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Construção de uma balança simples para determinação da tensão superficial de líquidos

Construction of a simple balance for determination of the surface tension of liquids

Resumos

Neste trabalho está sendo proposto a construção de uma balança com materiais de baixo custo para determinação da tensão superficial de líquidos. A confiabilidade das medidas foi comprovada comparando os resultados obtidos com aqueles apresentados na literatura para líquidos simples, e empregando o método da ascensão capilar para o caso de outros líquidos. Por este método, os erros sistemáticos dos resultados obtidos foram reduzidos consideravelmente. O princípio de funcionamento do dispositivo consiste na medida da força necessária para desprender uma lâmina de vidro parcialmente imersa em um líquido. Os valores da tensão superficial são calculados com base nos conceitos de momento de forças, e considera as interações intermoleculares entre a lâmina e a superfície do líquido.

tensão superficial; forças intermoleculares


In the present work, it is suggested the construction of a balance using low-cost materials in order to determine surface tension of liquids. The reliability of the measurements was confirmed by comparing these results with those reported in the literature using capillary rise method for simple liquids. In the proposed method, the systematic errors from the obtained results obtained with this device are reduced considerably. The principle of the device’s operation consists of measuring the force required to remove/detach a glass slide partially immersed in a liquid. The values of surface tension are calculated based on concepts of moment of a force (torque) and considering intermolecular interactions between glass and liquid surface.

surface tension; intermolecular forces


1. Introdução

1.1. Conceito de tensão superficial

As moléculas que constituem um líquido estão sujeitas a diferentes forças de interação intermoleculares, dentre as quais as forças de Van der Waals, também denominadas de forças de London [ 1L. Akcelrud, Fundamentos da Ciência dos Polímeros (Manole, São Paulo, 2007), 1a ed. ]. Em sistemas constituídos por fases imiscíveis, a região que limita e distingue as substâncias da mistura é denominada interface. Em um sistema contendo as fases líquida e gasosa, as moléculas do líquido podem se encontrar totalmente imersas no seu interior ou na interface entre as fases. No volume do líquido, uma molécula interage com suas vizinhas em todas as direções. Na região de fronteira entre as fases líquida e gasosa não há interação significativa entre as moléculas de ambas as fases. O motivo disto é que as moléculas localizadas na superfície da fase líquida estão sujeitas a forças assimétricas cuja resultante está direcionada para o interior, formando uma região sob tensão, enquanto a resultante das forças que atua sobre as moléculas no volume do líquido é nula. Ambas situações estão mostradas esquematicamente na Fig. 1 [ 2P. Atkins e J. Jones, Princípios De Química: Questionando a Vida Moderna e o Meio Ambiente (Bookman, Porto Alegre, 2006), 3a ed.

T.L. Brown, H.E. Lemay e B.E. Bursten, Química: A Ciência Central (Pearson Prentice Hall, São Paulo, 2005), 9a ed.
- 4P.G. Hewitt, Física Conceitual (Bookman, Porto Alegre, 2002), 9a ed. ].

Figura 1
Esquema de forças atuando sobre as moléculas em um líquido. As setas vermelhas representam forças com mesmo módulo, enquanto a seta azul representa uma força com módulo menor.

Para o caso de um sistema formado por uma fase líquida e outra gasosa a interface é denominada superfície [ 7J.A.M. Luz, R.M.F. Lima, Tratamento de Minérios: Práticas Laboratoriais (CETEM-MCT, Rio de Janeiro, 2007). Disponível em http://www.cetem.gov.br/publicacao/livros/Trat.Min.Prat.Laboratoriais{\%}20(Joao,Silvia{\%}20e{\%}20P.Braga).pdf. Acessado em 18/3/14.
http://www.cetem.gov.br/publicacao/livro...
]. Levando em consideração que há forças resultantes atuando sobre as moléculas da superfície, esta tem uma propriedade chamada tensão superficial, γ, sendo a constante de proporcionalidade que relaciona o aumento da área, ΔS, como consequência da realização de trabalho, ΔW, ou seja, a tensão superficial é o trabalho necessário para aumentar a superfície em uma unidade de área. Se ΔW é este trabalho e ΔS é o aumento da superfície, então [ 5J.N. Israelachvili, Intermolecular and Surface Forces (Academic Press, London, 2011). 3ed.

