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Publicações na área de tisiologia no Jornal Brasileiro de Pneumologia entre 2004 e 2011: tipos de artigos, modelos de estudo, grau de evidência científica e impacto social

EDITORIAL

Publicações na área de tisiologia no Jornal Brasileiro de Pneumologia entre 2004 e 2011: tipos de artigos, modelos de estudo, grau de evidência científica e impacto social

Afrânio Lineu KritskiI; Antonio Ruffino NettoII

ICoordenador da Área Diagnóstica da Rede TB Professor Titular em Tisiologia e Pneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil

IICoordenador da Área de Epidemiologia da Rede TB Professor Titular de Medicina Social, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil

As perspectivas de avanço da pesquisa científica para a próxima década em relação à tuberculose (TB) só encontram paralelo no relato da descoberta de Mycobacterium tuberculosis por Robert Koch em 1882, assim como na descoberta da estreptomicina, o primeiro fármaco efetivo contra a TB, por Selman Waksman em 1943. A explosão do desenvolvimento científico e tecnológico nos últimos vinte anos, associado ao reconhecimento de que a epidemia mundial de TB passou a ser um problema grave e global, provocou um redirecionamento de recursos financeiros e esforços para a solução dos pontos críticos na área da TB. Ocorreu também uma revalorização do tema TB nas escolas da área de saúde e um incremento do interesse nas revistas especializadas sobre a divulgação dos conhecimentos científicos produzidos em TB. No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia (JBP), entre 13 artigos originais, 4 referem-se ao tema TB. (1-4) A partir de 2006, a promoção e a divulgação de pesquisas passaram a ser consideradas um componente importante pelo Stop TB no controle de TB,(5) e recentemente tornou-se consenso, entre os formuladores de políticas públicas e pesquisadores, a prioridade, em nível mundial, da condução de pesquisas articuladas entre as áreas básica, clínica e operacional. (6) Essas pesquisas devem abranger um amplo espectro de atividades, tanto aquelas elaboradas para responder as demandas locais com o objetivo de melhorar o desempenho do programa de controle da TB, quanto aquelas voltadas para a política internacional. Nesse cenário, o desenvolvimento de novas tecnologias deve estar atrelado a sua avaliação e a seu subsequente impacto de uso no sistema de saúde. (7,8) Em nível nacional, os programas de controle da TB devem priorizar projetos de pesquisa operacional, que envolvam diferentes parcerias, a fim de resolver os problemas locais ou regionais e identificar as soluções apropriadas. Em nível internacional, uma robusta base de evidências torna-se cada vez mais necessária para orientar a (re)formulação de políticas da área da saúde (incluindo a utilização de revisões sistemáticas e a avaliação do grau de evidência cientifica e do impacto do uso das novas tecnologias). (9,10)

Um ambiente propício para a realização de pesquisa é fundamental para atingir o potencial de melhoria do programa de controle da TB em todos os níveis; todos os protagonistas devem estar cientes dos benefícios da construção de capacidades de investigação por meio da colaboração entre o sistema de saúde pública e/ou privada (SSPP), a academia (AC) - institutos de pesquisa e universidades locais - e a sociedade civil (SC), por meio de organizações não governamentais (ONGs) de advocacy/assistência; associações de pesquisa, como a Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose (Rede TB); instituições religiosas; sociedades de classe (SC), como a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia; e a indústria nacional ou estrangeira (INE).

