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O Fenômeno de Transição de Fase no Modelo de Percolação de Elos<A HREF="#nota">*</A> em d Dimensões

Resumos

Este trabalho trata, de maneira rigorosa, auto-contida e acessível a um aluno de graduação em física e áreas afins, do fênomeno de transição de fase num modelo de percolação de elos independentesna rede hipercúbica d-dimensional. Esses modelos são freqüentemente utilizados para descrever situações de interesse físico. O fenômeno da "percolação" ocorre quando encontramos um aglomerado infinito em nossa rede. A mudança que ocorre ao se passar de um estado em que existem somente aglomerados finitos para o estado em que há o surgimento de um aglomerado infinito é o análogo geométrico de uma transição de fase em mecânica estatística. Mostramos que a transiçãode fase ocorre, para redes hipercúbicas em dimensão d > ou = 2, em um ponto bem definido, chamado de ponto crítico, e que podemos associar um parâmetro de ordem a esta transição de fase. Dentreos modelos da Física que apresentam o fenômeno de transição de fase, o modelo de percolação é provavelmente o mais simples. Ao mesmo tempo, ele exemplifica e deixa clara a conexão que muitas vezes encontramos entre áreas da física, da matemática e da probabilidade.


In this paper we study phase transition phenomena in an independent edge percolation model on a d-dimensional hyper-cubic lattice. The subject is treated in a rigorous, self-contained and accessible way for undergraduate students in physics and related areas. These models are often used to describe situations of physical interest. The "percolation phenomena" occur when we find an infinite cluster in the lattice. The change from a state where there are only finite clusters to a state with at least one infinity cluster is the geometric analogous of a phase transition as known in statistical mechanics. We show that the phase transition occurs, for hyper-cubic lattices in dimension d > or = 2, in a well-defined point, known as the critical point. We can associate an order parameter to this phase transition. Among all the physical models that present a phase transition, the percolation model is probably one of the simplest. At the same time, it is a good example of the connection that sometimes we find relating physics, mathematics and probability.


O Fenômeno de Transição de Fase no Modelo de Percolação de Elos* * ou de ligacões (bond percolation), sendo este termo mais comum na literatura em Física. em d Dimensões

Marcelo Martins de Oliveira

Departamento de Física - UFMG mancebo@fisica.ufmg.br

Gastão A. Braga

Departamento de Matemática - UFMGgbraga@mat.ufmg.br

Recebido em 23 de maio, 2002. Aceito 26 de setembro, 2002.

Este trabalho trata, de maneira rigorosa, auto-contida e acessível a um aluno de graduação em física e áreas afins, do fênomeno de transição de fase num modelo de percolação de elos independentesna rede hipercúbica d-dimensional. Esses modelos são freqüentemente utilizados para descrever situações de interesse físico. O fenômeno da "percolação" ocorre quando encontramos um aglomerado infinito em nossa rede. A mudança que ocorre ao se passar de um estado em que existem somente aglomerados finitos para o estado em que há o surgimento de um aglomerado infinito é o análogo geométrico de uma transição de fase em mecânica estatística. Mostramos que a transiçãode fase ocorre, para redes hipercúbicas em dimensão d ³ 2, em um ponto bem definido, chamado de ponto crítico, e que podemos associar um parâmetro de ordem a esta transição de fase. Dentreos modelos da Física que apresentam o fenômeno de transição de fase, o modelo de percolação é provavelmente o mais simples. Ao mesmo tempo, ele exemplifica e deixa clara a conexão que muitas vezes encontramos entre áreas da física, da matemática e da probabilidade.

In this paper we study phase transition phenomena in an independent edge percolation model on a d-dimensional hyper-cubic lattice. The subject is treated in a rigorous, self-contained and accessible way for undergraduate students in physics and related areas. These models are often used to describe situations of physical interest. The "percolation phenomena" occur when we find an infinite cluster in the lattice. The change from a state where there are only finite clusters to a state with at least one infinity cluster is the geometric analogous of a phase transition as known in statistical mechanics. We show that the phase transition occurs, for hyper-cubic lattices in dimension d ³ 2, in a well-defined point, known as the critical point. We can associate an order parameter to this phase transition. Among all the physical models that present a phase transition, the percolation model is probably one of the simplest. At the same time, it is a good example of the connection that sometimes we find relating physics, mathematics and probability.

