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100 anos de supercondutividade e a teoria de Ginzburg-Landau

100 years of superconductivity and the Ginzburg-Landau theory

Resumos

Este artigo é uma proposta de ensino de supercondutividade para estudantes de nível de graduação na área de ciências exatas. Utilizando a formulação fenomenológica de Ginzburg-Landau do fenômeno, pretendemos dar uma contribuição para o aprendizado deste importante tema da física contemporânea que raramente é tratado com a devida profundidade teórica na maioria dos livros de física usualmente adotados nos cursos de engenharia, física e química. A teoria de Ginzburg-Landau é apresentada de forma didática e com um nível de complexidade bastante reduzido, de forma que os complicados conceitos de física quântica e matemática avançada necessários para o estudo completo do fenômeno são deixados de lado, mas sem perder a profundidade do tema. Três das principais características dos materiais supercondutores são obtidas de maneira relativamente simples, sendo elas: 1 - O efeito Meissner-Ochsenfeld, ao qual está associado o comprimento de penetração; 2 - A densidade de elétrons supercondutores dentro do material, ao qual está associado o comprimento de coerência e 3 - A existência de um campo magnético crítico capaz de destruir a supercondutividade. Este texto é uma alternativa para se ensinar a supercondutividade com um certo rigor matemático mas de fácil compreensão a estudantes dos primeiros anos de graduação.

supercondutividade; teoria de Ginzburg-Landau


This article is a proposal for teaching the superconductivity for undergraduate students in sciences. Using the phenomenological formulation of Ginzburg-Landau, we intend to contribute to the learning of this important topic in contemporary physics which is rarely treated in the most theoretical physics books usually adopted in engineering courses, physics and chemistry. The Ginzburg-Landau theory is presented here in a didactic manner and with a greatly reduced level of complexity, so that the complicated concepts of quantum physics and advanced mathematics required for the complete study of the phenomenon are left aside, but without losing its importance. Three of the main features of superconducting materials are obtained in a relatively simple way, namely: 1 - The Meissner-Ochsenfeld effect, which is associated with the length of penetration 2 - The density of superconducting electrons within the material and the concept of coherence length and 3 - The existence of a critical magnetic field suficient to destroy the superconductivity effect. This text is an alternative to teaching superconductivity with some mathematical rigour but easily understandable to students of the first years of the undergraduate course.

superconductivity; Ginzburg-Landau theory.


ARTIGOS GERAIS

100 anos de supercondutividade e a teoria de Ginzburg-Landau

100 years of superconductivity and the Ginzburg-Landau theory

S.H. Pereira1 1 E-mail: shpereira@gmail.com. ; Marcelo G. Félix

Universidade Federal de Itajubá, Campus Itabira, Itabira, MG, Brasil

RESUMO

Este artigo é uma proposta de ensino de supercondutividade para estudantes de nível de graduação na área de ciências exatas. Utilizando a formulação fenomenológica de Ginzburg-Landau do fenômeno, pretendemos dar uma contribuição para o aprendizado deste importante tema da física contemporânea que raramente é tratado com a devida profundidade teórica na maioria dos livros de física usualmente adotados nos cursos de engenharia, física e química. A teoria de Ginzburg-Landau é apresentada de forma didática e com um nível de complexidade bastante reduzido, de forma que os complicados conceitos de física quântica e matemática avançada necessários para o estudo completo do fenômeno são deixados de lado, mas sem perder a profundidade do tema. Três das principais características dos materiais supercondutores são obtidas de maneira relativamente simples, sendo elas: 1 - O efeito Meissner-Ochsenfeld, ao qual está associado o comprimento de penetração; 2 - A densidade de elétrons supercondutores dentro do material, ao qual está associado o comprimento de coerência e 3 - A existência de um campo magnético crítico capaz de destruir a supercondutividade. Este texto é uma alternativa para se ensinar a supercondutividade com um certo rigor matemático mas de fácil compreensão a estudantes dos primeiros anos de graduação.

Palavras-chave: supercondutividade, teoria de Ginzburg-Landau.

ABSTRACT

This article is a proposal for teaching the superconductivity for undergraduate students in sciences. Using the phenomenological formulation of Ginzburg-Landau, we intend to contribute to the learning of this important topic in contemporary physics which is rarely treated in the most theoretical physics books usually adopted in engineering courses, physics and chemistry. The Ginzburg-Landau theory is presented here in a didactic manner and with a greatly reduced level of complexity, so that the complicated concepts of quantum physics and advanced mathematics required for the complete study of the phenomenon are left aside, but without losing its importance. Three of the main features of superconducting materials are obtained in a relatively simple way, namely: 1 - The Meissner-Ochsenfeld effect, which is associated with the length of penetration 2 - The density of superconducting electrons within the material and the concept of coherence length and 3 - The existence of a critical magnetic field suficient to destroy the superconductivity effect. This text is an alternative to teaching superconductivity with some mathematical rigour but easily understandable to students of the first years of the undergraduate course.

Keywords: superconductivity, Ginzburg-Landau theory.

1. Introdução

Em 2011 a supercondutividade completou exatos 100 anos desde seu descobrimento. Este trabalho vem como um esforço no sentido de levar aos estudantes de nível superior das diversas áreas de ciências exatas a discussão teórica desse importante fenômeno físico. A supercondutividade é um tópico de física contemporânea de relativa complexidade na sua formulação teórica e matemática, baseada em conceitos específicos de física quântica, e que exige laboratórios avançados para estudar o fenômeno do ponto de vista experimental. Talvez por isso o tema não seja abordado muito frequentemente nem com a devida profundidade nas disciplinas de física dos cursos de física, química ou engenharia da grande maioria das universidades brasileiras. Prova disso é que os tradicionais livros adotados para as disciplinas de física 4 ou física moderna por exemplo, geralmente vistas no quarto ou quinto semestre de curso, tratam o fenômeno muito superficialmente, como é o caso dos livros de Tipler e Mosca [I] e Tipler e Llewellyn [2], ou nem mesmo citam o fenômeno, como os livros de Serway e Jewett [3] e Halliday e cols. [4].