Apresentamos ao leitor neste editorial uma análise dos 144 artigos publicados na área de tisiologia no JBP no período entre janeiro de 2004 e maio de 2011. Os artigos foram classificados quanto ao tipo (artigo original, relato de caso, opinião, carta e editorial) segundo uma classificação descrita anteriormente. (11) Estudos que utilizaram variáveis de natureza qualitativa foram registrados. Os artigos originais foram classificados de acordo com o tipo de estudo (levantamento, inquérito, observacional, intervenção e pesquisa básica). No intuito de avaliar o grau de evidência científica, foi utilizado o sistema denominado GRADE,(9) no qual são considerados como estudos de melhor evidência aqueles mais capazes de evitar a ocorrência de erros sistemáticos ou vieses, classificados da seguinte maneira: grau 1 - ensaios clínicos e revisões sistemáticas/meta-análises de ensaios clínicos; grau 2 - estudos observacionais de coorte e caso-controle; grau 3 - estudos descritivos, analíticos ou não, sem grupo de comparação; e grau 4 - estudos de casos ou opiniões de especialistas. A avaliação do impacto social foi realizada apenas nos artigos categorizados como grau 1 ou 2 pelo sistema GRADE, com pontuação de 0 a 10 (maior impacto social). Utilizou-se uma modificação do critério proposto por Cecilio,(12) pela qual foram avaliados os seguintes itens: abrangência geográfica; inclusão de população em risco ou de aspectos relacionados a equidade; impacto nos indicadores epidemiológicos; consequências socioeconômicas para o paciente e o sistema de saúde; viabilidade econômico-financeira do programa de controle para incorporar tais tecnologias; e implicações nacionais e internacionais. No intuito de identificar as parcerias, foi avaliada a participação de autores e instituições provenientes da AC, do SSPP, de ONGs, da Rede TB e de INE, bem como o relato de fontes de financiamento (solicitadas pelo JBP a partir de setembro de 2008) em todos os artigos.

Entre os 144 artigos publicados no período, 110 (76,4%) foram artigos originais (75 descritivos e 35 descritivos analíticos), 8 cartas ao editor, 8 pontos de vista ou sínteses interpretativas, 9 relatos de casos e 9 editoriais. Em relação ao tipo de estudo, os artigos originais foram classificados como levantamentos, em 52; inquérito, em 23; área básica, em 11; observacional de coorte retrospectiva, em 5; observacional de coorte prospectiva, em 5; observacional de tipo caso-controle, em 5; observacional transversal, em 1; de intervenção, em 4 (sendo ensaio pragmático, em 1); modelo matemático, em 1; e divulgação de normas/diretrizes, em 3. Em apenas 1 artigo foi utilizado método qualitativo. Em relação ao sistema GRADE, entre os 144 artigos avaliados, apenas 18 (12,4%) foram classificados com grau de evidência 1 ou 2 (3 e 15 artigos, respectivamente). Graus de evidência 3 e 4 foram observados em 94 artigos (65,4%) e em 32 artigos (22,2%), respectivamente. A análise de autores e parcerias revelou, de modo decrescente, o seguinte: 97 artigos (67,4%) da AC, 32 artigos (22,2%) da AC e SSPP, 13 artigos (9%) do SSPP e 3 artigos (1,4%) da AC, SSPP e SC. Em nenhum artigo foi mencionada INE. A participação da Rede TB foi observada em 88 artigos (61%). Entre os 18 artigos de maior evidência científica, 3 (16,7%) receberam grau de impacto social igual ou acima de 7, e 11 (61%) receberam grau de impacto social entre 4 e 5.