I Introdução

Todos nós já fomos expostos ao fenômeno de transição de fase. O exemplo mais comum é a transformação, ao se variar a temperatura, da água na fase líquida para a água na fase sólida (gelo), ou para a água na fase gasosa (vapor). Um exemplo menos trivial é a mudança de fase num material magnético. Um ímã, ao ser aquecido a temperaturas muito altas, perde a propriedade de atrair limalhas de ferro, isto é, ao se variar a temperatura, o ímã muda da fase magnética para a fase paramagnética.

O nosso objetivo neste trabalho é apresentar, de maneira acessível a um aluno de graduação em Física, o conceito de transição de fase do ponto de vista matemático. Adotamos o modelo de percolação de elos, a ser definido na próxima seção, por ser matematicamente simples em sua formulação ao mesmo tempo que nos fornece problemas intrigantemente difíceis de solucionar.

Se, por um lado, vários cursos de bacharelado em Física já admitem uma concentração em Física-Matemática, por outro lado, a despeito dos ótimos textos existentes em português [1,2], em nenhum deles há a preocupação em apresentar uma visão rigorosa do assunto. Este texto foi escrito tendo em mente um aluno com o perfil mais teórico, embora ele também possa ser usado por estudantes com outros interesses ou de outras áreas do conhecimento. O texto é auto-contido e pode ser usado como notas de aula em um curso de Física-Estatística, por exemplo.

Este trabalho está assim dividido. Na seção explicamos a idéia por trás do modelo de percolação e fornecemos algumas aplicações do mesmo. Na seção seguinte introduzimos a notação a ser utilizada e fazemos uma breve revisão de probabilidades. Na seção IV definimos a probabilidade de percolação e argumentamos que esta probabilidade deveria funcionar como um parâmetro que indicasse se o sistema está ordenado ou não. As seções V e VI são dedicadas ao estudo da existência ou não de uma transição de fase em uma ou mais dimensões.

II O que é percolação?

Historicamente, o conceito de percolação surge do estudo do fenômeno de transporte de um fluido através de um meio poroso. Por exemplo, o petróleo através de uma rocha, ou a água em um filtro de areia. Formulado no final da década de 50 por Broadbent e Hammersley [3], o modelo de percolação concentra-se em descrever o meio poroso, que será visto como uma rede de canais aleatórios, por onde escoa um fluido determinístico.1 1 Diferentementemente dos modelos de difusão, em que o fluido é aleatório e o meio determinístico. Ver [2]. Modelos de percolação encontram aplicação em várias situações físicas de interesse tais como o problema da mecânica estatística de sistemas ferromagnéticos diluídos [4], no problema do transporte de corrente elétrica através de uma rede composta por um grande número de resistores [5], em problemas de prospecção de petróleo [6] e até mesmo na propagação de epidemias e de incêndios em bosques [7].

Modelemos o meio poroso como um substrato sólido em cujo interior existe um certo número de pequenos canais e poros em pontos escolhidos ao acaso. Se o número de canais for suficientemente grande então eles estarão interligados e o meio se tornará permeável à passagem do fluido. Neste caso dizemos que houve a percolação do fluido.

Podemos reformular o modelo descrito acima a fim de que possamos tratá-lo analiticamente. Comecemos supondo que os canais formem um reticulado no interior do sólido, como uma rede cúbica (veja a Figura 1 para um exemplo bidimensional). Cada sítio da rede então representaria um poro e cada elo representaria um pequeno canal ligando dois sítios vizinhos.


Para simular a passagem do líquido através dos poros, nós diremos que um elo está aberto com probabilidade p e fechado com probabilidade 1 – p, com 0 £ p £ 1. Dessa forma, passamos a imaginar configurações de elos abertos e fechados. Cada configuração ocorre então com uma certa probabilidade, dada por

onde |

A| é o número de elos abertos e |

F| é o número de elos fechados da configuração (veja a

Figura 2). A fórmula acima só tem importância se |

A| e |

F| forem ambos finitos pois, caso contrário, a probabilidade de ocorrência de uma dada configuração será sempre nula.


Na próxima seção vamos generalizar este modelo para d dimensões, formulando-o numa rede hipercúbica d-dimensional. Esta rede é infinita e, por isto, uma configuração sempre terá peso estatístico nulo. Seremos então levados a definir conjuntos de configurações com peso estatístico não nulo. Consideraremos ainda que haverá elos ligando apenas dois sítios vizinhos, de forma que estudaremos a percolação de primeiros vizinhos. Mesmo com uma rede simples observaremos a existência de um fenômeno crítico, caracterizado por uma mudança de fase. A ocorrência de fenômenos críticos é um dos principais motivos do sucesso do modelo de percolação de elos. Neste trabalho, estaremos interessados nos aspectos matemáticos da teoria. Por isto, a nossa exposição se baseia nas referências [4,8,10]. Uma exposição introdutória em nível de pós-graduação pode ser encontrada em [11].

