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Máxima absorção ressonante em espectroscopia Mössbauer

Maximum resonant absorption in Mössbauer spectroscopy

Resumos

Os argumentos físicos fundamentais para a descrição da linha de ressonância resultante de transições de estados quânticos induzidos por radiações eletromagnéticas não são, muitas vezes, suficientemente bem compreendidos por estudantes iniciantes em ciências naturais ou não-especialistas em espectroscopia. Livros didáticos em geral tendem a tratar o problema com base em formalismos teóricos complexos, inacessíveis a todos aqueles que não estão suficientemente familiarizados com os argumentos físicos e matemáticos avançados da mecânica quântica. Neste artigo, são apresentados desenvolvimentos algébricos mais diretos e mais simples, com a intenção de oferecer uma alternativa didática e servir como fonte de referência a leitores com graus variáveis de domínio teórico em física avançada. O ponto central é mostrar que a largura da linha de ressonância da radiação gama é conceitualmente o dobro da largura de linha natural para a energia relacionada ao estado nuclear excitado da transição. Os argumentos algébricos são utilizados de modo a oferecer uma via direta e dedutiva, intencionalmente mais prontamente alcançáveis do que os ora encontrados na literatura científica. Este estudo de caso foi escolhido na perspectiva particular do princípio físico correspondente à espectroscopia nuclear Mössbauer.

ressonância; lorentziana; absorção gama


The fundamental physical arguments for the description of a resonance line arising from quantum states transitions induced by electromagnetic radiations are often hardly understandable by beginning students in natural sciences or non-specialists in spectroscopy. Textbooks usually tend to treat the problem on the basis of deeper theoretical formalisms which are seldom accessible by all those who are not sufficiently familiar with the required advanced physical and mathematical backgrounds in quantum mechanics. More direct and simpler algebraic developments are presented in this article, intending to be a didactic alternative and to serve as a reference source for a broader range of readers, to some extent requiring less background in more advanced physics. The central point is to show that the resonance linewidth of a gamma-ray resonance is conceptually twice the natural linewidth for the related energy line of the nuclear excited state. The algebraic arguments are used to offer a direct deductive pathway, which is purposely more promptly achievable than those currently found in the scientific literature. This study of case was conceived taking into account the physical principles of nuclear Mössbauer spectroscopy.

resonance; lorentzian; gamma absorption


ARTIGOS GERAIS

Máxima absorção ressonante em espectroscopia Mössbauer

Maximum resonant absorption in Mössbauer spectroscopy

C.K. NascimentoI,II,1 1 E-mail: cassiuskn@yahoo.com.br. ; J.M. OliveiraI,III; J.P. BragaI; J.D. FabrisI,IV

IDepartamento de Química, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIDivisão de Ensino, Escola Preparatória de Cadetes do Ar, Barbacena, MG, Brasil

IIICentro Universitário de Patos de Minas, Patos de Minas, MG, Brasil

IVUniversidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG, Brasil

RESUMO

Os argumentos físicos fundamentais para a descrição da linha de ressonância resultante de transições de estados quânticos induzidos por radiações eletromagnéticas não são, muitas vezes, suficientemente bem compreendidos por estudantes iniciantes em ciências naturais ou não-especialistas em espectroscopia. Livros didáticos em geral tendem a tratar o problema com base em formalismos teóricos complexos, inacessíveis a todos aqueles que não estão suficientemente familiarizados com os argumentos físicos e matemáticos avançados da mecânica quântica. Neste artigo, são apresentados desenvolvimentos algébricos mais diretos e mais simples, com a intenção de oferecer uma alternativa didática e servir como fonte de referência a leitores com graus variáveis de domínio teórico em física avançada. O ponto central é mostrar que a largura da linha de ressonância da radiação gama é conceitualmente o dobro da largura de linha natural para a energia relacionada ao estado nuclear excitado da transição. Os argumentos algébricos são utilizados de modo a oferecer uma via direta e dedutiva, intencionalmente mais prontamente alcançáveis do que os ora encontrados na literatura científica. Este estudo de caso foi escolhido na perspectiva particular do princípio físico correspondente à espectroscopia nuclear Mössbauer.