Nosso objetivo é mostrar que existe uma maneira relativamente direta de introduzir o problema da supercondutividade e obter suas principais características, sem recair nas complicações da formulação quântica e sem a necessidade de matemática avançada. Percebemos que na descrição adotada aqui, que é a formulação de Ginzburg-Landau, é possível entender e descrever o fenômeno de forma satisfatória, não apenas do ponto de vista qualitativo como encontramos em muitos livros, mas também do ponto de vista quantitativo, para permitir ao aluno um contato mais profundo com a teoria envolvida. Esperamos que este texto sirva de base para o professor que queira abordar o tema da supercondutividade com uma certa profundidade, deduzindo matematicamente propriedades importantes do fenômeno, dando assim uma base teórica razoável ao aluno que quiser seguir com uma pesquisa na área. Os únicos pré-requisitos necessários para se compreender este desenvolvimento é o aluno já ter cursado uma disciplina de eletromagnetismo básico, incluindo as equações de Maxwell do eletromagnetismo na sua formulação diferencial, e já ter concluído uma disciplina de cálculo diferencial e integral, com ênfase em equações diferenciais. Portanto, esse texto pode ser tratado no quarto ou quinto período dos cursos de física, química e engenharia.

A teoria de Ginzburg-Landau da supercondutividade é considerada uma teoria fenomenológica, no sentido de que precisamos definir e "aceitar" algumas quantidades e tomá-las como ponto de partida para seguir com os cálculos. Embora não possamos justificá-la de primeiros princípios neste nível, ela fornece resultados surpreendentes para descrever o fenômeno. Nas palavras de M. Tinkham, autor de um excelente livro sobre supercondutividade [9], "a teoria de GinzburgLandau, da forma como foi originalmente proposta, foi um triunfo da intuição física", e é esse sentimento que queremos passar para o leitor.

Para o aluno interessado que queira se aprofundar mais no assunto, alguns textos mais avançados que tratam do fenômeno da supercondutividade são, além do citado acima, os livros de Rose-Innes e Rhoderick [5] e Cyrot e Pavuna [6]. Além desses, os livros de termodinâmica do Callen [7] e de física estatística de Salinas [8] também introduzem a teoria de Ginzburg-Landau, que é bem mais geral do que o caso aqui estudado. Desse ponto de vista, para um aluno mais avançado, este artigo também pode servir de base a uma contraposição da teoria fenomenológica de Ginzburg-Landau com a teoria microscópica que descreve o fenômeno do ponto de vista da mecânica quântica, conhecida como Teoria BCS, que será brevemente apresentada na próxima seção.

Na primeira seção apresentamos um breve desenvolvimento histórico do estudo do fenômeno da super-condutividade e suas três principais características. Na seção II apresentamos a formulação fenomenológica da teoria de Ginzburg-Landau, definindo a energia livre de Ginzburg-Landau, de onde seguem todas as deduções posteriores. Na seção III deduzimos a primeira e talvez mais importante característica da supercondutividade, que é o efeito Meissner-Ochsenfeld e o significado do comprimento de penetração. Terminamos a seção com uma estimativa para o comprimento de penetração. Na seção IV deduzimos outro importante parâmetro da teoria da supercondutividade, que é o comprimento de coerência, associado à densidade de elétrons supercondutores dentro do material, e também finalizamos com uma estimativa para este parâmetro. Na seção mostramos como a teoria de Ginzburg-Landau prevê corretamente a existência de um campo magnético crítico capaz de destruir o estado supercondutor, finalizando com uma estimativa para o valor deste campo crítico. Na última seção apresentamos nossas conclusões. Adicionamos vários comentários nas notas de rodapé para auxiliar o professor em tópicos que podem ser explorados um pouco mais a fundo, dependendo do desenvolvimento dos alunos. Estas notas podem ser omitidas pelos alunos em uma primeira leitura.

2. 100 anos de supercondutividade

A supercondutividade2 2 Os excelentes artigos de Fernanda Ostermann e cols. [10] e Branício [11] apresentam uma ótima introdução histórica e importantes aplicações tecnológicas dos supercondutores. Incluímos aqui esta seção apenas por completeza, mas recomendamos a leitura daqueles textos para outros detalhes. foi descoberta em 1911 pelo físico holandês Heike Kamerlingh-Onnes, que foi o primeiro a observar que uma amostra de mercúrio perde de forma abrupta sua resistividade elétrica quando resfriado abaixo de 4,2 Kelvin (K) ou-268,8 ºCelsius (ºC). Trata-se de uma temperatura muito baixa, próxima do zero absoluto, que é quando toda e qualquer agitação térmica sessa por completo em um material. A temperatura na qual o material passa do estado normal para o estado supercondutor é conhecida como temperatura crítica Tc, e é diferente para diferentes materiais.

Temperaturas tão baixas só foram possíveis de serem alcançadas graças à liquefação do hélio obtida pela primeira vez em 1908. Em 1911 Kamerlingh-Onnes observou a supercondutividade no mercúrio. Depois disso observou-se o fenômeno em vários outros materiais. Alguns exemplos são (entre parênteses está a temperatura crítica correspondente): cádmio (0,52 K), alumínio (1,18 K), titânio (2,38 K), estanho (3,72 K), chumbo (7,20 K), nióbio (9,25 K) e algumas ligas, como o Nb3Sn (18,1 K), Rb3C60 (29,0 K), etc. Recentemente foram descobertos vários compostos que apresentam temperatura crítica bastante elevada, conhecidos como supercondutores de alta temperatura,3 3 Uma extensa lista de alguns compostos cerâmicos que são supercondutores de alta temperatura é apresentada no excelente artigo de Rocha e Ftaquelli [14], publicado por esta revista e que propõe um roteiro para a demonstração da supercondutividade no composto Y-Ba-Cu-O, inclusive com a apresentação do processo de fabricação e tratamento térmico de uma amostra deste material. como é o caso do composto Y-Ba-Cu-O com temperatura crítica de 93 K, descoberto pelos físicos M.K. Wu e P. Chu em 1987 [12] e em 1993 o composto Hg-Ca-Ba-Cu-O foi descoberto com uma temperatura crítica de cerca de 153 K por C.W. Chu e colaboradores [13].

