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Analisando e modificando o problema da separação de duas listas telefônicas com folhas intercaladas

Analyzing and modifying the problem of separating two interleaved phonebooks

Resumo

Neste artigo, analisamos em detalhes o problema da separação de duas listas telefônicas com folhas intercaladas, e propomos uma configuração alternativa que equivale à retirada das lombadas das listas. Mostramos - teórica e experimentalmente - que mesmo nessa configuração a separação das listas pode exigir forças elevadas.

Palavras-chave:
listas telefônicas; atrito; modelagem

Abstract

In this paper, we analyze the problem of separating two interleaved phone books, and propose an alternative configuration that is equivalent to removing their spines. We show theoretically and experimentally that even in that configuration the separation of the phone books may require a lot of force.

Keywords:
phone books; friction; modelling

1. Uma visão geral do problema

Se você nasceu neste século ou na última década do século passado, muito provavelmente nunca manuseou uma lista telefônica impressa, mas já deve ter visto pela TV ou através da Internet uma impressionante demonstração do poder do atrito em que tenta-se separar, sem sucesso, duas listas com suas folhas intercaladas. Não há nada de especial no uso de listas telefônicas, a não ser por seu elevado número de folhas, que, como veremos, é o parâmetro mais importante nesse tipo de experimento. Listas telefônicas robustas chegam a ter 600 folhas, cada. Foi uma dessas listas, dividida ao meio (produzindo-se então dois volumes com 300 folhas, cada - que é ainda um número elevado) que a equipe do canal do YouTube Manual do Mundo usou em sua versão da experiência (publicada em 15 de janeiro de 2013) [1][1] https://youtu.be/bCTL0PQPOj0, acessado em jun. 2019.
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. Em outro vídeo (publicado 5 dias após), a equipe tentou separar as duas metades da lista com dois carros, mas o que conseguiram foi rasgar uma delas pela lombada [2][2] https://youtu.be/oMUDUmJ-d5s, acessado em jun. 2019.
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. Algo semelhante, porém em uma escala maior de força, já tinha sido exibido quatro anos antes: no dia 10 de setembro de 2008 foi ao ar pelo canal de televisão por assinatura Discovery Channel o episódio “Phone Book Friction” da série MythBusters (Caçadores de Mitos) [3][3] https://www.imdb.com/title/tt1266951, acessado em jun. 2019.
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. (A parte inicial do episódio foi publicada no site YouTube pelo Discovery [4][4] https://youtu.be/AX_lCOjLCTo, acessado em jun. 2019.
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. A equipe a princípio tentou separar duas listas telefônicas com 400 folhas, cada, com a ajuda de um número crescente de pessoas. Posteriormente, cada lista foi puxada por um carro, ainda sem êxito. Substituíram então os carros por dois tanques militares, que conseguiram enfim “separar” as listas pela aplicação de aproximadamente 3,6 toneladas-força em cada uma delas. No entanto, o mito da impossibilidade de separar as listas telefônicas não foi totalmente “caçado”, porque as listas foram parcialmente rasgadas, e muitas folhas permaneceram não separadas. Isso não prova que é impossível separar duas listas telefônicas com suas folhas intercaladas; talvez o problema seja que, antes de atingir-se a força necessária para a separação, as listas rasguem. Voltaremos a essa discussão mais adiante.

Encontramos no YouTube outra realização dessa experiência [5][5] https://youtu.be/qjKpQxlIlUw, acessado em jun. 2019.
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, inicialmente com duas caminhonetes puxando as listas telefônicas - sem êxito. Substituindo as caminhonetes por dois potentes caminhões, o que a equipe conseguiu foi rasgar parcialmente as listas, pela aplicação de quase 2 toneladas-força. O vídeo foi publicado no dia 17 de dezembro de 2014. Meses antes, no dia 2 de maio de 2014, foi ao ar pelo canal de televisão France 5, na França, o episódio do programa (com proposta semelhante à do MythBusters - ou seja, realizar experiências para confirmar ou desmentir mitos populares) On n'est pas que des cobayes (Não Somos Só Cobaias) em que a equipe conseguiu erguer um carro de 600 quilogramas até 6 metros de altura - havendo entre o carro e o braço do guindaste duas listas telefônicas com folhas intercaladas. O mais interessante, naquela realização, não foi a intensidade da força suportada pelas listas (já vimos as listas enfrentarem desafios maiores), mas o fato de que a equipe do programa de TV propôs a um grupo de físicos o desafio de elucidar o enigma da suposta inseparabilidade das listas telefônicas. O resultado foi a publicação de um artigo por Alarcón e colaboradores, em janeiro de 2016, na conceituada revista científica Physical Review Letters[6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016).. Entre os autores, estão Christophe Poulard e Frédéric Restagno, que participaram do programa de TV.

Os artigos da revista Physical Review Letters não são organizados em seções, mas podemos identificar na publicação supracitada a seguinte estrutura: O texto começa com uma breve introdução, em que os autores apresentam o problema da separação de duas listas telefônicas com suas folhas intercaladas, e como ele foi abordado naquele trabalho, envolvendo medições sob condições controladas e o desenvolvimento de um modelo teórico que, segundo os autores, captura a física essencial necessária à elucidação do enigma. Ainda na parte introdutória do texto, são apresentados elementos da história da tribologia (definida em 1966 como “ciência e tecnologia de superfícies interagentes em movimento relativo e de assuntos e práticas relacionados” [7][7] H.P. Jost, Tribology and Lubrication Technology 62, 24 (2006).), e em seguida é informado que as atividades nessa área têm alcançado micro e nanoescalas (envolvendo, por exemplo, nanotubos de carbono e folhas de grafeno - para os quais as leis clássicas do atrito, com as quais estamos tão familiarizados, não se aplicam). Os autores passam então à descrição do experimento, apresentando alguns resultados. Segue-se o desenvolvimento do modelo teórico, que ocupa apenas metade de uma página, mais uma página extra na forma de Material Suplementar. O artigo é concluído com comparações entre as previsões do modelo teórico e os resultados experimentais obtidos, e discussões pertinentes.

Ainda em janeiro de 2016, no dia 20, o trabalho publicado na Physical Review Letters foi divulgado em uma matéria do jornal português Público[8][8] https://www.publico.pt/2016/01/20/ciencia/noticia/como-e-que-se-sustem-um-carro-no-ar-preso-a-duas-listas-telefonicas-1720782, acessado em jun. 2019.
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, de publicação diária e destinado à população em geral. Em uma parte do texto, a autora observa que o parâmetro de amplificaçãoα - que constitui, segundo os autores do PRL1 1 Como costuma-se chamar um artigo publicado na revista Physical Review Letters. , o parâmetro adimensional central naquele estudo (veremos isso em detalhes na seção 2) - foi chamado, em postagem na revista de humor Improbable Research2 2 A revista Improbable Research divulga trabalhos de pesquisa “improváveis”, “que fazem as pessoas rirem e depois pensarem” [9]. Trata-se de “pesquisa real, sobre tudo e qualquer coisa, de todos os lugares. Pesquisa que talvez seja boa ou ruim, importante ou trivial, valiosa ou inútil.” A revista é mais conhecida pela criação e atribuição dos Prêmios IgNobel[10], que “se destinam a celebrar o inusitado, honrar os imaginativos - e estimular o interesse das pessoas por ciência, medicina e tecnologia.” A expressão “IgNobel” é um trocadilho com “ignoble” (“ignóbil”, em português), em associação a “Nobel”. , de “ número de Hércules”, em referência ao herói da mitologia grega conhecido por sua força [11][11] https://www.improbable.com/2016/01/09/new-mathematical-model-helps-explain-the-strength-of-interleaved-phonebooks/, acessado em jun. 2019.
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. Os autores do PRL passaram a adotar o termo, como vemos em um artigo de divulgação daquele trabalho publicado em junho de 2016 na revista Physics Today, escrito por parte da equipe3 3 A revista Physics Today limita o número de autores por artigo a 3 [12]. [13][13] K. Dalnoki-Veress, T. Salez e F. Restagno, Physics Today 69, 74 (2016).. No mesmo mês, o autor do termo “número de Hércules” realizou outra postagem na revista Improbable Research, intitulada “The Hercules Number: How a Dimensionless Physical Parameter Got Its Name” [14][14] https://www.improbable.com/2016/06/14/the-hercules-number-how-a-dimensionless-physical-parameter-got-its-name/, acessado em jun. 2019.
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(talvez por não ter sido explicitamente citado, na publicação na Physics Today; eis suas primeiras palavras, na postagem: “I did not conceive or give birth to the Hercules Number. But I did name it. Here's the story.”).

Mas, afinal, qual foi, em termos relativamente simples, a explicação dada no PRL para o problema da grande dificuldade de se separar duas listas telefônicas com folhas intercaladas? E em que consiste o número de Hércules?

Vamos por partes.

A Fig. 1 ilustra duas listas telefônicas em repouso, com folhas intercaladas, cada uma delas sendo puxada com força de módulo F, com o uso de uma braçadeira. Na figura estão indicadas três regiões, para a lista da esquerda. A primeira é a região da braçadeira, que corresponde à parte das folhas envolvida pela braçadeira. Note que nessa região as folhas estão todas paralelas entre si, e à força F. A terceira região é a região ou zona de contato, que é onde há contato entre as folhas das duas listas. A linha tracejada da esquerda indica até onde vão as folhas da lista da direita, e a linha tracejada da direita indica até onde vão as folhas da lista da esquerda. Uma dessas folhas está em destaque, na figura. Ao contrário do que sugerem essas linhas, esses limites não são perfeitamente planos, mas essa é uma das simplificações do modelo de Alarcón e colaboradores [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016)., que discutiremos na seção 2. A segunda região é a região ou zona intermediária. Nela, encontramos folhas da lista da esquerda, apenas, mas elas não estão envolvidas pela braçadeira (nem são paralelas entre si).

Figura 1
Ilustração de duas listas telefônicas em repouso, com folhas intercaladas, cada lista sendo puxada com força de módulo F. As regiões B, I e C são, respectivamente, as regiões da Braçadeira, Intermediária e de Contato (para a lista da esquerda). Uma das folhas da lista da esquerda está em destaque.

Pois bem, tentaremos fazer agora uma primeira tranposição didática1 1 Como costuma-se chamar um artigo publicado na revista Physical Review Letters. para a explicação dada no PRL para o problema da grande dificuldade de se separar duas listas telefônicas com folhas intercaladas.

Quando uma pequena força de módulo F é aplicada em cada lista (veja a Fig. 1), elas não se movem, uma em relação à outra, devido ao atrito entre as folhas intercaladas, na zona de contato. Trata-se de atrito estático, e sabemos que, de acordo com as leis clássicas para o atrito, a força de atrito estático entre duas superfícies em contato possui um valor máximo, fe,max, que depende do coeficiente de atrito estático μe entre aquelas superfícies e do módulo fn da força com que uma superfície é pressionada pela outra, perpendicularmente ao plano de contato: fe,max=μefn. Assim, poderíamos afirmar: aumentando continuamente o valor de F, em algum momento venceremos a força total de atrito estático entre as folhas na zona de contato, cujo módulo denotaremos por Fe, já que ela possui um valor máximo, que denotaremos por Fe,max. O problema é que esse valor máximo da força total de atrito estático também aumenta à medida que aumentamos o valor de F. Vamos explicar por quê.