C. Gianino, Physics Education 41, 440 (2006).

J.A.M. Luz, R.M.F. Lima, Tratamento de Minérios: Práticas Laboratoriais (CETEM-MCT, Rio de Janeiro, 2007). Disponível em http://www.cetem.gov.br/publicacao/livros/Trat.Min.Prat.Laboratoriais{\%}20(Joao,Silvia{\%}20e{\%}20P.Braga).pdf. Acessado em 18/3/14.
http://www.cetem.gov.br/publicacao/livro...

Y.A. Çengel, J.M. Cimbala, Mecânica dos Fluídos: Fundamentos e Aplicações (McGraw-Hill, São Paulo, 2007), 1a ed.

P. Atkins, J. Paula, Físico-Química (LTC, Rio de Janeiro, 2008), v. 2. 6a ed.
- 1010 A.W. Adamson, Physical Chemistry of Surfaces (John Wiley & Sons, New York, 1997). 6a ed. ]

1.2. Métodos para medida da tensão superficial

Existem vários métodos experimentais para determinar a tensão superficial de líquidos. Os mais difundidos são o do anel de Noüy e o da lâmina de Wilhelmy. O primeiro consiste em medir a força necessária para desprender um anel metálico da superfície de um líquido. E o último apenas substitui o anel por uma lâmina [ 1111 V.K. William, Journal of Colloid and Interface Science 56, 622 (1976).

12 S.D. Christian, A.R. Slagle, E.E. Tucker and J.F. Scamehorn , Inverted Vertical Pull Surface Tension Method 14, 3126 (1998).

13 L.G.T. Eriksson, Journal of Colloid and Interface Science 191, 264 (1997).
- 1414 L.G.T. Eriksson, Disponível em http://www.tensiometry.com/STMethods.htm, acessado em 24/5/99.
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]. Neste trabalho, empregou-se uma técnica experimental baseada no método Wilhelmy. Para a obtenção de resultados precisos empregando esta técnica é importante o conhecimento de determinados mecanismos inerentes ao método e algumas grandezas mensuráveis para determinação da tensão superficial. Na Fig. 2 é mostrado um esquema de uma lâmina de comprimento X e largura Y, parcialmente imersa num líquido.

Figura 2
Lâmina parcialmente imersa em um líquido. As linhas curvas representam os meniscos em cada superfície para uma lâmina feita de um material hidrofílico.

O trabalho realizado sobre a superfície do líquido é [ 8Y.A. Çengel, J.M. Cimbala, Mecânica dos Fluídos: Fundamentos e Aplicações (McGraw-Hill, São Paulo, 2007), 1a ed. ]

onde F é a força externa para deslocar a lâmina verticalmente para cima e Δz é esse deslocamento.

A área da superfície do líquido deslocada corresponde, aproximadamente, ao produto do comprimento da lâmina, X, pelo deslocamento vertical, Δz, multiplicada por 2, pois a lâmina possui duas faces (as faces menores são desprezadas). Neste caso, temos que considerar a área total da superfície do líquido esticada, que é a soma das áreas das duas faces da lâmina imersas no interior do líquido [ 8Y.A. Çengel, J.M. Cimbala, Mecânica dos Fluídos: Fundamentos e Aplicações (McGraw-Hill, São Paulo, 2007), 1a ed. ]. Matematicamente, esta área é

Substituindo as Eqs. (2) e (3) na Eq. (1) temos

Considerando a espessura da lâmina, Y, a Eq. (4) pode ser reescrita como segue [ 7J.A.M. Luz, R.M.F. Lima, Tratamento de Minérios: Práticas Laboratoriais (CETEM-MCT, Rio de Janeiro, 2007). Disponível em http://www.cetem.gov.br/publicacao/livros/Trat.Min.Prat.Laboratoriais{\%}20(Joao,Silvia{\%}20e{\%}20P.Braga).pdf. Acessado em 18/3/14.
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]

Em geral, Y<<X, de modo que a Eq. (4) se aplica. Portanto, segundo a Eq. (5), para determinar a tensão superficial de um líquido é suficiente conhecermos a periferia da lâmina e a força necessária para desprender a lâmina da superfície do líquido.

