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Tabagismo na adolescência: por que os jovens ainda fumam?

EDITORIAL

Tabagismo na adolescência: por que os jovens ainda fumam?

Alberto José de Araújo

A adolescência é a fase da vida que apresenta como características marcantes a busca pelo conhecimento, o aprendizado pela experimentação, o gosto pela aventura, o juízo crítico pelo questionamento e a rebeldia contra os valores pré-estabelecidos pelos adultos. Nesse período inesquecível da existência, os mitos, as crenças e as atitudes são refundados ou reinventados.

As exigências da sociedade contemporânea condicionaram um modo de viver high tech, com forte apelo consumista por marcas e produtos e globalizando costumes e tendências. Os jovens, em idade cada vez mais precoce, encantam-se com esse mundo mágico de novidades e facilidades, como as redes sociais. Esse mundo virtual mimetiza cada vez mais o mundo real, descortinando novas possibilidades que podem conduzir o jovem tanto para o desenvolvimento de seu potencial criativo, quanto podem levá-lo a buscar mecanismos compensatórios para os dramas próprios da idade.

As crianças representam o alvo perfeito nas primeiras adições, por exemplo, com o excessivo consumo de produtos de baixo valor nutritivo, os chamados fast-foods, sendo incentivadas pelos próprios pais. Assim ocorre também com as drogas, particularmente o tabaco e o álcool, que são apresentados às crianças no próprio seio familiar, quando os pais - modelo de comportamento - fazem uso dessas substâncias.

O terreno propício para a iniciação é favorecido, além da influência genética, pelas facilidades socioambientais e familiares. A experiência da iniciação é impulsionada, em casa ou na escola, pela convivência em grupos, cujos líderes, professores, ídolos ou ícones da juventude fumam.(1)

Embora a propaganda de cigarros esteja proibida nos meios de comunicação, ela grassa nas mídias, jogos eletrônicos, telenovelas, seriados e filmes. Segundo um estudo, o número de inserções de cenas com atores fumando tem aumentado nas últimas décadas, e os adolescentes que as assistem têm maior probabilidade de se tornarem fumantes. A indústria do tabaco tem investido amplamente no financiamento dos estúdios cinematográficos e de seus principais atores.(2)

É preciso considerar que a extensa e diversificada rede de pontos de venda - muitos situados estrategicamente junto às escolas, academias e clubes - aumenta a visibilidade e a oferta. Apesar da proibição da venda de cigarros e bebidas alcoólicas a menores de idade, a maioria dos estabelecimentos vende os dois tipos de produtos. Esses estabelecimentos são usuais sócios no processo de atração do jovem para o mundo de "Marlboro" ou do jeito de ser "Free". Outro fator que contribui para a experimentação é a venda indiscriminada de cigarros "a varejo" e de maços de cigarros contrabandeados.

A experimentação dos primeiros cigarros - inicialmente desagradável - é seguida pela adaptação ao sabor e às sensações de prazer, assim como pelas associações comportamentais vivenciadas pelo jovem debutante na dependência tabágica. Os cigarros consumidos nos intervalos ou na saída das escolas passam a ser usados em baladas, incluindo as festas "rave", onde tudo pode rolar. A indústria tem se revelado ardilosa para fisgar os jovens; suas táticas incluem a oferta de brindes e amostras, assim como a venda de cigarros a preços módicos nesses ambientes.(3,4)

Em 2004, um inquérito no Brasil mostrou que a idade de experimentação é muito precoce em quase todas as capitais. A experimentação está associada à busca de identidade e de espaço no mundo adulto, o que ocorre na pré-puberdade. A indústria promove propagandas e outras estratégias de marketing que associam o ato de fumar ao rito de passagem para o mundo adulto e o cigarro como um ícone de amadurecimento e ideal de autoimagem, incentivando a experimentação.(5)

Em um estudo transversal com 5.347 escolares em Salvador (BA) publicado nesta edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Machado Neto et al. relataram uma taxa de experimentação de cigarros de 16%, sendo que dois terços desses os experimentaram antes dos 15 anos de idade.(6) Os fatores determinantes para essa experimentação foram consumir álcool, ter amigo/namorada fumante e sofrer intervenção agressiva/coercitiva dos pais. A mídia e o pai fumante influenciaram o consumo precoce.