Considere a lista telefônica da esquerda, na Fig. 1, e sua folha em destaque. Tal folha, na região da braçadeira, é puxada para a esquerda com a mesma direção que a da força F. Contudo, devido ao desvio que a folha sofre quando passamos da região B para as regiões intermediária e de contato, ao ser puxada para a esquerda na região B ela é puxada para a esquerda e para baixo na região I.5 5 Esta afirmativa merece uma análise detalhada, que faremos na seção 2. Por ora, apelaremos para a sua intuição física. Assim, ao ser puxada para a esquerda com maior intensidade na região B, a folha é pressionada com maior intensidade contra a folha inferior (da outra lista) na região C. E isso, por sua vez, aumenta o valor máximo da força de atrito entre aquelas duas folhas. Isso se aplica às demais folhas da lista da esquerda (com exceção, talvez, da folha central - o que, de qualquer forma, tem efeito desprezível), exigindo, para a separação das listas, a aplicação de um maior valor de F - que, por sua vez, torna a aumentar o valor máximo da força total de atrito estático, Fe,max.

Mas não devemos concluir, daí, que a força total de atrito estático entre as listas nunca seria superada. Tudo depende da forma como cresce seu valor máximo, Fe,max, quando aumentamos o módulo F da força aplicada em cada braçadeira. As Figs. 2a, e 2b ilustram, qualitativamente, duas possibilidades. Em cada figura, a dependência de Fe,max em relação a F está indicada pela linha tracejada, enquanto a linha cheia indica a igualdade entre Fe e F (significando que as listas estão em repouso, uma em relação à outra). No primeiro caso (Fig. 2a), a interseção entre as linhas cheia e tracejada indica o ponto onde o valor máximo da força total de atrito estático entre as listas é alcançado, correspondendo à situação de iminência de movimento. Qualquer aumento no valor F da força aplicada, a partir daquele ponto, produz a separação das listas. No segundo caso (Fig. 2b), tal interseção jamais ocorre, e em princípio as listas jamais são separadas. Mas, é claro, o valor de F não poderia ser aumentado indefinidamente, porque em algum ponto as folhas de papel começariam a ser rasgadas. Aliás, mesmo na situação indicada na Fig. 2a, as folhas de papel podem começar a rasgar antes do valor Fe,max ser alcançado por F, se aquele valor é muito elevado. (A Fig. 2c foi posta para comparação, e corresponde ao caso típico em que o valor de Fe,max independe do valor de F.) Assim, se o valor máximo da força total de atrito estático entre as listas, Fe,max, pode ou não ser superado pela intensidade F da força aplicada a cada lista depende da forma como aquele valor aumenta à medida que F aumenta. Mas, repetimos: mesmo no primeiro caso, as folhas de papel podem começar a rasgar antes do valor Fe,max ser alcançado por F.

Figura 2
Força total de atrito estático entre as folhas na zona de contato, Fe, em função da força F aplicada em cada lista, considerando-se três formas de variação do valor máximo da força total de atrito estático, Fe,max, como função de F.

Como vimos, nas experiências relativas às referências 1 a 5 deste artigo as listas telefônicas ou não foram separadas ou foram rasgadas. Mas nos experimentos sob condições controladas realizados por Alarcón e colaboradores [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016)., as folhas foram separadas sem rasgo, e, portanto, a Fig. 2a seria, dentre as apresentadas, a mais representativa da relação entre Fe,max e F. Não ter havido rasgo de folhas nos experimentos de Alarcón e colaboradores pode ter sido consequência, entre outros fatores, do número de folhas em cada grupo, que não excedeu o valor de 200 folhas. É que quanto maior o número de folhas em cada grupo, maior o valor de F para o qual temos F=Fe,max (veja a Fig. 2a), e denotaremos tal valor por Fcrítica 6 6 Exceto quando os autores trabalharam com um número pequeno de folhas em cada grupo, as forças necessárias à separação chegaram a quase 1000 newtons. O artigo de Alarcón e colaboradores sugere forças ainda maiores (veja a figura 2 daquele artigo), mas os dinamômetros usados pelos autores permitiram leituras de no máximo 1000 N. O (rápido) aumento de Fcrítica com o aumento do número de folhas em cada grupo foi verificado experimentalmente por Alarcón e colaboradores, e é previsto por seu modelo teórico - que discutiremos em detalhes na seção 2.

Recapitulando, a explicação dada no PRL por Alarcón e colaboradores para o problema da grande dificuldade de se separar duas listas telefônicas com folhas intercaladas foi, essencialmente, a seguinte:

quanto maior a intensidade F da força aplicada a cada lista (veja Fig. 1), mais fortemente as folhas intercaladas são pressionadas umas contra as outras na zona de contato, e, consequentemente, maior o valor máximo da força total de atrito a ser vencida.

Esse efeito de amplificação7 7 Alarcón e colaboradores deram ao seu artigo [6] o seguinte título: “Self-Amplification of Solid Friction in Interleaved Assemblies”. Mas preferimos a expressão “Amplification”, no lugar de “Self-Amplification”, porque visualizamos como agente amplificador do valor máximo da força total de atrito a força de intensidade F aplicada a cada grupo de folhas (veja Figs. 1 e 2a), e não o próprio atrito. foi sugerido no episódio “Phone Book Friction” da série MythBusters[3][3] https://www.imdb.com/title/tt1266951, acessado em jun. 2019.
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por um de seus apresentadores, quando disse:

I have a theory. I think there's more going on here than just friction of page on page. I think it has to do with the pages being stacked and the weight that they put on each other, as well as there may be some sort of a finger puzzle thing where the harder you pull the more it grabs.

(Eu tenho uma teoria. Eu acho que há mais acontecendo aqui do que apenas atrito de página sobre página. Eu acho que tem a ver com as páginas sendo empilhadas e o peso que elas colocam umas sobre as outras, assim como pode haver algum tipo de quebra-cabeça, onde quanto mais você puxa, mais se agarra.)

Infelizmente isso não foi citado pelos autores do PRL (que, contudo, citaram o referido episódio da série MythBusters (referência 2 daquele artigo)).

Quanto ao número de Hércules, ele é o parâmetro adimensional α=μcϵN2/2d, em que μc é o coeficiente de atrito cinético médio8 8 Os autores do PRL trabalharam em seu modelo com um coeficiente de atrito cinético, em vez de estático, em parte porque em seu experimento as folhas intercaladas foram movidas, umas em relação às outras; ou seja, as “listas” foram sempre separadas. Contudo, o movimento das folhas não foi contínuo: sua resposta à tração foi do tipo “stick-slip” (“gruda-escorrega” ou “cola-desliza”) - um fenômeno observado para muitos materiais [15] [16], incluindo papel [17]. Assim, os autores poderiam ter trabalhado com um valor intermediário entre o coeficiente de atrito cinético e o coeficiente de atrito estático para as folhas de papel usadas, já que no modelo foi considerado um movimento contínuo das folhas, em vez de um stick-slip. Mas, segundo os autores do PRL, a diferença entre os valores desses coeficientes pode ser desconsiderada no estudo realizado. E a ideia de se tomar um valor médio para o coeficiente de atrito cinético vem do fato experimental de que tal coeficiente é maior para pequenos valores de força normal (pequenas cargas) [6], podendo até ser superior a 1 para cargas muito reduzidas, devido a forças de adesão [18]. entre as folhas de papel usadas no experimento, ϵ é a espessura de cada folha, N é o número total de folhas em cada um dos dois grupos, e d é um comprimento denominado no PRL “distância de separação da braçadeira à zona de contato” - que é a largura da zona intermediária (veja a Fig. 1), medida paralelamente às forças de módulo F. O parâmetro α foi chamado no PRL de “parâmetro de amplificação” porque a principal equação daquele artigo prevê um rápido crescimento, quando o valor de α aumenta, para a força Fcrítica que põe as listas na iminência de movimento. Observe que, em particular, o valor de α cresce rapidamente com o aumento do número N de folhas em cada lista. O modelo de Alarcón e colaboradores, portanto, prevê quantitativamente que com o aumento do número de folhas em cada lista a separação das listas vai se tornando rapidamente uma tarefa extremamente difícil.

Na próxima seção, descreveremos em detalhes o modelo de Alarcón e colaboradores. Fizemos um esforço para apresentar tal modelo de forma acessível a estudantes de graduação em física, engenharia ou área afim, que tenham cursado ao menos um semestre de mecânica newtoniana (a nível do Halliday [19][19] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física (LTC, Rio de Janeiro, 2012)., por exemplo) e um semestre de cálculo diferencial e integral.

Forneceremos agora mais algumas informações, para que possamos apresentar adequadamente as demais seções deste artigo - que não se limita à discussão do trabalho de Alarcón e colaboradores e à análise de eventos que o precederam.

Logo no início de seu artigo [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016)., Alarcón e colaboradores afirmam (embora não haja nenhuma referência) que a explicação simples frequentemente dada para a enorme dificuldade de se separar duas listas telefônicas com suas folhas intercaladas é que a gravidade proporciona a força normal que gera o atrito tangencial entre as folhas. Daí afirmam que tal hipótese é facilmente provada incorreta, por não haver diferença discernível quando o experimento é realizado na direção vertical e na direção horizontal. Realizam então seu experimento sempre na direção vertical - ou seja, com as forças de módulo F indicadas na Fig. 1 na direção vertical. Mas o efeito da gravidade pode ser analisado realizando-se o experimento com as folhas em outra configuração, na qual não ocorre o fenômeno de amplificação do atrito: aquela indicada na Fig. 3a. Observe na figura que cada braçadeira foi substituída por uma peça que não pressiona as folhas umas contra as outras. Trata-se de uma peça rígida, e as folhas são puxadas horizontalmente através de um conjunto de 10 pinos que as atravessam em furos previamente realizados (como em uma encadernação com espiral). Está indicada na figura a região (C) onde há o contato entre as folhas dos dois grupos. Note que há um prolongamento da base da peça rígida da direita, para que as folhas se mantenham na direção horizontal. Sobre aquela base repousa a primeira folha do grupo de folhas à direita, e sobre esta repousa a primeira folha do grupo de folhas à esquerda, e assim as folhas dos dois grupos vão sendo intercaladas, mas com a última folha pertencendo ao grupo da direita, de modo que se há N folhas no grupo da esquerda, há N+1 folhas no grupo da direita. Isto significa que cada folha do grupo da esquerda tem acima e abaixo dela uma folha do grupo da direita.

Figura 3
(a) Ilustração de dois grupos de folhas intercaladas, em repouso, cada grupo sendo puxado horizontalmente com força de módulo F, através de um total de 20 pinos (10 para cada grupo). A região C é a região de contato entre as folhas dos dois grupos. (b) Vista superior da parte esquerda da Fig. 3a. (c) Modificação feita por Alarcón e colaboradores em sua montagem, com a retirada de folhas, de forma alternada, dos dois grupos ilustrados na Fig. 1, para mostrar que nessa configuração - não havendo o efeito de amplificação do atrito, e sendo as forças aplicadas verticalmente - os dois grupos de folhas são facilmente separados. As regiões B, I e C são, respectivamente, as regiões da Braçadeira, Intermediária e de Contato (para o grupo superior). Em a e c está indicada a direção do vetor aceleração da gravidade.

Na seção 4 descreveremos nossa realização do experimento correspondente à Fig. 3a, e discutiremos os resultados obtidos. Você verá que, mesmo sem o efeito de amplificação do atrito, a separação dos dois grupos de folhas pode ser uma tarefa bastante difícil. E isso pode ser facilmente previsto teoricamente, de modo que optamos por apresentar essa previsão teórica antes da apresentação da realização experimental: na seção 3 deste artigo. O desenvolvimento é bastante simples, acessível a alunos do ensino médio. Faremos comparações com os resultados obtidos por Alarcón de colaboradores [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016)., e, como você verá, os resultados são surpreendentes.