A descoberta desses compostos cerâmicos que são supercondutores de alta temperatura trouxe de volta o interesse pela supercondutividade, já que temperaturas críticas mais elevadas significam processos mais baratos para obtê-Ias, tornando viável sua exploração comercial. O nitrogênio por exemplo se liquefaz a 77 K, sendo muito mais barato e mais fácil de obter do que o hélio líquido.

A perda da resistividade elétrica de um material tem diversas aplicações tecnológicas interessantes, como por exemplo a possibilidade de conduzir eletricidade por longas distâncias sem perda de energia por meio do efeito joule. A construção de trens de levitação magnética também se baseiam no princípio da supercondutividade, já que com ela é possível obter elevados campos magnéticos. Também podemos citar aplicações medicinais importantes, como a ressonância nuclear magnética e a construção de dispositivos eletrônicos conhecidos como SQUID (Dispositivo Supercondutor de Interferência Quântica), usados para medir campos magnéticos extremamente baixos, como os produzidos pelo coração e o cérebro. 'Tudo isso justifica o interesse no estudo das propriedades dos supercondutores.

Além da perda da resistividade elétrica, um material supercondutor apresenta outras propriedades interessantes. Uma delas foi descoberta em 1933 pelos físicos W. Meissner e R. Ochsenfeld, que é a propriedade de um material supercondutor excluir o campo magnético do seu interior quando ele é submetido a um campo magnético externo, tal como aconteceria com um material diamagnético perfeito. Este efeito ficou conhecido como efeito Meissner-Ochsenfeld. Outra propriedade interessante é que um campo magnético externo muito intenso pode destruir a supercondutividade de um material. Se o campo magnético externo for aumentado acima de um valor crítico, a supercondutividade desaparece, independente da temperatura em que esteja o material. Essas e outras propriedades dos supercondutores despertaram muito interesse nos pesquisadores para tentar entender as causas e a verdadeira descrição do fenômeno.

Do ponto de vista teórico, a primeira formulação que foi capaz de explicar o efeito Meissner-Ochsenfeld foi proposta em 1935 pelos irmão F. eH. London [15], tomando como base as equações de Maxwell do eletromagnetismo e fazendo-se algumas suposições adicionais. Trata-se de um modelo clássico para descrever a ausência de campo magnético no interior de um material supercondutor na presença de um campo externo, e ficou conhecido como teoria de London. Mas a supercondutividade deve existir mesmo na ausência de campo magnético externo, portanto a teoria de London falha ao tentar explicar o estado supercondutor quando não há campo magnético presente. Foi então que apareceu uma teoria fenomenológica, baseada em observações experimentais e algumas suposições que não podiam ser demonstradas de primeiros princípios na época, mas que descreve de forma brilhante todas essas propriedades apresentadas até aqui dos supercondutores. É a teoria de Ginzburg-Landau da supercondutividade, formulada em 1950 pelos físicos L.D. Landau e .L. Ginzburg [16]. Trata-se de uma adaptação da antiga teoria de Landau para as transições de fase de segunda ordem. Esta teoria teve muito êxito ao explicar várias propriedades fundamentais da supercondutividade, mas por tratar-se de uma teoria fenomenológica ela recebeu uma atenção bastante limitada quando foi proposta. A situação mudou em 1959, quando L.P. Gor'kov [17] demonstrou de forma rigorosa que a expansão de Ginzburg-Landau pode ser obtida como um caso limite de uma teoria microscópica (baseada na mecânica quântica) na região crítica. O caráter fenomenológico da teoria então deixou de ser um grande problema para sua aceitação. Uma teoria mais fundamental, capaz de descrever a supercondutividade desde primeiros princípios, veio logo em 1957, quando J. Bardeen, L.N. Cooper e J.R. Schrieffer [18] trataram a supercondutividade como um fenômeno puramente quântico, obtendo-se assim uma descrição completa do fenômeno e explicando sua origem microscópica, que ficou conhecida como teoria BCS da supercondutividade. É uma teoria de elevada complexidade matemática, exigindo o conhecimento de física quântica e não é nosso objetivo explorá-la aqui.

3. Formulação fenomenológica da teoria de Ginzburg-Landau - energia livre

Como já foi dito, a teoria de Ginzburg-Landau é considerada uma teoria fenomenológica, já que precisamos partir de alguns pressupostos para desenvolver suas implicações e então chegarmos ao entendimento do fenômeno da supercondutividade a partir destes pressupostos. Significa que algumas quantidades precisam ser "aceitas" sem uma justificativa prévia e alguns parâmetros só podem ser quantificados quando confrontados com a experiência.4 4 Estas quantidades e estes parâmetros só podem ser deduzidos de primeiros princípios quando se estuda a formulação quântica do problema, portanto são inerentes à teoria BCS.

Na formulação de Ginzburg-Landau da supercondutividade, todas as características e propriedades do fenômeno seguem da função termodinâmica chamada densidade de energia livre,5 5 Em termodinâmica, a energia livre de Helrnholtz é representada por F, mas estamos falando de uma energia por unidade de volume, ou seja, uma densidade, ƒ = F/V. que é representada por

Como o próprio nome já diz, esta é uma forma de representar a energia do sistema, e no nosso caso trata-se de um sistema (ou material) supercondutor. Vamos explicar o que significa cada termo dessa expressão.