Em um estudo transversal com 3.690 escolares (13-15 anos), houve alta prevalência de tabagismo nas cidades de Curitiba (12,6%), Florianópolis (10,7%) e Porto Alegre (17,7%). Fumar estava associado a ter amigos fumantes e ser exposto à fumaça ambiental fora de casa.(7) Em um estudo similar com 2.883 escolares do primeiro ano do ensino médio em Cuiabá (MT), os autores encontraram uma elevada prevalência de experimentação (30,2%). O baixo nível de escolaridade materna, assim como ter amigos e irmãos fumantes, ter sido reprovado e estudar à noite foram fatores associados à experimentação.(8) O hábito de fumar entre irmãos e amigos também havia sido observado em outro estudo.(9) A idade de iniciação está cada vez mais precoce. Os adolescentes fumantes possuem alta probabilidade de se tornarem adultos fumantes, aumentando assim o risco de morbidade e mortalidade por doenças crônicas e de causas evitáveis da população.(9) A iniciação precoce ao fumo é preditora do uso de outras substâncias, como álcool e drogas ilícitas.

É importante monitorar a iniciação do tabagismo em adolescentes, por essa ser uma ação passível de prevenção.(10) Apesar das campanhas de saúde pública e dos programas direcionados para a prevenção da iniciação tabágica entre os jovens, como o "Saber Saúde" do Instituto Nacional do Câncer, o fato é que a redução da prevalência do consumo de tabaco por jovens continua sendo um grande desafio, especialmente para os países em desenvolvimento e os países subdesenvolvidos, nos quais a indústria intensifica a sua ação na diversificação de produtos e na venda de cigarros a preços atrativos, buscando atrair novos mercados para seus escusos negócios.

O estímulo à realização de pesquisas que enfoquem esta área temática - a prevenção da iniciação ao consumo de drogas - é fundamental para a adoção de políticas públicas que promovam ações inclusivas, educativas e de orientação preventiva quanto aos comportamentos de risco, aos quais são suscetíveis os adolescentes, especialmente aqueles no segmento de baixa renda.

Nesse sentido, o artigo de Machado Neto et al.(6) merece o destaque especial desta edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia por abordar, de forma sistematizada, uma questão de grande relevância - os caminhos que levam à dependência à nicotina - e, com sabedoria, nos aponta que o álcool precisa ser considerado, pois tem um papel destacado nessa iniciação. O consumo de álcool está muito associado ao do tabaco, sendo um o precursor do outro, e, muitas vezes, seus usuários ensaiam os primeiros passos para a iniciação ao uso de outras drogas.

Em 2009, uma pesquisa nacional de saúde escolar revelou dados alarmantes sobre o consumo de bebidas alcoólicas: 27,3% dos escolares as haviam consumido nos últimos 30 dias, e 71,4% as experimentaram alguma vez na vida.(11) As formas mais comuns para obter as bebidas foram em festas (36,6%); em mercados, lojas, supermercados ou bares (19,3%); com amigos (15,8%); e na própria casa (12,6%). Cabe ainda ressaltar que 22,1% dos escolares responderam que já haviam se embriagado. Os resultados dessa pesquisa, quanto ao uso de tabaco, mostraram que 24,2% dos escolares experimentaram o cigarro alguma vez na vida e que 6,3% haviam fumado nos últimos 30 dias. Cerca de um terço tinha pelo menos um dos pais fumantes, sendo a maior taxa em Porto Alegre (39,8%) e a menor em Salvador (22,6%).(11)

A publicidade agressiva das indústrias das bebidas tenta minimizar os danos do consumo do seu produto mais difundido - a cerveja - recomendando seu "consumo moderado" e vinculando unicamente essa responsabilidade com relação à lei seca. Todavia, ainda não há, a exemplo do tabaco, uma proibição do seu marketing junto aos jovens, funcionando como propaganda subliminar do tabaco.