Palavras-chave: ressonância, lorentziana, absorção gama.

ABSTRACT

The fundamental physical arguments for the description of a resonance line arising from quantum states transitions induced by electromagnetic radiations are often hardly understandable by beginning students in natural sciences or non-specialists in spectroscopy. Textbooks usually tend to treat the problem on the basis of deeper theoretical formalisms which are seldom accessible by all those who are not sufficiently familiar with the required advanced physical and mathematical backgrounds in quantum mechanics. More direct and simpler algebraic developments are presented in this article, intending to be a didactic alternative and to serve as a reference source for a broader range of readers, to some extent requiring less background in more advanced physics. The central point is to show that the resonance linewidth of a gamma-ray resonance is conceptually twice the natural linewidth for the related energy line of the nuclear excited state. The algebraic arguments are used to offer a direct deductive pathway, which is purposely more promptly achievable than those currently found in the scientific literature. This study of case was conceived taking into account the physical principles of nuclear Mössbauer spectroscopy.

Keywords: resonance, lorentzian, gamma absorption.

1. O fenômeno físico da ressonância

Conceitualmente abordado sob diversas formas no ensino de física elementar, o fenômeno de ressonância tem analogias clássicas mais frequentes em eletricidade, em acústica ou em mecânica [1]. Mas a ressonância está ainda relacionada a muitos outros fenômenos cotidianos, como a variação de cores na natureza, o funcionamento de controles remotos e a altura das ondas do mar.

Em eletricidade, constam as conhecidas experiências de Nikola Tesla (1856 - 1943), no desenvolvimento do transformador de ressonância (bobina Tesla), que consiste de um circuito oscilador primário, com um capacitor de alta tensão e um indutor de alta tensão [2]. Na medida em que a corrente em alta tensão e alta frequência oscila no indutor primário das bobinas Tesla, o campo eletromagnético resultante envolve a bobina de alta tensão secundária e gera uma corrente elétrica em alta frequência e alta tensão, na bobina secundária. Uma série de vídeos educacionais de livre acesso público, disponíveis na internet, oferecem demonstrações prático-didáticas de experiências com construção e testes de funcionamento da bobina de Tesla.

A ressonância sonora é mais frequentemente demonstrada com um diapasão, um dispositivo muito usado na afinação de instrumentos musicais. Há por exemplo descrição geral da física do violino onde se analisa os conceitos que lhes dão sustentação física, sendo a ressonância acústica da caixa do violino discutida fazendo-se um paralelo entre osciladores, mecânico, elétrico e acústico [3]. Também de forma simples já se utilizou uma corda de contrabaixo com propósito semelhante [4].

O fenômeno de ressonância mecânica pode ser analisado como a experiência com um pêndulo [5] de massa m, em que o impulso oscilatório tem de estar em fase e na mesma frequência dos movimentos harmônicos lineares, de impulsão à oscilação do sistema (ω), para que a energia seja transferida. A quantidade de oscilação seria dada pela força F multiplicada por um fator ρ; γ é um fator de amortecimento, que é expressa pela largura de linha de ressonância (Fig. 1) [6].