III Notação e algumas definições iniciais

Desenvolveremos nosso estudo em uma rede hipercúbica d-dimensional, denotada por Ld = (, Ed). Nesta notação, ( representa o conjunto de sítios (ou vértices) e Ed representa o conjunto de elos (ou ligações) da rede. Mais especificamente, (d = {(x1,x2, ¼,xd) : xiÎ (" } e Ed = {(x,y) Î d × d : ||x–y||1 = 1 }, onde ||.||1 é a função distância, definida como ||x–y||1 = = 1|xi–yi|. Em resumo, cada sítio x Î d é indexado por d números inteiros, onde d é a dimensão espacial da rede, enquanto que um elo e Î Ed é indexado por um par de sítios x, y Î d da seguinte forma: e = (x,y) = (y,x). Os sítios x e y são chamados de pontos terminais do elo e. A condição ||x–y||1 = 1 significa que trataremos de um modelo de percolação de primeiros vizinhos (vide Fig. 3).


Atribuímos a cada elo, aleatoriamente, a propriedade aberto ou fechado: ao elo e associamos uma variável e que assumirá os valores 1 (se o elo é aberto) ou 0 (se o elo é fechado). Deste modo, dizemos que cada elo e da rede estará aberto (e = 1) com probabilidade p ou fechado (e = 0) com probabilidade 1 – p, onde 0 £ p £ 1. Além disso, assumimos que o estado de um elo não será afetado por quaisquer outros elos da rede obtendo, assim, o modelo de percolação de elos independentes2 2 De maneira similar, também é possível definir o modelo de percolacão de sítios independentes, em que os sítios da rede são declarados abertos ou fechados, independentes um do outro. . Uma configuração deste modelo pode ser vista como um vetor com um número infinito de componentes, cada componente estando indexada por um elo da rede. Numa linguagem mais formal, uma configuração é um ponto do conjunto W = {0,1 }Ed, conhecido como espaço de configurações.

Um subconjunto de W em que o estado s de um número finito de elos é dado de antemão é chamado de conjunto cilíndrico. Então, um conjunto cilíndrico é da forma C({se1,¼, sen}) = {Î W: ei = sei" i = 1, ¼, n}. Devido à independência entre os elos, podemos facilmente computar a probabilidade de ocorrência do conjunto cilíndrico C({se1,¼, sen}). Seja |AC| o número de elos abertos e |FC| o número de elos fechados de C (equivalentemente, |AC| é igual ao número de s's iguais a 1 e |FC| é igual ao número de s's iguais a 0). Então

Observe que a fórmula acima dá a probabilidade de ocorrência de um conjunto enquanto que a fórmula (1), embora similar, dá a probabilidade de ocorrência de uma configuração.

Um conjunto de elos {e1,e2,¼,en}, ei = (xi,xi+1) será chamado de caminho se os vértices x1,x2,¼,xn+1 forem distintos. Então, um caminho é um conjunto conexo de elos, sem auto interseções (veja Figura 2-b) ou seja, os caminhos não admitem voltas (loops). Se x1 = xn+1 então temos um circuito (veja Figura 2-c). Um caminho é aberto se todos os seus elos são abertos. Dois sítios da rede, x e y, estão conectados (x « y) se existir um caminho aberto {e1,e2,¼,en} tal que x1 = x e yn = y (veja Figura 4-a). Observe que todo caminho aberto define um conjunto cilíndrico.


Em geral, um conjunto para o qual se pode definir um peso estatístico é chamado de evento. Dados dois eventos A, B Î W, temos que

Um subconjunto aleatório de Ld contendo um conjunto de vértices (sítios) de Zd que sejam pontos terminais de elos abertos conexos é chamado de aglomerado aberto. Chamaremos de C(x) o aglomerado aberto contendo o vértice x mas representaremos por C o aglomerado aberto pela origem (veja Figura 4-b). O número de vértices de C(x) será denotado por |C(x)|.

Seja A um conjunto de vértices de Zd. Chamamos de fronteira de A (e denotamos por ¶A) ao conjunto de vértices de A que são adjacentes ao complementar de A.