Entre as recomendações da Convenção Quadro de Controle do Tabaco (CQCT), da qual o Brasil é signatário, destacam-se a promoção de políticas públicas de ambientes fechados 100% livres de tabaco, o aumento de preços e de impostos, a fiscalização do contrabando de cigarros e a oferta de tratamento para os fumantes. Tais recomendações são reforçadas em um documento da Organização Mundial da Saúde.(12)

A quarta conferência das partes da CQCT recomendou a restrição e a proibição de substâncias aromatizantes no tabaco, considerando que elas atuam no sentido de tornar o produto mais atrativo para os jovens iniciantes na senda tabágica, e foi motivo de consulta pública da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Todo esse cortejo de medidas é fundamental para que esse tratado de saúde pública possa impactar na pandemia de tabagismo, o qual se inicia como uma doença pediátrica na adolescência, alcança seus efeitos deletérios em curto, médio e longo prazo e se consolida como uma doença crônica e recorrente, sendo a principal causa de morte e adoecimento evitável no mundo.

O tabagismo é uma doença, inscrito na Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID 10; F17), e merece de nós atenção e cuidados redobrados por suas danosas consequências, incluindo a nossa adequada capacitação para a oferta de tratamento em nossa prática cotidiana. Essa medida, além de gerar uma melhor qualidade de vida para o nosso paciente, é crucial para a prevenção da iniciação tabágica dos filhos, pois como mostra o estudo de Machado Neto et al.,(6) a influência paterna aumenta as chances do consumo de tabaco.

Todos os esforços devem ser envidados pela sociedade para combater o tabagismo, e o pneumologista tem um importante papel médico-social no sentido de contribuir para reverter esse quadro. No ano do pulmão - 2010 - e no próximo que se anuncia, é salutar difundir bons hábitos, respirar bons ares e promover a prática de comportamentos saudáveis. Fumar não combina com as premissas da nossa arte. Que esse seja o cardápio respiratório que recomendaremos neste final de ano aos nossos pacientes, com saúde e bem-estar pulmonar e mental para todos.

Alberto José de Araújo Professor Associado do Curso de Aperfeiçoamento em Tabagismo, Disciplina de Pneumologia, Escola Médica de Pós Graduação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro (RJ) Brasil. Diretor do Núcleo de Estudos e Tratamento do Tabagismo, vinculado ao Instituto de Doenças do Tórax e ao Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil. Fellow em Medicina Ambiental e Ocupacional, Mount Sinai School of Medicine, New York (NY) EUA

  • 1. Sant'Anna CC, Araújo AJ, Orfaliais CS. Abordagem de grupos especiais: criança e adolescente. J Bras Pneumol. 2004;30(Suppl 2):S47-S54.
  • 2. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Smoking in top-grossing movies --- United States, 1991-2009. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2010;59(32):1014-7.
  • 3. Gualberto P. Os novos cowboys da Marlboro. Campus Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. 2010;350(11):4.
  • 4. Contaifer J. Fumaça de cigarro na mesa do bar. Campus Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. 2010;350(11):5.
  • 5. Ministério da Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: O Ministério; c2010 [cited 2010 Dec 2]. VIGESCOLA Vigilância de tabagismo em escolares. Dados e fatos de 12 capitais brasileiras. [Adobe Acrobat document, 32p.] Available from: http://www.inca.gov.br/vigescola/docs/vigescola_completo.pdf
  • 6. Machado-Neto AS, Andrade TM, Napoli C, Abdon LC, Garcia MR, Bastos FI. Determinants of smoking experimentation and initiation among adolescent students in the city of Salvador, Brazil. J Bras Pneumol. 2010;36(6):674-82.
  • 7. Hallal AL, Gotlieb SL, Almeida LM, Casado L. Prevalência e fatores associados ao tabagismo em escolares da Região Sul do Brasil. Rev Saude Publica. 2009;43(5):779-88.
  • 8. Silva MP, Silva RM, Botelho C. Factors associated with cigarette experimentation among adolescents. J Bras Pneumol. 2008;34(11):927-35.
  • 9. Malcon MC, Menezes AM, Chatkin M. Prevalência e fatores de risco para tabagismo em adolescentes. Rev Saude Publica. 2003;37(1):1-7.
  • 10. Peden M, Oyegbite K., Ozanne-Smith J, Hyder AA, Branche C, Rahman AK, et al, editors. World report on child injury prevention. Geneva: World Health Organization; 2008.
  • 11
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. [cited 2010 Dec 2]. Pesquisa Nacional de Saúde Escolar --- PeNSE 2009. [Adobe Acrobat document, 23p.] Available from: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/comentarios.pdf
  • 12
    World Health Organization; Research for International Tobacco Control. WHO report on the global tobacco epidemic, 2008: the MPOWER package. Geneva: World Health Organization; 2008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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