Um dos exemplos clássicos análogos, dos comumente usados na ilustração do princípio físico do fenômeno da ressonância mecânica, é o sistema pendular simples, cotidiano, de criança em um balanço de parque de diversão. O arranjo consiste de uma corda fixada em um suporte alto e um assento. Para balançar em amplitude maior e alcançar mais altura, em relação ao solo, uma criança deve auto-impulsionar o movimento em determinado ritmo, em sincronia com o movimento de oscilação do balanço. Dependendo do comprimento da corda de sustentação, a frequência harmônica do movimento de impulsão condiciona a transferência de trabalho produzido pelo peso do corpo (massa do corpo sob o campo gravitacional) da criança, ao balanço. De um agente externo, uma pessoa pode também transferir harmonicamente trabalho muscular (Fig. 2), na frequência e na fase de oscilação do balanço, para alcançar a amplitude máxima. É a condição de ressonância. Se houver diferença de frequência ou de fase ou as das duas condições, simultaneamente, na impulsão (pelo agente externo), em relação ao sistema (balanço), o trabalho transferido é menor e a energia alcançada pelo sistema diminui; no limite, a amplitude é menor e o movimento pendular pode mesmo parar, por cessar completamente a transferência ressonante de trabalho mecânico.


Na escala atômica, prevalecem os argumentos quânticos, para descrever-se a transferência ressonante de energia de um sistema no estado energeticamente excitado, que decai e emite um fóton, para um sistema de mesma natureza física, no estado fundamental [7].

A energia de um nível excitado tem largura (Γ) dada pelo princípio da incerteza de Heisenberg

em que Γ tem o sentido da incerteza do valor determinado da energia; τ, o tempo de existência do estado excitado, que decai ao nível fundamental, correspondente à incerteza do valor determinado do tempo e ; h = constante de Planck.

O propósito deste trabalho é apresentar desenvolvimentos algébricos didaticamente alcançáveis por não-especialistas em espectroscopia e por estudantes, para mostrar que a largura de linha de ressonância é o dobro da largura natural da linha de energia do nível excitado, em um sistema atômico. A espectroscopia nuclear Mössbauer será o caso em foco deste estudo.

2. O efeito Mössbauer

A absorção ressonante de raios gama por emissões livres de recuo nuclear (efeito Mössbauer) foi descoberta pelo físico alemão Rudolf Ludwig Mössbauer (1929-2011), em seu trabalho tese de doutorado (1957; Universidade Técnica de Munique), de seu trabalho experimental no Instituto Max Planck de Pesquisa Médica, em Heidelberg, Alemanha [8-10]. Até então, não havia evidência experimental direta do fenômeno da ressonância nuclear, nos moldes experimentais e em proporções de efeito que se conhecia para ressonância óptica (transições eletrônicas). A dificuldade em se observar a ressonância em sistemas atômico-nucleares emissores de radiação gama, de relativamente mais alta energia (digamos, de 103 eV a 105 eV), em relação à radiação óptica (da ordem de 1 eV a 10 eV), é primariamente explicada pelo recuo atômico durante a emissão e a absorção nucleares [11, 12]. A contribuição decisiva de Rudolf Mössbauer foi observar e explicar teoricamente os resultados da ressonância nuclear de átomos em um sólido. O argumento físico principal é que parte dos núcleos emissores em um sólido não recua (população nuclear no estado fônon zero), durante a transição gama [13]. Há analogias, amplamente usadas na literatura, sobre o efeito do recuo nuclear como analogia para ilustrar efeito Mössbauer [14]. Uma é o disparo de um projétil por um canhão livre, que não esteja fixado em uma base e, por isso, sofre recuo durante o disparo, para conservação da energia e da quantidade de movimento. Quando o canhão está fixado em uma base, a energia de recuo é distribuída em toda a estrutura de suporte e o projétil sai com toda energia transferida pela detonação, no disparo. Outra é a de uma pessoa que se encontra dentro de um barco, em repouso, num lago. Quando a pessoa salta em direção ao cais, o barco sofre um deslocamento no sentido contrário do salto; quando o lago está congelado, como o barco está preso ao gelo, não ocorrerá recuo [15]. A fixação do sistema a uma grande base, em qualquer das analogias citadas, equivale a um núcleo atômico, em emissão radiativa, no estado de fônon zero, rigidamente preso, na matriz do sólido.

O efeito Mössbauer, ou a absorção gama ressonante sem recuo nuclear, fundamenta a espectroscopia Mössbauer, para acessar-se transições nucleares de átomos fixados na matriz de um sólido.