Trabalharemos sobre uma rede infinita, que, diferentemente da rocha em nosso exemplo inicial, não possui fronteiras. Nesse caso, diremos que ocorreu percolação quando encontrarmos, com probabilidade não nula, um aglomerado de tamanho infinito passando por um ponto pré-fixado. O fato de a rede ser infinita, juntamente com a independência dos elos e a unicidade do parâmetro p (o mesmo p para todos os elos), nos garantirá a invariância translacional na rede. Isso significa que a origem nada tem de especial, isto é, podemos tomar qualquer sítio da nossa rede como a origem, conforme nossa comodidade.

IV O problema da transição de fase em percolação

Definimos como probabilidade de percolação a probabilidade de um dado sítio da rede pertencer a um aglomerado de tamanho infinito. Este evento pode também ser representado por {x«¥} º o sítio x esta conectado ao infinito. Sem perda de generalidade, podemos tomar tal sítio como sendo a origem. Desse modo, definimos

Vamos descrever a seguir, de maneira heurística, o gráfico de q como função de p. Primeiramente, observamos que q(p) é uma função não decrescente de p. De fato, se aumentarmos o valor de p (grosso modo, se "abrirmos mais elos" nas configurações que contribuem para um peso estatístico não nulo), então o evento {0 « ¥} continuará ocorrendo, implicando que q é não decrescente. Examinemos, agora, o comportamento do modelo quando p toma seus valores extremos: quando p = 1, todos os elos da rede estão abertos, de modo que todo sítio está conectado a qualquer outro. Em particular, a origem está conectada a um número infinito de outros sítios com probabilidade 1, ou seja, q(p) = 1; quando p = 0, não há elos abertos. Nenhum sítio está conectado a qualquer outro, e em particular, a origem está conectada a um número finito (neste caso zero) de outros sítios.

Na seção VI vamos mostrar que, em qualquer dimensão espacial d ³ 1, se p » 0 então q(p) = 0. Também vamos mostrar que, se a dimensão espacial d é pelo menos 2 e se p » 1, então q(p) » 1. Então q(p) é similar ao parâmetro de ordem em mecânica estatística e será através desta função que definiremos a probabilidade crítica (ou ponto crítico). Essa mudança no estado da rede, de possuir somente aglomerados finitos para o surgimento de um aglomerado infinito é o análogo geométrico de uma transição de fase, como quando a água passa de líquido para sólido a uma determinada temperatura e pressão. Conjectura-se [8] que o gráfico de q versus p é da forma dada na Figura 5 para d ³ 2. Na próxima seção vamos mostrar que, em uma dimensão, q(p) = 0 para todo 0 £ p < 1, isto é, não há transição de fase em uma dimensão espacial.


V Inexistência de transição de fase em dimensão d = 1

Inicialmente, consideremos o modelo de percolação unidimensional, e os seguintes eventos: { ê C ê= ¥}, { 0 « ¥}, { 0 « n } e { 0 « –n }, onde n Î . Vemos que

Da definição de probabilidade de percolação obtemos

Já a probabilidade da origem estar conectada ao sítio n ou ao sítio –n é facilmente calculada

pois qualquer elo entre 0 e n ou entre 0 e –n tem que estar necessariamente aberto e qualquer outro elo pode estar ou aberto ou fechado. Dessa maneira,

Como n é arbitrário, vemos que a expressão obtida acima vai a zero quando n ® ¥, para p < 1, o que nos leva a concluir que

Logo, não observamos nenhum tipo de transição de fase para d = 1, ou seja, não encontramos (com probabilidade 1) um aglomerado de tamanho infinito no modelo de 1 dimensão. Tal resultado trivial, no entanto, não é válido para modelos de percolação unidimensionais de longo alcance (lembramos que restringimos nosso estudo ao modelos de primeiros vizinhos, que é um modelo de curto alcance).

VI Existência de transição de fase em dimensão d ³ 2

Ao contrário do que mostramos para d = 1, o modelo de percolação em duas ou mais dimensões nos reserva um resultado não trivial3 3 Veja que retirar um ponto (abrir um elo) gera duas componentes conexas em d = 1, mas em d ³ 2 não. . Talvez, usando a sua intuição física, o leitor tenha pensado que aumentando a dimensão da rede (e portanto, o número de ligações por sítio), a percolação passe a ocorrer para p menor que 1, embora ainda não ocorra para valores pequenos de p. E é exatamente isso que ocorre em dimensões a partir de 2. Na verdade existe um valor crítico, pc, que separa essas duas fases. Vamos, então, provar rigorosamente o que discutimos acima:

Proposição 1 Existem valores e , 0 < £ < 1, ambos dependentes da dimensão, tais que:

1. q(p) = 0 para d ³ 1 e para 0 £ p < .