O primeiro termo, ƒn, é a energia livre do estado normal, ou seja, quando não há supercondutividade. A função , (r) é o nosso principal objeto de estudo. Ela é a funçâo6 6 Do ponto de vista da mecânica quântica, é a função de onda que representa o estado supercondutor, podendo inclusive ser um função complexa, já que a quantidade que tem significado físico é | | 2 ≡ . Não perdemos nenhuma informação se pensamos como sendo uma simples função que depende da coordenada r. que está relacionada à quantidade de elétrons supercondutores do material (ou superelétrons), e esta relação se dá por meio da densidade de elétrons supercondutores.

Vemos que, quanto maior maior será a densidade de elétrons supercondutores e consequentemente maior o efeito da supercondutividade, e vemos também que esta função depende da posição, já que na superfície do material a supercondutividade deve se anular e ser máxima em seu interior por exemplo. A função também deve satisfazer às seguintes condições:

• É zero se o material estiver a uma temperatura acima da temperatura crítica = 0 se T > Tc), pois neste caso não existe a supercondutividade;

• É diferente de zero somente quando a temperatura for menor que a temperatura crítica ≠ 0 se T < Tc), pois é somente neste caso que a supercondutividade se desenvolve.

Portanto, se é diferente de zero, a energia livre ƒ (que representa o estado supercondutor) muda drasticamente com a presença dos termos proporcionais a .

No caso de haver um campo magnético externo H agindo sobre o material (necessário para observarmos o efeito Meissner-Ochsenfeld), sua contribuição à energia livre está presente através do último termo, que contém a energia magnética µ0H2/2. Já a reação do material a esse campo magnético externo dá-se através do potencial vetor eletromagnético7 7 Uma outra formulação do eletromagnetismo A é através do potencial vetor eletromagnético A e do potencial escalar Φ, de tal forma que os campos elétrico e magnético relacionam-se a estas quantidades por E = - ∇ Φ -∂ A/∂ t e B = ∇ X A. A presente no quarto termo da expressão, onde B = X A é o campo magnético induzido dentro do material.8 8 Dentro do material o campo magnético B está relacionado a H através de B = µ 0 ( H + M), onde M é a magnetização do material. Quando M = - H o material apresenta a propriedade de diamagnetismo perfeito, e é isso que ocorre no interior de um supercondutor para anular completamente B. Vemos claramente que se = 0 a energia do sistema é simplesmente a energia do estado normal ƒn, somado à energia magnética µ0H2/2

Os coeficientes α: e β são parâmetros fenomenológicos que dependem da temperatura e só podem ser completamente determinados quando confrontamos a teoria com a experiência nesta formulação.9 9 Estes parâmetros seguem naturalmente da teoria BCS. A massa e a carga elétrica dos superelétrons são dadas por10 10 Segundo a teoria BCS, os superelétrons são formados por pares de Cooper de dois elétrons, por isso a massa e a carga são duplicadas.

As demais constantes, e i, são a constante de Planck e o número complexo i = √-1.

A expressão (1) é a quantidade principal da discussão que segue, e é o ponto de partida para todos os cálculos que seguem na teoria de Ginzburg-Landau da supercondutividade. Como já dissemos, devemos aceitá-la como uma teoria fenomenológica, sem justificar sua origem. Veremos que as propriedades obtidas com ela são surpreendentes e descrevem de forma muito satisfatória as principais características dos supercondutores.

4. Teoria de London para o efeito Meissner-Ochsenfeld - comprimento de penetração

Como já dissemos anteriormente, uma propriedade fundamental dos materiais supercondutores, e talvez a mais importante, é a ocorrência do chamado efeito Meissner-Ochsenfeld, que é a expulsão das linhas de campo magnético do interior da amostra de material supercondutor quando este encontra-se na presença de um campo magnético externo. Este fenômeno foi descrito quantitativamente pela primeira vez pelos irmãos F. London e H. London em 1935 através de uma formulação clássica que envolve apenas algumas suposições com relação aos elétrons responsáveis pelo efeito da supercondutividade e o uso das equações de Maxwell do eletromagnetismo com algumas pequenas modificações, por exemplo que a lei de Ohm não é satisfeita pelos elétrons supercondutores. Esse desenvolvimento puramente clássico está muito bem descrito no artigo de Ostermann e colaboradores [10] e vamos repeti-lo aqui, porém agora partindo da formulação semiclássica de Ginzburg-Landau.

Usando a energia livre de Ginzburg-Landau (1), a corrente dos elétrons supercondutores é dada através de uma derivada funcional de ƒ com relação ao potencial A derivada deve agir apenas no quarto termo, que vetor eletromagnético A, ou seja11 11 Em matemática avançada, é mais comum a notação δ (ao invés de d) para representar a variação de uma função com relação a outra função. Isto recebe o nome de derivada funcional, e o sinal negativo da corrente vem de uma definição da teoria de campos.

A derivada deve agir apenas no quarto termo, que contém A explicitamente.12 12 Ao agir no último termo, que contém B = µ 0 H = ∇ X A (vide nota de rodapé número 5), a derivada se anula devido a uma propriedade do rotacional. Para fazer esta derivada, escrevemos

Dessa forma, a definição (4) nos dá

Para continuarmos, suponha que exista um campo magnético no interior do material, relacionado ao potencial vetor A através de B = X A, mas que não exista variação da função com a posição dentro do material, ou seja, = 0, o que é razoável, visto que no interior do material esta função deve alcançar um valor máximo, max, aproximadamente constante. Isto acontece, por exemplo, quando a amostra está bem abaixo de sua temperatura crítica e a supercondutividade em seu interior é máxima. Com essas duas suposições a Eq. (5) se reduz a

onde usamos a definição da densidade de superelétrons (Eq. (2)). Tomando o rotacional dos dois lados desta equação obtemos13 13 Estamos considerando que é constante, portanto ns também não varia com r e ∇ X ns = 0.