As razões da tão ampla utilização da espectroscopia Mössbauer em áreas da pesquisa, como em química, física, mineralogia, geologia, arqueologia, biologia e medicina [16], incluem o fato de a técnica ser definitivamente muito seletiva, em relação ao elemento químico-sonda, e de permitir detectarem-se transições nucleares de energias relativamente muito baixas [17, 18]. Obtêm-se, pois, informações locais sobre ligações químicas, estruturas moleculares, distribuição de carga eletrônica em torno dos átomos e de parâmetros nucleares [19-21].

2.1. A absorção e emissão de radiação gama

Uma cascata de desexcitação (ou excitação) dos níveis atômicos, eletrônicos ou nucleares, pode envolver múltiplos estados de energia [22, 23]. A possibilidade de se excitar ressonantemente um átomo que se encontra no estado eletrônico fundamental Ef para um estado excitado Ee, por radiação de frequência ν0 , correspondente à transição óptica entre esses dois estados, é conhecida desde a experiência de Robert Williams Wood, em 1904 [24-27].

Na espectroscopia Mössbauer, segue-se a mesma lógica do esquema experimental de Robert Wood, mas, em vez de transições eletrônicas, lida-se com transições envolvendo radiações nucleares gama, de valores entre níveis de energia substantivamente maiores, em pelo menos três a quatro ordens de grandeza, em relação às transições ópticas.

No estado fundamental, um núcleo pode absorver radiação gama se a energia do fóton gama que incide for exatamente igual à diferença de energia entre os estados excitado e fundamental do núcleo. O quantum de energia emitido é igual à diferença entre os dois estados(E0 = Ee - Ef). O estado excitado retorna ao fundamental, com emissão de radiação fluorescente (Fig. 3).


2.2. Condições para ocorrência do efeito Mössbauer

O raio gama emitido do núcleo da fonte radioativa pode ser ressonantemente absorvido por um núcleo da mesma espécie, que, na experiência mais convencional, é a amostra do material que está sendo analisado. Quando o emissor decai por emissão de um fóton, com a energia necessária e suficiente (fração do conjunto de estados nucleares em fônon zero) para excitar o absorvedor, ocorre o que é denominado de absorção ressonante nuclear ou efeito Mössbauer. A linha de energia do estado excitado tem uma largura dada pela Eq. (8) [27].

A amostra sobre a qual incide a radiação deve conter átomos do mesmo elemento, no estado fundamental, para que o fenômeno possa ser observado.

Para facilitar a detecção, no lugar de fontes de emissão gama (espectro de energia contínua), busca-se incidir os fótons gama, para a absorção, utilizando-se núcleos idênticos aos que absorvem a radiação gama [28], pois assim a absorção e a emissão serão mais intensas [29].

Outra exigência para a amostra absorvedora da radiação gama é que ela tenha pequena espessura para que a quantidade de radiação transmitida seja significativa. Há necessidade para uma escolha acertada da espessura, fazer algumas análises relativas à concentração na amostra dos núcleos absorvedores e emissores, a seção de choque e a fração de emissões livres de recuo.

A radiação para que o efeito Mössbauer ocorra, necessariamente, terá frequência ν0 e a diferença de energia entre os estados fundamental e excitado do processo será expressa pela equação de Planck, Ee - Ef = E0 = = h ν, em que h = 6,626 075×10 -34 J s (constante de Planck), c0 = 299 792 458 m s-1 (velocidade da luz no vácuo), λ o comprimento de onda e ν a frequência de radiação.