O termo no denominador da Eq. (5) é o perímetro da lâmina (Fig. 2). Portanto, a tensão superficial está expressa em termos de unidades de força por unidade de comprimento, em concordância com a definição apresentada na Eq. (1).

Uma vez que os resultados obtidos com método que está sendo proposto precisam ser confirmados, será utilizado o método da ascensão capilar para obter o valor da tensão superficial de líquidos desconhecidos. Neste método um tubo cilíndrico com diâmetro pequeno é parcialmente imerso em um líquido e ocorre a ascensão de uma coluna líquida. Este fenômeno é denominado ascensão capilar ou capilaridade [ 2P. Atkins e J. Jones, Princípios De Química: Questionando a Vida Moderna e o Meio Ambiente (Bookman, Porto Alegre, 2006), 3a ed. , 5J.N. Israelachvili, Intermolecular and Surface Forces (Academic Press, London, 2011). 3ed. , 7J.A.M. Luz, R.M.F. Lima, Tratamento de Minérios: Práticas Laboratoriais (CETEM-MCT, Rio de Janeiro, 2007). Disponível em http://www.cetem.gov.br/publicacao/livros/Trat.Min.Prat.Laboratoriais{\%}20(Joao,Silvia{\%}20e{\%}20P.Braga).pdf. Acessado em 18/3/14.
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, 8Y.A. Çengel, J.M. Cimbala, Mecânica dos Fluídos: Fundamentos e Aplicações (McGraw-Hill, São Paulo, 2007), 1a ed. ], e está mostrado esquematicamente na Fig. 3. No interior do tubo capilar com raio r há uma coluna de líquido com uma altura h, que está suspensa por forças F. Estas forças estão relacionadas com a tensão superficial e fazem um ângulo θc , denominado ângulo de contato, em relação a parede interna do tubo.

Figura 3
Esquema representado a elevação de uma coluna líıquida no interior de um tubo capilar.

Ao longo do perímetro do menisco, na linha de interface entre o líquido e a parede interna do tubo capilar, existe uma força resultante na direção vertical que está equilibrada com o peso da coluna líquida. Portanto, a componente vertical desta força, é expressa por [ 8Y.A. Çengel, J.M. Cimbala, Mecânica dos Fluídos: Fundamentos e Aplicações (McGraw-Hill, São Paulo, 2007), 1a ed. , 1515 J. Pellicer, J.A. Manzanares and S. Mafé , American Journal Physics 63, 545 (1995). ]:

O peso da coluna líquida elevada até uma altura h é determinado levando em conta o volume da coluna líquida no interior do tubo (π r 2 h) e sua respectiva massa (ρ π r 2 h) [ 8Y.A. Çengel, J.M. Cimbala, Mecânica dos Fluídos: Fundamentos e Aplicações (McGraw-Hill, São Paulo, 2007), 1a ed. ]

onde g é a aceleração da gravidade. Nesta equação o peso do líquido que fica acima do ponto mínimo do menisco pode ser desprezado, pois este peso é consideravelmente menor que o peso da coluna de líquido [ 8Y.A. Çengel, J.M. Cimbala, Mecânica dos Fluídos: Fundamentos e Aplicações (McGraw-Hill, São Paulo, 2007), 1a ed. ].

Igualando as Eqs. (6) e (7), e isolando o termo correspondente à tensão superficial, obtemos

1.3. Fundamentos teóricos do funcionamento da balança

O princípio do funcionamento da balança que foi desenvolvida emprega o método de Wilhelmy, na qual se mede a força necessária para destacar uma lâmina da superfície de um líquido [ 1111 V.K. William, Journal of Colloid and Interface Science 56, 622 (1976).