2. q(p) > 0 para d ³ 2 e para

< p < 1.

De acordo com a proposição acima, podemos definir a probabilidade crítica como o supremo de todos os valores de p para os quais q = 0

Como já discutimos, pc é função da dimensão, isto é, pc = pc(d). É evidente que pc = 1 em uma dimensão. Segue da proposição acima que pc(d) é um número estritamente maior que 0 e estritamente menor que 1. Como corolário da proposição , temos o seguinte teorema que resume matematicamente o fenômeno de transição de fase em percolação .

Teorema 1 Existe, para d ³ 2, um valor pc da probabilidade p tal que:

1. 0 < pc < 1.

2. q(p) = 0 se 0 £ p < pc.

3. q(p) > 0 se pc < p £ 1.

Chamaremos de fase subcrítica o intervalo 0 £ p < pc e de fase supercrítica ao intervalo 1 > p > pc. O ponto p = pc é chamado de ponto crítico e o comportamento do sistema na vizinhança deste ponto é bem singular. A função q funciona como um parâmetro de ordem: exceto pelo ponto crítico, se q = 0 estaremos na fase subcrítica e se q > 0 estaremos na fase supercrítica. Embora seja conhecido que q(pc) = 0 em d = 2, não se sabe se o mesmo é verdade para d > 2 (conjectura-se que q(pc) = 0 para d > 2). Veja na Figura 5 um esboço da função q(p).

Prova da primeira parte da proposição 1: Consideremos uma "caixa" hipercúbica, de lado "n", dada por

Então podemos afirmar que o conjunto das configurações nas quais a origem está conectada à fronteira da caixa contém o conjunto das configurações em que a origem se conecta ao infinito

Denotaremos por ê¶Bn ê a área da fronteira da caixa centrada na origem e de lado 2n (isto é, ê¶Bn ê denota o número de sítios que estão na superfície de Bn). Considerando-se apenas caminhos sem voltas, ou seja, passeios aleatórios autoevitáveis (self-avoiding random walks), temos de (4) que

Precisamos agora contar, ou pelo menos estimar, a probabilidade dos caminhos possíveis que ligam a origem à fronteira da "caixa''. O número de caminhos sem loops de comprimento que liga a origem à fronteira da caixa é no máximo ê¶Bn ê 2d(2d – 1) ê

ê –1, pois o primeiro passo do caminho tem 2d possíveis sítios de destino, cada um dos passos seguintes, até atingirmos a fronteira, tem no máximo 2d –1 opções possíveis devido à ausência de loops e, finalmente, podemos alcançar a fronteira de Bn em ê¶Bn ê pontos distintos. Como cada passo, isto é, cada elo aberto, ocorre com probabilidade p, temos, de (5), que

Reescrevemos o segundo membro da desigualdade como

Mas

Então, substituindo (8) em (7), conseguimos uma cota superior para o segundo termo da desigualdade (6)

Na desigualdade anterior, usamos que ê¶Bn ê pode ser cotada superiormente pela área de uma hiperesfera centrada na origem e de raio 2n, i.e., ê¶Bn ê £ Cdnd– 1. Assim, a desigualdade anterior vai a zero quando n ® ¥ se (2d –1)p < 1 . Como o argumento acima vale " n, temos que, se 0 £ p < 1/(2d – 1), então q(p) = 0.

Para provarmos a segunda parte da proposição teremos que usar o seguinte resultado:

Proposição 2 q(p,d) é uma função não-decrescente da dimensão d.

Prova: Podemos construir o modelo de percolação em d dimensões em um hiperplano d-dimensional da rede (d+1)-dimensional contendo a origem. Para tanto, "desligamos" (declaramos fechados) os elos ligando o hiperplano ao resto do espaço. Chamaremos de C¢ ao aglomerado da origem neste modelo (veja a Figura 7). É fácil ver que C¢ Ì C e assim


Prova da segunda parte da proposição 1: Segue da proposição 2 que, para provarmos a segunda afirmação da proposição 1, é suficente prová-la para d = 2. Além disto, como q(p) = 1 - P(|C| < ¥), é suficiente mostrar que existe um valor , estritamente positivo, tal que P(|C| < ¥) < 1 para todo p maior que e estritamente menor que 1.