2.3. Energia de recuo

A energia do fóton gama emitido numa transição do estado de maior energia para o de menor, Eγ, difere de E0 , pois o núcleo sofrerá recuo ao emitir esse fóton (Fig. 4). Uma quantidade de movimento igual e de sentido oposto, que acompanha a emissão, é transferida ao núcleo; a conservação requer que o momentum do fóton gama tenha a mesma magnitude, mas com sinal oposto, ao momentum do núcleo, -pN = pγ. A energia de recuo nuclear, em razão da conservação do momentum, resulta em que o fóton não tem mais energia suficiente para excitar o núcleo absorvedor: sai da condição de ressonância.


A quantidade de movimento do fóton é expressa pela Eq. (3)

Pelas leis da conservação da energia para emissão pode-se representar por agora de forma geral a energia E0 como sendo (omite-se, por simplificação, a notação vetorial)

Considerando a energia de recuo pequena em relação à E0 ; sendo, Eγ < E0 , ER << Eγ e, por causa da grande massa do núcleo, pode-se escrever, em aproximação não relativística,

Mais simplificadamente,

A seguir, são fornecidos alguns valores de energia envolvida no recuo durante emissão de radiação.

i) Raia amarela do sódio; transição eletrônica D1 (32→ 32; λ = 589,757 nm)

E0 = 2,102 eV; M = 22,9898 g mol–1;

ER = 1,03 × 10–10 eV.

ii) 57Fe (transição nuclear, -3/2 → -1/2)

E0 = 14,4129 × 103eV; M = 56,935 g mol–1;

ER = 1,96 × 10–3 eV

iii) 119Sn (transição nuclear, +3/2 → +1/2)

E0 = 23,8 × 103eV; M = 118,903 g mol–1;

ER = 2,56 × 10–3 eV.

3. Máxima absorção ressonante

3.1. A linha de ressonância

A máxima absorção ressonante ocorre na condição em que as linhas espectrais para os processos de emissão e absorção estão centradas na mesma posição de energia, isto é, E0 . A diferença de energia E0 deve ser exatamente a mesma para os dois sistemas, emissor e absorvedor, a fim de que ocorra a transferência ressonante do fóton para excitação ressonante. As linhas de emissão e absorção apresentam a forma de uma lorentziana, com largura máxima natural Γn. Quando há coincidência dos centróides das funções lorentzianas, a absorção será máxima. Se uma das linhas é deslocada, a sobreposição será menor, a absorção será menor e a velocidade de contagem no detector será aumentada. Verifica-se, experimentalmente, que a linha de ressonância também é uma lorentziana, mas com largura Γr = 2Γn (Fig. 5).


Dos argumentos da teoria quântica o formato da linha de energia, de emissão ou absorção, de um estado excitado tem o perfil uma lorentziana ou uma curva de Breit-Wigner [30]. Sem se levar em consideração os fatores de normalização, a função de Lorentz tem a forma expressa pela Eq. (7)

W(E)é o valor da função da energia E, e Γn é a largura da função na metade da altura máxima e representa a largura de linha do nível de energia natural e E0 é o valor médio central no ponto máximo de W(E). Realmente, a largura natural da linha e o tempo de vida média (t) de um estado excitado decaindo por emissão de um fóton são fisicamente relacionados, de acordo com princípio da incerteza de Heisenberg (Eq. (2)), na condição do limite mínimo

em que ΔE é a largura natural de linha para a energia (Γn) e Δt a incerteza na determinação do tempo associado ao evento quântico, ou o tempo de vida média do estado excitado do sistema.

Se a magnitude de Δt é tomada como tempo médio de vida (τ) de um nível de energia, no limite inferior da desigualdade, a incerteza da energia correspondente, que significa a largura natural da linha de energia, Γn, a Eq. (2) e a Eq. (8) podem ser reescritas

Também das considerações da eletrodinâmica quântica, a seção de choque ressonante (σ), ou a intensidade que corresponde ao desaparecimento do estado inicial, para um sistema emissor(s)-absorvedor(a), ambos com a mesma energia de transição, Eγ, de comprimento de onda λ, entre um estado excitado com spin Ie e energia Ee e um estado fundamental com Ig e Eg, é dada pela convolução do perfil da seção de choque efetiva [31]

com a lorentziana tem-se a função de Breit-Wigner [30]

