultados positivos de sorologia para MG, segundo o matrizeiro e as respectivas criações de aves de "fundo de quintal", Estado de São Paulo, 2000.

Todos os 15 criatórios de aves de “fundo de quintal” estudados apresentaram pelo menos uma ave sororreagente para o antígeno de MS, resultando em freqüência igual a 100% dos criatórios com aves sororreagentes.

A freqüência de criatórios com aves sororreagentes para o antígeno de MS foi estatisticamente superior à freqüência de criatórios com aves sororreagentes para os antígenos de MG, quando avaliadas pelo teste estatístico da diferença entre duas proporções, com aproximação normal.

Entre as 406 aves examinadas, 165 foram positivas à sorologia para MS, representando 40,6% de aves sororreagentes, o que resultou em intervalo de confiança para a inferência com 95% de confiança igual a LC (35,9% l——l 45,3%).

Os resultados observados, segundo a empresa de multiplicação genética (matrizeiro) e as propriedades com aves de “fundo de quintal” circunvizinhas, encontram-se na Tabela 3.

Tabela 3
Resultados positivos de sorologia para MS, segundo o matrizeiro e as respectivas criações de aves de "fundo de quintal", Estado de São Paulo, 2000.

DISCUSSÃO

O conhecimento da epidemiologia de doenças transmissíveis é de fundamental importância para fins de delineamento de programas de saúde animal (SIMON & ISHIZUKA, 2000SIMON, V.A. & ISHIZUKA, M.M. Doença Infecciosa da Bolsa de Fabrício – DIB. In: BERCHIERI JUNIOR, A. & MACARI, M.(Eds.). Doenças das Aves. Campinas: Facta, 2000. p.301-314.). Em qualquer estágio de evolução de um programa de monitoria sorológica, as fontes de infecção, representadas por animais silvestres e criações informais, são preocupações para as empresas avícolas. Estes são potenciais reservatórios de doenças e têm chamado a atenção de especialistas da área veterinária sob a ótica epidemiológica (THRUSFIELD, 1986THRUSFIELD, M.V. Veterinary epidemiology. London: Butterworths, 1986. 300p.; BERCHIERI JUNIOR, 1997BERCHIERI JUNIOR, A. Doenças de transmissão vertical. In: Simpósio Técnico de Produção de Ovos, 7., 1997, Campinas, SP. Anais. São Paulo: 1997. p.133-142.), sendo necessária a realização de avaliações periódicas de toda a cadeia produtiva, com inclusão do estudo de fatores de risco para o contínuo aprimoramento dos programas de saúde animal (SCHLUNDT, 2001SCHLUNDT, J. Emerging food-borne pathogens. Biomedical Environment Science, v.14, n.1-2, p.44-52, 2001.). Outro elo importante da cadeia epidemiológica é a via de transmissão, sendo que a elevada resistência dos agentes dessas doenças às condições do ambiente possibilita, a qualquer fômite, carreá-los para o interior dos estabelecimentos de criação comercial, ultrapassando as barreiras da biossegurança instituídas (MATSUMOTO et al., 2001MATSUMOTO, A.; MIYAMA, M.; MURAKAMI, S. Comparison of Salmonella isolation rates in different types of egglayer hen houses in Chiba, Japan.Avian Diseases, v.45, n.1, p.195-200, 2001.).

O PNSA (BRASIL, 1994BRASIL. Programa Nacional de Sanidade Avícola. Atos legais. Portaria 193. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasilia, – DF,19 de set.de 1994. Poder Executivo.) tem como objetivo diminuir a ocorrência de doenças como as micoplasmoses (MG e MS), importantes pelos elevados prejuízos que podem acarretar à exploração avícola (YODERJUNIOR., 1997).

A avaliação da presença de fontes de infecção pela detecção de anticorpos representa um rápido e prático instrumento de importância epidemiológica, por revelar contacto das aves com os respectivos agentes, demonstrando a presença ou a circulação de agentes etiológicos na população (WRAY & DAVIES, 1994WRAY, C. & dAVIES, R.H. Guidelines on detection and monitoring of salmonella infected poultry flocks with particular reference to Salmonella enteritidis. In: Report of a WHO consultation on Strategies for Detection and Monitoring of Salmonella infected Poutry Flocks, Austria: WHO – Veterinary Public Health Unit, 1994. p.29-34.). Os levantamentos sorológicos têm sido empregados para embasar os programas de controle de micoplasmoses (SATO, 1996SATO, S. Avian mycoplasmosis in Asia.Revue Scientifique et Technique Office International des Epizooties, v.15, n.4, p.1555-1567, 1996.).