Utilizaremos a seguir um argumento semelhante ao chamado "argumento de Peierls'' da mecânica estatística [8]. Trabalharemos na rede dual de Z2, = Z2 +(1/2,1/2). Da Figura 8 é fácil ver que podemos associar cada elo da rede Z2 a um elo correspondente na rede dual, em uma relação 1 a 1.


Vamos definir um modelo de percolação na rede dual , baseado no modelo em Z2, declarando os elos ei* da rede dual abertos (com probabilidade p) ou fechados (com probabilidade 1–p) conforme os ei's estejam abertos ou fechados. Notemos que a existência de um circuito g de elos fechados na rede dual ao redor da origem está relacionada com a existência de um aglomerado finito de elos abertos contendo a origem em Z2. Este fato geométrico4 4 uma prova pode ser vista em [9]. , bem intuitivo, é ilustrado na Figura 9.


Portanto, temos que P(|C| < ¥) = P(existe g ' 0 dual), e como 1 = P(|C| < ¥) + P(|C| = ¥), concluimos que P(|C| = ¥) > 0 sempre que P(existe g ' 0 dual) < 1, que é o que passamos a provar. Observamos que

onde a primeira soma se refere a todos os circuitos g de elos fechados na rede dual e ao redor origem. A segunda soma começa de 4 porque este é o menor tamanho de circuito possível, ao redor da origem. A probabilidade dentro do último somatório depende do comprimento n do circuito, e vale (1 – p)n. O número de circuitos de comprimento n na rede dual ao redor da origem é no máximo igual a (n×4×3n –1) pois, a partir de um vértice da rede dual (escolhido sobre o eixo dos y's) temos inicialmente 4 direções para escolher o elo inicial e, a partir desta escolha, temos no máximo 3 escolhas, sendo n o número máximo de possibilidades. Além disso, temos, no máximo n possíveis escolhas do vértice inicial sôbre o eixo dos y's. Dessa forma, obtemos

A expressão do lado esquerdo da desigualdade acima é uma função contínua e decrescente de p para valores de p maiores que , e anula-se quando p = 1. Aplicando o teorema do valor intermediário [12], podemos concluir que existe < 1 tal que a soma acima é estritamente menor que 1 para p > .

Observação Em especial, a prova da proposição 1 nos fornece cotas superiores e inferiores para pc, dependentes da dimensão5 5 Kesten mostrou que pc( d) ~ para dimensões grandes. Veja [9]. , dadas por:

Agradecimentos

Este trabalho é parte de um projeto de iniciação científica [13,14] desenvolvido pelo primeiro autor sob a orientaçao do segundo autor. M. M. de Oliveira agradece à FAPEMIG pela bolsa de iniciação científica durante o período de março a julho de 2001 e ao extinto Grupo PET/CAPES/SESu do Departamento de Física da UFMG pelo suporte financeiro durante o ano de 2000. Os dois autores agradecem a Bernardo B. Lima, Marcelo T. Cunha e Remy Sanchis por terem lido e criticado versões anteriores deste manuscrito.

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  • [2] T. Tomé e M.J. de Oliveira, Dinâmica Estocástica e Irreverssibilidade, EdUSP, Săo Paulo (2001).
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  • [13] M.M. de Oliveira e G.A. Braga; Um estudo da fase subcrítica para o modelo de primeiros vizinhos em uma rede hiper-cúbica d-dimensional, Livro de resumos da IX Semana de Iniciaçăo Científica da UFMG, Belo Horizonte, (2000).
  • [14] M.M. de Oliveira e G.A. Braga; A desigualdade de Van den Berg-Kersten e suas aplicaçőes em modelos de percolaçăo , Anais da X Semana de Iniciaçăo Científica da UFMG, Belo Horizonte, (2001).
  • *
    ou de ligacões (bond percolation), sendo este termo mais comum na literatura em Física.
  • 1
    Diferentementemente dos modelos de difusão, em que o fluido é aleatório e o meio determinístico. Ver [2].
  • 2
    De maneira similar, também é possível definir o modelo de
    percolacão de sítios independentes, em que os sítios da rede são declarados abertos ou fechados, independentes um do outro.
  • 3
    Veja que retirar um ponto (abrir um elo) gera duas componentes conexas em
    d = 1, mas em
    d ³ 2 não.
  • 4
    uma prova pode ser vista em [9].
  • 5
    Kesten mostrou que
    pc(
    d) ~
    para dimensões grandes. Veja [9].
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Fev 2003
    • Data do Fascículo
      2002

    Histórico

    • Aceito
      26 Set 2002
    • Recebido
      23 Maio 2002
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