12 S.D. Christian, A.R. Slagle, E.E. Tucker and J.F. Scamehorn , Inverted Vertical Pull Surface Tension Method 14, 3126 (1998).

13 L.G.T. Eriksson, Journal of Colloid and Interface Science 191, 264 (1997).
- 1414 L.G.T. Eriksson, Disponível em http://www.tensiometry.com/STMethods.htm, acessado em 24/5/99.
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]. A Fig. 4(a) mostra uma representação da balança construída em três estágios do funcionamento: inicialmente a lâmina não está em contato com a superfície do líquido, depois o travessão é ajustado para que a lâmina toque a superfície do líquido e finalmente move-se o contrapeso de massa m para que a lâmina seja puxada. Na Fig. 4(b) é mostrado um esquema simplificado das forças que atuam na balança e os deslocamentos angulares e lineares que ocorrem durante as medidas.

Figura 4
Esquema simplificado das for¸cas que atuam na balan¸ca bem como os deslocamentos angulares e lineares que ocorrem durante as medidas e precisam ser equilibrados.

No movimento circular, o torque (τ) é o análogo a força que age sobre um corpo em movimento retilíneo [ 1616 H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), v. 1. 4a ed. ]. Quanto mais distante o ponto de aplicação de uma força tangencial maior é o torque, sendo que este pode ser somado [ 1717 D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física (LTC, Rio de Janeiro, 2009), v. 1. 8a ed. ]. Neste contexto, encostando a borda inferior da lâmina do braço L 2 no líquido uma nova posição de equilíbrio é estabelecida havendo deslocamento do centro de gravidade da posição G para a posição G′ (Fig. 4). Um novo estado de equilíbrio é estabelecido e os torques associados às forças F 2 e P 0 são igualados conforme a Eq. (9) [ 1818 F.P. Beer e E.R. Johsnton, Mecânica Vetorial para Engenheiros: Estática (Makron Books, São Paulo, 2008). , 1919 I.H. Shames, Mecânica para Engenharia: Estática (Prentice Hall, São Paulo, 2002), v. 1. 4a ed. ].

onde A′′O e G′′O são as projeções das semi-retas A′O e G′O ao longo da horizontal, respectivamente.

Podemos também representar as semi-retas A′′O e G′′O em termos do tamanho do braço L 2 e do parâmetro D, respectivamente

O contrapeso sobre o braço L 1 é móvel e seu comportamento segue a Eq. (9), porém, o termo (F 1 Δdcosφ) faz com que a balança volte ao seu estado de equilíbrio inicial (torque restaurador). Neste termo, F1 é o peso da carga disposta no braço L 1, Δd é o deslocamento sofrido pela carga móvel e φ é o ângulo entre o suporte de medida e a reta AB″ tracejada. Substituindo as Eqs. (10) e (11) na Eq. (9), e considerando o torque restaurador, obtém-se

Dividindo a Eq. (12) por cosθ, temos

Para que o torque restaurador cumpra seu papel é necessário fazer com que o termo P 0 Dtanφ seja nulo, i.e., θ tenda a zero. Com isso a Eq. (13) pode ser reescrita,F 2 L 2=F 1 Δd, do qual pode-se isolar o termo F 2

Sendo F 2 = Fϒ cosθc [ 9Y.A. Çengel, J.M. Cimbala, Mecânica dos Fluídos: Fundamentos e Aplicações (McGraw-Hill, São Paulo, 2007), 1a ed. ] , obtém-se a seguinte expressão para Fϒ

Substituindo a Eq. (15) na Eq. (5), em que F = Fϒ obtém-se

onde o termo τ=F 1 Δd é o torque e θc é o ângulo de contato no instante do rompimento.