Por que os autores do PRL [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016). não relataram a dificuldade de se separar dois conjuntos de folhas na configuração apresentada na Fig. 3a - ou seja, sem o efeito de amplificação do atrito, mas com as folhas sendo pressionadas umas contra as outras pela ação exclusiva da gravidade -, não sabemos. Talvez não tenham realizado o experimento naquela configuração. Ou talvez tenham desejado discutir apenas o efeito de amplificação do atrito. Mas, associado a essa questão, há algo curioso naquele estudo: os pesquisadores fizeram uma modificação em sua montagem (indicada aqui na Fig. 3c), com a retirada de folhas, de forma alternada, dos dois grupos ilustrados na Fig. 1, para mostrar que nessa configuração os dois grupos de folhas são facilmente separados. Não há surpresa nisso, pois em tal configuração não ocorre nem a amplificação do atrito, nem a ação da gravidade pressionando as folhas umas contra as outras, restando apenas pequenas forças de adesão entre folhas adjacentes. Para examinar o efeito da gravidade, os pesquisadores teriam que ter girado de 90 graus todo o aparato ilustrado na Fig. 3c (obtendo algo equivalente ao que é apresentado na Fig. 3a), mas, aparentemente, não o fizeram. Ou seja, não trabalharam com nenhuma configuração que permitisse a investigação do efeito exclusivo da gravidade - ou, se trabalharam, não consideraram importante relatar. Mas, em defesa dos autores do PRL, devemos dizer que o problema modificado apresentado na Fig. 3a não constitui o problema da dificuldade de se separar duas listas telefônicas com suas folhas intercaladas, pois nas listas há as lombadas (fazendo o papel das braçadeiras na Fig. 1), que inevitavelmente levam ao fenômeno de amplificação do atrito (se nenhuma folha é retirada). Mesmo assim, como veremos, e já anunciamos, a investigação desse problema modificado é bastante interessante, e, nele, a gravidade desemprenha um papel fundamental.

Por fim, na seção 5 apresentaremos as conclusões deste trabalho.

2. O modelo de Alarcón e colaboradores

Modelagem, em física, necessariamente envolve algum tipo de simplificação do sistema físico investigado (ou seja, modelado).9 9 A discussão sobre o que significa modelagem em física, e na ciência em geral, está longe de ser algo trivial. Veja, por exemplo, o texto do professor de filosofia Roman Frigg, na Routledge Encyclopedia of Philosophy Online[20]. No modelo de Alarcón e colaboradores [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016)., a simplificação começa pela conformação de cada folha das duas listas telefônicas intercaladas: como indicado na Fig. 4, cada folha da lista da esquerda é perfeitamente plana em cada uma das regiões B, I e C; com isso, as conexões entre as partes B e I e entre as partes I e C formam ângulos - ou seja, não há curvas nas folhas de papel. (As folhas da lista da direita são modeladas de modo equivalente.) Trata-se realmente de uma simplificação, sobretudo com relação à disposição das folhas nas regiões I e C (observe, por exemplo, a figura 1 do artigo publicado na Physics Today [13][13] K. Dalnoki-Veress, T. Salez e F. Restagno, Physics Today 69, 74 (2016)., ou os vídeos nas referências 1, 2, 4 e 5; a Fig. 1, aqui, é um pouco mais representativa da conformação das folhas em uma situação real, embora ainda apresente uma simetria que dificilmente é obtida na prática). Além disso, como as folhas em cada lista têm o mesmo tamanho, a fronteira entre as regiões I e C não poderia ser perfeitamente plana; mas esta simplificação adicional nos permite trabalhar com uma largura única d característica da zona intermediária (veja a Fig. 4). Consideraremos sempre um número ímpar de folhas na lista da esquerda, e, como sugere a Fig. 4, a folha central daquela lista terá sempre uma direção única nas regiões B, I e C. Com isso, obteremos simetria no cálculo das forças que atuam sobre as folhas da lista da esquerda, de modo que poderemos considerar, explicitamente, apenas sua metade superior, além de sua folha central.

Figura 4
Disposição das folhas intercaladas de duas listas telefônicas, segundo o modelo de Alarcón e colaboradores [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016).. Neste exemplo, há 15 folhas (linhas cheias) na lista da esquerda e 16 folhas (linhas tracejadas) na lista da direita. (Trabalharemos sempre com um número N ímpar de folhas no grupo da esquerda, e com N+1 folhas no grupo da direita.) O espaçamento entre as folhas foi introduzido apenas para facilitar a visualização, e, obviamente, não deve ser considerado nos cálculos. As regiões B, I e C são as mesmas indicadas na Fig. 1, e as variáveis yB e yC serão usadas, aqui, para a especificação das posições das bases das folhas da esquerda nas regiões B e C, respectivamente, a partir da base da folha central. d é a largura da zona intermediária.

A especificação da conformação de cada folha da lista da esquerda, da região da braçadeira à zona de contato, é essencial para a análise das forças que atuam nas mesmas em cada uma das regiões B, I e C. Considerar plana cada folha em cada uma daquelas regiões simplifica enormemente o trabalho. Em particular, nos interessa o ângulo formado na região intermediária por cada folha da lista da esquerda, com relação à direção da folha central. Usando a variável n para a numeração das folhas da lista da esquerda, a partir da folha central (folha n=0), e as variáveis yB e yC para a especificação das posições das bases daquelas folhas nas regiões B e C, respectivamente, a partir da base da folha central, e sendo ϵ a espessura de cada folha, obtemos (veja a Fig. 5) yB(n)=nϵ e yC(n)=2nϵ. Ou seja, essas são as posições da base da folha n, a partir da base da folha central, respectivamente na região da braçadeira e na zona de contato. A diferença yC(n)yB(n)=nϵ nos dá a elevação da folha n da região B à região C, e o ângulo θn formado pela mesma na região intermediária, com relação à direção da folha central, satisfaz (como mostra a Fig. 5b) a relação

Figura 5
(a) Recorte da Fig. 4. A variável n é usada para a numeração das folhas, a partir da folha central do grupo da esquerda (folha n=0). As variáveis yB yC estão descritas na legenda da Fig. 4. (b) Cálculo do ângulo θn formado pela folha número n, na região intermediária, com relação à direção da folha central. Cada folha tem espessura ϵ.
(1) tg θ n = n ϵ d ,

com n{0,1,2,,(N1)/2}, sendo N o número total de folhas na lista da esquerda (lembre-se de que trabalharemos sempre com N ímpar, e que o número total de folhas na lista da direita será sempre N+1).

Faremos a seguir a análise de todas as forças que atuam na folha n da lista da esquerda (n0), nas regiões I e C, e das forças relevantes (para o modelo) que atuam na mesma folha, na região B. Em nossa experiência de pensamento, o grupo de folhas da direita será fixado a uma superfície, através de sua braçadeira, e puxaremos para a esquerda, com força de módulo F, a braçadeira da esquerda e o grupo de folhas da esquerda (como ilustrado na Fig. 1).10 10 Comentamos na seção 1 que Alarcón e colaboradores realizaram seu experimento sempre na direção vertical, e, portanto, teríamos aqui uma representação daquele experimento em princípio mais adequada com as Figs. 1, 4, e 5 giradas de 90 graus (no sentido horário); mas no próprio PRL [6] há (na figura 1b daquele artigo) um esquema semelhante ao apresentado aqui nas Figs. 4 e 5 - ou seja, como se as listas estivessem sendo puxadas horizontalmente.

Iniciemos pela parte da folha n na região intermediária. Observe, por exemplo, a folha n=5 na Fig. 5. Devido à separação entre as folhas n e n1 e entre as folhas n e n+1 em toda a zona intermediária, causada pela intercalação daquelas folhas com folhas do grupo da direita na zona de contato, as forças que agem sobre a parte da folha n situada na região I atuam apenas em suas extremidades. E, além disso, essas forças têm a mesma direção da folha na região I, como ilustra a Fig. 6a; do contrário, aquela parte da folha não estaria em equilíbrio. É claro, cada uma das forças na Fig. 6a corresponde a uma soma de forças atuando ao londo de toda a fronteira da região I com a região B ou C.

Figura 6
(a) Forças atuando sobre a parte da folha n (da lista da esquerda) situada na zona intermediária. (b) Força sobre a parte da folha n situada na região da braçadeira, aplicada pela parte da mesma folha na região I. (c) Força sobre a parte da folha n situada na zona de contato, aplicada pela parte da mesma folha na região I, e forças normais e de atrito estático aplicadas à folha n pelas folhas adjacentes superior e inferior (ambas da lista da direita).

A Fig. 6b ilustra a “reação” (no sentido da terceira lei de Newton) à força de módulo Tn à esquerda na Fig. 6a, aplicada sobre a parte da folha n situada na região da braçadeira, além de sua decomposição em duas direções ortogonais entre si. Analogamente, a Fig. 6c ilustra a “reação”, aplicada sobre a parte da folha n situada na zona de contato, à força de módulo Tn à direita na Fig. 6a, e também sua decomposição em duas direções ortogonais. Estão ainda ilustradas na Fig. 6c as forças normais fnn,sup e fnn,inf e as forças de atrito estático fen,sup e fen,inf, aplicadas à folha n da lista da esquerda respectivamente pelas folhas adjacentes superior e inferior (ambas da lista da direita).

O equilíbrio da parte da folha n situada na zona de contato envolve a seguinte igualdade (veja a Fig. 6c):

(2) T n cos θ n = f e n , sup + f e n , inf .

Consideremos agora que a lista da esquerda está na iminência de movimento em relação à lista da direita. (Com isso, é claro, estamos supondo que a separação entre as listas é possível.) Neste caso, temos, de acordo com as leis clássicas de atrito (veja a Fig. 6c):

(3) f e n , sup = f e n , sup max = μ e f n n , sup

e

(4) f e n , inf = f e n , inf max = μ e f n n , inf ,

em que μe é o coeficiente de atrito estático entre as folhas de papel.

Para calcularmos fnn,inf, consideraremos o bloco da zona de contato constituído pela folha n da lista da esquerda e por todas as folhas acima dela (das listas da esquerda e da direita), e aplicaremos a esse bloco, que está em repouso, a segunda lei de Newton.

Pois bem, o módulo da força total que empurra o bloco para cima é fnn,inf. Para obtermos o módulo da força total que empurra o bloco para baixo, observemos primeiramente que a contribuição das forças exercidas através das folhas da lista da esquerda é (veja a Fig. 6c) k=n(N1)/2Tksenθk. Para encontrarmos a contribuição das forças exercidas através das folhas da lista da direita, precisaremos introduzir novas variáveis no problema.

Usaremos a variável n˜ para numerar as folhas da metade superior da lista da direita: a primeira folha da metade superior é a folha n˜=1, e a última (a folha externa) é a folha n˜=(N+1)/2.

As grandezas θ˜n˜ e T˜n˜ têm definições, para a folha n˜ da lista da direita, correspondentes às definições de θn e Tn para a folha n da lista da esquerda. Ou seja, θ˜n˜ é o ângulo (agudo) formado pela folha n˜ da lista da direita com relação à direção da folha central da lista da esquerda, e T˜n˜ é o módulo da força resultante em cada uma das duas extremidades da parte da folha n˜ da lista da direita, na zona intermediária, que faz fronteira com a zona de contato ou com a região da braçadeira.

Deixaremos para você a tarefa de obter, à semelhança da construção apresentada na Fig. 5:

(5) tg θ ˜ n ˜ = ( n ˜ 1 / 2 ) ϵ d ,

em que d é também a largura da zona intermediária da lista da direita.