Nos últimos sete anos e meio, foram publicados 823 artigos no JBP, sendo que 144 (17,4%) referiam-se ao tema TB; a partir de setembro de 2008, apenas 15 (25%) dos 59 artigos em TB informaram fontes de financiamentos. Tais dados sugerem fortemente uma reflexão de todos os atores e protagonistas da área de tisiologia no Brasil. Em todos os anos de publicação estudados, observou-se uma maior participação de autores da AC e uma menor participação de autores provenientes do sistema público da área de assistência, assim como uma minoria de artigos com maior grau de evidência científica e, mesmo esses, com baixo impacto social. Espera-se que a partir de junho de 2012, quando o JBP receberá fator de impacto, ocorra um aumento na tendência de publicação de artigos de maior evidência científica. Como relatado anteriormente em uma análise similar que incluiu toda a produção científica em TB no Brasil no período entre 1986 e 2006, mantiveram-se a produção científica vinculada a AC, que responde às demandas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a ausência da participação do sistema privado, que usualmente está vinculada à realização de ensaios clínicos explanatórios (fases I, II e III) e a baixa produção científica que incluísse a avaliação do impacto de novas tecnologias - no período estudado, apenas um ensaio clínico pragmático foi identificado. (13) É importante também salientar que depois de duas décadas da utilização de revisões sistemáticas e meta-análises na área da saúde, percebeu-se que, na maioria dos ensaios clínicos, os desfechos avaliados não respondem as questões-chave para decidir sobre a incorporação ou não da tecnologia ao sistema de saúde; esses estudos são realizados em populações específicas e pouco representativas da população geral e, em geral, não incluem avaliações de custo-efetividade. (14) Dessa forma, ensaios clínicos explanatórios, realizados em centros de pesquisa clínica, procuram responder questões de eficácia - se e como uma intervenção funciona - visando à obtenção de registro de produto nos órgãos regulatórios (Agência Nacional de Vigilância Sanitária [ANVISA] e Food and Drug Administration); ensaios pragmáticos são realizados para amparar uma tomada de decisão na área de saúde e, para isso, são realizados em condições muito próximas às da rotina dos serviços, em pacientes muito semelhantes aos que irão necessitar do tratamento no futuro.

Pelo exposto acima, é urgente a alocação de financiamentos vinculados à realização de estudos de maior evidência científica e de maior impacto clínico e social. No Brasil, país emergente no cenário internacional, esse movimento articulado entre pesquisa básica aplicada, clínica e operacional somente ocorrerá se isso, de fato, for priorizado pela AC, pelas secretarias e agências do Ministério da Saúde (Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde/Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Agência Nacional de Saúde e ANVISA), por agências governamentais de fomento (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CAPES, Financiadora de Estudos e Projetos e Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos), pelas fundações estaduais de amparo a pesquisa e pela SC.

Referências

1. Coelho-Filho JC, Caribé MA, Caldas SC, Martins-Netto E. Is tuberculosis difficult to diagnose in childhood and adolescence? J Bras Pneumol. 2011;37(3):288-93.

2. Ozsahin SL, Arslan S, Epozturk K, El R, Dogan OT. Chest X-ray and bacteriology in the initial phase of treatment of 800 male patients with pulmonary tuberculosis. J Bras Pneumol. 2011;37(3):294-301.

3. Limongi LC, Olival L, Conde MB, Junqueira-Kipnis AP. Determination of levels of specific IgA to the HspX recombinant antigen of Mycobacterium tuberculosis for the diagnosis of pleural tuberculosis. J Bras Pneumol. 2011;37(3):302-07.

4. Lopes DM, Pinheiro VG, Monteiro HS, Queiroz JA, Madeira LS, Lopes MM. Diagnosis and treatment of latent tuberculosis in patients with chronic inflammatory diseases and use of TNF-α inhibitors. J Bras Pneumol. 2011;37(3):308-16.

5. Raviglione MC and Uplekar MW. WHO's new Stop TB Strategy. Lancet, 2006; 367(9514):952-5.

6. Marais BJ, Raviglione MC, Donald PR, Harries AD, Kritski AL, Graham SM, et al. Scale-up of services and research priorities for diagnosis, management, and control of tuberculosis: a call to action. Lancet. 2010;375(9732):2179-91.

7. Lienhardt C, Cobelens FG. Operational research for improved tuberculosis control: the scope, the needs and the way forward. Int J Tuberc Lung Dis. 2011;15(1):6-13.

8. van Kampen SC, Ramsay AR, Anthony RM, Klatser PR. Retooling national TB control programmes (NTPs) with new diagnostics: the NTP perspective. PLoS One. 2010;5(7):e11649.

9. Atkins D, Best D, Briss PA, Eccles M, Falck-Ytter Y, Flottorp S, et al. Grading quality of evidence and strength of recommendations. BMJ. 2004; 328(7454):1490.

10. Mann G, Squire SB, Bissell K, Eliseev P, Du Toit E, Hesseling A, et al. Beyond accuracy: creating a comprehensive evidence base for tuberculosis diagnostic tools. Int J. Tuberc Lung Dis. 2010;14(12):1518-24.