e usando a lei de Ampere do eletromagnetismo, x B = µ0J, obtemos, após uma manipulação simples

conhecida como 2ª equação de London (a 1ª a equação de London aparece apenas na formulação clássica, com a suposição de que os elétrons supercondutores não obedecem à lei de Ohm usual, porém devem satisfazer outra equação, que é exatamente a 1ª equação de London, mas que não necessitamos nesta formulação de Ginzburg-Landau). Agora fazemos uso da identidade vetorial X X B = - 2B + ( · B) e da lei de Gauss do magnetismo, . B = 0, que expressa a ausência de monopolos magnéticos, e obtemos então

onde definimos o parâmetro

Para entendermos o significado desse parâmetro, vamos estudar a Eq. (8) no caso unidimensional,

cuja solução é simplesmente

Esta solução mostra que o campo magnético é atenuado no interior do material supercondutor, e o comprimento característico dessa atenuação é representado pelo parâmetro λL, que é conhecido como comprimento de penetração. Sendo assim, um campo magnético externo de amplitude Bo decai exponencialmente à medida que penetra na amostra supercondutora. Isto explica de maneira satisfatória a exclusão das linhas de campo magnético no interior do material supercondutor, que é o efeito Meissner-Ochsenfeld. A Fig. 1 ilustra esse comportamento.


Fora do material o campo magnético é o campo H. Dentro do material ele decai exponencialmente de um valor Bo até desaparecer por completo.

Por fim, vamos fazer uma estimativa do tamanho do comprimento de penetração λL. Usando (3) com a massa do elétron me = 9, 109 × 1031 kg e a carga e = 1, 602×10-19 C, tomando µ0 = 1, 257×10-6 H/m para a permeabilidade magnética e estimando uma densidade ns = 1, 6 × 1030m-3 de um superelétron para cada 100 átomos,14 obtemos λL ≈ 300 × 10-10 m, que corresponde a um comprimento de 300 Angstrom, ou seja, o campo atenua abruptamente depois de penetrar cerca de 300 átomos da amostra. Para um supercondutor típico,15 15 Veja a p. 11 da Ref. [9]. a estimativa quântica da teoria BCS leva a um valor de λL que é de cerca de 500 Angstrom, mostrando que nossa estimativa está em bom acordo.

5. Densidade de eletrons supercondutores - comprimento de coerência

Uma outra quantidade tem a propriedade de caracterizar o efeito supercondutor mesmo na ausência de campo magnético externo, e esta quantidade é conhecida como comprimento de coerência, que segue de uma equação que descreve o comportamento dos elétrons supercondutores dentro da amostra supercondutora.

Como já foi dito antes, a densidade de superelétrons é representada pela quantidade ns(r) = |(r)|2, e é ela que nos diz quantos superelétrons existem para provocar a supercondutividade. Desta forma, precisamos determinar qual a forma da função ns(r), ou equivalentemente (r).

Nosso ponto de partida é a minimização da energia livre de Ginzburg-Landau com relação à função , ou seja16 16 Novamente fazemos uso da notação de derivada funcional. Vide nota de rodapé 7.

Fazendo esta operação na Eq. (1) para a energia livre, obtemos a equação diferencial de Ginzburg- Landau,

que é a equação que vai nos fornecer a forma da função (r), ou ns(r). Portanto, minimizar a energia livre de Ginzburg-Landau é a forma de se obter a equação que vai fornecer a função que descreve o estado supercondutor.

Essa é uma equação diferencial parcial não linear, e sua solução em 3 dimensões espaciais requer o conhecimento de algumas condições de contorno a serem satisfeitas na superfície do material e no seu interior. Na superf ície do material queremos que a supercondutividade se anule, ou seja = 0. A outra condição de contorno de que precisamos é a de que, na parte mais interna do material supercondutor, a função adquira um valor máximo max praticamente constante na ausência de campos magnéticos que possam interferir no efeito supercondutor (por isso fazemos A = 0). Esta é uma condição razoável, visto que quando o número máximo de elétrons do material contribuírem para a supercondutividade teremos um max. Se este valor é constante não há variações espaciais de (significa que, no interior do material, max = 0). Aplicando estas condições de contorno, a Eq. (13) fornece a seguinte relação:

ou

de forma que devemos ter α < 0 e β> 0 para que a norma seja positiva.17 17 Embora a condição a > 0 e B < 0 também satisfaça aquela condição, a teoria das transições de fases de segunda ordem em termo-dinâmica proíbe esta condição, visto que neste caso não haveria a existência de um mínimo local da função (ou de mínima energia), que é o que caracteriza o estado supercondutor.

Agora que estabelecemos as condições de contorno, vamos prosseguir. Para nossos propósitos, que é entender a forma e o comportamento da função que descreve os superelétrons dentro do material, é suficiente tratarmos apenas a equação unidimensional e tomar a função como sendo uma função real (lembre-se que no caso geral ela pode ser uma função complexa). Também é conveniente introduzirmos aqui uma função normalizada18 18 O procedimento de normalização é muito útil quando não sabemos os valores numéricos do problema que estamos tratando, permitindo que estes valores quem restritos ao intervalo 0 (mínimo) e 1 (máximo). Desta forma temos um padrão de referência para fazer estimativas.

de forma que |ΦN|2 < 1, ou seja, o valor máximo assumido por ΦN é igual a 1 no interior do material, e será mínimo (igual a 0) na sua superfície. Agora voltamos à Eq. (13) com o objetivo de resolvê-la em todo o espaço (como já dissemos, vamos considerar apenas o caso unidimensional por simplicidade) com as condições de contorno discutidas anteriormente.