Observando a Fig. 4, podemos concluir que a contribuição das forças exercidas através das folhas da lista da direita, para o módulo da força total que empurra para baixo o bloco acima descrito, é k˜=n+1(N+1)/2T˜k˜senθ˜k˜.

Temos, então:

(6) f n n , inf = k = n ( N 1 ) / 2 T k sen θ k + k ˜ = n + 1 ( N + 1 ) / 2 T ˜ k ˜ sen θ ˜ k ˜ .

Para calcularmos fnn,sup, observemos que, de acordo com a terceira lei de Newton, este é o módulo da força com que a folha n da lista da esquerda empurra para cima a folha superior, da lista da direita. Podemos então considerar o bloco da zona de contato constituído por todas as folhas (das duas listas) acima da folha n da lista da esquerda. Aplicando a esse bloco a segunda lei de Newton, obtemos:

(7) f n n , sup = k = n + 1 ( n < ( N 1 ) / 2 ) ( N 1 ) / 2 T k sen θ k + k ˜ = n + 1 ( N + 1 ) / 2 T ˜ k ˜ sen θ ˜ k ˜ .

Perceba que há duas diferenças entre as expressões no segundo membro de (6) e no segundo membro de (7): uma está no primeiro valor assumido por k (n e n+1, respectivamente), e a outra está no fato de que não podemos fazer n=(N1)/2 no primeiro somatório em (7) (e daí a condição n<(N1)/2 lá expressa), pois a última folha da lista da esquerda é a folha (N1)/2, e, portanto, não existe a folha n+1 para n=(N1)/2.

Concluímos nossa análise de forças sobre cada uma das três partes (B, I e C) das folhas da lista da esquerda. No processo, obtivemos expressões que envolvem quantidades associadas às folhas da lista da direita (veja as igualdades (5), (6) e (7). O que fazer com os resultados (1) a (7) obtidos? É o que discutiremos a seguir.

Consideremos o bloco constituído por todas as folhas da lista da esquerda na região da braçadeira, e pela própria braçadeira. Lembre-se de que estamos considerando que a lista da esquerda está na iminência de movimento em relação à lista da direita. Aplicando a esse bloco a segunda lei de Newton, e sendo Fcrítica o valor de F nessa situação, obtemos (veja as Figs. 1 e 6b):

(8) F c r í i a c u t e ; t i c a = T 0 cos θ 0 + 2 n = 1 ( N 1 ) / 2 T n cos θ n .

O alvo do modelo de Alarcón e colaboradores é a obtenção de uma expressão para Fcrítica em função de parâmetros mensuráveis do sistema (μe, ϵ, ϵ e d), fazendo uso do que foi obtido nesta seção até aqui (igualdades (4) a (8). Mas, como veremos, não se trata de uma tarefa trivial.

Será interessante definirmos

(9) n T n cos θ n ,

n{0,1,2,,(N1)/2}. E, analogamente,

(10) ˜ n ˜ T ˜ n ˜ cos θ ˜ n ˜ ,

n ˜ { 1 , 2 , , ( N + 1 ) / 2 } .

Podemos então reescrever a igualdade (8) como

(11) F crítica = 0 + 2 n = 1 ( N 1 ) / 2 n .

O caminho natural seria usarmos as igualdades (1) a (11) para obtermos uma expressão para Fcrítica. Contudo, como você pode verificar no Material Suplementar, disponível online, trabalhando com aquelas 11 igualdades chegamos à equação

(12) d 2 μ e ϵ F crítica = 2 k = 1 ( N 1 ) / 2 k k + k ˜ = 1 ( N + 1 ) / 2 ( k ˜ 1 / 2 ) ˜ k ˜ + 2 n = 1 ( N 1 ) / 2 ( k = n + 1 ( n < ( N 1 ) / 2 ) ( N 1 ) / 2 k k + k ˜ = n + 1 ( N + 1 ) / 2 ( k ˜ 1 / 2 ) ˜ k ˜ ) ,

que é, certamente, frustrante. Para obtermos Fcrítica a partir da igualdade acima, precisamos conhecer k e ˜k˜, com k=1,2,,(N1)/2 e k˜=1,2,,(N+1)/2. Mas se conhecêssemos essas quantidades (e 0), usaríamos a igualdade (11) para o cálculo de Fcrítica. Veremos então como os autores do PRL [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016). obtiveram uma expressão para Fcrítica a partir de igualdades equivalentes às igualdades (1) a (7). Se você é um estudante ainda na primeira metade de seu curso de graduação, é muito provável que o desenvolvimento que verá a seguir seja uma novidade. Esperamos que aprecie.

Basicamente, a estratégia usada por Alarcón e colaboradores para a obtenção de uma expressão para Fcrítica a partir de igualdades equivalentes às igualdades (1) a (7) consistiu na obtenção e resolução de uma equação diferencial ordinária. Uma equação envolvendo que função? E que variável independente? Veremos. Obviamente, teremos que transformar um problema com variáveis discretas (como n e n˜) em um problema envolvendo variáveis contínuas. Vamos por partes.

Primeiro, usando a definição apresentada em (9), vamos calcular a diferença

(13) Δ n n + 1 n ( n < ( N 1 ) / 2 ) .

Substituindo (9) em (13), obtemos:

(14) Δ n = T n + 1 cos θ n + 1 T n cos θ n .

Substituindo (2) em (14), obtemos:

(15) Δ n = f e n + 1 , sup + f e n + 1 , inf ( f e n , sup + f e n , inf ) .

Agora, usando (3) e (4) em (15), obtemos:

(16) Δ n = μ e ( f n n + 1 , sup + f n n + 1 , inf f n n , sup f n n , inf ) .

Nas igualdades (14) a (16) temos a condição n<(N1)/2, expressa na igualdade (13). Observando isto, e substituindo (6) e (7) em (16), obtemos:

(17) 1 μ e Δ n = k = ( n + 1 ) + 1 ( ( n + 1 ) < ( N 1 ) / 2 ) ( N 1 ) / 2 T k sen θ k + k ˜ = ( n + 1 ) + 1 ( N + 1 ) / 2 T ˜ k ˜ sen θ ˜ k ˜ + k = n + 1 ( N 1 ) / 2 T k sen θ k + k ˜ = ( n + 1 ) + 1 ( N + 1 ) / 2 T ˜ k ˜ sen θ ˜ k ˜ k = n + 1 ( n < ( N 1 ) / 2 ) ( N 1 ) / 2 T k sen θ k k ˜ = n + 1 ( N + 1 ) / 2 T ˜ k ˜ sen θ ˜ k ˜ k = n ( N 1 ) / 2 T k sen θ k k ˜ = n + 1 ( N + 1 ) / 2 T ˜ k ˜ sen θ ˜ k ˜ ,

com n<(N1)/2.

Podemos simplificar este resultado. Trabalharemos comn<(N1)/21 (ou, equivalentemente, com nmáximo=(N1)/22), de modo que teremos sempre todos os oito somatórios em (17). (Não devemos nos preocupar com essa restrição, pois transformaremos o problema discreto que temos em mãos em um problema envolvendo variáveis contínuas, e aplicaremos a ele as devidas condições de contorno.) Pois bem, em primeiro lugar, perceba que os somatórios 3 e 5 se cancelam. Agora, observe que os valores assumidos por k no primeiro somatório são os inteiros n+2 a (N1)/2, enquanto os valores assumidos por k no sétimo somatório são os inteiros n a (N1)/2. Portanto, o somatório 7 contém todos os termos do somatório 1, e dois termos extras: os termos k=n e k=n+1. Então a diferença entre o primeiro e o sétimo somatórios é:

T n sen θ n T n + 1 sen θ n + 1 .

Agora, passemos aos somatórios 2, 4, 6 e 8. Nos somatórios 2 e 4 (que são iguais), os valores assumidos por k˜ são n+2 a (N+1)/2, enquanto os valores assumidos por k˜ nos somatórios 6 e 8 (também iguais entre si) são n+1 a (N+1)/2. Logo, é fácil ver que desses quatro somatórios resulta a quantidade

2 T ˜ n + 1 sen θ ˜ n + 1 .

Portanto, podemos reescrever a igualdade (17) como:

(18) 1 μ e Δ n = T n sen θ n T n + 1 sen θ n + 1 2 T ˜ n + 1 sen θ ˜ n + 1 ,

com n<(N1)/21.

Multiplicando, acima, senθn por cosθn/cosθn, senθn+1 por cosθn+1/cosθn+1, e senθ˜n+1 por cosθ˜n+1/cosθ˜n+1, e usando as igualdades (1), (5), (9) e (10), obtemos:

(19) 1 μ e Δ n = n ϵ d n ( n + 1 ) ϵ d n + 1 2 ( n + 1 1 / 2 ) ϵ d ˜ n + 1 ,

com n<(N1)/21.

No desenvolvimento de seu modelo, Alarcón e colaboradores consideraram N1; ou seja, consideraram que o número total de folhas em cada uma das duas listas é muito maior que 1 - que é o caso, obviamente, quando se trata de listas telefônicas reais. Contudo, nos experimentos que realizaram [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016)., Alarcón e colaboradores trabalharam com N=24,30,46,54,100,150e200. Mas mesmo para um valor de N relativamente pequeno como N=24 (ou N=23, já que estamos considerando, aqui, que a lista da esquerda possui sempre um número ímpar de folhas), parece-nos razoável considerar

˜ n + 1 n + 1 n .

Observe a Fig. 4. Nela, a lista da esquerda só tem 15 folhas (e a da direita, 16), e, mesmo sendo esse um número ainda menor, parecem-nos razoáveis as aproximações acima.11 11 Estamos, aqui, apelando para a sua intuição física. Perceba, por exemplo, como é ínfima na Fig. 4 a diferença entre os ângulos θn e θn+1, para um n qualquer; e olha que o espaçamento entre as folhas, introduzido na Fig. 4 apenas para facilitar a visualização, nem deve ser considerado! Note também como a assimetria entre as listas da esquerda e da direita, por ser pequena, não deve resultar em uma diferença significativa entre ℱ˜n+1 e ℱn+1 (lembre-se de que a lista da direita só tem uma folha a mais que a da esquerda). Com elas, podemos reescrever a relação (19) como:

(20) Δ n 2 ( 2 n + 1 ) μ e ϵ d n ,

com n<(N1)/21.

Para 1n<(N1)/21 temos 2n+12n, e com isso obtemos uma expressão ainda mais simples para Δn:

(21) Δ n 4 μ e ϵ d n n ,

com 1n<(N1)/21.12 12 A aproximação em (21) corresponde à igualdade (1) do artigo de Alarcón e colaboradores [6], deduzida como uma aproximação no Material Suplementar daquele artigo.

Com a aproximação em (21), concluímos uma importante etapa do desenvolvimento do modelo de Alarcón e colaboradores. Veremos agora como obter uma equação diferencial a partir da relação (21).

Iniciaremos introduzindo uma nova variável: zn/nmáximo, com nmáximo=(N1)/22 e 1nnmáximo, que é o intervalo de n para o qual é válida a aproximação em (21). Trabalhando com z, em vez de n, poderíamos usar a notação z. Mas como temos em vista a obtenção de uma equação diferencial, usaremos a notação padrão para funções no Cálculo: (z). Assim, para um dado n satisfazendo 1nnmáximo=(N1)/22, temos z=n/nmáximo e (z)=n. Por enquanto, z é uma variável discreta (como n), mas com valores no intervalo de 0 a 1 (enquanto n assume apenas valores inteiros). Entenda que o valor de z especifica a posição de uma folha da lista da esquerda, mas agora medida em uma nova escala.