A Eq. (16) pode ainda ser simplificada substituindo os valores constantes de X, Y, L 2 e θc (para as dimensões utilizadas na lâmina e na balança) X = (2,500 ± 0,005) cm, Y = (0,100 ± 0,005) cm, L2 = (29,400 ± 0,005) cm e θc = 0, assumindo a seguinte forma

onde o erro (ou desvio) de ± 0,4 foi calculado usando a teoria de propagação de erros [ 2525 C.H.B. Cruz e H.L. Fragnito, Guia para Física Experimental - Caderno de Laboratório, Gráficos e Erros. Apostila do IFGW (UNICAMP, Campinas, 1997). ].

A Eq. (17) possibilita medir a tensão superficial por meio do dispositivo construído, apenas sendo necessário o valor do torque devido ao deslocamento do contrapeso ao longo do braço L 1 durante as medidas. Os valores da Eq. (17) estão em cm2 para facilitar os cálculos para o leitor. Ressalta-se que o valor final da tensão superficial deve ser expressado em N/m (SI) e não em dina/cm.

2. Materiais e métodos

Com base nos trabalhos de Clancy [ 2020 E.P. Clancy, American Journal Physics 26, 234 (1958). ], a balança proposta neste estudo é apresentada na Fig. 5.

Para construir esta balança foram utilizados os seguintes materiais:

  • Uma haste cilíndrica de aço (homogênea) para o travessão do dispositivo com (58,800 ± 0,005) cm de comprimento;

  • Uma rolha de cortiça;

  • Placas de alumínio;

  • Blocos de madeira;

  • Lâmina de vidro de (2,500 ± 0,005) cm de comprimento e (0,100 ± 0,005) cm de espessura;

  • Cuba de policarbonato (PolyhardTM);

  • Termômetro químico;

  • Kit soro (mangueiras de silicone);

  • Seringa descartável;

  • Contrapeso de (3,120 ± 0,001) g

  • Régua milimetrada.

As medidas de tamanho da haste cilíndrica e da lâmina de vidro foram realizadas usando um paquímetro comercial, modelo Starret, com precisão de ± 0,005 cm e a massa do contrapeso foi medida com uma balança semi-analítica, modelo SPLabor, com precisão de ± 0,001 g.

Na Fig. 5 temos o contrapeso ao longo do braço (à direita da imagem), uma régua milimetrada e uma trava para se evitar perturbações durante as medidas. No lado esquerdo da imagem observa-se a cuba com líquido em estudo, a lâmina de vidro presa no braço da balança e uma seringa para a retirada controlada de água da cuba durante o procedimento.

Figura 5
Foto da balança proposta para medição da tensão superficial de líquidos.

Para a operação inicial da balança, a lâmina não se encontra em contato com a superfície, e, nessa condição, o travessão apresenta-se na posição horizontal. Posteriormente, a lâmina é colocada em contato com a superfície do líquido (injetando água na cuba até a mesma tocar a parte inferior da lâmina), e uma nova posição de equilíbrio é atingida, inclinando o travessão. Após esta etapa, é necessário um deslocamento do bloco de chumbo ao longo do braço L1 para que a balança volte a sua posição original. Como não há rompimento da lâmina com a superfície depois de o travessão estar na posição horizontal, uma pequena quantidade de líquido contido na cuba é retirada utilizando uma seringa. Como resultado, uma nova posição de equilíbrio é atingida. Mais uma vez o bloco de chumbo é deslocado para que o travessão fique na posição horizontal. Esse procedimento é repetido até que haja o rompimento entre a lâmina e a superfície do líquido. As medidas de tensão superficial foram realizadas em condições ambiente e numa sala climatizada, ou seja, T = (25 ± 1) ºC. A variação de temperatura é algo difícil de se controlar, caso não se realize as medidas numa sala limpa com ambiente controlado. Para um sistema de baixo custo e para realização de medidas em condições ambiente (dentro de uma sala, com mínima interferência do ambiente externo) a variação de 1º ou 2º na temperatura, geralmente é observado. Quando se realiza medidas em salas com climatização controlada (ar condicionado, por exemplo), esta variação é irrisória, após a estabilização da temperatura (≤ 1º).