Para continuarmos, vamos supor agora que nosso material supercondutor não está imerso em um campo magnético externo (lembre-se que a supercondutividade deve existir mesmo na ausência de campo externo), mas que existem variações espaciais de

, desde que satisfaça à condição (14) no interior do material. Em uma dimensão, a Eq. (13) fica

Agora, a fim de obtermos uma equação para a função normalizada ΦN, dividimos esta equação por 3 max e usamos a condição de contorno da Eq. (14) para obtermos a equação diferencial satisfeita por ΦN(x),

onde introduzimos, por conveniência, o parâmetro

lembrando que α < 0. Esta equação diferencial tem uma solução exata da forma

que se anula em x = 0 e tende a 1 quando x é muito grande, como queremos, já que a supercondutividade deve se anular na parede do material e ter um valor máximo (normalizado) no seu interior.

No entanto esta forma de ΦN não é muito útil para entendermos o significado do parâmetro ξ. Por isso, vamos retomar a Eq. (17) e escrever a função normalizada ΦN na seguinte forma,

de maneira que g(x) vai dizer o quanto a função normalizada está longe de 1 (seu valor máximo no interior do material), ou equivalentemente, o quanto difere do valor máximo max. A Eq. (17) fica então

Agora vamos supor que g(x) << 1, ou seja, ΦN não difere muito da unidade (lembre-se que, de acordo com a Eq. (15), ΦN foi normalizada e seu valor máximo é 1), de forma que podemos reter apenas os termos lineares em g na equação, obtendo assim

que é a equação satisfeita por g(x) . Esta equação tem uma solução muito simples na região positiva de x, do tipo

e agora fica claro que o parâmetro ξ faz o papel de um comprimento característico que determina o quanto g(x) aproxima-se de zero bem no interior do material (que equivale a x muito grande), ou o quanto ΦN difere de 1, seu valor máximo. A Fig. 2 mostra o comportamento de g(x) dentro do material supercondutor. ξ é conhecido como comprimento de coerência, e caracteriza a variação de ΦN no interior do material, ou em outras palavras, lembrando da Eq. (15), o quanto = maxΦN difere de seu valor máximo max. ´E importante ressaltar que a solução (23) foi obtida no limite de g(x) << 1, portanto ela não vale para a região x próximo de zero. Se esquecermos disso por um instante, vemos que no limite de x → 0 temos g → 1 e ΦN → 0, como esperado. De fato, quando usamos a solução exata (19), este comportamento também se repete.


Agora voltemos à definição da densidade de elétrons supercondutores (2). Usando a Eq. (15) e a solução exata (19), obtemos

que caracteriza a variação da quantidade de superel étrons dentro do material supercondutor. O comportamento desta função está representado na Fig. 3.


Na parede (x = 0) e na parte externa (x < 0) do material a densidade é nula por definição, ou seja, não há efeito supercondutor. Dentro do material (x > 0) a densidade aumenta abruptamente para o valor máximo 2max de acordo com a Eq. (24), com um comprimento característico dado pelo comprimento de coerência ξ. Como a densidade de superelétrons aumenta, a supercondutividade se desenvolve. Esta é a maneira matematicamente correta de entendermos o aparecimento do efeito supercondutor.

Se quisermos fazer uma estimativa do valor do comprimento de penetração ξ, dado pela Eq. (18), precisamos do valor do parâmetro fenomenológico α, que como já dissemos antes, depende das propriedades intrínsecas do material e também da temperatura. Seu valor fica bem determinado apenas no tratamento quântico da teoria BCS. Olhando a expressão (1) da energia livre de Ginzburg-Landau, percebemos que α deve ter dimens ão de energia por partícula19 19 Lembre-se que f tem dimensão de densidade de energia, e | | 2 tem dimensão de densidade de partículas, ou partículas por volume. Sendo assim, deve ter dimensão de energia por partícula. e deve ser negativo. A relação entre energia e temperatura é dada através da constante de Boltzmann kB = 1, 38 × 10-23 J/K por meio da relação E = kBT. Se adotarmos esta relação para a energia por partícula em um material e que apenas 1 em cada 100 partículas contribui com um elétron supercondutor (como fizemos na estimativa do parâmetro de penetração anteriormente), para uma temperatura típica de 1 K do estado supercondutor a energia estimada pela relação anterior por partícula supercondutora é de 1, 38×10-25 J. Adotando este valor para o módulo do parâmetro α, substituindo na Eq. (18) e usando = 1, 054 × 10-34 J.s para a constante de Planck, obtemos ξ = 148, 6 × 10-9 m, que equivale a 1486 Angstrom, ou seja, o comprimento correspondente a pouco mais de mil átomos. De fato, para um supercondutor típico, a estimativa para o comprimento de penetração é de cerca de 3.000 Angstrom.20 20 Veja a p. 11 da Ref. [9]. Isto mostra que nossa estimativa é razoável.

6. Campo críticoHc

Agora que já estudamos duas das principais propriedades dos materiais supercondutores, vamos deduzir mais uma característica importante, que é a existência de um campo magnético crítico capaz de destruir a supercondutividade.

Vamos voltar à definição da energia livre (1). Da forma como está escrita, parece que a energia livre do estado supercondutor é maior que a do estado normal. Mas isso não é verdade, visto que obtivemos da Eq. (14) que α deve ser negativo e β positivo. Analisando a expressão da energia livre (1) na ausência de campo magnético e no limite em que a supercondutividade é máxima, = max, obtemos

onde usamos a Eq. (14). Isso mostra claramente que na ausência de campo magnético externo a energia do estado supercondutor deve ser menor que a do estado normal, o que está de acordo com nosso ponto de partida que foi a minimização da energia para obter o estado supercondutor. Agora vamos supor que o campo magnético externo H está sendo aumentado gradativamente. Devido ao efeito Meissner-Ochsenfeld, o campo magnético B no interior do material é sempre nulo, portanto a contribuição à energia livre devido ao termo contendo o potencial vetor A também é nula. Assim, com o campo externo, a energia livre fica

e podemos ver que em algum momento, com o aumento de H, a energia do estado supercondutor ficará maior que a do estado normal, destruindo o efeito da supercondutividade. Isto acontecerá quando o módulo do campo magnético H alcançar um valor crítico dado por

Vemos, portanto, que existem duas maneiras de destruir a supercondutividade de um material. A primeira é aumentando a temperatura até que o material fique a uma temperatura acima da temperatura crítica, conforme podemos visualizar no caminho A-B da Fig. 4, que mostra esquematicamente a linha de transição entre a fase supercondutora e a fase normal.