Como a relação 1nnmáximo só é válida, é claro, para nmáximo1, e, portanto, para N1, podemos aproximar: nmáximoN/2. Assim, em termos da variável z, podemos reescrever a relação (21) como:

(22) Δ ( z ) 2 μ e ϵ N d z ( z ) ,

com zn/nmáximo2n/N e 1nnmáximo.

Agora, observe que à variação Δ(z)=Δn corresponde a variação Δn=(n+1)n=1 (veja a definição em (13), e à variação Δn=1 corresponde a variação Δz=(2/N)Δn=2/N. Portanto, dividindo ambos os membros de (22) por Δz=2/N, obtemos:

(23) Δ ( z ) Δ z μ e ϵ N 2 d z ( z ) ,

com zn/nmáxmimo2n/N e 1nnmáximo. (Mudaremos esta faixa de valores para n logo adiante.)

Se conseguíssemos encontrar uma função (z) para todo z de interesse (ou, equivalentemente, se conseguíssemos encontrar uma função n para todo n de interesse), então através da igualdade (11) calcularíamos a força Fcrítica necessária para por a lista da esquerda na iminência de movimento. Lembre-se de que é isso o que estamos buscando. O que temos em mãos é a relação (23).

Um primeiro problema é que a relação (23) não tem validade para todo z de interesse, mas para z=n/nmáximo2n/N, com 1nnmáximo. Ou seja, aquela aproximação não é boa para as folhas da lista da esquerda mais próximas da folha central (a folha n=0). Mas isso não é algo grave, se tivermos em mente um valor de N grande o suficiente para que alcancemos n1 (no sentido de que 2n+12n) após uma pequena fração do conjunto total de folhas, de modo que possamos aplicar a relação (23) a todas as folhas da lista da esquerda (ou, mais precisamente, a todas as folhas de sua metade superior) sem incorrermos em grande erro. Observe, revendo o trecho entre as igualdades (19) e (22), que as aproximações introduzidas (entre elas a aproximação 2n+12n) são relativamente boas (diferenças relativas não superiores a 10%) para valores tão baixos quanto N=55 e n=5, e neste caso temos n/nmáximo=2n/N0,18. Então, a partir daqui, aplicaremos a aproximação em (23) a todas as folhas da metade superior da lista da esquerda (mas, preferencialmente, mantendoN55)13 13 Lembre-se de que Alarcón e colaboradores trabalharam, em seu experimento, com N = 24, 30, 46, 54, 100, 150 e 200. No desenvolvimento apresentado não temos aproximações muito boas para valores como N = 24 e N = 30 (ou seus vizinhos ímpares). . Ou seja, trabalharemos comzn/nmáximo2n/N, 0nnmáximoeN1 (preferencialmenteN55). Note que temos, então, 0z1, e que o número de valores que a variável z pode assumir neste intervalo é aproximadamente N/2.

Mas como obtermos uma função (z) que satisfaça a relação (23)? Bem, essa tarefa não seria difícil se, em (23), z fosse uma variável contínua e no membro esquerdo tivéssemos uma derivada; tratar-se-ia da resolução de uma equação diferencial trivial. Contudo, você não deve se deixar seduzir por essa ideia tão rapidamente. Vamos analisá-la com cuidado.

Podemos tornar z uma variável contínua no intervalo [0,1], mas tendo em mente que (z) só terá significado físico para um conjunto discreto de valores de z: aqueles correspondentes à aproximação em(23) (z=n/nmáximo2n/N, com 0nnmáximo e N1(N55)). Como para N1 temos Δz=2/N1, podemos encarar o membro esquerdo da relação (23) como uma ótima aproximação para a derivada de (z) (sendo z agora uma variável contínua). Temos então a seguinte equação diferencial:

(24) d ( z ) d z = μ e ϵ N 2 d z ( z ) .

A resolução desta equação diferencial, pelo método de separação de variáveis, é trivial. Vamos inicialmente reescrevê-la como

d = μ e ϵ N 2 d z d z .

Integrando, com 0z1, obtemos:

( z ) ( 1 ) d = μ e ϵ N 2 d z 1 z d z
ln ( 1 ) ( z ) = μ e ϵ N 2 2 d ( 1 z 2 )
(25) ( z ) = ( 1 ) e α ( 1 z 2 ) = ( 1 ) exp ( α ) exp ( α z 2 ) ,

com

(26) α μ e ϵ N 2 2 d .

Vale lembrar, a igualdade (25) só tem significado físico para um conjunto discreto de aproximadamente N/2 (ou exatamente (N+1)/2) valores de z, igualmente espaçados no intervalo [0,1], incluindo os extremos 0 e 1. E o parâmetro α é o chamado “número de Hércules”.

Qual é o significado físico de α, em (25)? Simples: para z=0 obtemos (0)=(1)eα, e, portanto,

(27) ( 0 ) ( 1 ) = e α .

Ou seja, com excelente aproximação (para N55), a razão entre a força total de atrito sobre a folha central da lista da esquerda e a força total de atrito sobre uma das folhas externas da mesma lista cresce exponencialmente com α (veja a Fig. 4, a definição em (9), a igualdade (2) e a Fig. 6c). Já dá pra prever, então, um crescimento muito rápido, com α (e, em particular, com N), do módulo Fcrítica da força necessária para por a lista da esquerda na iminência de movimento.

A etapa final do desenvolvimento do modelo de Alarcón e colaboradores consiste no cálculo de Fcrítica fazendo-se uso da expressão para (z) em (25).

Em termos de z, podemos reescrever a igualdade (11) como

(28) F crítica 2 z ( z ) ,

com z assumindo, neste somatório, os (N+1)/2 valores igualmente espaçados no intervalo [0,1], incluindo os extremos 0 e 1. Considerando N1,14 14 Conforme já justificado, devemos encarar, aqui, a relação N≫1 como N≳55. podemos aproximar o somatório em (28) por uma integral, observando que

(29) 0 1 ( z ) d z z ( z ) Δ z ,

com Δz=2/N.15 15 Lembre-se de que à variação Δn=1 corresponde a variação Δz=Δ(nnmáximo)=Δnnmáximo=1nmáximo≈1N/2=2N. Obviamente, no membro esquerdo da relação (29) temos em z uma variável contínua no intervalo [0,1], enquanto no membro direito z é uma variável discreta assumindo, no somatório, os (N+1)/2 valores descritos acima. Combinando (28) e (29), obtemos (usando “=”, em vez de “”):

(30) F crítica = 2 Δ z 0 1 ( z ) d z = N 0 1 ( z ) d z .

Tudo pronto para fazermos uso da igualdade (25). Substituindo (25) em (30), obtemos:

F crítica = N 0 1 ( 1 ) e α ( 1 z 2 ) d z = N ( 1 ) e α 0 1 e α z 2 d z .

Introduzindo a variável uαz, podemos reescrever:

(31) F crítica = N ( 1 ) e α 0 α e u 2 d u α = N ( 1 ) e α α 0 α e u 2 d u .

Introduziremos na expressão acima para Fcrítica a função erro, definida como16 16 erf(x) deve ser calculada numericamente para cada valor de x>0 desejado, e o fator 2/​π em (32) é um fator de normalização, pois ∫0∞​e−u2du=π/2, e, portanto, erf(x)→1 quando x→∞. Obviamente, erf(0)=0. Logo, temos 0≤erf(x)<1, para x≥0. (A igualdade ∫0∞​e−u2du=π/2 é obtida com o uso de coordenadas polares, e o procedimento não se aplica quando o limite superior da integral é finito. Pesquise a respeito.)

(32) erf ( x ) 2 π 0 x e u 2 d u ,

obtendo

(33) F crítica = N ( 1 ) e α α π 2 erf ( α ) ,

ou, reescrevendo,

(34) F crítica N ( 1 ) = π 4 α exp ( α ) erf ( α ) ,

que é o resultado final do desenvolvimento do modelo de Alarcón e colaboradores.17 17 A igualdade (34) corresponde à igualdade (3) do PRL [6] (Lembre-se de que αμeϵN2/2d.)

Precisamos discutir este resultado.

Vamos começar pelo membro esquerdo da igualdade (34). Sabemos que Fcrítica é a força necessária para por a lista da esquerda na iminência de movimento (veja a Fig. 4, e considere a lista da direita fixa em sua extremidade a uma parede). Esta é a quantidade de interesse neste problema, pois queremos saber quão difícil é separar as listas. N é o número total de folhas da lista da esquerda,18 18 Lembre-se de que estamos trabalhando, aqui, com N ímpar (veja, novamente, a Fig. 4. Mas, devido às várias aproximações introduzidas, é fácil concluir que o resultado expresso na igualdade (34) também é válido para N par. e (1) é a força total de atrito sobre a folha externa (superior ou inferior) da lista da esquerda (Fig. 4).

A questão é: de que modo podemos atribuir um valor a (1)? Como você verá, esta é, infelizmente, uma limitação do modelo de Alarcón e colaboradores. Não adianta combinarmos, para a folha externa superior da lista da esquerda (Fig. 4), as relações (nesta ordem) (9), (2), (3), (4), (6) e (7), porque obteremos, após simplificações, (1)=3μeTextsenθext - ou seja, obteremos (1) em função de outra quantidade desconhecida: a força Text atuando sobre a parte da folha externa situada na zona intermediária (veja a Fig. 6a, considerando que se trata da folha externa superior da lista da esquerda). Então - você pode estar se perguntando - como os autores do PRL [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016). resolveram o problema de atribuir um valor a (1)? Afinal, sem um valor para (1) não podemos usar a igualdade (34) para prever o valor de Fcrítica em uma determinada situação, percebe? Repetimos: esta é realmente uma limitação do modelo de Alarcón e colaboradores. Mas vamos ver como os autores do PRL lidaram com esse problema.

Alarcón e colaboradores afirmaram em seu artigo [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016). que, naquele trabalho, buscaram capturar a física essencial necessária à elucidação do enigma da dificuldade de se separar duas listas telefônicas com suas folhas intercaladas. Claro, se tivessem conseguido obter uma expressão para a força Fcrítica em função de parâmetros que pudessem ser, todos, previamente medidos, teria sido excelente. Mas o objetivo apresentado ainda pôde ser alcançado. Vamos mostrar de que forma. Como dissemos na primeira seção, em seu trabalho Alarcón e colaboradores não apenas desenvolveram o modelo que estamos descrevendo em detalhes nesta seção, mas também realizaram experimentos, e verificaram que os resultados experimentais obtidos eram bem descritos pela igualdade (34) com (1)=0,01N, e com o coeficiente de atrito19 19 Veja, novamente, a nota de rodapé número 8. sendo usado como um parâmetro livre para o ajuste da curva Fcrítica=Fcrítica(α) em cada série de medições (veja a Fig. 4 do PRL [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016).). Em cada série, foi mantido fixo o número total de folhas, N, e variada a distância de separação, d (veja a Fig. 2 do PRL). Mas por que escolheram esse valor para (1)? Pois é, eles não disseram. Contudo, coincidência ou não, verificamos que o valor 0,01N usado para (1) é a potência de base 10 mais próxima do peso da folha de papel usada por Alarcón e colaboradores em seu experimento. Acompanhe: Os autores do PRL trabalharam com folhas, da marca Inacopia, com espessura de 0,10mm. Embora não tenham informado, no artigo, a densidade superficial das folhas usadas, encontramos folhas dessa marca, e com espessura em torno de 0,10mm, com densidade superficial (“gramatura”) de 70, 75, 80 ou 90g/m2. Como os experimentos foram realizados com folhas com dimensões 12cm×25cm, segue que o peso de cada folha usada é de, no mínimo, 0,070kg/m2×0,12m×0,25m×9,81m/s20,021N e de, no máximo, 0,026N, que são valores da mesma ordem de grandeza que 0,010N.