11. Kritski AL, Villa TS, Trajman A, Lapa e Silva, JR, Medronho RA, Ruffino-Netto A. Duas décadas de pesquisa em tuberculose no Brasil: estado da arte das publicações científicas. Rev Saude Publica. 2007;41 (Suppl 1):9-14.

12. Cecílio, LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: Pinheiro, R, Mattos, RA, editors. O sentido da integralidade na atenção e no cuidado á saúde. Rio de Janeiro, IMS/UERJ; 2001. p. 113-26.

13. Maciel EL, Prado TN, Peres RL, Palaci M, Johnson JL, Dietze R. Guided sputum sample collection and culture contamination rates in the diagnosis of pulmonary TB. J Bras Pneumol. 2009;35(5):460-3.

14. Laupacis A, Straus S. Systematic reviews: time to address clinical and policy relevance as well as methodological rigor. Ann Intern Med. 2007;147(4):273-4.

  • 1. Coelho-Filho JC, Caribé MA, Caldas SC, Martins-Netto E. Is tuberculosis difficult to diagnose in childhood and adolescence? J Bras Pneumol. 2011;37(3):288-93.
  • 2. Ozsahin SL, Arslan S, Epozturk K, El R, Dogan OT. Chest X-ray and bacteriology in the initial phase of treatment of 800 male patients with pulmonary tuberculosis. J Bras Pneumol. 2011;37(3):294-301.
  • 3. Limongi LC, Olival L, Conde MB, Junqueira-Kipnis AP. Determination of levels of specific IgA to the HspX recombinant antigen of Mycobacterium tuberculosis for the diagnosis of pleural tuberculosis. J Bras Pneumol. 2011;37(3):302-07.
  • 5. Raviglione MC and Uplekar MW. WHO's new Stop TB Strategy. Lancet, 2006; 367(9514):952-5.
  • 6. Marais BJ, Raviglione MC, Donald PR, Harries AD, Kritski AL, Graham SM, et al. Scale-up of services and research priorities for diagnosis, management, and control of tuberculosis: a call to action. Lancet. 2010;375(9732):2179-91.
  • 7. Lienhardt C, Cobelens FG. Operational research for improved tuberculosis control: the scope, the needs and the way forward. Int J Tuberc Lung Dis. 2011;15(1):6-13.
  • 8. van Kampen SC, Ramsay AR, Anthony RM, Klatser PR. Retooling national TB control programmes (NTPs) with new diagnostics: the NTP perspective. PLoS One. 2010;5(7):e11649.
  • 9. Atkins D, Best D, Briss PA, Eccles M, Falck-Ytter Y, Flottorp S, et al. Grading quality of evidence and strength of recommendations. BMJ. 2004; 328(7454):1490.
  • 10. Mann G, Squire SB, Bissell K, Eliseev P, Du Toit E, Hesseling A, et al. Beyond accuracy: creating a comprehensive evidence base for tuberculosis diagnostic tools. Int J. Tuberc Lung Dis. 2010;14(12):1518-24.
  • 11. Kritski AL, Villa TS, Trajman A, Lapa e Silva, JR, Medronho RA, Ruffino-Netto A. Duas décadas de pesquisa em tuberculose no Brasil: estado da arte das publicações científicas. Rev Saude Publica. 2007;41 (Suppl 1):9-14.
  • 12. Cecílio, LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: Pinheiro, R, Mattos, RA, editors. O sentido da integralidade na atenção e no cuidado á saúde. Rio de Janeiro, IMS/UERJ; 2001. p. 113-26.
  • 13. Maciel EL, Prado TN, Peres RL, Palaci M, Johnson JL, Dietze R. Guided sputum sample collection and culture contamination rates in the diagnosis of pulmonary TB. J Bras Pneumol. 2009;35(5):460-3.
  • 14. Laupacis A, Straus S. Systematic reviews: time to address clinical and policy relevance as well as methodological rigor. Ann Intern Med. 2007;147(4):273-4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011
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