Outra maneira é percorrer o caminho A-C por meio do aumento do campo magnético externo H, mesmo que o material continue abaixo da sua temperatura crítica Tc. A transição entre o estado supercondutor e o estado normal acontece quando o módulo do campo H fica maior que o campo crítico Hc. Esta é outra importante característica dos materiais supercondutores.

Para termos uma estimativa deste campo, vamos considerar o mesmo valor de α usado anteriormente na estimativa do comprimento de coerência, |α| = 1, 38 × 10-25 J, e da densidade de elétrons supercondutores, ns = 1, 6 × 1030 m-3, usada no cálculo do comprimento de penetração. Com a relação (14) podemos estimar o valor de β e substituir na expressão (27) do campo crítico, e obtemos Hc≈ 4, 2 × 105 A/m, que corresponde a um campo magnético B = µ0H de cerca de 0,5 T (Tesla21 21 O campo magnético terrestre é da ordem de 20 X 10- 6 T. ), ou seja, da mesma ordem do campo crítico para o nióbio, que é de cerca de 0,2 T. Vale lembrar que os diferentes materiais supercondutores apresentam campo crítico variados, desde alguns militeslas, como é o caso do gálio (5, 1×10-3T), zinco (5, 3×10-3T), alumínio (10, 5×10-3 T), até cerca de 20 T para o composto Nb3Sn. Nossa estimativa fornece apenas uma ideia da ordem de grandeza do campo crítico baseada no desenvolvimento teórico apresentado.

7. Conclusão

Neste artigo abordamos o tema da supercondutividade de forma didática e construtiva, partindo da formulação de Ginzburg-Landau. Embora considerada uma teoria fundamentalmente fenomenológica no sentido de que não a deduzimos de primeiros princípios, as consequências dessa formulação são evidentes. Ela explica de maneira brilhante pelo menos três das principais características apresentadas pelos materiais supercondutores. Partindo exclusivamente da energia livre de Ginzburg-Landau, tais propriedades seguem naturalmente com algumas manipulações matemáticas e algumas suposições físicas.

A primeira propriedade, conhecida como efeito Meissner-Ochsenfeld, segue da equação da corrente (5) deduzida diretamente da energia livre. Ao efeito Meissner-Ochsenfeld está associado o comprimento de penetração λL, que caracteriza o comprimento característico de atenuação do campo magnético no interior da amostra. O significado e a demonstração da existência desse comprimento característico fica evidente nessa construção.

A segunda propriedade diz respeito ao próprio efeito da supercondutividade, que deve estar associado a uma densidade de elétrons supercondutores. Quanto mais elétrons supercondutores existir no material, maior será o efeito da supercondutividade, e o crescimento dessa densidade de elétrons no interior do material é caracterizado pelo comprimento de coerência ξ, que aparece de maneira natural como parâmetro da solução de uma equação diferencial para a função ϕN que caracteriza a densidade de elétrons supercondutores. Este resultado é o mais importante da formulação de Ginzburg-Landau.

A última propriedade é a previsão de que um campo magnético externo é capaz de destruir o efeito supercondutor quando o campo for suficientemente grande. Isto também segue de maneira natural da formulação de Ginzburg-Landau.

Outro aspecto interessante da formulação de Ginzburg-Landau é que não precisamos saber qual a forma dos parâmetros α e β Estes parâmetros dependem da temperatura e de diversas outras características intrínsecas do material, mas não precisamos desses detalhes para deduzirmos as propriedades aqui apresentadas. Alguns valores para o comprimento de penetração, comprimento de coerência e campo crítico foram estimados para mostrar que a teoria prevê corretamente a ordem de grandeza daquelas quantidades.

Por fim, percebemos que o tema da supercondutividade pode ser tratado de forma relativamente aprofundada nos primeiros semestres dos cursos de graduação em ciências exatas, dando ao estudante uma visão mais quantitativa do fenômeno e da derivação teórica de alguns parâmetros importantes.

Esperamos que este texto sirva de motivação para o estudo desse importante e interessante tema da física contemporânea.

Agradecimentos

SHP agradece ao CNPq -Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo apoio financeiro, proc. num. 477872/2010-7. MGF foi bolsista PIBIC/CNPq -2010 a 2012, e agradece o apoio financeiro.