A solução apresentada no PRL para o problema da atribuição de um valor para (1) nos ensina um pouco mais sobre como os físicos trabalham. Se você é um estudante que tem a tendência de enxergar a física como se fosse matemática, a solução apresentada pode ter lhe deixado um pouco frustrado, mas, saiba, esse tipo de procedimento é mais comum do que você imagina.

Muito bem, passemos ao membro direito da igualdade (34). De início, vamos examinar para que valor ele tende quando α tende a 0. Mas, antes, vamos analisar o que significa, fisicamente, fazer α tender a 0.

Observe a definição em (26). Certamente não faz sentido fazermos N tender a 0, concorda? Até porque chegamos à igualdade (34) considerando N1 (ou, em termos práticos, N55). Por outro lado, embora faça sentido, não é interessante fazermos μe tender a 0, pois sem atrito temos20 20 Lembre-se de que ℱ(1) é a força total de atrito sobre uma das duas folhas externas da lista da esquerda (veja a Fig. 4). (1)=0 e, de acordo com a igualdade (33), Fcrítica=0. Então, podemos analisar a razão ϵ/d: α tende a 0 quando essa razão tende a zero. Podemos imaginar um valor de d fixo, e valores para ϵ progressivamente menores - ou seja, podemos imaginar folhas cada vez mais finas, sem alteração do valor de μe. Trata-se é claro, de uma experiência de pensamento; sua realização experimental pode ser inviável. Mas é uma experiência de pensamento coerente com o modelo de Alarcón e colaboradores. Perceba que quando a razão ϵ/d tende a 0 (e, portanto α0), as partes das folhas nas regiões intermediárias (veja a Fig. 4) tendem a ficar paralelas às suas partes nas regiões das braçadeiras e na zona de contato; e isso, é claro, faz com que o efeito de amplificação do atrito tenda a zero.

Pois bem, agora que entendemos o que significa, fisicamente, fazer α tender a 0, vamos examinar para que valor o membro direito da igualdade (34) tende quando α0. Se o limite superior da integral em (32) é muito próximo de 0 (que é o limite inferior daquela integral), o integrando é aproximadamente igual a 1 no intervalo de integração, e, portanto, temos

(35) erf ( x ) 2 π x , para 0 < x 1.

Daí,

(36) erf ( α ) 2 π α = 4 α π , para 0 < α 1.

Como exp(α)1 para 0<α1, obtemos

(37) π 4 α exp ( α ) erf ( α ) 1 , para 0 < α 1 ,

ou, equivalentemente,

(38) π 4 α exp ( α ) erf ( α ) 1 , quando α 0.

Portanto, quando α tende a 0, o segundo membro da igualdade (34) tende a 1. E o que isso nos diz? Nos diz que

(39) F crítica N ( 1 ) 1 , quando α 0.

Este resultado corresponde ao esperado, pois se o parâmetro de amplificação α tende a zero (tenha em mente a razão ϵ/d tendendo a 0), as forças totais de atrito sobre as folhas da lista da esquerda (na zona de contato) tendem a ser iguais entre si, e, portanto, FcríticaN(1).

Na Fig. 7 temos o gráfico de

Figura 7
Gráficos de g(α)=π/4αexp(α)erf(α), g1(α)=π/4αexp(α) e g2(α)=erf(α).
(40) g ( α ) π 4 α exp ( α ) erf ( α ) ,

além dos gráficos, separadamente, de g1(α)=π/4αexp(α) e g2(α)=erf(α). Podemos ver na figura que, de fato, g(α) tende a 1 quando α tende a 0. Também podemos ver que g2(α) tende rapidamente a 1 quando aumentamos o valor de α, e, assim, g(α) se aproxima rapidamente de g1(α).

Nos experimentos realizados por Alarcón e colaboradores, os menores valores obtidos para α ficaram em torno de 0,5, enquanto os maiores, em torno 8,5 (veja a Fig. 4 do PRL [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016).). Para α=8,5, temos g(α)1490, que é um valor muito acima daqueles apresentados na Fig. 7, e mostra como g(α) cresce de forma extremamente rápida com α. Contudo, mesmo quando temos erf(α) praticamente igual a 1, não se trata de um crescimento exponencial, devido ao fator π/4α. Para α=8,5 temos exp(α)4910, que é mais que o triplo de 1490, e a diferença (relativa ou absoluta) entre exp(α) e g(α) só aumenta, à medida que o valor de α aumenta.

Concluímos aqui nossa descrição detalhada do modelo de Alarcón e colaboradores. Na próxima seção, apresentaremos o cálculo da força Fcrítica* que põe na iminência de movimento dois grupos de folhas na configuração apresentada na Fig. 3a, e compararemos a expressão obtida com aquela para Fcrítica na igualdade (34).

3. Cálculos para listas sem as lombadas, mas sob ação da gravidade

A Fig. 8a exibe a numeração que escolhemos para as folhas dos grupos da esquerda e da direita apresentados na Fig. 3a. Observe que acima da enésima folha do grupo da esquerda repousamn1 folhas do mesmo grupo e n folhas do grupo da direita, totalizando 2n1 folhas. Sendo m a massa de cada folha e g o módulo da aceleração da gravidade, podemos imediatamente concluir que o bloco formado por essas 2n1 folhas, que tem massa (2n1)m, empurra para baixo a folha n do grupo da esquerda com força de módulo21 21 Estamos supondo desprezíveis, ou mesmo nulas, as componentes verticais das forças exercidas pelos pinos (veja a Fig. 3a) sobre as folhas do grupo da esquerda.

Figura 8
(a) Numeração das folhas intercaladas na configuração apresentada na Fig. 3a. Há N folhas no grupo da esquerda e N+1 folhas no grupo da direita. O espaçamento entre as folhas foi introduzido apenas para facilitar a visualização, e a direção do vetor aceleração da gravidade está indicada na figura. (b) Forças (além do peso) atuando sobre a folha n do grupo da esquerda.
f n n , sup = ( 2 n 1 ) m g ,

e se o sistema está na iminência de movimento, a força de atrito estático exercida sobre a folha n do grupo da esquerda pela folha n do grupo da direita tem módulo22 22 Estamos considerando μe constante, representando uma espécie de valor médio, já que, no caso de atrito de papel sobre papel, o valor do coeficiente de atrito estático diminui quando aumentamos o valor da força normal (ou seja, μe é uma função decrescente de n). Trata-se, portanto, do mesmo tipo de simplificação introduzido por Alarcón e colaboradores em seu modelo [6] (veja a nota de rodapé número 8).

(41) f e n , sup = μ e f n n , sup = ( 2 n 1 ) μ e m g

(veja a Fig. 8b).

A força vertical que sustenta o bloco formado pelas n primeiras folhas do grupo da esquerda e pelas n primeiras folhas do grupo da direita tem módulo (veja a Fig. 8b)

f n n , inf = ( 2 n ) m g ,

e, na iminência de movimento, a força de atrito estático exercida sobre a folha n do grupo da esquerda pela folha n+1 do grupo da direita tem módulo

(42) f e n , inf = μ e f n n , inf = ( 2 n ) μ e m g .

O equilíbrio da folha n do grupo da esquerda (considerando-se a iminência de movimento) nos leva à igualdade (veja a Fig. 8b)

(43) n = f e n , sup + f e n , inf ,

sendo n a força exercida pelos pinos (veja a Fig. 3a) sobre aquela folha. Substituindo (41) e (42) em (43), obtemos

(44) n = ( 4 n 1 ) μ e m g .

A força Fcrítica* que põe na iminência de movimento o grupo de folhas da esquerda na configuração apresentada na Fig. 3a (considere fixo o grupo de folhas da direita) é então, simplesmente,

F crítica * = n = 1 N n = n = 1 N ( 4 n 1 ) μ e m g .

Segue que23 23 Observe que usamos, para o primeiro somatório, a fórmula da soma dos termos de uma progressão aritmética.

F crítica * = μ e m g [ 4 ( n = 1 N n ) ( 1 + N ) N 2 ( n = 1 N 1 ) N ] ,

e, portanto,

(45) F crítica * = ( 2 N 2 + N ) μ e m g .

O cálculo está feito. Mas é interessante enxergarmos esta dependência quadrática de Fcrítica* em relação a N a partir da igualdade

(46) F crítica * = N ¯ ,

em que

¯ 1 N n = 1 N n

é a força média com que as folhas do grupo da esquerda são puxadas (na iminência de movimento). Como n é uma função afim de n (veja a igualdade (44)),24 24 Dizemos que y é uma função afim de x se y=ax+b, com a≠0. No caso particular em que b=0, temos a chamada função linear. segue que

¯ = 1 + N 2 = 3 μ e m g + ( 4 N 1 ) μ e m g 2 = ( 2 N + 1 ) μ e m g .

Portanto, essa relação afim entre ¯ e N leva, através da igualdade (46), à relação quadrática entre Fcrítica* na igualdade (45). Em outras palavras: a relação quadrática entreFcrítica*e N, em(45), resulta da existência de N folhas no grupo da esquerda (que está sendo puxado) e da relação afim entre a força média¯ com que as folhas são puxadas e N.

Você pode facilmente verificar que para N10 temos 2N2+N2N2 com um erro relativo percentual 5% (e para N=50 o erro relativo percentual é de aproximadamente 1%). Assim, considerando que não trabalharemos com N<10, podemos reescrever a igualdade (45) como

(47) F crítica * 2 N 2 μ e m g ( N 10 ) .

Agora, vamos comparar as igualdades (34) e (47).

O que queremos, na verdade, é comparar as dificuldades de se separar duas listas telefônicas com e sem as lombadas (veja as Figs. 1, e 3a). Mas esta comparação não é imediata. Veremos por quê.

Em primeiro lugar, lembre-se de que no modelo de Alarcón e colaboradores não é considerado o efeito da gravidade (por ser supostamente desprezível - o que analisaremos ainda nesta seção). Assim, ao compararmos as igualdades (34) e (47) estamos buscando comparar as dificuldades de se separar as listas com as lombadas, mas com a gravidade “desligada”, e sem as lombadas, mas com a gravidade “ligada”.

Lembre-se também de que o modelo de Alarcón e colaboradores não nos fornece uma expressão para a força total de atrito (1) sobre a folha externa (superior ou inferior) da lista da esquerda, sendo então (1) (como dizem os autores do PRL [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016).) uma condição de contorno crucial do problema. Como comentamos na seção anterior, em seu trabalho Alarcón e colaboradores verificaram que os resultados experimentais obtidos eram bem descritos pela igualdade (34) com (1)=0,01N, e com o coeficiente de atrito sendo usado como um parâmetro livre para o ajuste da curva Fcrítica=Fcrítica(α) em cada série de medições, sendo que em cada série foi mantido fixo o número total N de folhas e variada a distância de separação d (veja a Fig. 4). Trabalharemos então com uma daquelas séries: a série N=100 - única para a qual os autores do PRL informaram, no artigo, o valor do coeficiente de atrito obtido por ajuste: 0,73±0,02.