3. Resultados

A Tabela 1 apresenta os resultados obtidos de uma típica medida para uma solução de água destilada, contendo os valores do torque e as principais observações de cada etapa da medida (Fig. 4).

Tabela 1
Resultados obtidos para o torque e as observações das diversas etapas do procedimento.

Na primeira coluna são destacadas as etapas do procedimento de medição dos deslocamentos Δd do contrapeso. Os valores da segunda coluna referem-se aos torques calculados para cada etapa, e para isso considerou-se a massa do contra peso, a aceleração da gravidade no local onde foram feitas as medidas (978,585 cm/s2, bairro Santana – Rio Claro – SP [ 2121 E.C. Ziemath, G. Santarine, F. Malagutti e J.C. Dourado, Determinação Experimental da Aceleração Gravitacional no Bairro Santana, Rio Claro - SP (1998). Disponível em http://www.rc.unesp.br/igce/fisica/gravid.html, acessado em 2 jul. 2014.
http://www.rc.unesp.br/igce/fisica/gravi...
]) e o deslocamento do contrapeso. No momento do rompimento, o ângulo de contato é considerado nulo, pois neste instante admite-se um valor de área máximo para a separação (rompimento) entre a lâmina e a superfície do líquido. A terceira coluna apresenta as observações experimentais de cada etapa, fornecendo informações detalhadas do procedimento.

Da somatória dos torques anotados em cada etapa, obtém-se o valor de 11.610,0 dina.cm. Este valor é somente representativo para uma medida. Para utilizar-se a Eq. (17) deve-se realizar, pelo menos, 3 medidas (triplicata). Para o caso do experimento demonstrado aqui, realizou-se 10 medidas, obtendo o valor médio do torque e o seu desvio padrão. O valor médio do torque obtido foi de τ=11.550±440dina.cm, com um erro percentual de 3.8%. Substituindo este valor na Eq. (17), pode-se determinar o valor médio da tensão superficial da água destilada

ou, de forma arredondada [ 2525 C.H.B. Cruz e H.L. Fragnito, Guia para Física Experimental - Caderno de Laboratório, Gráficos e Erros. Apostila do IFGW (UNICAMP, Campinas, 1997). ] e utilizando o Sistema Internacional de unidades (SI)

Este resultado está de acordo com os valores reportados na literatura [ 1010 A.W. Adamson, Physical Chemistry of Surfaces (John Wiley & Sons, New York, 1997). 6a ed. , 2222 R.L. David, CRC Handbook of Chemistry and Physics (CRC Press, Boca Raton, 2010). ] corroborando a medida obtida pela balança. Cunha e Alves [ 2323 J.P.A.R. Cunha e G.S. Alves, Características Físico-Químicas de Soluções Aquosas com Adjuvantes de Uso Agrícola Disponível em http://www.interciencia.org, acessado em 6 out. 2013.
http://www.interciencia.org...
] reportaram um valor para a tensão superficial da água destilada como sendo 72,2 mN/m, valor próximo ao determinado pela balança proposta aqui. Já Luz e Lima [ 7J.A.M. Luz, R.M.F. Lima, Tratamento de Minérios: Práticas Laboratoriais (CETEM-MCT, Rio de Janeiro, 2007). Disponível em http://www.cetem.gov.br/publicacao/livros/Trat.Min.Prat.Laboratoriais{\%}20(Joao,Silvia{\%}20e{\%}20P.Braga).pdf. Acessado em 18/3/14.
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] apresentaram 72,75 mN/m, valor este, mais próximo das medidas obtidas neste estudo.

A medida da tensão superficial foi realizada também para outras soluções com o mesmo método apresentado acima. A Tabela 2 apresenta os valores da tensão superficial de três soluções contendo: i) detergente, ii) etileno glicol e iii) etileno glicol e álcool isopropílico. Para estes líquidos, tanto a balança quanto o dispositivo do método da Ascensão Capilar foram empregados. Os resultados obtidos com o dispositivo proposto estão próximos daqueles encontrados pelo método da ascensão capilar (Tabela 2). Desta forma, pode-se afirmar que a balança proposta neste estudo apresenta boa acurácia e precisão uma vez que o método da Ascensão Capilar proporciona bastante confiabilidade.