O estudo da ocorrência de aves sororreagentes para cada agente estudado, entre as 406 aves pertencentes à amostra, revelou respectivamente para MG e MS os valores e seus intervalos de confiança iguais a 30,3% [IC (25,5% I—I 35,1%) = 95%] e 40,4% [IC (35,9% I—I 45,3) = 95%]. O teste estatístico da diferença entre duas proporções demonstrou que a freqüência de aves sororreagentes foi maior para MS. Resultados obtidos no Zimbabwe mostraram que os patógenos MS e MG estavam igualmente presentes em 33% das aves de criatórios de fundo quintal (KELLY et al., 1994KELLY, P.J.; CHITAURO, D.; ROHDE, C.; RUKWAVA, J.; MAJOK, A.; DAVELAAR, F.; MASON, P.R. Diseases and management of backyard chicken flocks in Chitungwiza, Zimbabwe. Avian Diseases, v.38, n.2, p.626-629, 1994.); na Geórgia, EUA, o MG estava presente em 19,1% e 40,0% em duas espécies de aves de vida livre (LUTRELL et al., 2001LUTRELL, M.P.; STALLKNETCHT, D.E.; KLEVEN, S.H.; KAVANAUGH, D.M.; CORN, J.L.; FISCHER, J.R. Mycoplasma gallisepticum in house finches (Carpodacus mexicanus) and other wild birds associated with poultry production facilities. Avian Diseases, v.45, n.2, p.321-329, 2001.), aproximando-se dos valores obtidos neste experimento.

Estudo epidemiológico realizado em criações de fundo de quintal de subsistência revelou mortalidade de galinhas em decorrência de doença respiratória, e estudo sorológico em 420 aves de 52 criações revelou 33% de animais com micoplasmoses por MS e MG (KELLY et al., 1994KELLY, P.J.; CHITAURO, D.; ROHDE, C.; RUKWAVA, J.; MAJOK, A.; DAVELAAR, F.; MASON, P.R. Diseases and management of backyard chicken flocks in Chitungwiza, Zimbabwe. Avian Diseases, v.38, n.2, p.626-629, 1994.).

Estudos ecológicos com MG realizados nos EUA revelaram não somente a infectividade desse agente para aves de vida livre, bem como a relação direta entre o tamanho da população dessas aves e os valores de prevalência da micoplasmose em aves domésticas (HOCHACHKA & DHONT, 2000HOCHACHKA, W.M. & DHONDT, A.A. Density-dependent decline of host abundance resulting from a new infectious disease. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v.97, n.10, p.5303-5306, 2000.). Carolina do Norte, EUA, surtos de MG em galinhas e perus de granjas comerciais foram originários de criações de “fundo de quintal” existentes na circunvizinhança (LEY et al., 1993LEY, D.H.; AVAKIAN, A.P.; BERKHOFF, J.E. ClinicalMycoplasma gallisepticuminfection in multiplier breeder and meat turkeys caused by F. strain: identification by sodium dodecyl sulfate-polyacrylamide gel electrophoresis, restriction endonuclease analysis, and the polymerase chain reaction. Avian Diseases, v.37, n.3, p.854-862, 1993.). Essas observações, associadas às freqüências de criatórios com aves sororeagentes encontradas no presente trabalho, indicam o risco de introdução, em aves de exploração comercial, de agentes de doenças transmissíveis que se encontram distribuídos na natureza, infectando grande variedade de aves domésticas, disseminando-se nas aves de “fundo de quintal” na ausência de manifestação clínica, e que, pela multiplicidade de fatores de transmissão horizontal, podem romper as barreiras da biossegurança e infectar os lotes de aves de multiplicação genética (NASCIMENTO, 1995NASCIMENTO, E.R. Epidemiologia com ênfase no diagnóstico epidemiológico em avicultura. Curso para médicos veterinários oficiais em Sanidade Avícola. Cuiabá, 1995.; BERCHIERI JUNIOR, 1997BERCHIERI JUNIOR, A. Doenças de transmissão vertical. In: Simpósio Técnico de Produção de Ovos, 7., 1997, Campinas, SP. Anais. São Paulo: 1997. p.133-142.).

CONCLUSÕES

Os resultados obtidos indicam que a elevada freqüência de criatórios com aves sororreagentes e a elevada prevalência de aves sororreagentes aos antigenos testados, nos permite concluir que os agentes estudados encontram-se distribuídos na natureza, infectando e disseminando-se nas aves de "fundo de quintal".

REFERÊNCIAS

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  • BRASIL. Programa Nacional de Sanidade Avícola. Atos legais. Portaria 193. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasilia, – DF,19 de set.de 1994. Poder Executivo.
  • BRASIL. Normas Técnicas para Controle e Certificação de Núcleos e Estabelecimentos Avícolas como livres de Salmonella gallinarum e Salmonella pullorum e livres ou controladas para Salmonella enteritidis e Salmonella typhimurium Atos legais. Instrução Normativa no 03. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília – DF, 09 de janeiro de 2002. Poder Executivo.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2006

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2006
  • Aceito
    11 Maio 2006
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