Mas, infelizmente, temos ainda uma dificuldade: em princípio não estamos autorizados a usar este valor para μe na igualdade (47). A afirmativa de que o valor 0,73 obtido por ajuste para o coeficiente de atrito, para a série N=100, representa um valor médio é mais complexa do que pode parecer à primeira vista. Mesmo para um determinado valor da distância de separação d, o módulo da força normal sobre uma das faces de uma folha aumenta no sentido das folhas externas para as folhas mais centrais de cada lista, e, com isso, diminui o valor do coeficiente de atrito. Ou seja, mesmo para um d fixo, não há um valor único para o coeficiente de atrito quando passamos de uma folha para outra. E quando o valor de d é modificado, a força normal sobre uma das faces de uma determinada folha também muda, e isso produz uma mudança no valor do coeficiente de atrito para aquelas superfícies em contato. Assim, o valor 0,73 obtido por ajuste representa uma média não para um determinado valor de d, mas para uma faixa de valores desta variável. Usarmos este mesmo valor para μe na igualdade (47) em princípio não se justifica. Contudo, podemos trabalhar inicialmente com tal valor para μe em (47) (e lá μe também representa uma espécie de valor médio, já que a força normal aumenta no sentido das folhas superiores para as inferiores na Fig. 3a, e, portanto, o valor do coeficiente de atrito estático entre folhas adjacente diminui nesse mesmo sentido) e em seguida considerar variações de μe, para mais e para menos, e observar seu efeito sobre o valor de Fcrítica* (que tem com μe uma relação linear).

Considerando a densidade padrão (80g/m2) para folhas de tamanho A4 da marca Inacopia [21][21] http://inacopia-paper.com/category/elite/, acessado em maio 2019.
http://inacopia-paper.com/category/elite...
.25 25 Essas folhas têm espessura de 0,​1mm. e as dimensões 12cm×25cm com que trabalharam Alarcón e colaboradores, a massa de cada folha usada em seu experimento é de 2,4g. Assim, fazendo N=100, μe=0,73, m=2,4g e g=9,81m/s2 em (47), obtemos

F crítica * 344 N ,

que é uma força consideravelmente alta, concorda? Este valor aparece na Fig. 9, que apresenta o gráfico de Fcrítica, obtido a partir de (34), para a faixa 50mmd150mm, com μe=0,73, ϵ=0,1mm, N=100 e (1)=0,01N.

Figura 9
Gráfico de Fcrítica em função de d, a partir da igualdade (34), com μe=0,73, ϵ=0,1mm, N=100 e (1)=0,01N. É apresentado, para comparação, o valor de Fcrítica* a partir da igualdade (47), com N=100, μe=0,73, m=2,4g e g=9,81m/s2. As linhas tracejadas indicam variações de 20% sobre este valor, para mais e para menos, correspondendo a essas mesmas variações percentuais sobre μe.

Escolhemos o intervalo [50mm,150mm] para a distância de separação d porque para a série N=100 os resultados experimentais no trabalho de Alarcón e colaboradores [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016). são apresentados com d variando de 50mm a aproximadamente 225mm (veja a figura 2 do PRL), e para d150mm temos valores para Fcrítica muito próximos de zero. Perceba que Fcrítica*=344N só é superada por Fcrítica para d próximo de 50 mm, mesmo considerando-se um valor 20% it menor paraμeno cálculo deFcrítica*.

Estamos querendo dizer com isso que o efeito da gravidade, no problema da separação de duas listas telefônicas com suas folhas intercaladas, não é desprezível? Não. O que estamos dizendo, por enquanto, é que separar dois grupos de folhas na configuração apresentada na Fig. 3a não é uma tarefa trivial. Vimos que havendo apenas 100 folhas (do tipo usado por Alarcón e colaboradores) em cada grupo, e considerando μe=0,73, são necessários 344N de força, e com 400 folhas em cada grupo obtemos (mantendo o mesmo valor para o coeficiente de atrito estático)

F crítica * 5500 N ,

que é o peso de um objeto de aproximadamente 560 quilogramas! Mesmo reduzindo o valor de μe à metade (ou seja, fazendo μe=0,73/2 = 0,365), ainda temos que Fcrítica* corresponde ao peso de um objeto de 280 quilogramas. E lembre-se de que estamos considerando folhas com dimensões 12cm×25cm, que são valores menores que aqueles para folhas de papel tamanho A4.

Mas não dá pra comparar o valor para Fcrítica* acima com o que prevê a igualdade (34) para apenas 200 folhas, com μe=0,73, ϵ=0,1mm, d=50mm, e (1)=0,01N:

F crítica 1 , 6 × 10 12 N ,

que é um valor impensável; corresponde ao peso de aproximadamente 30 milhões de elefantes adultos!26 26 Obviamente, as folhas de papel rasgariam muitíssimo antes desse valor ser alcançado (se ele pudesse ser alcançado). Contudo, reduzindo o coeficiente de atrito estático para μe=0,73/4, e mantendo os valores dos demais parâmetros, obtemos, a partir de (34),

F crítica 970 N ,

que é um valor não muito maior que 344N, obtido a partir de (47) também com N=200, μe=0,73/4, m=2,4g e g=9,81m/s2.

Percebe como a comparação entre o que preveem as igualdades (34) e (47) não é algo trivial? Além do mais, a igualdade (34) não foi testada experimentalmente para valores de Fcrítica superiores a 1000N, no trabalho de Alarcón e colaboradores [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016).. Então, deve-se ter cautela nessas comparações.

O que mais nos interessa, aqui, é mostrar que não é correto afirmar, de maneira absoluta, que a gravidade, pressionando as folhas umas contra as outras, tem efeito desprezível no problema da separação de duas listas telefônicas. Ou seja, mesmo na ausência do efeito de amplificação do atrito descrito no artigo de Alarcón e colaboradores, uma força elevada pode ser necessária para se separar dois grupos de folhas na configuração apresentada na Fig. 3a. Verificamos isso experimentalmente, e os resultados estão apresentados e discutidos na seção seguinte.

4. Experimento para listas sem as lombadas, mas sob ação da gravidade

As Figs. 10 a 12 apresentam a montagem experimental realizada para a medição da força Fcrítica* que põe na iminência de movimento dois grupos de folhas na configuração ilustrada na Fig. 3a.

Figura 10
(a) Montagem experimental relativa à ilustração apresentada na Fig. 3a. (b) Estrutura girada de 90o. Nesta foto aparecem os trilhos telescópicos que conectam as duas partes da montagem, e o suporte que fixa uma dessas partes à parede. Um parafuso central (que não aparece na foto) no suporte permite o giro.
Figura 11
Pinos atravessando algumas folhas de papel, previamente perfuradas.
Figura 12
(a) Montagem experimental (fotografada pelo lado oposto ao apresentado nas fotos da Fig. 10). Detalhes: (b) polia da direita, (c) dinamômetro digital utilizado e (d) parafuso atravessando a boca do garrafão, ao qual está amarrado um dos fios de náilon trançado.

Trabalhamos com folhas de papel do tipo vergê, da marca Infopel, tamanho A4 (21,0cm×29,7cm) e densidade de 180g/m2, que resultaria em uma massa de 11,2g por folha. Com o uso de uma balança digital, medimos as massas de várias folhas, e obtivemos o valor médio de 11,3g por folha, com um desvio padrão de 0,2g. Também medimos as espessuras de várias folhas, com o uso de um micrômetro de 0,01mm de precisão, e o resultado obtido na maioria das medições foi 0,29mm. A diferença de rugosidade entre os dois lados de uma mesma folha de papel vergê foi observada, e as medições foram realizadas com as folhas dispostas, umas sobre as outras, de modo que a face mais lisa de uma folha estava sempre em contato com a face mais rugosa de uma folha adjacente (do outro grupo).

O dinamômetro digital utilizado (veja a Fig. 12c) permite leituras, em uma escala de massa, de até 50kg, com precisão de 5g na faixa de 0 a 10kg e de 10g na faixa de 10kg a 50kg. Ele foi previamente testado, com massas conhecidas, e em todas as medições apresentou resultados de acordo com o esperado.

A força aplicada sobre a parte da montagem que contém as folhas foi inicialmente variada mudando-se lentamente a quantidade de água no garrafão mostrado na Fig. 12a. Enquanto um operador adicionava água ao garrafão (sempre a uma taxa pequena), um segundo operador observava as leituras no dinamômetro, ao final anotando o último valor exibido antes que o sistema entrasse em movimento (algumas vezes um pequeno movimento, seguido de um novo estado de repouso, devido ao fenômeno de “stick-slip”, ou “gruda-escorrega”, citado na primeira seção deste artigo). Quando forças mais altas foram necessárias, foi posto no garrafão um pouco de areia e brita (pedra britada), e então água foi lentamente adicionada até o sistema entrar em movimento.

A Fig. 13 apresenta as medidas da força Fcrítica* em função do número N de folhas em cada um dos grupos ilustrados na Fig. 3a (veja também a fotografia na Fig. 10a). Através de um ajuste da curva Fcrítica*=cN2 aos dados experimentais, obtivemos c=0,01538kgf, o que nos leva, através da igualdade (47), com m=11,3g, a μe=0,68.27 27 Consideramos mais conveniente o uso, nesta seção, da unidade quilograma-força (kgf), em vez de Newton (N). Mas a conversão de kgf para N é trivial. Por exemplo: 0,01538 kgf = 0,01538 × 9,81 N = 0,151 N. ,28 28 A título de comparação, um ajuste da curva Fcrítica*=cN2+c2N (observe a igualdade (45)) aos dados experimentais forneceu c=0,​01518kgf, o que nos leva, através da igualdade (45), com m=11,​3g, a μe=0,​67, que é um valor muito próximo de 0,​68 (as duas curvas ficam praticamente sobrepostas, na Fig. 13). Nenhuma surpresa, já que para N > 10 temos em (47) uma boa aproximação para a expressão em (45). Perceba que esse valor corresponde a uma espécie de média do coeficiente de atrito estático entre folhas adjacentes, mas não para cada valor de N, e sim para a série N=15,20,25,30,35,40,45. Você deve lembrar, trata-se de uma simplificação semelhante à realizada por Alarcón e colaboradores em seu trabalho [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016)..

Figura 13
Medidas de Fcrítica*, em função do número N de folhas em cada grupo. As barras verticais correspondem aos desvios padrões (foram realizadas 5 medições para cada valor de N), e a linha contínua resultou do ajuste da curva Fcrítica*=cN2 aos dados experimentais. O valor obtido para a constante c, através do ajuste, foi c=0,01538kgf.

O que nos interessa, aqui, é mostrar que a igualdade (47) se aplica razoavelmente bem aos dados experimentais obtidos e apresentados na Fig. 13. Observe que foram necessários mais de 30kgf para separar dois grupos com apenas 45 folhas, cada. Trata-se de uma força considerável. Mantendo-se o mesmo valor para μe e aumentando-se o número de folhas em cada grupo para 200, seria necessária mais de meia tonelada-força para separar os dois grupos de folhas. Ou seja (e mais uma vez), mesmo na ausência do efeito de amplificação do atrito descrito no artigo de Alarcón e colaboradores, uma força muito elevada pode ser necessária para se separar dois grupos de folhas na configuração apresentada na Fig. 3a.

Verificamos que girando de 90o a estrutura apresentada na Fig. 10a, pondo-a na orientação apresentada na Fig. 10b, os dois grupos de folhas eram facilmente separados. A força necessária à separação variou de aproximadamente 0,5kgf, para N=15, a aproximadamente 2,3kgf, para N=45. Essa resistência não-nula à separação é efeito de forças de adesão entre folhas adjacentes. Mas não havendo a força da gravidade pressionando as folhas umas contra as outras, a força necessária à separação dos dois grupos de folhas caiu consideravelmente.