Recebido em 17/6/2011

Aceito em 19/1/2013

Publicado em 18/3/2013

  • [1] Paul A. Tipler e Gene Mosca, Física para Cientistas e Engenheiros (Editora LTC, São Paulo, 2009), v. 3, 63. ed.
  • [2] Paul A. Tipler e Ralph A. Llewellyn, Física Moderna (Editora LTC, São Paulo, 2001), 3ª. ed.
  • [3] Raymond A. Serway e John W. Jewett Jr., Princípios de Física (Editora Cengage Learning, São Paulo, 2005), v.4.
  • [4] David Halliday, Robert Resnick e Jearl Walker, Fundamentos de Física (Editora LTC, São Paulo, 2009), v. 4, 8ª, ed.
  • [5] Alistair C. Rose-Innes and E.H. Rhoderick, Introduction to Superconductivity (Pergamon, Oxford, 1988).
  • [6] Michel Cyrot and Davor Pavuna, Introduction to Superconductivity and High-Tc Materiais (World Scientifie, Singapore, 1992).
  • [7] Herbert B. Callen, Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics (John Wiley & Sons, New York, 1985), 2º. ed.
  • [8] Sílvio R.A. Salinas, Introdução à Física Estatística (EDUSP, São Paulo, 1997).
  • [9] Michael Tinkham, Introduction to Superconductivity (Dover, New York, 1996), 2º ed.
  • [10] Fernanda Ostermann, Letícia Mendonça Ferreira e Cláudio J.Holanda Cavalcanti, Revista Brasileira de Ensino de Física 20,270(1998).
  • [11] Paulo S. Branício, Revista Brasileira de Ensino de Física 23,381(2001).
  • [12] Maw-Kuen Wu, J.R. Ashburn, C.J. Torng, P.H. Hor, R.L. Meng, L. Gao, Z.J. Huang, Y.Q. Wang and C.W. Chu, Physical Review Letters 58,908(1987).
  • [13[ C.W. Chu, L. Gao, F. Chen, Z.J. Huang, R.L. Meng and Y.Y. Xue, Nature 365,323(1993).
  • [14] Fábio Saraiva da Rocha e Henrique Aita Fraquelli, Revista Brasileira de Ensino de Física 26,11(2004).
  • [15] Fritz London and Heinz London, Proceedings of the Royal Society, A149,711935).
  • [16] Vitaly L. Ginzburg and Lev D. Landau, Zhunal Eksperimentalnoi I Teoreticheskoi Fisiki 20,1064(1950).
  • [17] Lev P. Gor'kov, Zhunal Eksperimentalnoi I Teoreticheskoi Fisiki 36,1918(1959).
  • [18] John Bardeen, Leon N. Cooper and John R. Schrieffer, Physical Review 108,1175(1957).
  • 1
    E-mail:
  • 2
    Os excelentes artigos de Fernanda Ostermann e cols. [10] e Branício [11] apresentam uma ótima introdução histórica e importantes aplicações tecnológicas dos supercondutores. Incluímos aqui esta seção apenas por completeza, mas recomendamos a leitura daqueles textos para outros detalhes.
  • 3
    Uma extensa lista de alguns compostos cerâmicos que são supercondutores de alta temperatura é apresentada no excelente artigo de Rocha e Ftaquelli [14], publicado por esta revista e que propõe um roteiro para a demonstração da supercondutividade no composto Y-Ba-Cu-O, inclusive com a apresentação do processo de fabricação e tratamento térmico de uma amostra deste material.
  • 4
    Estas quantidades e estes parâmetros só podem ser deduzidos de primeiros princípios quando se estuda a formulação quântica do problema, portanto são inerentes à teoria BCS.
  • 5
    Em termodinâmica, a energia livre de Helrnholtz é representada por
    F, mas estamos falando de uma energia por unidade de volume, ou seja, uma densidade,
    ƒ = F/V.
  • 6
    Do ponto de vista da mecânica quântica,
    é a função de onda que representa o estado supercondutor, podendo inclusive ser um função complexa, já que a quantidade que tem significado físico é |
    |
    2
    . Não perdemos nenhuma informação se pensamos
    como sendo uma simples função que depende da coordenada
    r.
  • 7
    Uma outra formulação do eletromagnetismo
    A é através do potencial vetor eletromagnético A e do potencial escalar Φ, de tal forma que os campos elétrico e magnético relacionam-se a estas quantidades por
    E = -
    Φ -∂
    A/∂
    t e
    B =
    X
    A.
  • 8
    Dentro do material o campo magnético
    B está relacionado a
    H através de
    B =
    µ
    0 (
    H +
    M), onde
    M é a magnetização do material. Quando
    M = -
    H o material apresenta a propriedade de diamagnetismo perfeito, e é isso que ocorre no interior de um supercondutor para anular completamente
    B.
  • 9
    Estes parâmetros seguem naturalmente da teoria BCS.
  • 10
    Segundo a teoria BCS, os superelétrons são formados por pares de Cooper de dois elétrons, por isso a massa e a carga são duplicadas.
  • 11
    Em matemática avançada, é mais comum a notação
    δ (ao invés de
    d) para representar a variação de uma função com relação a outra função. Isto recebe o nome de derivada funcional, e o sinal negativo da corrente vem de uma definição da teoria de campos.
  • 12
    Ao agir no último termo, que contém
    B =
    µ
    0
    H =
    X
    A (vide nota de rodapé número 5), a derivada se anula devido a uma propriedade do rotacional.
  • 13
    Estamos considerando que
    é constante, portanto
    ns também não varia com
    r e
    X
    ns = 0.
  • 14
    Um valor razovavel, visto que sabemos que nem todos os eletrons livres disponveis são supercondutores, e cada 50 átomos está fornecendo um eletron para formar o par 2
    me. Para o volume do átomo estamos usando V = (4=3)a3, onde a é o raio de Bohr, a = 5; 3-10
    -11 m.
  • 15
    Veja a p. 11 da Ref. [9].
  • 16
    Novamente fazemos uso da notação de derivada funcional. Vide nota de rodapé 7.
  • 17
    Embora a condição a > 0 e B < 0 também satisfaça aquela condição, a teoria das transições de fases de segunda ordem em termo-dinâmica proíbe esta condição, visto que neste caso não haveria a existência de um mínimo local da função (ou de mínima energia), que é o que caracteriza o estado supercondutor.
  • 18
    O procedimento de normalização é muito útil quando não sabemos os valores numéricos do problema que estamos tratando, permitindo que estes valores quem restritos ao intervalo 0 (mínimo) e 1 (máximo). Desta forma temos um padrão de referência para fazer estimativas.
  • 19
    Lembre-se que f tem dimensão de densidade de energia, e |
    |
    2 tem dimensão de densidade de partículas, ou partículas por volume. Sendo assim, deve ter dimensão de energia por partícula.
  • 20
    Veja a p. 11 da Ref. [9].
  • 21
    O campo magnético terrestre é da ordem de 20 X 10-
    6 T.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      17 Jun 2011
    • Aceito
      19 Jan 2013
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