Tabela 2
Valores determinados para a tensão superficial utilizando a balança proposta e o método da ascensão capilar.

Analisando os resultados obtidos para a solução de detergente, nota-se que ao acrescentar surfactante na água destilada ocorre o aumento da energia livre na superfície e consequente diminuição da tensão superficial do líquido [ 2424 F.K.G. Santos, J.V.A. Alves, T.N.C. Dantas, A.A.D. Neto e E.L.B. Neto, Determinação da Concentração Micelar Crítica de Tensoativos Obtidos a Partir de Óleos Vegetais para uso na Recuperação Avançada de Petróleo. Disponível em http://www.portalabpg.org.br, acessado em 6 out. 2013.
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], ϒ= (28 ± 3) mN/m. O mesmo foi observado para o Etileno glicol e Etileno glicol + álcool isopropílico, o valor foi menor em comparação com o valor obtido para a água destilada. Portanto, a solução de detergente, neste caso, foi considerada o melhor surfactante para diminuição da tensão superficial da água.

A justificativa microscópica para a diminuição da tensão superficial se deve a parte apolar (hidrofóbica) presente nestas moléculas. Tais moléculas no meio aquoso tendem a se dispor na superfície do líquido de tal maneira que a parte apolar volta-se para o ar [ 7J.A.M. Luz, R.M.F. Lima, Tratamento de Minérios: Práticas Laboratoriais (CETEM-MCT, Rio de Janeiro, 2007). Disponível em http://www.cetem.gov.br/publicacao/livros/Trat.Min.Prat.Laboratoriais{\%}20(Joao,Silvia{\%}20e{\%}20P.Braga).pdf. Acessado em 18/3/14.
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]. Este efeito faz com que as forças das moléculas da superfície da água, esquematizadas na Fig. 1, fiquem em estado de menor desequilíbrio, diminuindo a tensão superficial da solução.

Os resultados obtidos da tensão superficial para as soluções usando a balança construída mostraram-se confiáveis, destacado pela proximidade dos valores encontrados em comparação aos determinados pelo método da ascensão capilar e a literatura. Os resultados obtidos para a água destilada e para as misturas contendo surfactantes mostraram coerência com o esperado pela teoria, corroborando para a utilização do dispositivo construído para medida da tensão superficial de líquidos.

4. Conclusões

O estudo e construção da balança exigiram muitos testes de materiais para a sua preparação, e também de amostras de líquidos para medidas da tensão superficial. Isto possibilitou excelentes resultados para a medida da tensão superficial das diversas soluções estudadas, e tais resultados estão de acordo com a literatura. O valor obtido da tensão superficial da água destilada foi próximo ao obtido por Cunha e Alves [ 1818 F.P. Beer e E.R. Johsnton, Mecânica Vetorial para Engenheiros: Estática (Makron Books, São Paulo, 2008). ] e também por Luz e Lima [ 7J.A.M. Luz, R.M.F. Lima, Tratamento de Minérios: Práticas Laboratoriais (CETEM-MCT, Rio de Janeiro, 2007). Disponível em http://www.cetem.gov.br/publicacao/livros/Trat.Min.Prat.Laboratoriais{\%}20(Joao,Silvia{\%}20e{\%}20P.Braga).pdf. Acessado em 18/3/14.
http://www.cetem.gov.br/publicacao/livro...
]. Os resultados obtidos para as soluções analisadas tiveram seus valores de acordo com os comparados aos de um método bem estabelecido no meio científico.

Por ser de baixo custo, a balança proposta aqui se mostra de fácil operação, baixo custo e propicia medidas confiáveis.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro a esta pesquisa (Proc. 1999/01254-7; 2013/09746-5) e ao Programa Futuro Cientista® (PFC) (www.futurocientista.net) pelo incentivo ao projeto.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2014
  • Aceito
    22 Set 2014
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