A montagem experimental apresentada nesta seção demandou um esforço considerável para sua conclusão. Não se trata, portanto, de uma atividade que possa ser rapidamente preparada por um(a) docente para realização com seus alunos em uma escola ou em uma instituição de nível superior. Contudo, uma montagem bem mais simples (embora bem menos robusta) foi apresentada em um artigo publicado em 2017 na revista Physics Education[22][22] N. Balta e A. Çetin, Physics Education 52, 035006 (2017).. Sugerimos aos professores interessados na realização de uma atividade experimental semelhante à que apresentamos nesta seção que consultem aquele artigo. Contudo, deve-se estar atento à análise simplista que os autores fizeram dos resultados experimentais obtidos. O maior problema é que para cada série de medições, os autores tentaram ajustar uma linha reta às medidas da força necessária à separação dos dois grupos de folhas, em função do número total de folhas. Ou seja, não consideraram nem a expressão (34) obtida por Alarcón e colaboradores no PRL [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016). - artigo que eles citam -, nem fizeram uso de uma expressão que desenvolveram, equivalente à que temos na igualdade (47).

5. Conclusão

Neste trabalho, analisamos em detalhes o problema da separação de duas listas telefônicas com folhas intercaladas, dando especial atenção a um modelo teórico desenvolvido por uma equipe de físicos e publicado, juntamente com resultados experimentais, em uma conceituada revista científica [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016).. Acreditamos ter contribuído para tornar aquele modelo compreensível a um universo maior de estudantes, exigindo dos mesmos apenas uma formação básica em mecânica newtoniana e cálculo diferencial e integral, típica do primeiro ano de um curso de graduação em física ou engenharia.

Também propusemos uma modificação naquele problema, dispondo os dois grupos de folhas perpendicularmente ao vetor aceleração da gravidade e em uma configuração (veja a Fig. 3a) que equivale à retirada das lombadas das listas. Mostramos - teórica e experimentalmente - que, ao contrário do que o artigo supracitado [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016). parece sugerir, mesmo sem o efeito de amplificação do atrito (que não existe na configuração apresentada na Fig. 3a) a separação dos dois grupos de folhas pode exigir forças de intensidades elevadas.

Agradecimento

Agradecemos aos professores Ernesto Arcenio Valdés Rodriguez, do NFD-UFPE, e Pedro Hugo de Figueirêdo, do DF-UFRPE, por suas contribuições para este trabalho. Agradecemos também ao revisor, por suas importantes sugestões.

Material suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online:

Material Suplementar Obtenção da igualdade (12) do artigo principal.
  • 1
    Como costuma-se chamar um artigo publicado na revista Physical Review Letters.
  • 2
    A revista Improbable Research divulga trabalhos de pesquisa “improváveis”, “que fazem as pessoas rirem e depois pensarem” [9][9] https://www.improbable.com/about/, acessado em jun. 2019.
    https://www.improbable.com/about/...
    . Trata-se de “pesquisa real, sobre tudo e qualquer coisa, de todos os lugares. Pesquisa que talvez seja boa ou ruim, importante ou trivial, valiosa ou inútil.” A revista é mais conhecida pela criação e atribuição dos Prêmios IgNobel[10][10] https://www.improbable.com/ig/, acessado em jun. 2019.
    https://www.improbable.com/ig/...
    , que “se destinam a celebrar o inusitado, honrar os imaginativos - e estimular o interesse das pessoas por ciência, medicina e tecnologia.” A expressão “IgNobel” é um trocadilho com “ignoble” (“ignóbil”, em português), em associação a “Nobel”.
  • 3
    A revista Physics Today limita o número de autores por artigo a 3 [12][12] https://physicstoday.scitation.org/pto/info/submit, acessado em jun. 2019.
    https://physicstoday.scitation.org/pto/i...
    .
  • 4
    A teoria de transposição didática encontra no francês Yves Chevallard - inicialmente com a publicação de seu livro La Transposition Didactique, em 1985 - seu principal expoente. “Transposição didática” é um termo amplo, mas, no sentido que nos interessa aqui, fazer transposição didática significa adaptar conhecimento científico para que ele possa se transformar em conhecimento escolar (ou, ainda, em conhecimento universitário básico).
  • 5
    Esta afirmativa merece uma análise detalhada, que faremos na seção 2. Por ora, apelaremos para a sua intuição física.
  • 6
    Exceto quando os autores trabalharam com um número pequeno de folhas em cada grupo, as forças necessárias à separação chegaram a quase 1000 newtons. O artigo de Alarcón e colaboradores sugere forças ainda maiores (veja a figura 2 daquele artigo), mas os dinamômetros usados pelos autores permitiram leituras de no máximo 1000 N.
  • 7
    Alarcón e colaboradores deram ao seu artigo [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016). o seguinte título: “Self-Amplification of Solid Friction in Interleaved Assemblies”. Mas preferimos a expressão “Amplification”, no lugar de “Self-Amplification”, porque visualizamos como agente amplificador do valor máximo da força total de atrito a força de intensidade F aplicada a cada grupo de folhas (veja Figs. 1 e 2a), e não o próprio atrito.
  • 8
    Os autores do PRL trabalharam em seu modelo com um coeficiente de atrito cinético, em vez de estático, em parte porque em seu experimento as folhas intercaladas foram movidas, umas em relação às outras; ou seja, as “listas” foram sempre separadas. Contudo, o movimento das folhas não foi contínuo: sua resposta à tração foi do tipo “stick-slip” (“gruda-escorrega” ou “cola-desliza”) - um fenômeno observado para muitos materiais [15][15] R. Leine, D. van Campen, A. de Kraker e L. van den Steen, Nonlinear Dynamics 16, 41 (1998). [16][16] T. Baumberger e C. Caroli, Advances in Physics 55, 279 (2006)., incluindo papel [17][17] F. Heslot, T. Baumberger, B. Perrin, B. Caroli e C. Caroli, Physical Review E 49, 4973 (1994).. Assim, os autores poderiam ter trabalhado com um valor intermediário entre o coeficiente de atrito cinético e o coeficiente de atrito estático para as folhas de papel usadas, já que no modelo foi considerado um movimento contínuo das folhas, em vez de um stick-slip. Mas, segundo os autores do PRL, a diferença entre os valores desses coeficientes pode ser desconsiderada no estudo realizado. E a ideia de se tomar um valor médio para o coeficiente de atrito cinético vem do fato experimental de que tal coeficiente é maior para pequenos valores de força normal (pequenas cargas) [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016)., podendo até ser superior a 1 para cargas muito reduzidas, devido a forças de adesão [18][18] J. Crassous, L. Bocquet, S. Ciliberto e C. Laroche, Europhysics Letters 47, 562 (1999)..
  • 9
    A discussão sobre o que significa modelagem em física, e na ciência em geral, está longe de ser algo trivial. Veja, por exemplo, o texto do professor de filosofia Roman Frigg, na Routledge Encyclopedia of Philosophy Online[20][20] http://www.romanfrigg.org/writings/Models_in_Physics_REP.pdf, acessado em jun. 2019.
    http://www.romanfrigg.org/writings/Model...
    .
  • 10
    Comentamos na seção 1 que Alarcón e colaboradores realizaram seu experimento sempre na direção vertical, e, portanto, teríamos aqui uma representação daquele experimento em princípio mais adequada com as Figs. 1, 4, e 5 giradas de 90 graus (no sentido horário); mas no próprio PRL [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016). há (na figura 1b daquele artigo) um esquema semelhante ao apresentado aqui nas Figs. 4 e 5 - ou seja, como se as listas estivessem sendo puxadas horizontalmente.
  • 11
    Estamos, aqui, apelando para a sua intuição física. Perceba, por exemplo, como é ínfima na Fig. 4 a diferença entre os ângulos θn e θn+1, para um n qualquer; e olha que o espaçamento entre as folhas, introduzido na Fig. 4 apenas para facilitar a visualização, nem deve ser considerado! Note também como a assimetria entre as listas da esquerda e da direita, por ser pequena, não deve resultar em uma diferença significativa entre ˜n+1 e n+1 (lembre-se de que a lista da direita só tem uma folha a mais que a da esquerda).
  • 12
    A aproximação em (21) corresponde à igualdade (1) do artigo de Alarcón e colaboradores [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016)., deduzida como uma aproximação no Material Suplementar daquele artigo.
  • 13
    Lembre-se de que Alarcón e colaboradores trabalharam, em seu experimento, com N = 24, 30, 46, 54, 100, 150 e 200. No desenvolvimento apresentado não temos aproximações muito boas para valores como N = 24 e N = 30 (ou seus vizinhos ímpares).
  • 14
    Conforme já justificado, devemos encarar, aqui, a relação N1 como N55.
  • 15
    Lembre-se de que à variação Δn=1 corresponde a variação Δz=Δ(nnmáximo)=Δnnmáximo=1nmáximo1N/2=2N.
  • 16
    erf(x) deve ser calculada numericamente para cada valor de x>0 desejado, e o fator 2/π em (32) é um fator de normalização, pois 0eu2du=π/2, e, portanto, erf(x)1 quando x. Obviamente, erf(0)=0. Logo, temos 0erf(x)<1, para x0. (A igualdade 0eu2du=π/2 é obtida com o uso de coordenadas polares, e o procedimento não se aplica quando o limite superior da integral é finito. Pesquise a respeito.)
  • 17
    A igualdade (34) corresponde à igualdade (3) do PRL [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016).
  • 18
    Lembre-se de que estamos trabalhando, aqui, com N ímpar (veja, novamente, a Fig. 4. Mas, devido às várias aproximações introduzidas, é fácil concluir que o resultado expresso na igualdade (34) também é válido para N par.
  • 19
    Veja, novamente, a nota de rodapé número 8.
  • 20
    Lembre-se de que (1) é a força total de atrito sobre uma das duas folhas externas da lista da esquerda (veja a Fig. 4).
  • 21
    Estamos supondo desprezíveis, ou mesmo nulas, as componentes verticais das forças exercidas pelos pinos (veja a Fig. 3a) sobre as folhas do grupo da esquerda.
  • 22
    Estamos considerando μe constante, representando uma espécie de valor médio, já que, no caso de atrito de papel sobre papel, o valor do coeficiente de atrito estático diminui quando aumentamos o valor da força normal (ou seja, μe é uma função decrescente de n). Trata-se, portanto, do mesmo tipo de simplificação introduzido por Alarcón e colaboradores em seu modelo [6][6] H. Alarcón, T. Salez, C. Poulard, J.F. Bloch, E. Raphaël, K. Dalnoki-Veress e F. Restagno, Physical Review Letters 116, 015502 (2016). (veja a nota de rodapé número 8).
  • 23
    Observe que usamos, para o primeiro somatório, a fórmula da soma dos termos de uma progressão aritmética.
  • 24
    Dizemos que y é uma função afim de x se y=ax+b, com a0. No caso particular em que b=0, temos a chamada função linear.
  • 25
    Essas folhas têm espessura de 0,1mm.
  • 26
    Obviamente, as folhas de papel rasgariam muitíssimo antes desse valor ser alcançado (se ele pudesse ser alcançado).
  • 27
    Consideramos mais conveniente o uso, nesta seção, da unidade quilograma-força (kgf), em vez de Newton (N). Mas a conversão de kgf para N é trivial. Por exemplo: 0,01538 kgf = 0,01538 × 9,81 N = 0,151 N.
  • 28
    A título de comparação, um ajuste da curva Fcrítica*=cN2+c2N (observe a igualdade (45)) aos dados experimentais forneceu c=0,01518kgf, o que nos leva, através da igualdade (45), com m=11,3g, a μe=0,67, que é um valor muito próximo de 0,68 (as duas curvas ficam praticamente sobrepostas, na Fig. 13). Nenhuma surpresa, já que para N > 10 temos em (47) uma boa aproximação para a expressão em (45).

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2019
  • Revisado
    28 Set 2019
  • Aceito
    10 Out 2019
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