Margulies e Ehrman [32] trabalharam a convolução para muitas condições experimentais envolvendo a ressonância gama e mostraram que em arranjo de fonte para absorvedores suficientemente finos e na condição em que a largura natural da linha (Γn) é a mesma da largura de linha da fonte (Γf) e do absorvedor (Γa), ou (Γn = Γf = Γa), o perfil de ressonância (Γr) é uma curva Breit-Wigner com largura Γr = 2Γn. No entanto o caminho dedutivo não é diretamente alcançável e possui argumentos complexos.

3.2. Convolução de lorentzianas

O seguinte problema é proposto: a soma de duas lorentzianas, no ponto de interseção, é ainda uma Lorentziana, mas com largura igual a 2Γn, quando a variável independente é E0 .

A seguir, são apresentados três caminhos de demonstração da premissa inicial, formalmente, Γr = 2Γn.

3.2.1. Demonstração I

Para ilustrar a prova, a Eq. (11) será simplificadamente representada por

Fazendo-se, arbitrariamente, ( )2 = 1, a largura a meia altura vale Γn = 2 e a função está centrada em a.

Para se encontrar a interseção entre as lorentzianas, podem-se considerar as duas funções na forma,

No ponto em que

Portanto,

O resultado é independe de um valor específico de a. Portanto, a análise para outras interações pode ser feita simplesmente variando-se a na Eq. (12), para resultar em

Isso conclui a prova, pois o resultado da soma das interseções entre as duas lorentzianas, para diferentes centros, é ainda uma Lorentiziana, com largura à meia altura igual a ( )2 = 4, isto é, Γf = 4, como ( )2 = 1, ou seja, Γr = 2Γn.

3.2.2. Demonstração II

Lorentziana da esquerda (conforme Fig. 5)

Lorentziana da direita

Igualando-se as duas, tem-se o ponto de interseção

Substituindo na Lorentziana temos

que conduz a

Γr = 2Γn.

3.2.3. Demonstração III

Por um caminho formalisticamente mais completo, pode-se obter uma terceira confirmação, a partir da integral de convolução da lorentziana pela mesma função lorentziana Breit-Wigner

A integral pode ser resolvida reescrevendo-a como

Usando-se o método das frações parciais, obtém-se

Os coeficientes podem ser obtidos pela regra de Cramer, cujo resultado será

O resultado da integral, obtido através de substituição trigonométrica, será

Substituindo-se os limites inferior e superior da integral e, simplificando, obtém-se

Assim,

Este resultado equivale à lorentziana Breit-Wigner, com o dobro da largura (Γ), para o argumento equivalente (Γ/2) da Eq. (7).

4. Conclusões

Em um sólido, a fonte, emissora, e a amostra, absorvedora da radiação gama, a energia de recuo pode ser desprezada para uma fração considerável das emissões, na condição em que o núcleo não tem liberdade suficiente para recuar. O momentum é transferido à rede como um todo, não mais ao sistema do núcleo atômico individual. Mostrou-se, por argumentos algébricos, que a convolução de duas lorentzianas, na absorção ressonante da radiação gama (efeito Mössbauer), leva a uma lorentziana com largura equivalente à soma das larguras naturais das linhas dos níveis de energia, de mesma natureza, do emissor e do absorvedor. São apresentados, aqui, três caminhos formalisticamente independentes, para a demonstração da premissa inicial, Γr = 2Γn.

Agradecimentos

Trabalho financiado pela CAPES, pelo CNPq e pela FAPEMIG. A CAPES concede bolsa de Professor Visitante a JDF na UFVJM. CKN agradece à Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR) o apoio institucional.

Recebido em 13/6/2013

Aceito em 7/8/2013

Publicado em 20/12/2013

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      13 Jun 2013
    • Aceito
      07 Ago 2013
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